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ADMINISTRADOR SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO

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Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 08S458

Relator: SOUSA PEIXOTO Sessão: 07 Maio 2008

Número: SJ200805070004584 Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: REVISTA.

Decisão: NEGADA A REVISTA.

ADMINISTRADOR SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO

JUSTA CAUSA DEVER DE OBEDIÊNCIA

Sumário

1. Tendo o trabalhador sido nomeado administrador de uma sociedade anónima pertencente ao mesmo grupo económico de que a sociedade sua entidade empregadora também faz parte, o respectivo contrato de trabalho fica suspenso a partir dessa nomeação e enquanto o trabalhador se mantiver no exercício daquelas funções.

2. Durante a suspensão, a prestação laboral não é exigível, o mesmo acontecendo com o dever de obediência que lhe é adstrito.

3. O dever de obediência a que o trabalhador está sujeito por via do contrato de trabalho restringe-se à execução e disciplina do trabalho que está obrigado a prestar.

4. Deste modo, não incorre em desobediência nem em faltas injustificadas o trabalhador que não cumpre a ordem que lhe foi dada para se apresentar nas instalações da sua entidade empregadora.

5. Decretado o seu despedimento com aqueles fundamentos, o mesmo deve ser declarado ilícito, por falta de justa causa.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

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1. AA propôs, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, a presente acção declarativa emergente de contrato individual de trabalho, contra Empresa-A – Companhia Produtora de Conservas Alimentares, S. A. e contra

Empresa-B – Comércio e Indústria de Produtos Alimentares, S. A., pedindo que os despedimentos de que foi alvo por parte de cada uma das rés fossem declarados ilícitos e que estas fossem condenadas a reintegrá-lo ao serviço, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, ou, em alternativa, a pagar-lhe a correspondente indemnização da antiguidade, se ele por esta vier a optar, e a pagar-lhe, ainda, as retribuições vencidas e vincendas desde o 30.º dia que antecedeu a data da propositura da acção até à data da sentença e juros de mora.

Em resumo, o autor alegou que entre ele e cada uma das rés existia um

contrato de trabalho, que as rés fizeram ilicitamente cessar por despedimento com invocação de justa causa, resultando tal ilicitude da nulidade do processo disciplinar e da inexistência de justa causa invocada.

Na contestação conjunta, as rés invocaram a prescrição dos créditos peticionados pelo autor e sustentaram a licitude dos despedimentos.

No saneador, a M.mª Juíza julgou improcedente a prescrição, seleccionou os factos admitidos por acordo e elaborou a base instrutória que foi objecto de desatendida reclamação por partes das rés.

Na sentença da 1.ª instância decidiu-se que o processos disciplinares

instaurados ao autor não sofriam de nulidade e decidiu-se que os factos neles imputados ao autor não constituíam justa causa de despedimento, tendo as rés sido condenadas a pagar ao autor a indemnização de antiguidade, as

retribuições vencidas desde o 30.º dia anterior ao da propositura da acção e os juros de mora, nos montantes e nos termos referidos naquela decisão.

As rés recorreram da sentença, mas o Tribunal da Relação de Lisboa julgou improcedente o recurso das rés.

Inconformadas, as rés interpuseram recurso de revista, tendo concluído as respectivas alegações da seguinte forma:

A) Atenta a factualidade assente sob as alíneas R) e S) e a relevância de se apurar se o recorrido continuou a receber das recorrentes o seu salário, deveria a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia ter sido declarada procedente.

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B) Por outro lado, dada a factualidade dada como provada, nomeadamente as respostas dadas aos quesitos 7.º, 8.º, 9.º e 12.º e dada a qualidade de

trabalhador do ora recorrido face às recorrentes, deveria ter sido reconhecido que se mantinham os deveres de obediência e os demais deveres decorrentes do contrato de trabalho.

C) O facto de o contrato de trabalho se encontrar suspenso não implicava, de modo nenhum, que tal suspensão se mantivesse enquanto a qualidade de administrador do recorrido se mantivesse registada na Conservatória do Registo Comercial.

D) Dito por outras palavras, tal circunstância jamais poderia legitimar o

recorrido a desobedecer à sua entidade patronal da forma ostensiva em que o fez.

E) Ademais, quando é certo, que o recorrido sabia, pelo menos desde de Dezembro – tinha que o saber antes, dada a sua qualidade de administrador – que as empresas do Grupo Empresa-D, em Moçambique, se encontravam sem actividade.

F) A simples circunstância da sua qualidade de administrador se encontrar registada até 2 de Abril de 2002, jamais lhe poderia permitir não acatar as ordens das suas entidades patronais e, na tese do acórdão recorrido, manter- se, mesmo sem actividade, a receber os salários que lhe eram pagos.

G) A suspensão do contrato de trabalho, como refere, e bem, o Prof. Menezes Cordeiro, apenas afecta as prestações principais (trabalho e retribuição), deixando intactos os deveres acessórios, com relevo para a boa fé e lealdade.

H) E durante tal suspensão, atentos os contornos do caso sujeito, não podiam deixar de ser imputadas ao trabalhador faltas injustificadas.

I) As empresas em que o trabalhador fora administrador estavam inactivas: o registo comercial, que não é oponível inter partes, não chega para justificar a suspensão, que cessou.

J) Ao não comparecer, o trabalhador incorreu em faltas injustificadas, justa causa de despedimento.

L) Mais grave: o trabalhador, convocado pelos seus superiores hierárquicos, que conhecia e reconhecia como tais, recusou-se a comparecer na empresa.

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M) Com isso, incorreu na violação do dever de obediência, numa área não suspensa por, de todo o modo, não estar em causa o trabalho efectivo.

