• Nenhum resultado encontrado

Insuficiência Renal Aguda Após Cirurgia Cardíaca de Crianças Lactentes Acute Renal Failure After Cardiac Surgery in Children

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Insuficiência Renal Aguda Após Cirurgia Cardíaca de Crianças Lactentes Acute Renal Failure After Cardiac Surgery in Children"

Copied!
7
0
0

Texto

(1)

RESUMO

Objetivo: A insuficiência renal aguda (IRA) é uma complicação da cirurgia cardíaca em crianças com cardiopatia congênita. Nosso objetivo foi avaliar os dados clínicos e evolutivos de lactentes (idade < 24 meses) com IRA após cirurgia cardíaca. Métodos: Estudamos 58 crianças com idade média de 2,2 ± 3,4 meses (40 com idade < 30 dias). Resultados: O tempo do diagnóstico da IRA após a cirurgia foi 4,2 ± 5,8 dias. A causa da IRA foi disfunção cardíaca imediata em 36, disfunção cardíaca associada a sepsis em 14 e sepsis em outras sete. Em 26 crianças, a IRA foi não-oligúrica; em 24, foi oligúrica e, em oito, anúrica. Cinqüenta e uma crianças (87,9%) necessitaram de diálise peritoneal; as indicações foram a hipervolemia com insuficiência cardíaca em 40 crianças e alterações relacionadas à uremia em 11. A uréia, no início da diálise, era 117,6 ± 56,1mg/dl. O tempo de tratamento dialítico foi de 10,7 ± 12,7 dias. A mortalidade foi 51,7% (n=30), sendo maior nos pacientes oligoanúricos, que necessitaram de diálise, com complicações infecciosas, naquelas com idade ≤30 dias e nas crianças com IRA após o sétimo dia pós-operatório. As causas dos óbitos foram septicemia (em 17 crianças), insuficiência cardíaca/choque cardiogênico (em nove) e a associação de infecção e insuficiência cardíaca (em quatro). Conclusão: IRA relacionada à cirurgia cardíaca em lactentes é uma complicação grave, apresentando mortalidade elevada, maior nas crianças com idade <30 dias, oligúricas e que apresentaram infecção. A principal indicação de diálise foi hiper-hidratação em pacientes oligoanúricos.

Descritores: Crianças. Cardiopatia congênita. Cirurgia cardíaca. Insuficiência renal aguda. Diálise peritoneal.

ABSTRACT

Background: Acute renal failure (ARF) develops in up to 5% of children undergoing cardiac surgery, and carries a poor prognosis. Methods: We studied 58 small children (age <24 months) with ARF and fluid overload after surgical repair of congenital heart disease. Results: The mean age was 2.2 ± 3.4 months (40 children with age < 30 days). The serum urea was 48.2 ± 39.8 mg/dl, and creatinine was 1.00 ± 0.61 mg/dl at surgery. The mean interval between surgery and ARF diagnosis was 4.2 ± 5.8 days. The primary cause of ARF was immediate cardiac dysfunction (36 infants), cardiac dysfunction with sepsis (14), and isolated sepsis (7). Twenty-six infants developed non-oliguric ARF, 24 patients developed oliguric ARF, and 8 anuric ARF. Fifty-one infants required dialysis treatment. Pre-dialysis serum urea was 117.6 ± 56.1 mg/dl. The duration of dialysis was 10.7 ± 12.7 days. Overall mortality was 51.7% (n=30), and was higher among the patients with oliguric ARF, in those requiring dialysis, with infection, in children with age < 30 days, and in patients whose ARF developed after the first week of cardiac surgery. Deaths were due to infection (17 cases), cardiac failure (9), sepsis associated to cardiac failure (4). Conclusions: ARF is a serious complication of cardiopulmonary bypass in infants. The mortality rate has been high, particularly in the neonatal group (age < 30 days), in patients with oliguria or sepsis. The principal indication for peritoneal dialysis was oligoanuria /uncontrolled fluid overload.

Keywords: Children. Congenital heart disease. Cardiac surgery. Acute renal failure. Peritoneal dialysis.

Insuficiência Renal Aguda Após Cirurgia Cardíaca de

Crianças Lactentes

Acute Renal Failure After Cardiac Surgery in Children

Eline Nogueira, Elisângela G. Cabral, Hugo Abensur, Irene L. Noronha, Maria Regina T. Araújo,

João Egidio Romão Junior.

Serviço de Nefrologia, Hospital da Beneficência Portuguesa, São Paulo – SP.

