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Algumas observações preliminares a respeito dos dispositivos penais e processuais da Lei nº /2005

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preliminares a respeito dos dispositiv os penais e processuais da Lei nº

11.101/2005

Mayara Santiago

1. Dos objetivos da Lei nº 11.101/2005

Passados sessenta anos da edição da Lei de Falências, Decreto-Lei nº 7.661/1945, novo diploma falencial foi aprovado, a Lei nº 11.101 de 2005, inovando na realidade normativa e jurídica à celeridade e à eficácia, crian- do novos tipos de infração penal e alterando vários procedimentos.

São onze os crimes em espécie previstos na nova Lei em vigor, sendo eles: fraude a credores (artigo 168); violação de sigilo empresarial (artigo 169); divulgação de informações falsas (artigo 170); indução a erro (artigo 171); favorecimento de credores (artigo 172); desvio, ocultação ou apro- priação de bens (artigo 173); aquisição, recebimento ou uso ilegal de bens (artigo 174); habilitação ilegal de crédito (artigo 175); exercício ilegal de atividade (artigo 176); violação de impedimento (artigo 177); omissão dos documentos contábeis obrigatórios (artigo 178).

A Lei nº 11.101/05, Lei de Recuperação Judicial e Extrajudicial e de Fa- lência (LRE), regulamenta a recuperação judicial e extrajudicial e a falên-

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cia de empresário individual e sociedade empresária, conforme preceitua o artigo 1º deste diploma jurídico. Portanto, esta nova Lei cuida agora da própria noção de recuperação de empresas, seja ela judicial ou extrajudi- cial, e não apenas da sede de falência, além de ter revogado a concordata.

1.1 Função social da empresa

O professor Humberto Fernandes de Moura acredita que a inclusão da recuperação de empresas na legislação de 2005 está em consonância com o princípio da função social da empresa. Isto porque a empresa é fonte geradora de riqueza, de emprego e de renda, além de fazer produzir e cir- cular bens e serviços. O legislador buscou, então, a distribuição de lucros, o pagamento de impostos e a preservação de empregos ao dar uma chance para a empresa tentar se restabelecer.

De acordo com o artigo 2º da Lei 11.101/2005, essa legislação não se aplica à empresa pública nem à sociedade de economia mista. Também não se aplica à instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, so- ciedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores. Porém, isso não impede que as leis especiais disponham dis- posições penais.

1.2 Recuperação judicial

Nos termos do artigo 27 da Lei nº 11.101/2005, “a recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-fi- nanceira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à ativida- de econômica”.

Então, a recuperação judicial visa a manter a atividade em funciona- mento, pois esta é fonte produtora de emprego e renda, e por isto o Esta-

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do visa a proteger tal atividade; esta, porém, só deve ser feita no interesse dos credores. Não são os sócios quem vão decidir se aquela atividade deve prosseguir ou não, mas os credores, já que os sócios podem até mesmo ser excluídos da administração dessa empresa.

Nessa fase de recuperação judicial da atividade, pode-se manter o sócio ou excluí-lo, pois o importante é a atividade. Um exemplo claro do prosseguimento da atividade mediante a exclusão dos sócios na recupera- ção judicial é o da Varig.

A recuperação judicial dar-se-á em juízo. Destaque-se que, caso cum- pridos os requisitos legais, o juiz pode substituir a vontade de alguns credores. Por exemplo, caso um dos credores se negue a participar da re- cuperação judicial, então o juiz pode obrigá-lo. Isto porque a função social da empresa é um princípio que tem maior peso do que a mera irresignação imotivada de um ou alguns credores.

O juiz pode determinar o afastamento do devedor e a nomeação de um gestor judicial, nos termos do artigo 65 da LRE. Esse gestor judicial não detém representação judicial ampla da sociedade empresária ou do em- presário individual, diferentemente do administrador judicial. Em outras palavras, o gestor não representa a sociedade em juízo, apenas pratica os atos de gestão da sociedade empresária; então, a representação judicial continua com a sociedade empresária ou empresário individual.

