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Eixo temático: Campesinato e Soberania Alimentar

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Academic year: 2022

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Resgate cultural no processamento de produtos derivados da macaxeira no Assentamento Engenho Baeté, Barreiros PE.

Cultural salvaging in the processing of derivative products of Manihot esculenta in Settlement Engenho Baeté, Barreiros PE.

SILVA, Laudenice Maria da1; GOMES, Nataly Almeida1; OLIVEIRA, Ely José dos Santos1; LIMA, Elizabete Silva de1; BERNARDES, Tatiely Gomes2

1 Discentes agricultores do curso Tecnologia em Agroecologia – IFPE/Campus Barreiros, laudenicesilva1988@gmail.com, natalyalmeida1911@gmail.com, elyoliveira10@gmail.com, betjundia@hotmail.com; 2 Docente - IFPE/Campus Barreiros, tatiely.gomes@barreiros.ifpe.edu.br

Eixo temático: Campesinato e Soberania Alimentar

Resumo: O presente artigo relata como foi a vivência dos estudantes e professores do curso Tecnologia em Agroecologia do IFPE/Campus Barreiros em interação com os agricultores e agricultoras locais do assentamento do Engenho Baeté com objetivo de resgatar e manter a cultura local para a produção de farinha e outros derivados da macaxeira numa casa de farinha artesanal. Durante a vivência na casa de farinha, além da produção da farinha, psica, beiju-curumba, beiju e tapioca, houve também, troca de conhecimentos e histórias regionais passadas foram relembradas. Os produtos beneficiados foram distribuídos entre os participantes e o excedente foi comercializado para ajudar na renda dos agricultores. Contudo, a troca de experiência foi um resgate cultural na produção de alimentos saudáveis, sendo uma estratégia para o estímulo à diversificação produtiva e para o desenvolvimento de sistemas mais sustentáveis.

Palavras-Chave: casa de farinha; práticas tradicionais; mandioca; agroecologia.

Keywords: flour house; traditional practices; cassava; agroecology.

Contexto

Na atualidade a dependência para aquisição de alimentos básicos no comércio tem proporcionado uma insegurança alimentar de muitas famílias de agricultores. Isto tem desencadeado uma erosão sociocultural e perda de valores que orientavam as estratégias de produção, beneficiamento e diversificação do consumo. Para Caporal

& Costabeber (2004) o resgate de conhecimento locais, de tecnologias “primitivas”, de baixos rendimentos, poderiam contribuir à geração de novos conhecimentos orientados ao desenvolvimento de uma agricultura assentada de base agroecológica e, talvez, menos dependente de insumos industriais de custos elevados.

O cultivo da cana-de-açúcar dominou e ainda domina a maior parte das áreas cultivadas na Zona da Mata Sul de Pernambuco. A décadas atrás em alguns engenhos era permitido o plantio de outras culturas nas proximidades das casas dos funcionários, dentre elas a macaxeira, visando o consumo in natura e o processamento da farinha nas casas de farinha artesanais. Ela era chamada por alguns como a “prima pobre” do engenho de açúcar – segundo relato de agricultores, ou seja, se constituía uma outra fonte de renda e alimento para as famílias dos funcionários da usina.

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Com a falência da Usina Central Barreiros no município de Barreiros - PE, no final da década de 90, os trabalhadores rurais foram coagidos a procurar outra fonte de renda, expulsos das casas nas propriedades da usina, acabaram migrando para outras regiões, deixando de lado a prática da fabricação da farinha e de outros derivados da macaxeira nas casas de farinhas artesanais pertencentes as áreas da usina.

No ano de 2002, quando as terras dos assentamentos rurais advindos da reforma agrária finalmente foram entregues aos atuais proprietários, os mesmos, já de posse do seu pedaço de terra, puderam voltar a plantar. Entretanto, como o acesso aos artefatos necessários para o funcionamento da casa de farinha, como construção do forno, prensa e cueitatu (triturador), são de custos elevados, houve uma enorme dificuldade na época. Contudo, Sr. Edgar Porciano da Silva, Dona Maria Serrate da Silva e família, com muito esforço – segundo próprio relato da família, instalaram no ano de 2014 a primeira e única casa de farinha artesanal na agrovila do Engenho Baeté. Conforme Laudenice, filha do casal: “meu pai, como chefe de família, sempre soube a importância que a casa de farinha teve para nós e o quanto matou nossa fome, então, não importava onde morássemos, ela era indispensável”. Infelizmente Sr. Edgar faleceu um ano após a construção da mesma.