Recebido em 05/0707 / Aprovado em 27/08/07

Endereço para correspondência: Dra. Eline Nogueira

Rua Maestro Cardim, 560 cj. 172 01323-000, São Paulo, SP E-mail: nefro2007@uol.com.br

(2)

INTRODUÇÃO

A insuficiência renal aguda (IRA) é conhecida como uma complicação importante da cirurgia cardíaca em crianças e está relacionada a um prognóstico ruim destes pacientes1-3. IRA desenvolve em cerca de 5%-9% das crianças submetidas à cirurgia cardíaca e está associada a uma mortalidade superior a 50% dos casos3-5. A incidência de IRA após cirurgia cardíaca em crianças difere em diversos trabalhos, sendo muito influenciada pelos critérios utilizados para a definição da IRA, bem como da população e da faixa etária analisada.

A IRA no pós-operatório imediato de cirurgia cardíaca em crianças é caracterizada freqüentemente por baixo débito cardíaco, oligúria e um balanço hídrico muito positivo. Embora em um número expressivo de pacientes esta situação se resolva com o uso de diuréticos e drogas inotrópicas, em muitas ocasiões, torna-se necessário a indi-cação de terapêutica de substituição renal, quase sempre devido à hipervolemia e não à uremia3 , 6. Já após a segunda semana da cirurgia, a IRA neste grupo específico de crianças acompanha quase sempre processos infecciosos graves, sepsis e choque séptico, o que torna o prognóstico bastante reservado3 , 7. Neste caso, indicação dialítica se impõe quase sempre pelo estado hipercatabólico urêmico presente com freqüência elevada nestes pacientes.

Nos últimos anos, diversos trabalhos mostraram a eficácia e segurança de modalidades de terapia de substituição renal extracorpóreas em crianças com IRA após cirurgia cardíaca6,8-10. Entretanto, em nosso serviço, as crianças com IRA em pós-operatório são, eletivamente, submetidas à diálise peritoneal intermitente ou contínua. Revisão preliminar de nossa casuística mostrou que este método dialítico é seguro, efetivo e que dispensa alta tecnologia para ser utilizado3.

Poucos foram os estudos abordando a IRA após cirurgia cardíaca de lactentes, com especial ênfase ao tratamento através de diálise peritoneal. O objetivo deste estudo foi analisar retrospectivamente a experiência de nossa Equipe de Nefrologia no diagnóstico e tratamento de um grupo de crianças lactentes que desenvolveram IRA após cirurgia cardíaca.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Realizamos um estudo retrospectivo, descritivo, incluin-do todas as crianças lactentes (com idade <24 meses) portaincluin-doras de cardiopatia congênita, submetidas à cirurgia cardíaca no período de janeiro de 2004 a dezembro de 2005, no Hospital da Beneficência Portuguesa de São Paulo, e que desenvolveram IRA. Todas as crianças estavam internadas em unidade de terapia intensiva, sob cuidados primários de uma equipe de

terapia intensiva pediátrica. Os dados coletados de ficha padronizada de acompanhamento de pacientes portadores de IRA em nosso Serviço foram: características demográficas das crianças, características da cardiopatia e da cirurgia, os fatores que poderiam ser importantes na patogênese da IRA, uso de drogas vasoativas, tipo de IRA (não oligúrica e oligúrica, caracterizada por uma diurese inferior a 0,5ml/ kg de peso/h), tratamento utilizado e dados clínicos evolutivos, incluindo valores de exames laboratoriais, complicações, função renal na alta e mortalidade.

IRA foi definida como uma alteração aguda da função renal, de qualquer etiologia, caracterizada por uma elevação dos níveis de creatinina sérica superior a 30% dos valores basais da criança, redução da diurese na ausência de hipovolemia aparente e/ou presença de evidente quadro clínico desencadeador1,9,10.

A indicação de terapêutica dialítica incluía um ou mais dos seguintes quadros: anúria ou oligúria por 12h ou mais; hiper-hidratação e/ou hipervolemia não responsivas ao uso de restrição hídrica e uso de diuréticos (furosemida, 1 – 2mg/kg/dose por via endovenosa); hipercalemia (potássio sérico acima de 5,0mEq/l), e necessidade de infusão de líquidos na presença de função renal diminuída e balanço hídrico muito positivo. As crianças que necessitaram de terapêutica de depuração extra-renal foram submetidas à diálise peritoneal, segundo técnica já descrita2,3. Para tanto, foram instalados

cateteres peritoneais pediátricos por via percutânea (rígidos) ou cirúrgica (cateteres flexíveis tipo Tenckhoff). As sessões eram realizadas por técnica manual, instalando-se uma bureta graduada no sistema de infusão em crianças menores e usando-se inicialmente de 10 a 20ml/kg de peso de solução de diáliusando-se comercial (concentração de glicose de 1,5% a 4,25%) a cada troca. As trocas de banho foram realizadas a cada hora, nas primeiras 24h - 36h; com a estabilização do quadro bioquímico (controle da hiperpotassemia, da acidose metabólica e da uremia) e o controle da hiper-hidratação da criança, o intervalo entre as trocas era aumentado para 2h a 4h (houve casos mantidos em diálise peritoneal contínua por até 65 dias).