1.3 Recuperação extrajudicial

No artigo 161 da LRE, o legislador previu a possibilidade de que a recu- peração da atividade seja feita fora do Poder Judiciário, a qual se chamou de recuperação extrajudicial. Nesses termos, “o devedor que preencher os requisitos do art. 48 desta Lei poderá propor e negociar com credores pla- no de recuperação extrajudicial”.

Em suma, esse dispositivo dita que os credores devem ser chamados e, após isto, deve-se elaborar um plano de recuperação, o qual deve ser le- vado para homologação judicial. Ressalte-se que, enquanto a recuperação judicial é um procedimento em que a negociação se dá em juízo, a recu-

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peração extrajudicial é um acordo firmado fora do Poder Judiciário e que é levado a juízo apenas para fins de homologação.

Destaque-se que essa homologação pode ser facultativa, quando todos os credores entram em acordo e concordam, assinando o plano de recupe- ração. Nesse caso, tem-se a faculdade de levar o plano de recuperação ao judiciário com o intuito de ter uma espécie de chancela. Mas há a homo- logação obrigatória, que ocorre quando nem todos os credores aprovam o plano de recuperação, cujo objetivo é o de levar o plano ao judiciário para que ele, ao homologar o plano, vincule os credores que não concordam com o plano de recuperação.

1.4 Falência

Caso não seja possível a recuperação, diante da impossibilidade de manutenção da atividade derivada de uma crise financeira, ocorrerá a fa- lência. A crise financeira decorre da insolvência, da impontualidade.

A palavra falência, que tem origem grega fallere, significa “faltar”, “en- ganar”, “não cumprir com o compromisso”.

Destaque-se que aqueles que não são sociedade empresária, nem em- presário individual, não estão sujeitos à falência, mas a um procedimento chamado insolvência civil.

Na falência, há a possibilidade de recuperação judicial e essa possi- bilidade é decidida pela maioria dos credores (não é preciso conseguir a vontade de todos, mas apenas da maioria; logo, a minoria se submeterá à vontade predominante); na insolvência civil, se não for possível saldar as dívidas e houver necessidade de fazer um acordo entre os credores, será preciso a concordância da totalidade dos credores.

Na falência, a extinção das obrigações se dá na seguinte ordem: tra- balhista, credores com garantia real, créditos com garantias fiscais, privi- legiados, quirografários; de forma que se forem pagos 50% dos credores quirografários a empresa está livre das obrigações e extinguir-se-á a dívi- da. Na insolvência civil, no entanto, só se extinguem as obrigações se hou- ver o pagamento total das dívidas ou a prescrição.

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A ideia da falência é acabar com aquela atividade, mas esta ainda pode prosseguir por determinado período, ou seja, esta atividade não necessa- riamente se encerrará de imediato, pois enquanto existir atividade lucrati- va poderá prosseguir.

Enquanto na recuperação judicial se dá uma chance para o adminis- trador, na falência parte-se do princípio de que o administrador foi incom- petente para gerir aquela empresa e, neste diapasão, ele deve ser afastado.

Em outras palavras, na falência há o afastamento do devedor da atividade.

Nos termos do artigo 75 da LRE, “a falência, ao promover o afastamen- to do devedor de suas atividades, visa a preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa”.

Extrai-se desse artigo anteriormente mencionado que a falência bus- ca, principalmente, a satisfação dos credores e a segurança do crédito e, para isto, pode permitir a continuidade da atividade com outro sujeito.

A satisfação dos credores é o principal objetivo do processo falimentar.

O procedimento falimentar é um procedimento legal que visa à segurança do crédito tanto na execução individual quanto na execução coletiva.

Essa segurança vai ser atingida, principalmente, na execução indivi- dual, quando se penhora o bem e já se recebe o crédito. A ideia econômi- ca da falência é que caso se deixasse à sorte da diligência dos credores o pagamento de suas dívidas isto poderia gerar uma insegurança no crédi- to. Então, é mais interessante que cada um ceda parte de sua liberdade, deixando de ajuizar a ação individual para se submeter à execução cole- tiva, em que se tem a garantia de que todos os credores e débitos serão reunidos. A falência, então, gera uma segurança, pois, por meio dela se tem a certeza, ou maior possibilidade, de que todos os bens e os credores serão reunidos e pagos dentro de uma ordem de preferência. Nesses ter- mos, a segurança decorre do tratamento paritário.

