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Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 31(3):445-446, mar, 2015 EDITORIAL (ESCOLHA DAS EDITORAS) EDITORIAL (EDITOR'S CHOICE)

Agradeço às Editoras a oportunidade de ler o excelente texto de Paiva et al. (The Current State of Play of Research on the Social, Political and Legal Dimensions of HIV; p. 477-86) e de poder comentá-lo brevemente. A limitação do espaço disponível nos veículos de comu-nicação contemporâneos serve, habitualmente, de desculpa aceitável para a insuficiência dos comentários. Observo aqui, entretanto, que o texto original é uma revisão crítica de um vasto conjunto de apresentações e debates referentes a uma subdivisão (“track D”) da 20a

Conferência Internacional de AIDS, realizada em Melbourne, Austrália, em 2014.

Referendo a perspectiva dos autores de que vivemos em um mundo intolerante e agres-sivo com relação a um amplo conjunto de minorias, como também de segmentos sociais que não deveriam ser assim denominados (pois são maioria numérica em diversos contex-tos, como as mulheres e os jovens). A abrangência desse conjunto de segmentos sociais e culturais objeto de discriminação, quando não de violência simbólica e física, e, com fre-quência cada vez maior, extermínio, não me permite subscrever o ponto de vista de auto-res como Steven Pinker 1, no que ele denomina “The Better Angels of our Nature”. Para um

epidemiologista que atua na América Latina e analisa séries históricas curtas (isto é, de décadas, quando os tempos históricos são de séculos), os anjos protetores/promotores da não-violência não estão, infelizmente, entre nós. Gostaria de compartilhar do otimismo do autor quanto a perspectivas de longo prazo, mas ele me parece fruto da inconsistência de estatísticas que atravessam séculos e culturas as mais diversas, mensuradas por indi-cadores que não podem ser conceituados enquanto tais. No meu cotidiano, testemunho tendência oposta, de agressões dirigidas a usuários de drogas (população com a qual tra-balho), violência de cunho homofóbico e racial, agressões contra mulheres. Portanto, em

relação às populações denominadas “chave” (key populations), segundo a terminologia da

Organização Mundial da Saúde 2, não constato progresso (ainda que, em alguns contextos,

como o brasileiro, haja avanços, tímidos, em alguns marcos legais, no que diz respeito ao racismo, mas retrocesso com relação à homofobia).

A discussão dos autores sobre as sucessivas mudanças terminológicas das populações hoje ditas “chave” me lembrou as obras de Susan Sontag sobre as doenças e suas metá-foras mortíferas, que, para além do seu valor no campo das ciências sociais e da literatu-ra, estabeleceram um diálogo profundo com a superação da doença da própria autora e o adoecimento e morte de alguns dos seus amigos mais próximos em consequência da AIDS (em 1978 e 1988, respectivamente). Como mostram os autores, preconceito e estigma não morrem, se reconfiguram (e, espera-se, podem ser mitigados).

Reservo minha cota final de caracteres para lamentar a degradação da minha discipli-na, a epidemiologia, que vem perdendo o que Camões denominou “engenho e arte”, para se transformar, tantas vezes, em coleção de chavões. Lembremos que o texto de Victora et al. 3 sobre a premência de avaliar de forma integrada ações em saúde pública, ao invés

de transpor mecanicamente achados de ensaios clínicos é de 2004 (!) e que o próprio My-ron Cohen, líder das pesquisas sobre “tratamento como prevenção” (PrEP, no acrônimo in-glês), problematizou a ideia desejável, mas incrivelmente simplista, de eliminação do HIV

mediante intervenções biomédicas padrão 4. Endosso a esperança dos autores nas assim

denominadas “intervenções combinadas”, a depender, obviamente, do que contemplem

Engenho e arte em um mundo intolerante: breves comentários ao

texto de Paiva et al.

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Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 31(3):445-446, mar, 2015

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estas combinações, e faço minhas as críticas ao desmantelamento dos programas de redu-ção de danos em todo o mundo, em prol de uma suposta bala mágica (chame-se ela PrEP ou outra intervenção unilateral), que habita a imaginação de alguns, mas não o mundo em que vivemos.

Professor de jovens profissionais em epidemiologia e saúde coletiva, gostaria imensa-mente que meus jovens colegas lessem os textos fundamentais de sua disciplina e apren-dessem com a experiência acumulada, sabendo-se que não foi à toa que Ulisses fez com que ele próprio e seus marinheiros fossem amarrados ao mastro do navio ao singrar o mar em frente a Capri (ilha do canto mavioso, mas mortal, das sereias).

Francisco I. Bastos

Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil.

francisco.inacio.bastos@hotmail.com

1. Pinker S. The better angels of our nature: why vio-lence has declined. New York: Viking; 2011.

2. World Health Organization. Consolidated guidelines on HIV prevention, diagnosis, treatment and care for key populations. Geneva: World Health Organiza-tion; 2014.

3. Victora CG, Habicht JP, Bryce J. Evidence-based pub-lic health: moving beyond randomized trials. Am J Public Health 2004; 94:400-5.

Referências

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