No decorrer dos anos algumas benfeitorias foram realizadas na casa de farinha, pelos filhos do Sr. Edgar, contudo ainda conserva sua simplicidade, com piso de barro batido e colunas em alvenaria, coberta de telhas Brasilit. A casa de farinha atende todos os moradores agricultores da agrovila do Engenho Baeté, principalmente para a produção da farinha para consumo próprio, e o excedente é comercializado.

O objetivo da vivência foi a troca de saberes entre agricultores e agricultoras locais, estudantes do curso Tecnologia em Agroecologia e professores do IFPE Campus/Barreiros, no resgate e manutenção da cultura local para a produção de farinha e outros derivados da macaxeira numa casa de farinha artesanal.

Descrição da Experiência

A vivência foi realizada no dia 17 de março de 2019 no Assentamento de Reforma Agrária, Engenho Baeté, na zona rural de Barreiros, Mata Sul de Pernambuco. A casa de farinha artesanal fica localizada na agrovila, na propriedade de Dona Maria Serrate da Silva. Houve a participação de agricultores e agricultoras os quais também são estudantes do curso de Tecnologia em Agroecologia, estudantes e professores do referido curso com suas famílias, totalizando em 31 colaboradores.

No dia anterior a vivência, no início da tarde foi realizada a colheita e o transporte da macaxeira (Manihot esculenta) para a casa de farinha. Também foi colhida lenha/madeira seca como: bambu, cajueiro, espinheiro e palha de coqueiro para acender o forno.

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Na manhã do dia 17 de março, estudantes e professores reuniram-se com os agricultores que já lá estavam para a raspagem dos doze sacos de macaxeira (aproximadamente 200 kg). Este primeiro momento, como de costume foi bastante descontraído, no qual todos de posse de uma faca, sentaram-se em tamboretes ou no chão e enquanto raspavam as macaxeiras, contavam casos, piadas e histórias mirabolante a fim de entreter e o tempo passar rápido.

Antes que se raspassem os últimos sacos de macaxeira extraídos, começou o processo de cevagem (ralação), onde foram inseridas as macaxeiras no cueitatu (triturador) para moer, ato realizado inicialmente pelos agricultores e agricultoras que já dominavam a prática, e posteriormente pelos estudantes e professores. Após a cevagem deu-se início a prensagem, que é realizada com a colocação da massa da macaxeira moída sobre camadas dentro do compartimento da prensa e coberto por uma taboa grossa de madeira que é pressionada por um parafuso afim de retirar a manipueira (água da massa), e secar a massa da macaxeira.

Todos esses processos ocorreram de forma simultânea com a cooperação de todos os envolvidos. Enquanto ainda se raspavam, cevavam (ralavam) e prensavam as macaxeiras, as madeiras foram introduzidas no forno para um pré-aquecimento.

De parte do material cevado, retirou-se a goma para a fabricação da tapioca. O processo de retirada da goma é realizado com a lavagem da massa dentro de uma sacola de pano/algodão, adição de água e espremendo o excesso, devolvendo o excedente para a prensagem e deixando o líquido retirado em pousio, para que a goma se concentre no fundo do recipiente, e posteriormente seja retirada.

Após o término da prensagem, a massa seca é peneirada em uma peneira de malha fina, separando a parte grossa, ou seja, a crueira. Em seguida é lançando ao forno a massa fina, e mexida com um rodo de madeira de cabo longo no forno já aquecido.

A crueira após o processamento da farinha é utilizada para resfriar o forno, evitando o surgimento de rachaduras. Posteriormente a crueira é utilizada como complemento alimentar para aves.

O ato de mexer a farinha deve ser constante e com ritmo para não embolar a massa e não queimá-la, evitando a perda do valor comercial. Neste momento, a casa de farinha parece uma grande engrenagem humana na qual todas as peças desempenham um papel fundamental e indispensável para obter um produto que todos colaboraram. Em meio a tudo isso uma das agricultoras, ensinou-nos o passo a passo da fabricação do beiju-curumba. O beiju-curumba é feito com a goma retirada anteriormente, e seca com a ajuda de uma toalha, peneirou-a e adicionou:

água de coco, massa mole de macaxeira e coco até ficar no ponto de fazer bolos na mão. No próximo passo a farinha é recolhida no forno nas bordas e acomoda o preparado em forma de um círculo pressionada contra o forno até aderir uniformemente, em seguida mexe-se a farinha novamente, passando camadas finas por cima do beiju-curumba, tendo cuidado para não desmancha-lo, durante aproximadamente uns quinze minutos, ou até a parte inferior da massa começar a

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dourar (com uma tonalidade amarelada). Enrola-se o beiju-curumba e retira-o do forno, dando continuidade ao mexer da massa (Figura 1-D). Também, foi retirado um pouco da farinha ainda úmida que estava no forno para o processamento da psica, na qual é adicionada vinagre, verduras, cubos de charque e sardinha à gosto (Figura 1-C).

