EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL N. 1.521.554/SP
SEGUNDA TURMA
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ
O CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL –
CFOAB, entidade de serviço público independente dotado de personalidade jurídica e forma
federativa, conforme Lei n. 8.906/94, inscrito no CNPJ sob o n. 33.205.451/001-14, representado
neste ato por seu Presidente Felipe Santa Cruz Oliveira Scaletsky, por intermédio de seus
advogados infra-assinados, com instrumento procuratório incluso e endereço para comunicações
na SAUS, Quadra 5 – Lote 1 – Bloco M – Brasília/DF, CEP 70.070-939, vem, respeitosamente, à
presença de Vossa Excelência, requerer a apreciação do presente
MEMORIAL
pelos fatos e fundamentos que a seguir passa a expor:
Cuida-se de Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial que discute sobre a
admissibilidade recursal para reconhecer da matéria acerca da ilicitude da imposição de controle
de jornada por ponto eletrônico aos advogados e procuradores da Universidade de São Paulo.
Dessa forma, envolvida matéria que trata de prerrogativa profissional de
advogados públicos, se mostra necessário o provimento do Agravo Interno interposto, de modo
que o mérito do Recurso Especial possa ser devidamente analisado e ao final a tese ora sustentada
seja julgada procedente. Ademais, as circunstâncias justificam o ingresso da Entidade, superados
eventuais entraves processuais.
Nesse debate, vale realçar que a Advocacia Pública possui status e tratamento
constitucional, sendo os profissionais pertencentes à referida classe, igualmente, na qualidade de
advogados, indispensáveis e essenciais à administração da justiça.
Do contrário, guarida se faz a violação das prerrogativas previstas pelo Estatuto da
Advocacia, então dispostas pelos artigos 3º, §1º, art. 6º, parágrafo único, bem como nos artigos
18 e 31, parágrafo único da Lei n. 8.906/1994, dada sua relativização aos Procuradores e
advogados da Universidade; afetando, assim, a própria dignidade da advocacia pública e
amesquinhando sua isenção técnica, autonomia e independência.
Nesse sentido, é manifesto que a exigência de controle de jornada instituída aos
advogados resta incompatível com a carreira, sobretudo quando reconhecida a autonomia e
independência dos referidos profissionais, como já decidido pelo Conselho Federal da OAB e
enunciado no verbete da Súmula n. 09 da Comissão Nacional da Advocacia Pública:
O controle de ponto é incompatível com as atividades do Advogado Público, cuja atividade intelectual exige flexibilidade de horário.
Nesse contexto, é importante frisar que prerrogativas não significam privilégios,
mas sim condições amparadas por Lei e de caráter especial, sendo imprescindíveis ao interesse
social; portanto, são garantias inerentes ao exercício da advocacia, seja ela pública ou privada, de
modo que deve ser assegurado aos advogados a total liberdade para o exercício profissional em
todo o País.
Ou seja, é impossível atuar em defesa da cidadania e do interesse público, em
qualquer esfera que seja, sem que o profissional tenha a seu favor todas essas salvaguardas, sob
pena de violação aos princípios democráticos.
Importante frisar, também, que tal prerrogativa se estende ao advogado público,
não os devendo se submeterem ao controle de jornada por ponto eletrônico, da mesma forma, em
razão da peculiaridade do trabalho por eles desenvolvido que corresponde ao múnus da
Advocacia como um todo (seja ela pública ou privada).
Ademais, não se pode deixar de realçar que o serviço diligência é inerente da
profissão de modo que o profissional está submetido a serviços externos dos quais não se faz
viável a previsão à repartição física de trabalho, dada imprevisibilidade inerente ao serviço; o
que, consequentemente, obriga ao advogado executar suas tarefas internas em horários incomuns,
o que demonstra que a rotina dos procuradores é completamente diferenciada da rotina dos
servidores administrativos e, por isso, o controle da jornada de trabalho se mostra um obstáculo
ao livre exercício profissional de qualquer área da advocacia.
1Cumpre ressaltar o texto do §1º do art. 3º da Lei Federal n. 8.906/94, cuja previsão
determina que os advogados públicos se sujeitam às regras nele estipuladas:
Art. 3º O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),
1Art. 7º São direitos do advogado:
§ 1º Exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta lei, além do regime próprio a que se subordinem, os integrantes da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades de administração indireta e fundacional.
Desta feita, percebe-se que o exercício do cargo de Procurador, mesmo no regime
próprio a que se subordinem os integrantes da Advocacia Pública, não lhes retira a isenção
técnica nem reduz a independência profissional inerentes à advocacia.
Tal entendimento já fora precedente de posicionamento jurisprudencial no mesmo
sentido, vejamos:
2ADMINISTRATIVO. SERVIDOR. PROCURADOR AUTÁRQUICO. CONTROLE ELETRÔNICO DE PONTO. DECRETOS 1.590/95 E 1867/86.
1. A instituição de controle eletrônico de ponto para procuradores, por óbvio, não se compatibiliza com o exercício da atividade voltado para a advocacia.