N) Além disso, o trabalhador quebrou a comunicação com a empresa, durante vários dias, sem qualquer impedimento: com isso violou gravemente o seu dever de lealdade.

O) A atitude do trabalhador que, mesmo quando eventualmente em suspensão do contrato, recusa, sem qualquer impedimento, o contacto com a empresa, depois de devidamente convocado, quebra, em definitivo, a confiança que deve existir nas relações de trabalho, particularmente no nível dirigente.

P) A continuação da relação de trabalho torna-se inexigível, à entidade empregadora, nestas circunstâncias: há justa causa de despedimento.

Q) Devia, assim, a 3.ª questão elencada no acórdão recorrido, ter sido decidida no sentido de ser reconhecido que se verificava justa causa para

despedimento do recorrido, mau grado a suspensão do contrato que se verificara, até porque as recorrentes, no âmbito do seu poder directivo, lhe ordenaram que se apresentasse em Lisboa, dada a já referida inactividade das empresas em Moçambique;

R) Impondo-se, por isso, a revogação do douto acórdão recorrido, por violação, entre outros, dos art. 668°, n.º 1, al. d), do Cód. Proc. Civil, art. 9.º e 12.º do Decreto-Lei 64-A/89.

O autor não contra-alegou e, neste Supremo Tribunal, a Ex.mº Procuradora- Geral Adjunta pronunciou-se pela improcedência do recurso, em parecer a que as rés responderam.

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

2. Os factos

Os factos que, sem qualquer impugnação, vêm dados como provados desde a 1.ª instância e com base nos quais o recurso terá de ser apreciado, são os seguintes:

Factos assentes:

1. O autor foi admitido ao serviço de Empresa-C, S.A., em 1.04.96, para trabalhar, por tempo indeterminado, sob as suas ordens, direcção e

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2. Em 1.12.98, foi celebrado, entre a referida Empresa-C, a 1.ª ré e o autor, um contrato de cessão da posição contratual, de que foi junto cópia a fls. 22 a 24, nos termos do qual a 1.ª ré assumiu a posição de empregadora do autor.

3. No contrato antes referido é expressamente reconhecida ao autor a

categoria de Director e “a antiguidade que detinha na relação laboral anterior, isto é, 1/04/96”.

4. O autor foi admitido ao serviço da 2.ª ré – então chamada ... – em 1.04.96, para trabalhar, por tempo indeterminado, sob as suas ordens, direcção e fiscalização.

5. Com data de 8 de Janeiro de 2002, foram enviadas ao autor duas Notas de Culpa, uma pela 1.ª ré e outra pela 2.ª ré, subscritas pelas respectivas

administrações, de que foram juntas cópias a fls. 37 a 44 e 45 a 52, respectivamente, cujo teor se dá por devidamente reproduzido.

6. Essas Notas de Culpa foram acompanhadas de cartas em que é manifestada por ambas as rés a intenção de despedirem o autor.

7. O autor respondeu àquelas Notas de Culpa através dos documentos de que juntou cópia a fls. 53 a 57 e 58 a 62, cujo teor se dá por integralmente

reproduzido.

8. Os processos disciplinares iniciados com as Notas de Culpa referidas em 5.

concluíram ambos pela aplicação ao autor da sanção de despedimento,

invocando justa causa, nos termos dos documentos juntos por cópia a fls. 63 a 68 e 69 a 74.

9. Com data de 11 de Outubro de 2001, foi enviada ao autor uma carta da Empresa-D, S.A., de que foi junta cópia a fls. 75 a 77, cujo teor se dá por devidamente reproduzido, e que visou recapitular – do ponto de vista da remetente – um processo de negociação com vista à desvinculação do autor das empresas do grupo Empresa-D.

10. O autor não aceitou as condições propostas e, com data de 8 de Novembro de 2001, recebeu a carta da Empresa-D, S.A., de que foi junta cópia a fls. 78, com o seguinte teor:

Como é do seu conhecimento, encontramo-nos, desde Fevereiro p.pº., em liquidação dos activos detidos em Moçambique, investimentos esses que

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resultaram em insucesso, e a que esteve ligado na qualidade de responsável local pelos mesmos.

Como sabe, foi concretizada a venda da .../...., a Empresa-D – DISTRIBUIDORA MOÇAMBIQUE está em processo final de liquidação e já foi efectuada a

transferência da maioria do capital que detínhamos na SAP, pelo valor que conhece, para si e investidores por si indicados e/ou representados, conforme havia sido acordado no âmbito da cessação da sua relação contratual com o Grupo Empresa-D.

Assim deixa de se justificar a sua presença em Moçambique, tal como se esgotou a possibilidade de continuar ligado às empresas Empresa-A e Empresa-B (empresas a que formalmente está ligado no âmbito do Grupo), uma vez que cessou o seu Posto de Trabalho – a gestão ao 1.º nível dos investimentos em Moçambique cessou definitivamente.

Portanto, e uma vez que as tentativas para pormos termo, amigavelmente, à sua relação laboral, se esgotaram sem sucesso, iremos proceder à extinção do seu posto de trabalho com todas as consequências legais daí decorrentes.

Deste modo, deverá apresentar-se em Lisboa, até 10 de Dezembro de 2001, nas nossas instalações de Algés, a fim de contactar com o Sr. Eng.º BB, que o informará dos demais detalhes concernentes à sua situação, a não ser que entenda reponderar a sua posição no sentido de se obter um acordo, dentro das condições que já lhe foram referidas nas nossas cartas datadas de 1 de Agosto e 11 de Outubro p. pº..