Com a ajuda dos agricultores, estudantes e professores se prontificaram a aprender a manusear o rodo para secar a farinha, após a torra da farinha a mesma foi posta em sacos de algodão alvejados (Figura 1-E). Com o término da produção da farinha, deu- se início a fabricação de beijus e tapiocas. Nesse momento todos os envolvidos se acomodam em volta do forno e começam a colocar a massa em formas de círculo e adicionar o coco ralado para servir como recheio. Após já secos, os beijus e tapiocas são cortados e espalhados em peneiras e bacias para esfriar (Figura 1-A e 1-B.

Resultados

A troca de experiência na produção da farinha e os derivados da macaxeira foi uma experiência riquíssima, pois proporcionou que agricultores assentados, estudantes e professores tivessem uma interação, trocando conhecimentos empíricos e científicos, além de estreitar o relacionamento entre estudantes do curso Tecnologia em Agroecologia com famílias do campo.

Através da vivência foi possível entender o valor cultural que a casa de farinha artesanal exerce sobre essas famílias retiradas do corte de cana, como também a importância de sua contribuição na alimentação e renda, pois é desta prática que vem boa parte do sustento destas famílias, que encontraram na macaxeira várias formas de beneficiar e alavancar o seu orçamento.

Segundo Araújo (2017) as casas de farinha não são simplesmente um local de produção da farinha, mas sim de cultura, de partilha, de conhecimento e momentos especiais na vida de agricultores familiares tradicionais, faz parte da própria relação subjetiva entre os elementos materiais e os significados imateriais que foram se construindo em torno dos usos dos objetos e transformando a casa de farinha em

“lugar de memória”, onde o meio físico que é socialmente apropriado pelos seus trabalhadores se torna, também, “objeto biográfico” condutor de memórias e representações.

Foram produzidos durante a vivência a farinha em maior quantidade, como também beiju, tapioca, psica e beiju-curumba. Todo o excedente da farinha foi embalado e comercializado pelos estudantes no IFPE/Campus Barreiros e pelos agricultores no comércio local, tais produtos têm boa aceitação por serem fabricados de modo artesanal e sem adição de conservantes. Foi sugerido para os agricultores o armazenamento da manipueira para utilização como biofertilizante e para controle de pragas e doenças (Santos et al, 2009)

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Foi, portanto, de grande valor pedagógico e cultural, conhecer o ambiente, artefatos e agricultores que ainda se engajam em manter viva uma cultura tão rica e benéfica tanto para o homem do campo, que produz, quanto para os consumidores que compram e consomem.

Agradecimentos

A Dona Serrate por nos receber em sua casa e ter cedido a casa de farinha, aos agricultores assentados que se dispuseram generosamente a estarem com os estudantes e professores, além de transmitir conhecimentos passado de geração para geração. Em especial aos professores Tatiely, Marcos Mesquita e Walmir Wanderley pelo incentivo e participação do início ao término da vivência.

Referências bibliográficas

CAPORAL, F. R.; COSTABEBER, J. A. Agroecologia e Extensão Rural:

contribuições para a promoção do desenvolvimento rural sustentável. Brasília, MDA/SAF/DATER-IICA, 2004. 166 p.

ARAÚJO, Francisco Evandro de. Os trabalhadores da farinhada e a casa de farinha como lugar de memória. Cadernos do CEOM, Cultura e Sociedade, Chapecó (SC), v. 30, n. 46, p. 91-100 Jun/2017.

SANTOS, Amaury da Silva dos; et al. O uso da manipueira na agricultura ecológica. Embrapa Tabuleiros Costeiros, Aracaju, 2009. 16 p. (Documentos / Embrapa Tabuleiros Costeiros, ISSN 1678-1953; 157).

Figura 1. Derivados da macaxeira, beiju (A), tapioca (B), psica (C), beiju-curumba (D) e farinha (E), processados no Engenho Baeté no município de Barreiros/PE, 2019.

Referências

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