A Lei nº 11.101 busca permitir a continuidade da atividade, mas com outro sujeito. A lei tentou, ao dar uma chance para a empresa se recuperar, que ela não fosse direto à falência, mas que conseguisse uma recuperação, até quando se fizer possível.

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Na falência, o princípio básico é o do tratamento paritário entre os cre- dores. O administrador judicial que tomará o lugar do devedor na falência fará o seguinte: dividirá os credores em relação às classes que eles devem ocupar (prioridades) e ver a quem ele deve pagar primeiro e aí, se sobrar, ele paga o restante. Ele chamará a todos a fim de tratá-los de maneira pari- tária. Mas, enquanto isso, a atividade pode prosseguir, pois se ele tiver um mínimo lucro tal atividade pode continuar.

O processo de falência apresenta três fases, quais sejam: pré-fali- mentar, falimentar e pós-falimentar. A fase pré-falimentar é a destinada à verificação dos pressupostos do artigo 94 da LRE e compreende desde o pedido de falência via petição até a sentença. É certo que a sentença dá início ao processo de falência propriamente dito. Decretada a falên- cia, começa a fase falimentar, na qual ocorrerão: a apuração do passi- vo (procedimento de verificação dos créditos mediante a reunião dos credores); a apuração do ativo por meio da reunião de todos os bens do devedor; a realização do ativo, que consiste na venda dos bens; o paga- mento dos credores; e medidas complementares (prestação de contas do administrador judicial etc.). Percorridas todas estas etapas, o pro- cesso chega ao fim. Na realização do ativo devem se cumprir as exigên- cias legais e na apuração do passivo deve ser observada a ordem dos credores. Na fase pós-falimentar, ter-se-á as consequências da falência, como inabilitação do devedor para a atividade empresarial, extinção das obrigações etc.

É importante destacar que a falência significa o fim da atividade e a chamada dos credores, dando-os tratamento paritário e a continui- dade da atividade. Na falência, suspendem-se as ações em curso até o encerramento da falência para evitar que credores individuais levem vantagens. Por outro lado, na recuperação judicial, busca-se chamar os credores para negociar e, enquanto isso, viabilizar a continuidade da atividade. É por esse motivo que se suspendem as ações em curso pelo prazo de cento e oitenta dias a fim de conferir fôlego para a reorganiza- ção da sociedade.

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1.5 Inovações introduzidas pela Lei nº 11.101/2005

A principal inovação que essa nova legislação trouxe foi o estabeleci- mento de um rol de diferentes crimes em espécie com sanções penais apli- cáveis ao devedor e a terceiros, antes ou depois da decretação da falência ou recuperação judicial ou extrajudicial, cujas previsões encontram-se no Capítulo VII, especialmente nos artigos 168 a 178.

É certo que a finalidade deste diploma legal é coibir a ocorrência des- ses crimes previstos nos artigos mencionados, com vistas a garantir a boa-fé objetiva que os negócios jurídicos exigem.

A boa-fé objetiva ocorre quando se elege um padrão ideal de compor- tamento e verifica-se se no caso concreto esse comportamento foi exe- cutado, sendo, portanto, uma regra de conduta ética que deve existir no contrato: alguém tem a intenção de vender uma coisa boa; de contratar e pagar. É, portanto, aquela boa-fé de todos, a atitude daquele homem co- mum que não tem muito conhecimento sobre aquele negócio. Isto porque a ordem jurídica espera que todos cumpram as determinações legais.

Exemplo disso é o que exprime o artigo 422 do Código Civil, que pre- vê o princípio da eticidade, da racionalidade, da probidade nos negócios jurídicos: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.1

Iniciar-se-á o estudo por meio de uma abordagem genérica do tema no campo penal e, posteriormente, no campo processual.

