Eletromagnetismo I
Cap. 5: Magnetostática
5.3: A divergência e o rotacional do campo magnético Prof. Marcos Menezes
Instituto de Física - UFRJ
5.3 – A divergência e o rotacional do campo magnético
5.3.1 – A divergência de 𝐁 e a lei de Gauss para o magnetismo
Vamos utilizar a lei de Biot-Savart para calcular explicitamente a divergência do campo. Para uma distribuição volumétrica de correntes:
Tomando a divergência:
Utilizando agora a seguinte regra de produto:
com
Portanto:
ou seja: o campo magnético não apresenta divergência!
𝛁 ⋅ 𝐁 = 0
Utilizando o teorema de Gauss, podemos expressar o resultado acima em forma integral (ver cap. 1):
ර
𝑆
𝐁 ⋅ 𝑑𝐀 = 0
para qualquer superfície fechada 𝑆.Estas equações representam a lei de Gauss para o magnetismo nas formas diferencial e integral.
Interpretação física:
• Linhas de 𝐁 não emanam ou terminam em nenhum ponto do espaço. Todas as linhas devem ser fechadas!
• Polos magnéticos não são observados isoladamente. O que acontece quando quebramos o imã acima ao meio?
• A lei de Gauss para o magnetismo reflete a não-observação de monopolos magnéticos na natureza!
ර
𝑆
𝐁 ⋅ 𝑑𝐀 = 0
𝛁 ⋅ 𝐁 = 0
5.3.2 – O rotacional de 𝐁 e a lei de Ampère
Partindo novamente da lei de Biot-Savart, vamos agora tomar o rotacional:
A regra de produto conveniente para este caso é:
e novamente vamos tomar
Com isso:
• Devemos analisar então a contribuição dos dois termos não-nulos (segundo e terceiro).
• Pode-se mostrar que o segundo termo é integrado a zero (ver livro-texto ou slides adicionais). Sobra então apenas o termo com a delta de Dirac!
Substituindo o termo com a delta na expressão do rotacional, obtemos:
Portanto:
𝛁 × 𝐁 = 𝜇
0𝐉
න
𝑆
𝛁 × 𝐁 ⋅ 𝑑𝐀 = 𝜇
0න
𝑠
𝐉 ⋅ 𝑑𝐀
Utilizando o teorema de Stokes, podemos expressar o resultado acima em forma integral:
ර
𝐶
𝐁 ⋅ 𝑑𝐥 = 𝜇
0𝐼
𝑖𝑛𝑡𝑆Note que:
𝛁 × 𝐁 = 𝜇
0𝐉
• 𝐼𝑖𝑛𝑡𝑆 é a corrente total que flui através de uma superfície aberta 𝑺 delimitada pela curva 𝑪.
• A orientação de 𝐶 e o sentido do vetor normal unitário em 𝑆 (sentido positivo da corrente) estão ligados pela regra da mão-direita.
• Estas equações representam a lei de Ampère nas formas diferencial e integral.
• Assim como a lei de Biot-Savart, elas são válidas apenas para correntes estacionárias!
ර
𝐶
𝐁 ⋅ 𝑑𝐥 = 𝜇
0𝐼
𝑖𝑛𝑡𝑆5.3.3 – Aplicações da lei de Ampère
Como vimos no curso de Física 3, a forma integral da lei de Ampère é muito útil para a obtenção de campos magnéticos produzidos por distribuições de corrente com alta simetria. Vamos recordar alguns exemplos.
Exemplo 1: Simetria cilíndrica
Calcule o campo magnético produzido por este cilindro em todo o espaço.
Os passos a seguir são semelhantes aos que utilizamos nos problemas de lei de Gauss, fazendo as adaptações necessárias.
(i) Forma de 𝐁: Supondo que não conhecemos nada a respeito do campo, vamos utilizar o sistema de coordenadas cilíndricas e escrevê-lo na forma mais geral possível:
𝐁 = 𝐵
𝑠𝑠, 𝜙, 𝑧 ො𝐬 + 𝐵
𝜙𝑠, 𝜙, 𝑧 𝝓 + 𝐵
𝑧𝑠, 𝜙, 𝑧 ො𝐳
Por outro lado, podemos explorar as seguintes simetrias:
• Simetria de translação ao longo do eixo 𝒁 elimina dependências das componentes em 𝑧.