Para análise estatística, os dados quantitativos são apresentados como média ± desvio padrão. Diferenças entre dados qualitativos foram pesquisadas pelo teste exato de Fisher ou teste do qui-quadrado, enquanto que diferença entre médias foi analisada pelo teste t de Student ou Mann-Whitney (idade, PO IRA e tempo de diálise). Regressão logística foi usada para estabelecer as variáveis independentes relacionadas ao óbito das crianças. Consideramos como significativos valores de p<0,05. Usamos o pacote estatístico GraphPad Prism versão 3.0 (GraphPad Software, Inc., San Diego, Calif., EUA) e MedCalc versão 8.2 (Frank Schoonjans, EUA).

RESULTADOS

Estudamos a evolução de 58 lactentes portadores de cardiopatia congênita, submetidos à cirurgia cardíaca e que desenvolveram IRA. O diagnóstico da lesão cardíaca congênita presente está na Tabela 1.

(3)

A idade das crianças era 2,2 ± 3,4 meses, variando de dois dias a 13 meses, tendo 40 crianças com idade inferior a 30 dias; 34 crianças eram do sexo feminino. O peso das crianças era de 3.751 ± 1.240 gramas, variando de 2.000 a 7.300 gramas, sendo que 21 crianças pesavam menos de 3,5kg. A Tabela 2 resume os dados clínicos, laboratoriais e evolutivos das crianças estudadas.

As 58 crianças estudadas apresentavam uréia pré-cirurgia de 48,2 ± 39,8mg/dl (variando de 10 a 202mg/dl) e de creatinina pré-operatória de 1,00 ± 0,61mg/dl (variando de 0,40 a 4,1mg/dl). Cinco crianças já tinham diagnóstico de IRA antes da cirurgia, com concentração de creatinina sérica crescente e superior a 30% do valor basal. Nestas crianças, o fator causador da IRA foi a insuficiência cardíaca grave presente. Nenhuma criança deste grupo necessitou de ultrafiltração ou terapia dialítica antes ou durante o procedimento cirúrgico. Nas outras 53 crianças, o tempo médio do diagnóstico da IRA após a cirurgia cardíaca foi de 4,2 ± 5,8 dias (variando de zero a 18 dias). A causa da IRA foi uma disfunção cardíaca aguda imediata (baixo débito cardíaco e choque cardiogênico) em 36 crianças (62,1% dos casos), disfunção cardíaca aguda associada a sepsis em 14 (24,1%) e sepsis com choque séptico em outras oito (13,8% dos casos). Quarenta e duas crianças (72,4% dos casos) necessitaram de drogas vasoativas no período pós-operatório imediato, enquanto que 33 (56,9%) apre-sentavam processo infeccioso associado à IRA. Em 26 crianças (44,8% dos casos), a IRA foi não-oligúrica; em 24 (41,4%), a IRA foi oligúrica e em apenas oito (13,8%) a IRA cursou com presença de anúria.

Cinqüenta e uma crianças (87,9%) necessitaram de diálise, sendo que a diálise peritoneal foi o método utili-zado. Das 24 crianças oligúricas, 22 (91,7%) necessitaram de diálise; entre as oito crianças anúricas, todas (100%) necessitaram de diálise, enquanto que diálise foi usada em 21 crianças (80,7%) das não-oligúricas. A principal indicação para o tratamento dialítico foi a hipervolemia, insuficiência cardíaca congestiva e edema agudo de pulmão em 40 crianças (69% dos casos), e alterações relacionadas à uremia em apenas 11 crianças. A média de

concentração da uréia sérica das 51 crianças no início da diálise de 117,6 ± 56,1mg/dl (variando de 24 a 222mg/dl) e a média da creatinina foi de 1,54 ± 0,66mg/dl (variando de 0,60 a 4,10mg/dl). O tempo de permanência em dependência do tratamento dialítico até a recuperação da função renal ou o óbito da criança foi de 10,7 ± 12,7 dias, variando de um a 65 dias. Dentre os 28 pacientes que recuperaram a função, este tempo foi de 7,2 ± 7,4 dias, enquanto que, nas 30 crianças que evoluíram para o óbito (51,7%), este período foi de 13,3 ± 15,4 dias; apenas uma (3,3%) das crianças que faleceram não foi submetida à diálise peritoneal, em comparação com seis (21,4%) pacientes que sobreviveram sem necessidade de diálise.