2. Observações gerais no campo penal

2.1 Natureza jurídica

A doutrina, em geral, não é pacífica no que concerne à natureza jurídi- ca dos crimes em espécie, os quais podem ser classificados como: crimes

1 BRASIL. Decreto-lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasí- lia: [s.n.], 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/

L10406.htm>. Acesso em: 31 mar. 2012.

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contra o patrimônio dos credores, conforme afirmam Carvalho de Men- donça, Galdino de Siqueira, Puglia, Arthur Migliari Júnior etc.; crimes con- tra a fé pública, conforme defendem alguns autores penalistas; e crimes contra o comércio ou contra a ordem econômica, conforme defendeu o professor Oscar Stevenson em sua tese de monografia.2

Os primeiros escritores falimentares buscaram assimilar os crimes em espécie ao furto, ao estelionato (quando a fraude figurava como prin- cipal característica do delito), a crimes contra o patrimônio dos credores (a apropriação indébita). Porém, em função do objeto material do crime pertencer ao sujeito ativo do delito, exclui-se o furto, o estelionato ou qual- quer variante destes. Por exemplo, sabendo-se que o crime de furto não admite a subtração de bens pelo próprio dono, não poderia o crime fali- mentar se identificar com ele, por se tratar de crime praticado pelo próprio falido ou devedor. Nem mesmo poderia se equiparar ao estelionato, visto que este requer o emprego de artifícios que causem a ilusão da confiança de outrem para esbulhá-la em sua propriedade.

Há quem enquadre os crimes em espécie no âmbito das leis penais e há quem os inclua nos domínios da Lei de Falências. Mas também há quem trate sobre esta matéria conjugando as duas legislações. A presente autora acredita que se deve conjugar as duas legislações para que haja o melhor entendimento do assunto.

2.2 Visão geral a respeito dos crimes

2.2.1 Classificação dos crimes em espécie

Os crimes em espécie podem ser próprios, impróprios, pré-falimenta- res ou pós-falimentares.

2 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Comentários à nova lei de falência. São Paulo: IOB Thomson, 2005.

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São próprios quando se referem a atos culposos e fraudulentos prati- cados diretamente pelo falido ou devedor.

São impróprios quando o agente praticante concerne a pessoas diver- sas do falido ou devedor, em conexão com a falência ou recuperação, ou seja, quando praticados pelos sujeitos participantes da relação processual de forma direta ou indireta, como o administrador judicial (antigo síndi- co), os contadores, juízes, promotores, gestores da empresa, escrivães, lei- loeiros, conselheiros, dentre outros.

São pré-falimentares quando praticados antes da declaração de fa- lência, ou seja, quando já se encontram consumados, integrando todos os elementos constitutivos da figura típica, mas que não podiam ser punidos antes da sentença declaratória de falência.

São pós-falimentares quando praticados após a decretação de falência.

2.2.2 Houve mudança quanto à pena?

Quanto à pena a ser aplicada aos crimes em espécie, a LRE impôs maior rigorosidade. Isso pode ser verificado quando, ao analisar a lei an- terior, percebe-se que a sanção imposta à prática de dois desses crimes era de detenção e aos demais, de reclusão – de um a quatro anos. Hoje as sanções são de reclusão, mas variam de dois a seis anos.

A única exceção é quanto ao crime por omissão dos documentos con- tábeis obrigatórios (artigo 178 da LRE), cuja pena é de detenção de um a dois anos e multa.

Atinente a todos os crimes em espécie, excetuando-se este último mencionado, com previsão no artigo 178 da LRE, eles serão apenados, no limite máximo, por gerarem sanções superiores a dois anos e inferiores a seis anos de detenção. Por isso, a esses delitos não se aplica o que a Lei nº 9.099/1995 expõe e, por este motivo, tais crimes estão sendo abordados no âmbito da dosimetria da pena estabelecida pela lei que versa sobre juiza- dos especiais criminais.

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As disposições penais acerca dos delitos em espécie que aqui serão abordadas foram inseridas pela Lei nº 11.101/05, não havendo previsões legais semelhantes na revogada lei falimentar.