• Simetria de rotação em torno do eixo Z elimina dependências das componentes em 𝜙.
Com isso, obtemos até aqui:
𝐁 = 𝐵
𝑠𝑠 ො𝐬 + 𝐵
𝜙𝑠 𝝓 + 𝐵
𝑧𝑠 ො𝐳
Agora, como 𝐉está orientado ao longo de ො𝐳, a lei de Biot-Savart nos diz que:
de forma que:
𝐵
𝑧𝑠 = 0
Além disso, note que 𝐵𝑠 𝑠 ≠ 0 violaria a lei de Gauss para o magnetismo. Para a superfície gaussiana cilíndrica 𝑆 abaixo (incluindo as tampas):
𝐵
𝑠𝑠 = 0 ර
𝑆
𝐁 ⋅ 𝑑𝐀 = 𝐵
𝑠𝑠 2𝜋𝑠𝐿
Portanto, para que o fluxo seja sempre nulo, devemos ter:
Com isso, obtemos a forma final para o campo neste problema:
𝐁 = 𝐵
𝜙𝑠 𝝓
o que era esperado, considerando o campo produzido por um fio fino, retilíneo e infinito (ver cap. 5.2).
A circulação de 𝐁 ao longo de 𝐶 é:
𝛤
𝐵𝐶= ර
𝐶
𝐁 ⋅ 𝑑𝐥 = ර
𝐶
𝐵
𝜙𝑠 𝝓 ⋅ 𝑑𝑙 𝝓
(ii) Amperiana e cálculo da circulação: Vamos agora escolher uma curva fechada 𝐶 na forma de um círculo de raio 𝑠, orientado no sentido de 𝐁.
= 𝐵
𝜙𝑠 ර
𝐶
𝑑𝑙 = 𝐵
𝜙𝑠 2𝜋𝑠
(iii) Corrente que flui através de 𝑆
Vamos tomar 𝑆 como sendo a área de 𝐶 (disco de raio 𝑠) com 𝐧 = ො𝐳. Devemos agora analisar separadamente duas ෝ regiões do espaço.
(iii-a) Fora do fio (𝑠 > 𝑎): Neste caso, toda a corrente do fio atravessa a superfície. Repetindo a análise do prob.
5.5-b (ver cap. 5.1), obtemos:
𝐼
𝑖𝑛𝑡𝑆= න
𝑠
𝐉 ⋅ 𝑑𝐀 = න
0 𝑎
𝐽 𝑠
′2𝜋𝑠
′𝑑𝑠
′= 4𝐼
0𝑎
2න
0 𝑎
𝑠
′1 − 𝑠
′2𝑎
2𝑑𝑠
′= 𝐼
0Com isso, a lei de Ampère dá:
𝛤
𝐵𝐶= 𝜇
0𝐼
𝑖𝑛𝑡𝑆𝐵
𝜙𝑠 2𝜋𝑠 = 𝜇
0𝐼
0𝐵
𝜙𝑠 = 𝜇
0𝐼
0⇒ 2𝜋𝑠
Campo idêntico ao de umfio fino, retilíneo e infinito!
(iii-b) Dentro do fio (𝑠 ≤ 𝑎): Neste caso, apenas parte da corrente do fio atravessa a superfície. Verifique que:
𝐼
𝑖𝑛𝑡𝑆= 𝐼
0𝑠
2𝑎
4(2𝑎
2− 𝑠
2)
e:
𝐵
𝜙𝑠 = 𝜇
0𝐼
0𝑠
2𝜋𝑎
4(2𝑎
2− 𝑠
2)
Note que o campo é contínuo na superfície do fio (𝑠 = 𝑎)!
Exemplo 2: simetria planar
(i) Forma de 𝐁: Vamos agora utilizar o sistema de coordenadas cartesianas e escrever o campo na forma mais geral possível:
𝐁 = 𝐵
𝑥𝑥, 𝑦 , 𝑧 ො𝐱 + 𝐵
𝑦𝑥, 𝑦, 𝑧 ෝ 𝒚 + 𝐵
𝑧𝑥, 𝑦, 𝑧 ො𝐳
Agora, sabemos que:
• Simetria de translação ao longo dos eixos 𝑿 e 𝒀 elimina dependências das componentes em 𝑥 e 𝑦.