2. O exercício da advocacia tem como pressuposto a maleabilidade. Neste contexto, a submissão dos procuradores a ponto eletrônico de freqüência desnatura a singularidade do ofício e promove restrição indevida da atuação do profissional.
3. Os Decretos 1.590/95 e 1867/86 bem dispõem sobre diversa forma de controle de freqüência para os servidores que exercem suas atividades em ambiente externo. 4 Apelação e remessa oficial improvidas.” (MS 200003990653417; 2ª Turma, Rel. Juiz Federal PAULO SARNO, DJ 18/05/2007, p.518).
Essa atividade é reconhecida pela Constituição de 1988, que a erigiu em Função
Essencial à Administração da Justiça. De fato, essa derivação constitucional direta da atividade
de representação judicial do Estado pelo Advogado Público faz com que seja apenas do próprio
profissional o dever de se desincumbir de suas tarefas do melhor modo possível, sob pena de
responsabilização.
Logo,
quem tem a representação do Estado, seja administrativa, seja judicial, não
pode, com a máxima vênia, estar sujeito a horário, posto que a função destinada aos membros da
2Ao deferir liminar no Mandado de Segurança n. 0019802-45.2012.4.01.3800, que tramitou na 5ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais, o magistrado João Batista Ribeiro destacou que: (...) Destarte, da mesma forma que a lei lhes atribui responsabilidade pessoal pelos atos que praticar ou deixar de praticar, é de se lhe ser concedida também a prerrogativa de utilizar o tempo e escolher o local que entender adequado para pesquisar, refletir e praticar os atos jurídicos na defesa do interesse público, tendo em conta que o referido profissional deve estar disponível para cumprir suas tarefas dentro do prazo legal sob pena de responsabilização, independentemente do término ou não de sua jornada de trabalho, motivo pelo qual a sua submissão ao controle de ponto lhes subtrai substantiva parcela significativa das condições apropriadas para o exercício pleno da função, em flagrante desacordo com o disposto no § 1º, do art. 31, da Lei 8906, de 1994.carreira de Procurador e Advogado Público é muito maior e mais relevante que as atividades
exercidas pelos servidores do quadro administrativo, sem nenhum tipo de demérito aos relevantes
serviços prestados por estes.
Assim, é importante ressaltar que o Advogado Público, independentemente de o
Estado fornecer ou não fornecer as condições materiais para o bom desempenho de sua função,
tem o dever e a prerrogativa de sempre atuar sempre com independência e autonomia. Isto é,
independente da estrutura física que lhe é fornecida, a defesa do interesse público é feita
exclusivamente e sob responsabilidade do Advogado Público, independente de qual seja seu
regime de contratação, sendo sua independência de atuação incompatível com eventual jornada
de ponto ou demais controles administrativos que lhe tolhe ou amesquinhe tais predicados.
Em contrapartida, não é sinônimo dizer que o Advogado Público não está sujeito a
qualquer controle sobre sua atividade, sendo evidente que o reconhecimento dessa liberdade
inerente ao exercício profissional materializa somente que um controle rígido de ponto, com
registro de horários fixos de entrada e saída, é incompatível com a natureza intelectual da sua
função e que tal método de controle não é medida adequada de sua atividade; sem qualquer
prejuízo do controle puramente funcional, ou seja, de produtividade e empenho de resultado
3.
Conclui-se que os Advogados Públicos desfrutam de independência funcional ---
art. 31, §1º, c/c 3º, §1º, da Lei n.8.906/1994 ---, pelo que respondem pessoal e funcionalmente
pelo exercício do aludido munus. Cabe-lhes, por responsabilidade funcional, municiarem-se dos
elementos necessários para bem promover a defesa do Estado e o assessoramento do Poder
Executivo, não havendo dúvidas de que a sujeição desses profissionais ao cumprimento de
jornada de trabalho no interior das repartições, bem assim a submissão a controle de frequência e
horário, afigura-se em restrição de prerrogativa apenas.
A propósito, é induvidoso que a assiduidade e pontualidade dos Advogados
Públicos não se aferem somente pela presença física na repartição, principalmente porque o
controle de horário deve ser feito contra quem não tem a obrigação de fazer mais do que o
devido, o que, naturalmente, não se aplica a tais profissionais, que por vezes extrapolam em
muito a jornada regulamentar de trabalho por conta de acompanhamento de julgamentos,
audiências, minuta de instrumentos normativos, respostas a consultas urgentes etc. É
perfeitamente compreensível que a Administração Pública busque primar pelo interesse público,
no entanto, é necessário que haja equilíbrio entre os princípios aqui discutidos, pois não se mostra
razoável a aferição na forma imposta.
3 Na prática, um controle que verifique o desempenho do servidor, e não a quantidade de horas que fique ele na repartição, pode trazer melhores benefícios ao interesse público; daí a exigência constitucional pela eficiência, ou seja, qualidade nos serviços públicos prestados.