2.2.3 São crimes permanentes?

Essas novas tipificações incriminadoras penalmente são delitos per- manentes, em sua maioria, por a consumação se prolongar no tempo a depender da ação ou omissão do agente, porém isso será estudado com maior profundidade em cada tipo a ser analisado posteriormente.

Segundo Guilherme de Souza Nucci, crimes permanentes “são aque- les que se consumam com uma única conduta, mas o resultado tem a po- tencialidade de se arrastar por largo período, continuando o processo de consumação/execução da infração penal”.3

2.2.4 São crimes de dano ou de perigo?

Outro assunto que causa divergência doutrinária é sobre a caracteri- zação do crime falimentar. Alguns autores defendem que se faz necessária apenas a probabilidade de dano, enquanto outros acreditam ser preciso a sua efetiva produção.

A legislação em vigor não aborda esse tópico, pois em alguns momen- tos pune a ação ou emissão que dá lugar a um dano efetivo e em outros contenta-se com a mera possibilidade de lesão.

2.2.5 Há crimes culposos?

Vale lembrar que, com a adoção da Teoria Finalista da Ação e a Teoria Limitada da Culpabilidade pelo Código Penal Brasileiro, o dolo e a culpa

3 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal: comentado. São Paulo: Re- vista dos Tribunais, 2007. p. 573.

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passaram a ser elementos do tipo: o dolo figurando como elemento subje- tivo e a culpa, como elemento normativo.

Dessa forma, ausentes os elementos do tipo, não há aplicação da pena.

Isso é válido para qualquer delito, seja previsto no Código Penal, seja pre- visto em norma especial.

Contudo, no caso do crime falimentar, como já foi dito anteriormente, a tipificação é exclusivamente com o elemento dolo, exatamente porque a lei não refoge ao critério geral da lei penal, e na lei especial não exige a incriminação a título de culpa.

2.2.6 Há possibilidade de tentativa?

Discute-se a respeito da admissibilidade ou não da tentativa, em se tratando de crime falimentar. A doutrina majoritária acreditava ser inapli- cável a tentativa ao crime falimentar, tendo em vista que a falência resulta de sentença declaratória de falência e somente aí o crime se caracteriza.

Em outras palavras, não se fazia possível a tentativa por tratar-se de crime de mera conduta, qual seja aquele crime em que a lei dispensa a realização de qualquer resultado naturalístico externo à própria conduta do delinquente, contentando-se com a ação ou omissão do agente, ou seja, quando não é relevante o resultado material a exemplo do que acontece neste delito falimentar. Em sentido semelhante, Celso Marcelo de Oliveira pronunciou-se em seu livro Comentários à Nova Lei de Falências.

Por outro lado, Arthur Migliari Júnior pontua em sentido contrário, dispondo que atualmente, pela nova legislação no 11.101./05, entendemos ser perfeitamente possível que alguns crimes não venham a se completar totalmente, principalmente porque são crimes materiais, em sua grande maioria; alguns, inclusive, dependentes do resultado final da ação.

Logo, revendo a nossa primeira posição (eis que escrita sob a égide do Decreto-Lei no 7.661/45), “agora, sob o prisma do novo diploma legal [...], pensamos ser a tentativa nos crimes falenciais passíveis de ocorrer, mes- mo porque em várias situações não haverá, necessariamente, a quebra”.

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Por se tratar, em sua grande maioria, de crimes de dano, haveria pos- sibilidade da tentativa. Já nos crimes antefalimentares, de perigo, como o disposto no artigo 168, da Lei no 11.101/05, que já foram cometidos antes da quebra, ou da concessão da recuperação da empresa, data venia, não há como se falar, então, em tentativa.4

Entretanto, Bento de Faria diz que há uma excepcionalidade e a exem- plifica ao falar que poderia, no curso de falência, caso o falido procurasse subtrair bens da massa e fosse surpreendido nesta ocasião, ser impedido de levar a efeito a subtração.