• Como 𝐊 aponta ao longo do eixo 𝑋, a lei de Biot-Savart nos dá 𝐵𝑥 = 0
• Contribuições de tiras de corrente simétricas com relação ao plano 𝑋𝑍 nos mostram que 𝐵𝑧 = 0
Com isso:
𝐁 = 𝐵
𝑦𝑧 ෝ 𝒚
Note que a regra da mão direita ainda nos indica que 𝐵𝑦 −𝑧 = −𝐵𝑦(𝑧) (o campo inverte de sentido abaixo do plano)!
A circulação de 𝐁 ao longo de 𝐶 é:
𝛤
𝐵𝐶= ර
𝐶
𝐁 ⋅ 𝑑𝐥 = න
𝑙𝑎𝑑𝑜𝑠 ℎ𝑜𝑟𝑖𝑧
𝐁 ⋅ 𝑑𝐥 + න
𝑙𝑎𝑑𝑜𝑠 𝑣𝑒𝑟𝑡
𝐁 ⋅ 𝑑𝐥
(ii) Amperiana e cálculo da circulação: Vamos agora escolher uma curva fechada 𝐶 como indicado na figura abaixo (retângulo de comprimento l e altura 2𝑧, com 𝑧 > 0, orientado no sentido anti-horário).
= 2 න
𝑙𝑎𝑑𝑜𝑠𝑢𝑝
𝐵
𝑦𝑧 ො 𝐲 ⋅ (−𝑑𝑦 ො 𝐲)
= 2 න
𝑙𝑎𝑑𝑜 𝑖𝑛𝑓
𝐁 ⋅ 𝑑𝐥
= −2𝐵
𝑦𝑧 𝑙
(iii) Corrente que flui através de 𝑆
Vamos tomar 𝑆 como sendo a área de 𝐶 com 𝐧 = ො𝐱.ෝ
𝐼
𝑖𝑛𝑡𝑆= 𝐾𝑙
e a lei de Ampère dá:
𝐵
𝑦𝑧 = − 𝜇
0𝐾 2
Com isso:
−2𝐵
𝑦𝑧 𝑙 = 𝜇
0𝐾𝑙
(𝑧 > 0)
e 𝐵𝑦 −𝑧 = −𝐵𝑦(𝑧).
Note que o campo sofre uma descontinuidade ao atravessar o plano 𝑧 = 0. Por que isto ocorre aqui?
Exemplo 3 (comentário): simetria axial
Leia o exemplo no livro-texto (ou veja gravações/notas de aula de Fis. 3) e verifique que:
𝐁 = ቐ
𝜇
0𝑛𝐼 ො𝐳, dentro do solenoide 𝟎, fora do solenoide
• 𝑛 é o número de voltas por unidade de comprimento ao longo do eixo.
• O campo é uniforme dentro do solenoide! Em particular, já havíamos calculado o valor acima para pontos ao longo do eixo (ver aula 5.2)
• O campo sofre uma descontinuidade ao atravessarmos a superfície do solenoide. Por que?
• Este resultado permanece válido para uma seção transversal de formato arbitrário, mas constante ao longo de 𝑍.
Caso queira verificar, veja o problema 5.17 (desafiador) ou o exemplo a seguir.
Exemplo 4 (comentário): solenoide toroidal
Leia o exemplo no livro-texto e verifique que:
𝐁 =
𝜇
0𝑁𝐼
2𝜋𝑠 𝝓, dentro do solenoide 𝟎, fora do solenoide
• 𝑁 é o número de voltas de fio e 𝑠 é a distância até o eixo 𝑍.
• Note que o campo se comporta como se tivéssemos enrolado o solenoide do exemplo anterior no formato de toroide!
• Formalmente, o maior desafio deste problema é determinar a forma do campo para uma seção transversal de forma arbitrária, por exemplo, via lei de Biot-Savart. Veja o raciocínio no livro-texto!
Referências básicas
• Griffiths (3ª edição) – cap. 5
• Purcell – cap. 6
Leitura avançada
• Zangwill – seção 10.3