Complicações metabólicas foram freqüentes, sendo as mais observadas durante o período de acompanhamento das crianças com IRA a acidose metabólica (bicarbonato plasmático < 19mmol/L) em 44 crianças (76% dos casos), a hiperpotassemia (>5,5mEq/L) em 17 (29%), a hipopotassemia (<3,0mEq/L) em 31 (53%), a hipernatremia (>145mEq/L) em 27 pacientes (47%), a hiponatremia (<130mEq/L) em 19 (33%), a plaquetopenia (<60.000 plaquetas/mm3) em 18 (31%) e a hiperglicemia (>150mg/dl) em 16 (28%) crianças.

A mortalidade geral foi 51,7% (n=30), sendo maior (p=0,003; OR=0,227) nos pacientes oligoanúricos (65,6%) do que nos não-oligúricos (34,6%); maior (p=0,048; OR=7,909) naquelas crianças que necessitaram de diálise (57%) do que nas que não foram dialisadas (14,2%); maior (p=0,003; OR= 5,914) nas crianças com complicações infecciosas (70%) do que naquelas sem tal intercorrência (28%); e maior (p=0005; OR=10,385) naquelas crianças com idade ≤ 30 dias (68%) quando comparadas às mais velhas (17%). A mortalidade foi menor (p=0,010; OR= 5,354) quando a indicação para o tratamento dialítico foi primariamente devido a estados de hipervolemia / hiper-hidratação do que nas crianças cuja indicação da diálise peritoneal ocorreu por distúrbios eletrolíticos/uremia; da mesma forma, a freqüência de óbitos foi maior (p=0,032; OR= 1,256) nas crianças em que a IRA foi diagnosticada após o sétimo dia pós-operatório (73%) quando comparada à freqüência de morte nas crianças com diagnóstico de IRA na primeira semana após a cirurgia (46%). Não observamos maior mortalidade nas crianças que necessitaram de drogas vaso-ativas no pós-operatório imediato (p= 0,243; NS). Análise de regressão múltipla mostrou que a mortalidade das crianças com IRA foi relacionada apenas às variáveis independentes idade <30 dias (p= 0,0195), presença de oligo-anúria (p=0,0480) e de infecção (p=0,0198).

As principais causas dos óbitos observados foram infecção/septicemia em 17 crianças, insuficiência cardíaca/ choque cardiogênico em nove e a associação de infecção

Tabela 1. Diagnóstico pré-operatório da lesão cardíaca

congênita.

Lesão cardíaca congênita presente Pacientes

Transposição de grandes artérias 17

Síndrome de hipoplasia de coração esquerdo 13

Tetralogia de Fallot 12

Defeito em septo atrial/ventricular 8

Atresia tricúspide 2

Coarctação de aorta 3

Outras 3

(4)

e insuficiência cardíaca em outras quatro crianças. Quatro crianças faleceram nas primeiras 24 horas após a cirurgia.

DISCUSSÃO

A IRA é uma das complicações mais comuns e graves que pode acometer crianças portadoras de malfor-mações congênitas cardíacas e submetidas à cirurgia corretiva desta anormalidade3,4,11,12. O pós-operatório de cirurgia cardíaca para correção de malformações congênitas, por sua vez, tem sido apontado como a causa individual mais freqüente de IRA em séries, analisando crianças internadas em unidade de terapia intensiva

p e d i á t r i c a1 0 , 1 3. É uma síndrome causada pela redução b r u s c a da filtração glomerular, resultando em acúmulo de produtos metabólicos potencialmente tóxicos, graves dis-túrbios eletrolíticos e hipervolemia severa. Nosso estudo confirma a gravidade desta situação clínica, descrevendo uma freqüência elevada de complicações clínicas e uma alta mortalidade de crianças com IRA após cirurgia cardíaca, em especial daquelas que necessitaram de terapêutica dialítica3,4-6,9,11,14.

Diversos são os fatores relacionados ao desenvol-vimento de IRA após cirurgia cardíaca em crianças. Os mais citados são uma disfunção renal prévia à cirurgia, a cirurgia realizada em crianças com idade inferior a um ano ou peso inferior a 5kg, a hipotensão arterial

pós-Tabela 2. Comparação entre as crianças sobreviventes e falecidas.

Total Vivos Falecidos p

Pacientes 58 28 30 Idade (meses) 2,2 ± 3,4 3,5 ± 3,7 1,0 ± 2,6 ** Sexo (M/F) 24 / 34 15 / 13 9 / 21 Peso (g) 3751 ± 1240 4351 ± 2000 3097 ± 578 ** Uréia pré-cirurgia (mg/dl) 48,2 ± 39,8 52,0 ± 46,4 45,6 ± 34,8 Creatinina pré-cirurgia (mg/dl) 1,00 ± 0,61 0,99 ± 0,77 1,00 ± 0,49 Pós-operatório da IRA 4,2 ± 5,8 3,4 ± 3,7 5,1 ± 7,2 Causa IRA