Já o doutrinador Celso Marcelo de Oliveira defende com maestria a se- guinte visão: “[...] para que a tentativa seja punida, é preciso que o início da execução do crime esteja em relação de coexistência com a punibilidade do fato, se consumado fosse. Não haverá tentativa, mas sim o crime já con- sumado, se seu evento for danoso.”5

2.2.7 Prazo de prescrição

A Lei nº 11.101/05 modificou o procedimento anterior ao estabelecer que a previsão da prescrição dos crimes em espécie dar-se-ia conforme as disposições do Código Penal, pois assim sustenta a Súmula nº 592 do Supremo Tribunal Federal, e começaria a contar do decreto falimentar, da concessão da recuperação judicial ou da homologação do plano de recu- peração extrajudicial.

Em outras palavras, e seguindo o entendimento da doutrina majoritá- ria, o termo inicial da contagem do prazo de prescrição é a partir da data de publicação da sentença de decretação de falência ou recuperação judi- cial ou extrajudicial.

4 MIGLIARI JÚNIOR, Arthur. Crimes de recuperação de empresas e de falências de acordo com a Lei nº 11.101/2005. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 57.

5 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Comentários à nova lei de falência. São Paulo: IOB Thomson, 2005. p. 587.

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É importante destacar que o recebimento da denúncia é causa interrup- tiva da prescrição, conforme dita o inciso I do artigo 117 do Código Penal.

Ademais, essa nova lei trouxe um prazo mais compatível em relação à efetiva punição do agente infrator, o que foi uma inovação benéfica, tendo em vista que o prazo de prescrição da lei anterior era curto, frente à com- plexidade do processo falimentar, a ponto de ocasionar a impunidade do infrator.

Súmula nº 592, STF. Nos crimes falimentares, aplicam-se as causas in- terruptivas da prescrição, previstas no Código Penal.

No que concerne à pena máxima cominada para o tipo penal, a LRE exigia a adoção do rito sumário para crimes recuperatórios e falimenta- res. Porém, a nova regra de fixação do procedimento contida no artigo 394 do Código de Processo Penal (CPP) conduziu a revogação tácita do artigo 185 da LRE – que admitia procedimento especial previsto nos artigos 503 a 512, concernente aos crimes em espécie, os quais passaram a seguir o rito sumário previsto no CPP. Essa questão foi abordada com maior profundi- dade entre os artigos 183 e 188 da LRE, que tratam, justamente, do proce- dimento penal dos crimes falimentares. Portanto, consulte os comentários desses artigos.

Art. 394, CPP. O procedimento será comum ou especial.

§ 1º O procedimento comum será ordinário, sumário ou sumaríssimo:

I – ordinário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima comi- nada for igual ou superior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liber- dade;

II – sumário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima comi-

nada seja inferior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade;

III – sumaríssimo, para as infrações penais de menor potencial ofensi- vo, na forma da lei.

§ 2º Aplica-se a todos os processos o procedimento comum, salvo dis- posições em contrário deste Código ou de lei especial.

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§ 3º Nos processos de competência do Tribunal do Júri, o procedimento observará as disposições estabelecidas nos arts. 406 a 497 deste Código.

§ 4º As disposições dos arts. 395 a 398 deste Código aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados neste Código.

§ 5º Aplicam-se subsidiariamente aos procedimentos especial, sumá- rio e sumaríssimo as disposições do procedimento ordinário.6

Dessa forma, o intérprete terá que fazer a verificação da sanção penal máxima cominada ao crime praticado pelo agente para, a partir de então, poder afirmar, em relação a cada caso específico, qual será o rito adotado no processamento da persecução penal, de acordo com a análise do tipo penal e respectiva sanção.7

2.2.8 Ação penal pública incondicionada

Vale destacar que os crimes em espécie são de ação penal pública incondicionada, tendo em vista a instauração de a ação ser de iniciativa do Ministério Público, independentemente de provocação de terceiro (ex officio). Tendo conhecimento do fato, o Estado age de ofício, não necessi- tando de autorização da vítima, ou seja, a iniciativa é do Estado, mesmo que não haja vontade da vítima. É, portanto, a regra geral para os crimes previstos na parte especial do Código Penal e na legislação extravagante.