11. Com data de 7 de Dezembro de 2001, foram enviadas ao autor, pela 1.ª e 2.ª rés, as cartas juntas por cópia a fls. 79 a 87 e 88 a 95.

12. Nessas cartas, as rés comunicam ao autor que, uma e outra, irão proceder à extinção do seu posto de trabalho, fazendo acompanhar essas cartas de uma

“fundamentação da extinção do posto de trabalho” do autor.

13. O autor deduziu oposição à extinção do seu posto de trabalho por cada uma das rés, enviando-lhes as respectivas contestações, por cartas datadas de 3.01.02, de que foram juntas cópias a fls. 96 a 101 e 102 a 107.

14. Com data de 8 de Janeiro de 2002, ambas as rés enviaram ao autor as cartas juntas por cópia a fls. 108 a 117 e 118 a 127, nas quais confirmam a extinção dos postos de trabalho do autor e a cessação dos contratos de trabalho no dia 15 de Março subsequente.

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15. Em ambos os processos disciplinares, as infracções disciplinares de que o autor foi acusado consistem em ter faltado injustificadamente, desde o dia 21 de Dezembro de 2001 até ao dia 8 de Janeiro de 2002 e em ter desobedecido a uma ordem de um superior hierárquico.

16. A “notificação” a que as Notas de Culpa se referem é a carta de que foi junta cópia a fls. 78 e referenciada em 10.

17. O autor, como trabalhador da 1.ª ré (Empresa-A – Companhia Produtora de Conservas Alimentares, S. A.) auferia a retribuição mensal global de €

4.422,67, composta por: remuneração de base - € 2.818,21; ajudas de custo - € 332,53; despesas pessoais - € 498,80; cheques auto - € 773,13.

18. Como trabalhador da 2.ª ré (Empresa-B – Comércio e Indústria e de Produtos Alimentares, S. A.), o autor auferia uma remuneração de base mensal no montante de € 1.646,03.

19. Em 1 de Fevereiro de 2002, Empresa-D Serviços, S. A. remeteu ao

advogado do autor, Dr. CC, uma carta registada com aviso de recepção, a que respeitam os documentos de fls. 207 e 208, por este recebida em 4.02.02.

Das respostas à base instrutória:

20. Para efeitos de negociação de um acordo tendente à sua desvinculação do grupo Empresa-D, o autor tinha constituído mandatário, o que comunicara à Empresa-D, S. A. (resp. ao ques. 2.º).

21. O Sr. Eng.º BB, referenciado na carta especificada em 10., à data, exercia funções de Director Geral da Empresa-D e de Director de Recursos Humanos de todo o Grupo Empresa-D (resp. ao ques. 3.º).

22. O autor sabia que o subscritor da carta especificada em 10., Dr. DD, era seu superior hierárquico em ambas as rés (resp. ao ques. 5.º).

23. À data da carta referida em 10., o Dr. DD era vogal do Conselho de

Administração da 1.ª ré e Presidente do Conselho de Administração da 2.ª ré (resp. ao ques. 5.º).

24. O Eng.º BB contactou com o autor com vista à negociação de uma solução para a sua situação laboral, por determinação do Dr. DD, superior hierárquico do autor nas rés (resp. ao ques. 6.º).

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25. O autor comunicara ao Grupo Empresa-D, na pessoa do Eng.º BB, ter voo de regresso para Portugal marcado para o dia 20 de Dezembro de 2001 (resp.

ao ques. 7.º).

26. Em 26 de Dezembro de 2001, pelo menos, o autor já se encontrava em Lisboa (resp. ao ques. 7.º).

27. O autor não se apresentou às rés até ao dia 8 de Janeiro de 2002 (resp. aos ques. 8.º e 9.º).

28. O mandatário do autor referido em 20. também não contactou as rés entre 21 de Dezembro de 2001 e 8 de Janeiro de 2002 (resp. ao ques. 10.º).

29. Em 2 de Janeiro de 2002, o Eng.º BB enviou ao mandatário do autor um fax, junto por cópia a fls. 245, com o seguinte teor:

(...)

Na sequência da nossa carta de 8.11.01 e do fax do Sr. Eng.º AA de 7.12.01 (Anexos), em que, para além de justificar a impossibilidade do seu regresso para Portugal, na data em que lhe havia sido indicada, o designa como seu representante legal, vimos, por este meio, comunicar-lhe que o Sr. Eng.º AA está em falta desde o passado dia 20 de Dezembro.

Neste sentido, solicitamos a V. Exa. que nos justifique a situação referida, sob pena de termos que actuar em conformidade. (resp. ao ques. 11.º).

30. Em Dezembro de 2001, o autor sabia que as empresas do grupo Empresa- D se encontravam sem actividade em Moçambique (resp. ao ques. 12.º).

31. A carta referida em 19. foi enviada para o autor, ao cuidado do seu Ilustre Mandatário, contendo as duas decisões finais dos processos disciplinares instaurados por cada uma das rés (resp. ao ques. 13.º).

Do acordo das partes e dos documentos juntos aos autos:

32. A 1.ª e a 2.ª ré são participadas pela sociedade Empresa-D, S. A., com sede na ré General Ferreira Martins, ..., Miraflores, Algés, que detém a totalidade do capital social daquelas sociedades.

33. Por escritura de 9 de Abril de 1998, foi constituída a Empresa-D Moçambique Distribuidora, S. A., com sede em Maputo, matriculada na

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Conservatória do Registo Comercial de Maputo, sob o n.º 10.894, sociedade de que a Empresa-D, S. A., era detentora da maioria do capital social.

34. O autor foi nomeado Presidente do Conselho de Administração da Empresa-D Moçambique Distribuidora, SARL até à reunião da primeira assembleia-geral.