Baixo débito cardíaco 36 20 16

Baixo débito + Infecção 14 5 9

Infecção 8 3 5 Oligo-anúria 32 11 21 ** Diálise peritoneal 51 22 29 * Indicação de diálise Hipervolemia 40 16 24 * Uremia 11 6 5 Creatinina pré-diálise (mg/dl) 1,54 ± 0,66 1,65 ± 0,54 1,43 ± 0,76 Uréia pré-diálise (mg/dl) 117,6 ± 56,1 111,8 ± 53,0 124,0 ± 59,7

Tempo de diálise (dias) 10,7 ± 12,7 7,2 ± 7,4 13,3 ± 15,4

Complicações clínicas Acidose Metabólica 44 18 26 Hiperpotassemia 17 4 13 Hipopotassemia 31 14 17 Hipernatremia 27 14 13 Hiponatremia 19 4 15 Plaquetopenia 18 2 16 Hiperglicemia 16 6 10 Infecções 33 10 23 *

Uso de drogas vaso-ativas 42 18 24

Causa de morte

Infecciosa 17 17

Insuficiência cardíaca 9 9

Infecção + baixo débito 4 4

(5)

operatória imediata resistente a volume e a drogas inotrópicas, e os quadros infecciosos1 3 , 1 4. Em nosso estudo, estes fatores estiveram presentes de maneira marcada: cinco crianças apresentavam, ainda no período pré-operatório, disfunção renal aguda secundária à insuficiên-cia cardíaca; apenas uma criança tinha mais de um ano de idade, sendo que 70% delas tinham menos de 30 dias de vida; a causa da IRA foi baixo débito cardíaco e hipoten-são arterial em 77% dos casos e a sepsis esteve envolvida no quadro desencadeante da IRA em 36% das crianças.

O objetivo do tratamento da IRA nestas crianças está baseado na correção da causa desencadeante (princi-palmente a hipotensão arterial e a infecção) e a correção das alterações metabólicas e dos distúrbios hidroele-trolíticos. Desta forma, o tratamento, além da prevenção da própria IRA, se resume ao tratamento médico conservador e ao tratamento substitutivo da função renal. O tratamento médico conservador inicia-se com o uso de diurético de alça, a furosemida, pois situações de oligúria, anúria ou mesmo diurese insuficiente para reverter o quadro de hipervolemia são freqüentes no pós-operatório destas crianças que desenvolvem disfunção renal aguda. Em nossa casuística, oligo-anúria ocorreu em 55% das crianças. As possíveis vantagens no uso da furosemida, além da tentativa de reverter o baixo débito urinário, seriam seus efeitos em reduzir a reabsorção tubular em alça de Henle, reduzir o gasto energético renal, reduzir o consumo de oxigênio, aumentar o fluxo do fluido intratubular e promover vasodilatação renal1 5. Outra modalidade terapêutica é o uso de drogas vaso-ativas. A dopamina já teve destaque no tratamento da instabilidade hemodinâmica destes pacientes, mas estudos não conseguiram demonstrar ação benéfica desta droga, além de seu estímulo diurético16,17.

Quando o manuseio clínico-medicamentoso não consegue reverter as principais manifestações clínicas da IRA, a indicação dialítica se impõe18. Nesta situação, torna-se necessário o emprego de terapia de substituição renal até que as anormalidades que colocam em risco a vida da criança sejam revertidas, melhore a função cardíaca e os rins retomem uma melhor função. Isso ocorre em horas até alguns dias do início do quadro, se a criança sobrevive. A freqüência de intervenção dialítica neste grupo específico de crianças com IRA situa-se ao redor de 50% a 90% dos casos3,4-6,11,14. Como a indicação precípua da diálise no pós-operatório imediato de nossos pacientes estudados foi a insuficiência cardíaca imediata, o baixo débito cardíaco e a hiper-hidratação, o objetivo inicial da diálise foi interromper o ciclo de retenção de fluidos, sobrecarga cardíaca e edema tissular (notada-mente o pulmonar), que, se não revertido pronta(notada-mente, pode levar o paciente à morte.

Atualmente estão disponíveis diversas técnicas de depuração extra-renal para o tratamento da IRA em crianças18-20, desde a diálise peritoneal até técnicas de depuração extracorpóreas como a hemodiálise, a ultra-filtração, a hemofiltração e a hemodiafiltração21-23. Todas estas modalidades podem ser mantidas por curto período de tratamento (terapia intermitente) ou de modo conti-nuado até a recuperação de função renal adequada (tera-pias contínuas). Em todos os estudos que analisaram o impacto da IRA em crianças no pós-operatório imediato de cirurgia cardíaca, a mortalidade dos pacientes foi elevada, independente da técnica de depuração extra-renal utilizada1,2,5,6,8.