2.2.9 Concurso de pessoas

Tratando-se de crime falimentar, o concurso de pessoas é plenamente aplicável a todos os tipos fraudulentos descritos tanto no diploma revoga-

6 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de processo penal. Rio de Janeiro: [s.n.], 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/

decreto-lei/Del3689.htm>. Acesso em: 31 mar. 2012.

7 GUERRA, Luiz Antonio. Falências e recuperações de empresas: crise econômi- co-financeira. Comentários à lei de recuperações e de falências. Brasília: Guerra Editora, 2011. v. 4.

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do quanto na Lei nº 11.101/2005. Tanto isso é verídico que a decisão profe- rida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo foi a seguinte:

CRIME FALIMENTAR – Concurso de agentes – Regra extensa a todos os delitos falimentares – Artigo 12 do Código Penal – Recurso não provido.

Mandando aplicar suas disposições gerais aos fatos incriminados por lei especial, o Código Penal (artigo 12) estende as regras do concurso de pessoas a todos os delitos falimentares.

O artigo 12 do Código Penal preceitua acerca do princípio da especiali- dade, afirmando que se houver conflito entre dispositivos de lei, não pode aplicar os dois, pois este princípio resolve qualquer conflito de leis quando há uma lei especial e uma lei geral.

Assim, havendo concurso de duas circunstâncias, uma tem que ficar de fora, sendo o princípio da especialidade que determina. Aplica-se, por- tanto, a lei especial, caso ela exista, em detrimento da lei geral. A seguir, o preâmbulo deste artigo supramencionado: “As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso.”8

O concurso de pessoas ocorre com a participação de duas ou mais pes- soas na prática da mesma infração penal criminosa, de forma consciente e voluntária.

Ademais, a doutrina o classifica como concurso necessário ou pluris- subjetivo e concurso eventual ou unissubjetivo. O concurso plurissubjeti- vo ocorre quando o tipo exige a presença de dois ou mais agentes para a caracterização do delito, enquanto o concurso unissubjetivo ocorre quan- do um ato criminoso for praticado por várias pessoas, muito embora o tipo exija apenas um sujeito ativo para sua configuração.

8 BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código penal. Rio de Janei- ro: [s.n.], 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto- -lei/Del2848.htm>. Acesso em: 31 mar. 2012.

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Vale ressaltar as formas do concurso de pessoas, admitindo-se aos crimes em espécie a coautoria e a participação. Atribui-se, nesse caso, a denominação coautor àquele agente que, voluntária e conscientemente, executa, juntamente com o falido, a ação ou omissão que configura o fato típico, o delito falimentar próprio. Já a participação ocorre em caso de o sujeito partícipe, mesmo não praticando atos executórios do ato crimino- so, concorrer de qualquer modo para a sua realização; logo, ele não realiza conduta descrita pelo preceito normativo, mas realiza uma atividade que contribui para a formação do delito.

É importante destacar o artigo 29 do Código Penal, visto que ele deter- mina que o juiz aplique a sanção conforme a sanção punitiva que cada um merece, garantindo que os sujeitos respondam na medida e na proporção de sua culpabilidade, responsabilidade pelo cometimento do ilícito penal.

Art. 29, CP. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.

§ 1º – Se a participação for de menor importância, a pena pode ser dimi- nuída de um sexto a um terço.

§ 2º – Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave.9

3. observações gerais no campo processual penal

3.1 Competência: local do principal estabelecimento

O artigo 3º da LRE define que o juízo do local do principal estabeleci- mento do devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil é o

9 BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código penal. Rio de Janei- ro: [s.n.], 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto- -lei/Del2848.htm>. Acesso em: 31 mar. 2012.

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competente para homologar o plano de recuperação extrajudicial, deferir a recuperação judicial ou decretar a falência.

Assim, o local para se ajuizar a ação com pedido de falência ou ho- mologação de recuperação, assim como ação de natureza penal, segundo o legislador, é o local do principal estabelecimento. Não é o local da sede estatutária, mas o local em que se tem a principal atividade e o maior nú- mero de negócios, isto é, o centro de decisões (centralização, modelo, co- mando) da empresa.