35. Em assembleia-geral realizada em 6 de Julho de 1998, o autor foi nomeado administrador da Empresa-D Moçambique Distribuidora, SARL.

36. Na mesma data, o autor foi nomeado administrador-delegado da Empresa- D Moçambique Distribuidora, SARL.

37. Em 23 de Janeiro de 2002, foram nomeados os Srs. Drs. DD, EE e FF como membros do Conselho de Administração da Empresa-D Moçambique

Distribuidora, SARL,

38. Tendo essa nomeação sido inscrita no Registo Comercial de Maputo em 3 de Abril de 2002.

39. As Notas de Culpa e as cartas referidas em 5. e 6. foram recebidas pelo autor em 21 de Janeiro 2002.

40. Em 8 de Fevereiro de 2002, foram recebidas em mão pelo autor cartas das rés comunicando as decisões finais dos processos disciplinares instaurados por cada uma das rés, acompanhadas de cópias das referidas decisões finais, Notas de Culpa e respectivos anexos.

3. O direito

Como decorre das conclusões apresentadas pelas recorrentes, as questões a apreciar são as seguintes:

- Saber se a Relação devia ter considerado nula a sentença;

-Saber se os factos invocados pelas rés para despedir o autor constituem justa causa de despedimento.

3.1 Da nulidade da sentença

No requerimento de interposição do recurso de apelação, as rés arguiram a nulidade da sentença, alegando que “a Meritíssima Juíza “a quo” não se pronunciou sobre uma questão que deveria apreciar - análise e determinação se teria continuado a ser pago ao abrigo dos contratos de trabalho os salários

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pelas Recorrentes ao Recorrido, durante o exercício das suas funções de administrador, em Moçambique, questão indispensável para se concluir, como se fez, pela suspensão dos contratos de trabalho”.

A 2.ª instância julgou improcedente a referida nulidade, com o fundamento de que a omissão de pronúncia a que alude o art.º 668.º, n.º 1, al. d) do CPC diz respeito a questões e não a factos, entendendo-se por questões todos os pedidos deduzidos, toda as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente cabe ao tribunal conhecer, não tendo, ao invés do que defendem as rés, sido submetido à apreciação do tribunal

qualquer pedido, qualquer excepção relativamente aos alegados factos, sendo que estes também não consubstanciam qualquer excepção de conhecimento oficioso. De resto, disse a Relação, aquela alegação nem sequer consta da contestação.

No recurso de revista, as rés continuam a defender que a sentença é nula por omissão de pronúncia, por entenderem que a averiguação da factualidade por elas referida constitui uma questão da maior relevância para determinar o regime jurídico a que ficaram sujeitos os contratos de trabalho do autor, a partir de 9 de Abril de 1998.

Salvo o devido respeito, a alegação das rés não tem o menor cabimento.

Vejamos porquê

Nos termos do art.º 668.º, n.º 1, al. d), do CPC, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. A nulidade referida resulta da violação por parte do juiz do disposto no art.º 660.º do mesmo Código, nos termos do qual o juiz, ao elaborar a sentença, deve, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do art.º 288.º, começar por apreciar as questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica (n.º 1), passando depois a resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (n.º 2).

Como dizia A. Reis, (2) o art.º 660.º começa por determinar que o juiz

conheça, em primeiro lugar, das questões que possam conduzi-lo a absolver o réu do pedido, que são hoje as questões referidas no art.º 288.º do CPC e

“[r]esolvidas as questões prévias ou prejudiciais, há-de o juiz passar ao exame

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e conhecimento das questões de fundo ou de mérito, isto é, das questões que devem conduzi-lo à procedência ou improcedência da acção”.

Como decorre do ensinamento daquele mestre, as questões cuja omissão de pronúncia acarreta a nulidade da sentença são as questões de natureza

processual susceptíveis de conduzirem à absolvição da instância e as questões que contendem com o fundo ou o mérito da causa. E, como é fácil de ver, a omissão de pronúncia que as rés imputam à sentença prende-se

exclusivamente com a decisão da matéria de facto que é uma decisão diferente da sentença.

Deste modo, os eventuais erros cometidos na selecção dos factos

controvertidos, na apreciação das provas e na fixação da matéria de facto não determinam a nulidade da sentença (3) e a lei adjectiva prevê mecanismos específicos para as partes reagirem contra esses vícios: reclamação da base instrutória (art.º 511.º, n.º 2); impugnação, no recurso interposto da decisão final, do despacho proferido sobre a reclamação (art.º 511.º, n.º 3);

impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto (art.º 690.º-A).

No caso em apreço, as rés impugnaram a base instrutória, mas por razões que nada tinham a ver com a factualidade cuja falta de averiguação determinaria a nulidade da sentença por elas arguida, e, no recurso de apelação, não

impugnaram o despacho proferido sobre a reclamação à base instrutória nem impugnaram a decisão proferida sobre a matéria de facto. Ou seja,

relativamente à factualidade em causa, as rés não utilizaram nenhum daqueles mecanismos processuais, sendo certo que o recurso a esses mecanismos

também não era viável, uma vez que aquela factualidade não foi alegada nem pelas rés nem pelo autor, o que torna ainda mais incompreensível a arguida nulidade da sentença.

Improcede, pois, o recurso, nesta parte.