A diálise peritoneal pode efetivamente remover líquidos em excesso das crianças, controlar os distúrbios eletrolíticos quase sempre presentes e minimizar os efeitos deletérios da uremia18. Seu emprego no pós-operatório imediato destas crianças com IRA, removendo o excesso de líquidos, influencia positivamente o quadro hemodi-nâmico e pulmonar destes pacientes. Em diversos estu-dos, a instituição da diálise peritoneal em lactentes no pós-operatório de cirurgia cardíaca tem-se mostrado um método efetivo e seguro, de baixo custo, de fácil insta-lação e que não exige nem infra-estrutura especial nem pessoal de enfermagem com treinamento específico e complexo, além daquele existente em uma unidade de terapia intensiva pediátrica1,2,24-26.

Dúvidas existiam sobre a efetividade da diálise peritoneal para a remoção de líquidos ou de catabolitos em pacientes pediátricos em período pós-operatório de cirurgia cardíaca, quer por incapacidade depuradora dialí-tica pura, quer pela possibilidade de haver comprome-timento da competência da membrana peritoneal em crianças com grave instabilidade hemodinâmica6. Tais dúvidas foram eliminadas com a demonstração clínica em diversos trabalhos2,3,24-27, bem como por dados que mos-traram que, mesmo em pacientes em estado de choque, a perfusão sangüínea peritoneal não se apresenta reduzida o bastante para comprometer sua eficiência dialítica28.

O cateter rígido ainda tem seu emprego como alternativa imediata para um acesso peritoneal, mas, para a maioria dos casos, a conduta mais adequada é a colocação cirúrgica de um cateter peritoneal flexível (do tipo cateter de Tenckhoff), que pode ser instalado ainda durante a cirurgia cardíaca29 e utilizado por vários dias com total segurança3,15. Estudos específicos mostraram que complicações como obstrução e vazamentos, obrigando a troca de cateteres, não são freqüentes e são de fácil resolução3,18,30-33.

Como citado, a mortalidade das crianças com IRA após cirurgia cardíaca de malformações congênitas é elevada, e nosso trabalho confirmou este dado. Este

(6)

prognóstico é determinado muito mais pela gravidade da doença de base e intercorrências hemodinâmicas e infecciosas, do que pelo tratamento conservador ou dialítico empregado, embora haja relatos de que o uso precoce e agressivo da diálise esteve relacionado a uma melhora da sobrevida dos pacientes1,2,5,6,8. A noção de se instituir tratamento dialítico precoce é reforçada por dados que mostraram que a diálise peritoneal diminui a sobrecarga hídrica e melhora a perfusão renal, particu-larmente em crianças com falência cardíaca direita, nas quais um cateter peritoneal foi instalado ainda durante o ato cirúrgico e a diálise foi iniciada ainda na sala de cirurgia29,33.

Devemos enfatizar que, embora a mortalidade destas crianças permaneça elevada, ela tem sido reduzida ao longo dos últimos anos, possivelmente devido ao aperfeiçoamento da técnica e das equipes cirúrgicas, do melhor conhecimento clínico e preventivo da IRA e do melhor tratamento dialítico. Em nosso Serviço, vimos que esta mortalidade era de 60% de nosso estudo preliminar em 19963e caiu para os atuais 51,7%, aproximando-se à mortalidade relatada em crianças lactentes e portadoras de IRA de natureza clínica10,12.

Como relatado em nossa análise preliminar a n t e r i o r3 , 7 , 3 4, na análise da mortalidade deste grupo específico de crianças deve-se ressaltar que o prognóstico da IRA após cirurgia cardíaca segue dois padrões bem definidos no que se refere ao fator desencadeante principal (falência cardíaca primária ou infecção) e ao momento do diagnóstico da IRA (imediato ou após a primeira semana da cirurgia). A IRA tipo I ocorre imediatamente após a cirurgia cardíaca e é caracterizada por uma situação clínica grave de insuficiência cardíaca de baixo débito. Este é resultante de uma disfunção miocárdica aguda grave, transitória na maioria dos casos. As principais causas desta disfunção cardíaca seriam uma isquemia global intraoperatória, necrose ou infarto miocárdico perioperatório, correção incompleta da anormalidade congênita cardíaca, arritmias ou distúrbios de condução, alterações na pré-carga e na pós-carga, contratilidade miocárdica reduzida e complacência miocárdica reduzida3 4. Esta contratilidade reduzida poderia ser devido a distúrbios metabólicos, hipoxemia, distúrbios eletrolíticos e a presença de fatores depressores miocárdicos. A insuficiência cardíaca, por seu turno, estaria associada com a vasoconstrição periférica3 4, retenção hidrossalina, edema intenso, resistência à terapia diurética convencional e hipervolemia. Por outro lado, a IRA tipo II ocorre mais tardiamente após a cirurgia cardíaca (geralmente após a primeira semana), tendo como fator desencadeante predominante as infecções, a sepsis e o choque séptico. Estas crianças no

pós-operatório de cirurgia cardíaca são propensas a desenvolver quadros infecciosos devido a vários fatores, incluindo a presença de cateteres intravasculares e intravesical, desnutrição e feridas cirúrgicas extensas.