A lei estabelece esse dado objetivo quando se diz que o local compe- tente é o local da sede estatutária, esse local é (são) o(s) próprio(s) sócio(s) e eles mesmos poderiam mudar esse local o tempo todo, enquanto o local do principal estabelecimento sempre será o mesmo.

Por exemplo: Lúcia é sócia de uma empresa junto com Janete e, por residirem em Brasília, elas escolhem que a empresa exercerá sua ativida- de em Brasília. Dessa forma, esse é o local da sede estatutária. Entretanto, elas poderiam ter escolhido outro lugar, apesar de residirem em Brasília, ou seja, a empresa pode mudar sempre – basta um acordo entre os sócios e alterar a consolidação do contrato social.

Para evitar essa alteração unilateral, a lei optou por um dado suposta- mente objetivo, qual seja o local do principal estabelecimento. Porém, tem que ser dentro do Brasil o local do principal estabelecimento.

3.2 Procedimento

A condição objetiva de punibilidade é um acontecimento incerto, pos- terior ao fato criminoso e não coberto pelo dolo do agente.

Segundo o legislador e a doutrina majoritária, nos crimes antefalimen- tares (pré-falimentares) a sentença declaratória de falência ou de recupe- ração judicial se configura como uma condição objetiva de punibilidade intrínseca ou extrínseca ao conceito de crime ou à conduta do agente (e não como simples condição de procedibilidade).

A satisfação dessa condição objetiva de punibilidade acarreta o conhe- cimento do status criminoso, excluída a consideração da voluntariedade com que se operou esta última condição.

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Enquanto, nos crimes cometidos após a sentença que decreta a falên- cia ou a concessão da recuperação judicial ou extrajudicial do empresário ou da sociedade empresária, a decisão judicial não se configura como uma condição objetiva de punibilidade porque a sentença, aqui, é elemento do fato típico, posto que, sem ela, não há crime.

3.3 Prisão

Há, ainda, a possibilidade da prisão em flagrante delito em consonân- cia com o artigo 303 do Código de Processo Penal, que dita que “nas infra- ções permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência”.10

A prisão em flagrante é apenas um rito de passagem. Se uma pessoa é presa em flagrante, ela é levada à delegacia para ser feito um auto de prisão em flagrante, pois ninguém mais fica preso em flagrante. Feito isso, o auto de prisão em flagrante é enviado ao juiz.

Pela lei, o juiz normalmente tem três opções: relaxar o flagrante (re- laxamento em processo significa ilegalidade, quando feito ilegalmente, ou seja, quando o flagrante não é flagrante); decretar a prisão preventi- va; ou conceder liberdade provisória (com ou sem fiança), dentre outras medidas cautelares que passaram a ser admitidas com a edição da Lei nº 12.403/2011.

A referida lei estabeleceu as seguintes medidas cautelares: compareci- mento periódico diante do juiz; proibição de acesso ou frequência a deter- minados lugares; proibição de manter contato com determinadas pessoas;

recolhimento domiciliar à noite e nos dias de folga; suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira;

internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável

10 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de processo penal.

Rio de Janeiro: 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/de- creto-lei/Del3689.htm>. Acesso em: 31 mar. 2012.

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ou semi-imputável e houver risco de reiteração; além de fiança, nas infra- ções que a admitem, e monitoração eletrônica; prisão domiciliar, quando o réu tiver idade superior a 80 anos ou estiver extremamente debilitado por moléstia ou doença grave, além de quando a acusada for gestante de alto risco ou se estiver no sétimo mês de gravidez ou adiante, ou quando for imprescindível em virtude de o acusado ser responsável por cuidar de criança com até seis anos ou de pessoa deficiente.

Nestes termos, ninguém fica preso em flagrante, pois será apenas o meio de um caminho para uma prisão preventiva ou liberdade provisória.

Dessa forma, no fundo, a prisão em flagrante é uma prisão cautelar, mas não tem a natureza de manter o indivíduo preso – é, sim, um rito de passagem.

Tendo em vista as observações gerais acima desenvolvidas, chega o momento em que será feita a análise dos crimes em espécie.

Referências

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