2. Da justa causa

Nos termos do art.º 9.º, n.º 1, da LCCT, (4) aqui aplicável, uma vez que o autor foi despedido antes da publicação do Código do Trabalho, constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua

gravidade e consequências, torne imediata a praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

O conceito de justa causa subjectiva pressupõe, pois e antes de mais, a existência, por parte do trabalhador, de uma violação culposa dos deveres a

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que está adstrito por força do contrato de trabalho. Não basta, porém, uma qualquer violação e uma qualquer culpa. É necessário que a violação seja grave, em si mesma ou nas suas consequências, e que essa gravidade seja de tal ordem que o despedimento se apresente como a única saída razoável para a crise contratual por ela desencadeada, o que implica um juízo de prognose sobre a viabilidade futura da relação laboral.

Tal juízo de prognose tem de ser feito em concreto e segundo os critérios de um bonus pater famílias, isto é, de um empregador razoável, levando em conta os interesses subjacentes ao preceito constitucional que garante aos

trabalhadores a segurança no emprego e proíbe os despedimentos sem justa causa (art.º 53.º da CRP) e os interesses do empregador na desvinculação e atendendo, conforme dispõe o art.º 12.º, n.º 5, da LCCT, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e seus

companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.

E, tudo ponderado, será de concluir pela verificação da justa causa quando

“não seja exigível ao empregador o uso de medida disciplinar que possibilite a permanência do contrato”, (5) ou seja, quando “a continuidade da vinculação representaria (objectivamente) uma insuportável e injusta imposição ao empregador”, quando “[n]as circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações (pessoais e patrimoniais) que ele supõe seria de molde a ferir de modo desmesurado e violento a sensibilidade e a liberdade

psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do empregador”(6).

Por outras palavras, haverá a justa causa quando, em termos psicológicos e face ao comportamento do trabalhador, deixaram de existir as condições

mínimas de suporte de uma vinculação duradoura, que implica mais ou menos frequentes e intensos contactos entre os sujeitos (7).

Para além do conceito de justa causa, a LCCT contém um elenco, não taxativo, de situações que são susceptíveis de constituir justa causa de despedimento. A desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores e as faltas não justificadas ao trabalho que determinem

directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa ou,

independentemente de qualquer prejuízo ou risco, quando o número de faltas injustificadas atingir, em cada ano, cinco seguidas ou dez interpoladas (art.º 9.º, n.º 2, alíneas a) e g)).

No caso em apreço, a justa causa invocada pelas rés para despedirem o autor

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que o autor tinha sido notificado por carta de 8 de Novembro de 2001 para se apresentar nas suas instalações em Lisboa (Algés) até ao dia 10 de Dezembro de 2001, a fim de contactar com o Eng. BB, não tendo aí comparecido até ao dia 8 de Janeiro de 2002 (data em que lhe foram enviadas as notas de culpa), apesar de ter regressado de Moçambique no dia 20 de Dezembro de 2001.

Com interesse para ajuizar da justa causa invocada, estão provados os seguintes factos:

- o autor era trabalhador subordinado das rés (factos 1, 2, 3 e 4);

- as rés são participadas pela sociedade Empresa-D, S.A., a qual detém a totalidade do capital social daquelas (facto .º 32);

- por escritura lavrada em 9 de Abril de 1998, foi constituída uma outra sociedade, a Empresa-D Moçambique Distribuidora, SARL, com sede em Maputo, cujo capital social era maioritariamente detido pela Empresa-D, S.A.

(facto 33);

- o autor foi nomeado presidente do conselho de administração da referida sociedade até à reunião da primeira assembleia-geral e que na assembleia- geral realizada em 6 de Julho de 1998 foi nomeado administrador (factos 34 e 35);

- em 23 de Janeiro de 2002, foi nomeada uma nova administração da Empresa- D Moçambique, tendo essa nomeação sido inscrita no registo comercial de Maputo em 3 de Abril de 2002 (factos 37 e 38);

- a Empresa-D, S.A. enviou ao autor a carta de fls. 78, datada de 8 de

Novembro de 2001, dela constando, além do mais que ao caso não interessa, que o autor deveria apresentar-se em Lisboa, até 10 de Dezembro de 2001, nas instalações daquela sociedade, em Algés, a fim de contactar com o Sr.

Eng.º BB (facto 10);

- o Eng.º BB exercia as funções de Director Geral da Empresa-D e de director de recursos humanos de todo o grupo Empresa-D (facto 21);

- o autor sabia que o subscritor daquela carta, Dr. DD, era seu superior

hierárquico em ambas as rés, por ser vogal do conselho de administração da 1.ª ré e presidente do conselho de administração da 2.ª ré (factos 22 e 23);

- o autor comunicou ao Eng.º BB que tinha voo marcado para o dia 20 de Dezembro (facto 25),

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- pelo menos, no dia 26 de Dezembro de 200, o autor já se encontrava em Lisboa (facto 26);

- até ao dia 8 de Janeiro de 2001, o autor ainda não se tinha apresentado às rés (facto 27);

- em 2 de Janeiro de 2002, o Eng.º BB enviou um fax ao mandatário do autor comunicando-lhe que o autor estava em falta desde o dia 20 de Dezembro e solicitando-lhe a justificação da situação (facto 29);

- entre 21 de Dezembro de 2001 e 8 de Janeiro de 2002, o mandatário do autor não contactou as rés (facto 28);

- em 8 de Janeiro de 2002, cada uma das rés enviou ao autor uma nota de culpa, acusando-‑o de ter desobedecido à ordem contida na carta de 8 de Novembro de 2001 e de estar a faltar injustificadamente desde o dia 21 de Dezembro de 2001 (facto 15);

- em 8 de Fevereiro de 2002, o autor recebeu, em mão, as cartas de despedimento (facto 40);

- o autor foi despedido, após a instauração de processo disciplinar por cada uma das rés, com invocação de justa causa, por alegadamente não ter

cumprido a ordem que de tinha sido dada na carta de 8 de Novembro de 2001 que a Empresa-D, S.A. lhe tinha enviado e por ter faltado injustificadamente ao serviço durante onze (11) dias úteis no período de 21 de Dezembro de 2001 a 8 de Janeiro de 2002 (factos 5, 8 e 40 e as notas de culpa e as decisões de despedimento, de fls. 38-39, 46-47, 64-67 e 70-73, para que aí se remete);

- em Dezembro de 2001, o autor sabia que as empresas do grupo Empresa-D se encontravam sem actividade em Moçambique (facto 30).