Concluímos que a IRA em crianças lactentes submetidas à cirurgia cardíaca é grave, com a maioria dos pacientes necessitando tratamento dialítico, principalmen-te devido à presença de diurese inadequada e hiper-volemia. Apresentou grande número de complicações clínicas e mortalidade elevada, especialmente em crianças com idade < 30 dias, oligúricas e que apresentem processos infecciosos.

REFERÊNCIAS

1. Gomez-Campdera FJ, Maroto-Alvaro E, Galinanes M, Garcia E, Duarte J, Rengel-Aranda M. Acute renal failure associated with cardiac surgery. Child Nephrol Urol 1989;9:138-43. 2. Werner HA, Wensley DF, Lirenman DS, LeBlanc JG.

Peritoneal dialysis in children after cardiopulmonary bypass.

J Thorac Cardiovasc Surg 1997 ;113:64-70.

3. Romão Jr JE, Fuzissima MG, Vidonho AF, Noronha IL, Quintaes PSL, Abensur H, Araújo MRT, Freitas Jr I, Marcondes M. Outcome of acute renal failure associated with cardiac surgery in infants. Arq Bras Cardiol 2000;75: 318-21. 4. Rigden S, Barratt T, Dillon M, de Leval M, Stark J. Acute renal failure complicating cardiopulmonary bypass surgery. Arch

Dis Child 1982;57:425-30.

5. Shaw NJ, Brocklebank JT, Dickinson DF, Wilson N, Walker DR. Long-term outcome for children with acute renal failure following cardiac surgery. Int J Cardiol 1991 ;31:161-5. 6. Fleming F, Bohn D, Edwards H, Cox P, Geary D, McCrindle

BW, Williams WG. Renal replacement therapy after repairs of congenital heart disease in children. J Thorac Cardiovasc

Surg 1995;109:322-31.

7. Araújo MRT, Vidonho Jr AF, Abensur H, Noronha IL, Marcondes M, Romão Jr JE. The two patterns of acute renal failure after cardiac surgery. J Am Soc Nephrol 1998 ;9:125. 8. Leyh RG, Notzold A, Kraatz EG, Sievers HH, Bernhard A. Continuous venovenous haemofiltration in neonates with renal insufficiency resulting from low cardiac output syndrome after cardiac surgery. Cardiovasc Surg 1996;4:520-5. 9. Rialp G, Roglan A, Betbesé AJ, Marquez MP, Ballús J,

Velarde GL, Santos JA, Bak E, Net A. Prognostic indexes and mortality in critically ill patients with acute renal failure treated with different dialytic techniques. Ren Fail 1996;18:667-75. 10. Mendley SR, Langman CB. Acute renal failure in the pediatric

patient. Adv Ren Replace Ther 1997 ;4:(Suppl 1);93-101. 11. John EG, Levitsky S, Hastreiter AR. Management of acute

renal failure complicating cardiac surgery in infants and children. Crit Care Med. 1980 ;8:562-9.

12. Ramage IJ, Beattie TJ. Acute renal failure following cardiac surgery. Nephrol Dial Transplant 1999 ;14:2777.

13. Villanueva AM, Cid JLH, Fernández YL, Gamero AM, Torre AC, Galán CR, Rodríguez FS. Insuficiencia renal aguda em ninõs criticamente enfermos. An Pediatr Brac 2004; 6 1 : 5 0 9 - 1 4 .

(7)

14. Picca S, Principato F, Mazzera E, Corona R, Ferrigno L, Marcelletti C, Rizzoni G. Risks of acute renal failure after cardiopulmonar bypass surgery in children. A retrospective 10-year case-control study. Nephrol Dial Transplant

1995;10:630-6.

15. Cantarovich F, Rangoonwala B, Lorenz H, Verho M, Esnault VL. High-dose furosemide for established ARF: a prospective, randomized, double blind, placebo-controlled, multicenter trial. Am J Kidney Dis 2004 ;44:402-9.

16. Lieberthal W. Biology of acute renal failure. Therapeutic implications. Kidney Int 1997;52:1102-15.

17. Lauschke A, Teichgraber UK, Frei U, Eckardt KU. ‘Low-dose’ dopamine worsens renal perfusion in patients with acute renal failure. Kidney Int 2006;69:1669-74.

18. Romão Jr JE. Métodos dialíticos. In: Hirschheimer MR, Matsumoto T, Carvalho WB. Terapia Intensiva Pediátrica,

Atheneu Editora, Rio de Janeiro, 1989;pp.477-98.