Com base na factualidade referida, na decisão recorrida entendeu-se, tal como já havia sido entendido na sentença, que os contratos de trabalho existentes entre o autor e cada uma das rés tinham ficado suspensos, por força do disposto no art.º 398.º, n.º 2, do CSC, quando ele foi nomeado para exercer funções de administrador da Empresa-D Moçambique. E mais se entendeu que aquela suspensão tinha perdurado até 3 de Abril de 2002, data em que a

nomeação da nova administração foi inscrita no registo comercial; que o regime aplicável aos contratos de trabalho, durante o período de suspensão, era o contido no Decreto-Lei n.º 398/83, de 2 de Novembro; que, durante a suspensão dos contratos e por força do disposto no art.º 2.º, n.º 1, daquele

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D.L., apenas se mantinham os direitos, deveres e garantias das partes que não pressuponham a efectiva prestação de trabalho, podendo o trabalhador ser disciplinarmente punido pela violação desses deveres; e que, devido àquela suspensão, o autor não estava obrigado a cumprir a ordem contida na carta de 8 de Novembro de 2001, lhe fora dada pela Empresa-D, S.A., nem a

comparecer ao serviço.

As rés discordam da decisão recorrida, embora reconheçam que a mesma é, à primeira vista, indiscutível, face ao disposto no art.º 398.º do CSC, quer no que toca à desobediência, quer no que toca às faltas. E, apoiando-se num parecer, que juntaram, da autoria do Professor Doutor Menezes Cordeiro, alegaram, em resumo, o seguinte:

- os efeitos da suspensão da relação laboral dependem de cada situação em concreto e foi por não ter levado isso em conta que o acórdão recorrido errou na decisão tomada, por não ter enquadrado correctamente a situação de facto e por, consequentemente, ter efectuado uma inadequada subsunção dos factos às normas jurídicas pertinentes;

- dos factos provados resulta que o recorrido sabia, tão bem ou melhor que ninguém, pelo menos desde Dezembro de 2001, que os investimentos em Moçambique iam terminar e que a sua posição de administrador também, sendo, por isso, essencial definir a sua situação com as recorrentes para o que já havia sido atempadamente alertado, designadamente pela carta de 8 de Novembro de 2001;

- as recorrentes, no seguimento dos contactos posteriores à carta e dando tempo ao recorrente, ficaram a aguardar que este, aproveitando a sua vinda a Lisboa, se apresentasse para se proceder às negociações em causa;

- a deslocação do autor às instalações das rés em Lisboa em nada afectaria as suas funções de administrador em Moçambique, ou seja, a ordem para se apresentar podia ser perfeitamente cumprida, mau grado a suspensão da relação laboral;

- mais do que isso, se tornava imperioso, face à situação em Moçambique, que tudo se clarificasse e definisse o mais rapidamente possível; por outras

palavras, o cumprimento da ordem impunha-se, naquele momento, para permitir uma adequada articulação das duas situações do recorrido – a de administrador, em Moçambique, que iria terminar e a continuidade ou não da sua relação laboral ao serviço das recorrentes; que tão pouco o recorrido, ou o seu mandatário, se preocuparam em justificar a ausência daquele, ou sequer

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invocaram a suspensão da relação laboral; que o recorrido, intencionalmente, desrespeitou de forma ostensiva e frontal a ordem do seu superior

hierárquico, Dr. DD, e, intencionalmente, humilhou a sua entidade empregadora e o seu superior hierárquico;

- a subordinação jurídica não desaparece, pelo simples facto da relação laboral se encontrar suspensa;

- a suspensão do contrato de trabalho, por força do art.º 398.º, n.º 2, do CSC, consta do Decreto-‑Lei n.º 398/83, de 2 de Novembro, que no seu art.º 2.º, n.º 1, estipula que “[d]urante a redução ou suspensão mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes, na medida em que não pressuponham a efectiva prestação de trabalho”;

- o disposto neste normativo quer, fundamentalmente, dizer que tal não há lugar à prestação de trabalho e que não há lugar ao pagamento da retribuição;

- os deveres acessórios, de ambos os lados, mantêm-se em vigor e devem ser acatados, sob pena de inobservância do contrato, o que bem se compreende, uma vez que o trabalhador mantém essa qualidade, tal como o empregador mantém a dele;

- daí resultam deveres de ordem pessoal – de lealdade, de fidelidade, de confiança e de probidade – que, pela natureza das coisas, nunca se poderia considerar suspensos; que o trabalhador, mesmo suspenso, continua a identificar-se, para efeitos internos e externos, como pertencente à empregadora;

- o lustro das suas actuações, ou a falta dele, vai repercutir-se na empresa;

- as actuações menos cívicas, desobediências claras e desconsiderações dirigidas aos seus superiores hierárquicos aniquilam a confiança que nele se deposite, traduzindo, antes de mais, quebras nos deveres de lealdade e de boa fé, parecendo inadequado considerar que tais deveres se manifestam, apenas, na constância da prestação de trabalho, uma vez que a relação de trabalho, como, de resto, qualquer relação obrigacional, é bem mais do que a troca de prestações principais, in casu, salário por trabalho;

- há todo um conjunto de deveres acessórios que tornam a relação laboral aproveitável para a empresa, e os aspectos acessórios mais se identificam quando se esteja perante pessoal dirigente;

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- nenhuma empresa pode subsistir sem organização e, daí, sem disciplina e admitir-se, no seu seio, um ambiente de desconsideração pelas cadeias hierárquicas e pelas instruções lícitas e razoáveis recebidas, ainda que não relacionadas com a material prestação de trabalho, seria negar uma série de valores que o direito do trabalho moderno não pode deixar de ter em conta;

- no caso em apreço, a ordem dada ao autor era plenamente justificada, pois não punha em causa a sua situação de administrador, antes pelo contrário, era consequência do fim que se avizinhava desta mesma situação;

- ninguém porá em causa, senão em homenagem a um rigor jurídico estritamente formal e até hipócrita, que o autor se deslocava a Lisboa, no âmbito da sua relação laboral, para definir a sua situação no futuro imediato, já que a sua situação como administrador estava a terminar e nisso a vontade da empresa holding do Grupo, a que o autor pertencia, era determinante, como, aliás, se veio a verificar em 23 de Janeiro de 2002, com a eleição de outra administração para a Empresa-D Moçambique;

- o autor não tinha quaisquer funções efectivas como administrador, foi

chamado pelos seus superiores hierárquicos para se apresentar na empresa e desobedeceu, mantendo-se inactivo por quase três semanas e é perante esta realidade que devemos aplicar o direito;

- no momento temporal concreto de Dezembro de 2001, face à situação dos investimentos em Moçambique, o dever de assiduidade ligado à necessária definição da posição do recorrido no seio das recorrentes, reactivou-se e, assim, ao deslocar-se a Lisboa para aí ficar e não tendo comparecido, nem justificado essa não comparência, o recorrido incorreu na prática de faltas injustificadas;

- é certo que, pelo registo comercial, ele ainda era dado como administrador, mas o registo ou falta dele não é oponível entre as próprias partes (art.º 13.º, n.º 1, do Código do Registo Comercial);

- no que tange às relações entre as partes, e, logo, à relação de trabalho, o facto relevante é o da inactividade do autor, como administrador;

- formalmente o contrato de trabalho estava suspenso, com as consequências daí resultantes: não-trabalho e não-retribuição, mas, dado o esvaziamento das funções de administrador, poder-se-ia dizer que a suspensão terminara, pelo menos nas relações entre as partes e o autor devia ter reiniciado as suas

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funções laborais e, não o tendo feito, incorreu em faltas injustificadas, justificando-se, só por aqui, o despedimento;

- dada a qualidade da pessoa, é óbvio que houve perfeita consciência de quanto referimos, presumindo-se a culpa nos termos do art.º 799.º, n.º 1, do C.C.;

- com ou sem suspensão do contrato, o autor estava obrigado a cumprir os deveres de boa fé e de lealdade e, tendo sido chamado pela entidade

empregadora, deveria ter-se apresentado, não colhendo o argumento de que o dever de obediência estava suspenso, uma vez que tal dever não pressupõe a prestação de trabalho;

- o problema não se resolve com o jogo formal da Empresa-D ser ou não a empregadora directa, porquanto o autor foi chamado pelos seus superiores hierárquicos directos e ele sabia-o, como foi provado;

- ao não comparecer, o autor quebrou a comunicação entre ele e a entidade empregadora, daí resultando uma consequência da maior gravidade;

- com efeito, a relação de trabalho, independentemente da suspensão, é, por definição, uma relação pessoal, que subsiste por haver contactos e

comunicações entre as partes e a quebra da comunicação é gravíssima, por destruir, pela base, qualquer ideia de colaboração;

- o trabalhador que corta o contacto com a entidade empregadora viola, no mínimo e gravemente, a lealdade que, entre ambos, deve existir e essa quebra de confiança é definitiva.

Como decorre do teor das referidas alegações, a tese das recorrentes assenta essencialmente em dois argumentos: o dever de obediência do trabalhador mantém-se mesmo durante a suspensão do contrato, excepto relativamente à prestação de trabalho em si; em termos práticos, a suspensão dos contratos de trabalho do autor já tinha cessado, por estar provado que, em Dezembro de 2001, as empresas do grupo Empresa-D se encontravam sem actividade, em Moçambique, sendo irrelevante inter-partes que no registo comercial o autor ainda figurasse como administrador.

Salvo o devido respeito, os argumentos aduzidos não merecem acolhimento.

Vejamos porquê.

Nos termos do n.º 1 do art.º 398.º do CSC, “[d]urante o período para o qual foram designados, os administradores não podem exercer, na sociedade ou em

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sociedade que com esta estejam em relação de domínio ou de grupo, quaisquer funções temporárias ou permanentes ao abrigo de contrato de trabalho, subordinado ou autónomo, nem podem celebrar quaisquer desses contratos que visem a prestação de serviços quando cessarem as funções de administrador”.

E de acordo com o disposto no n.º 2 do mesmo artigo, “[q]uando for designada administrador uma pessoa que, na sociedade ou em sociedades referidas no número anterior, exerça qualquer das funções mencionadas no mesmo número, os contratos relativos a tais funções extinguem-se, se tiverem sido celebrados há menos de um ano antes da designação, ou suspendem-se, caso tenham durado mais do que esse ano”.