19. Goldstein SL, Somers MJ, Baum MA, Symons JM, Brophy PD, Blowey D, Bunchman TE, Baker C, Mottes T, McAfee N, Barnett J, Morrison G, Rogers K, Fortenberry JD. Pediatric patients with multi-organ dysfunction syndrome receiving continuous renal replacement therapy. Kidney Int

2005;67:653-8.

20. Warady BA, Bunchman T. Dialysis therapy for children with acute renal failure: survey results. Pediatr Nephrol

2000;15:11-3.

21. Coraim F, Coraim H, Ebermann R, Stellwag F. Acute respiratory failure after cardiac surgery: clinical experience with the application of continuous arteriovenous hemofiltration. Crit Care Med 1986 ;14:714-718.

22. Fleming F, Bohn D, Edwards H, Cox P, Geary D, McCrindle BW, Williams WG. Renal replacement therapy after repairs of congenital heart disease in children. J Thorac Cardiovasc

Surg 1995;109:322-31.

23. Zobel G, Stein J, Kuttnig M, Beitzke A, Metzler H, Rigler B. Continuous extracorporeal fluid removal in children with low cardiac output after cardiac operations. J Thorac

Cardiovasc Surg 1991;101:593-7.

24. Werner HA, Wensley DF, Lirenman DS, LeBlanc JG. Peritoneal dialysis in children after cardiopulmonary bypass.

J Thorac Cardiovasc Surg 1997;113:64-70.

25. Malheiro PS, Burdman EA, Abdulkader RC, Daher E, Abensur H, Sabbaga E, Marcondes M. Peritoneal dialysis in low-weight children with congenital heart disease. Renal Fail

1989;11:67.

26. Day RE, White HR. Peritoneal dialysis in children. Review of 8 years experience. Arch Dis Child 1977 ;52:56-61. 27. Baxter P, Rigby M, Jones O, Lincoln C, Shinebourne E. Acute

renal failure following cardiopulmonary bypass in children: results of treatment. Int J Cardiol 1985 ;7:235-9.

28. Nolph KD, Popovich RP, Ghods AJ, Twardowski Z. Determinants of low clearance of small solutes during peritoneal dialysis. Kidney Int 1998;13:117-21.

29. Sano S, Takagaki N, Koumoto T, Arai S, Nakanishi H, Sugawara E, Komoto Y, Teramoto S. Perioperative insertion of peritoneal dialysis catheter. Kyobu Geka 1993; 4 6 : 5 8 0 - 1 . 30. Kholi HS, Arora P, Kher V, Gupta A, Sharma RK, Bhaumik

SK. Daily peritoneal dialysis using a surgically placed Tenckhoff catheter for acute renal failure in children. Renal

Fail 1995;17:51-6.

31. Hanson J, Loftness S, Clark D, Campbell D. Peritoneal dialysis following open heart surgery in children. Pediat

Cardiol 1989;10:125-8.

32. Reznik VM, Griswold WR, Peterson BM, Rodarte A, Fervis ME. Peritoneal dialysis for acute renal failure in children.

Pediatr Nephrol 1991;5:715-7.

33. Book K, Ohqvist G, Bjork VO, Lundberg S, Settergren G. Peritoneal dialysis in infants and children after open heart surgery. Scand J Thorac Cardiovasc Surg 1982; 1 6 : 2 2 9 - 3 3 . 34. Bellomo R, Ronco C. The kidney in heart failure. Kidney Int

Referências

Documentos relacionados

Se tiver alguma questão ou dúvida sobre esta política de privacidade ou sobre a forma como os seus Dados Pessoais são tratados, pode entrar em contato com o nosso Gabinete de Dados

Integração das boas práticas das series ISO/IEC 27000 e 29100, recorrendo à nova ISO/IEC DIS 27552, para implementação de um sistema de gestão de segurança da informação e

A pressão de vapor de equilíbrio sobre o gelo é menor que sobre a água sob a mesma temperatura, logo os cristais de gelo crescem por difusão do vapor e as gotas.. evaporam

A tensão de escoamento do aço estrutural deve ser limitada para que o aço do perfil atinja o escoamento a uma deformação inferior do que a do concreto, que é de 2‰, evitando

1.1 Na reunião de Diretoria n° 1282, realizada em 16 de fevereiro de 2017, foi aprovado o VO DIATI 00112017 (Resolução/Ata 02412017) que trata da proposta de adesão da FUNCEF

Os fumos produzidos pela soldagem podem ser perigosos à saúde e a exposição excessiva pode causar problemas respiratórios ou alérgicos e até agravá-los. A

Em se tratando do acervo literário traduzido e adaptado por Monteiro Lobato, dentre essas intenções o que se encontra, predominantemente, é a segunda, visto que, tanto nas obras

Informação do visor Indicações de focagem, sistema de medição, bloqueio da velocidade de obturação, bloqueio de exposição automática, velocidade de obturação, bloqueio