As recorrentes não põem em causa a suspensão dos contratos que entre cada um delas existia com o autor, aquando da sua nomeação para funções de administrador da Empresa-D Moçambique Distribuidora, S.A.R.L., com sede em Maputo. Nem questionam que essa suspensão se manteve, pelo menos formalmente, isto é, em termos de registo comercial, até 3.4.2002, data em que foi registada a nomeação da nova administração daquela sociedade, que havia sido eleita em 23 de Janeiro de 2002. A este respeito, as recorrente limitaram-se a alegar que, na prática, o autor já tinha deixado de exercer aquelas funções em Dezembro de 2001, uma vez que, nessa ocasião, as empresas do grupo Empresa-D já não tinham actividade em Moçambique, e que o registo não produzia efeitos entre as partes.

Porém e ao contrário do que as recorrentes defendem, não está provado que as funções de administração do autor tivessem efectivamente cessado, pelo facto de, em Dezembro de 2001, as empresas do Grupo Empresa-D se

encontrarem sem actividade em Moçambique, pois, como é sabido, a cessação da actividade económica de uma sociedade não significa, só por si, que as tarefas da administração também tenham terminado.

E também não está provado que as rés e o autor fossem accionistas da empresa de que este era administrador, não podendo, por isso, ser

considerados como partes para efeitos do disposto no art.º 13.º, n.º 1, do Código do Registo Comercial, nos termos do qual “[o]s factos sujeitos a registo, ainda que não registados, podem ser invocados entre as próprias partes ou seus herdeiros”, valendo, por isso, o disposto nos n.º 1 do art.º 14.º do mesmo Código, nos termos do qual “[o]s factos sujeitos a registo só

produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo”, sendo que, nos termos do art.º 3.º, n.º 1, al. m), do referido Código, a designação e

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cessação de funções, por qualquer causa que não seja o decurso do tempo, dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização das sociedades

comerciais e sociedades civis sob forma comercial são factos que estão sujeitos a registo.

Deste modo, não podemos deixar de concluir que o autor se manteve efectivamente em funções de administrador até 3.4.2002, data em que a nomeação da administração eleita em 23 de Janeiro de 2002 foi objecto de inscrição no registo comercial, o que vale por dizer que os contratos de trabalho que mantinha com cada um das rés se mantiveram suspensos até essa data, devido ao impedimento legal previsto no n.º 2 do art.º 398.º do CSC e que, devido a essa suspensão, não estava obrigado a prestar a sua actividade laboral às rés. Pelo contrário, estava mesmo impedido de o fazer, por força do normativo referido. Só depois daquele impedimento ter terminado é que o autor ficou obrigado a apresentar-se às rés, suas entidades empregadoras, para retomar o serviço, sob pena de incorrer em faltas injustificadas. O

disposto no art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 398/83, de 2 de Novembro, é bem claro a esse respeito, ao prescrever que “[t]erminado o impedimento, o trabalhador deve apresentar-se à entidade empregadora, para retomar o serviço, sob pena de incorrer em faltas injustificadas”.

E sendo assim, como se entende que é, é óbvio que o autor não violou o dever de assiduidade, pelo facto de não se ter apresentado nas instalações das rés, em Lisboa, entre os dias 21 de Dezembro de 2001 e 8 de Janeiro de 2002, conforme lhe tinha sido ordenado na carta de 8 de Novembro de 2001, não tendo, por isso, incorrido em faltas injustificadas, pelo que não se verifica, nesta parte, a justa causa invocada pelas rés para sustentar o seu

despedimento.

E, no que toca à desobediência que lhe foi imputada, por não se ter

apresentado conforme o ordenado na aludida carta, também não podemos deixar de concluir que a justa causa não se verifica.

Na verdade, estando os contratos de trabalho suspensos, suspensa estava também a obrigação do autor prestar o seu trabalho e, consequentemente, o dever de obediência a que estava sujeito para com as rés, enquanto seu trabalhador subordinado, dado que, nos termos do art.º 20.º, n.º 1, al. c), da LCT, o dever de obediência é restrito à execução do trabalho. Não é um dever de obediência absoluto, pois, como se diz naquele normativo, o trabalhador deve “[o]bedecer à entidade patronal em tudo o que respeita à execução e

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disciplina do trabalho, salvo na medida em que as ordens e instruções daquela se mostrem contrárias aos seus direitos e garantias”.

Aliás, a carta não é clara acerca das razões subjacentes à ordem de apresentação que nela foi dada ao autor.

Por outro lado, relativamente à alegada violação do dever de lealdade referida nas conclusões G) e N) da alegação de recurso, limitámo-nos a dizer que tal violação não consta da nota de culpa nem se suporta em quaisquer factos nela incluídos.

Falece, pois, deste modo, toda a argumentação produzida pelas rés no sentido de tentarem convencer da bondade da tese que sustentaram no recurso, que assim tem de ser julgado improcedente.

4. Decisão

Nos termos expostos decide-se negar a revista e manter a decisão recorrida.

Custas pelas recorrentes.

Lisboa, 7 de Maio de 2008 Sousa Peixoto (Relator) Sousa Grandão

Pinto Hespanhol

---

(1) - Relator: Sousa Peixoto (R.º 248); Adjuntos: Sousa Grandão e Pinto Hespanhol.

(2) - “Código de Processo Civil anotado”, Volume V (Reimpressão) p. 48 e 49.

(3) - Neste sentido, vide acórdão do STJ de 13.7.2005, proc. 1596/04, da 4.ª Secção.

(4) - Regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27/2.

(5) - António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, vol. I, 9.ª edição, p.

521.

(22)

(6) - Autor citado, Direito do Trabalho, 12.ª edição, p. 559.

(7) - Vide autor, obra e local citados na nota anterior.

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