• Nenhum resultado encontrado

MAC-USP: CONTRAPONTOS ENTRE O EDIFÍCIO E O PROGRAMA INSTITUCIONAL

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "MAC-USP: CONTRAPONTOS ENTRE O EDIFÍCIO E O PROGRAMA INSTITUCIONAL"

Copied!
9
0
0

Texto

(1)

MAC-USP: CONTRAPONTOS ENTRE O EDIFÍCIO E O

PROGRAMA INSTITUCIONAL

da MOTTA, Renata Vieira

Renata Vieira da Motta (1971). Arquiteta (1998), mestre (2003) e doutoranda pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), desde 2005. Professora da Escola da Cidade (SP) e

colaboradora do Paço das Artes (SP), responsável pelos projetos expográficos dessa instituição (r.motta@terra.com.br).

RESUMO

Na pesquisa desenvolvida no âmbito do doutorado na FAU-SUP, objetiva-se discorrer sobre a tese de que os edifícios museais no Brasil reafirmam uma prática arquitetônica discutível – autotélica, em que a arquitetura é um fim e si mesma –, deixando de incorporar o debate fundamental entre edifício e instituição, entre o edifício e os objetos conservados e expostos e, finalmente, entre edifício e o público. Esse programa espacial tem gerado tensões tanto com as novas formas artísticas a que se propõe abrigar, quanto com os programas institucionais e os modelos de gestão das instituições museais hoje. O estudo pretende destacar experiências que são significativas em torno dos museus de arte contemporânea brasileiros, procedendo na análise dos edifícios e dos espaços expositivos dessas instituições, a partir das relações com o modelo institucional. Nesta comunicação será enfocado o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP), que nos remete diretamente aos desafios da configuração da primeira instituição brasileira dedicada à arte contemporânea e, também, ao embate de 40 anos na viabilização de um edifício-sede definitivo. Os debates em torno dos diversos projetos para sua sede, culminando no concurso internacional de 2001, vencido pelo arquiteto Bernard Tschumi, insere o cenário internacional como contraponto necessário à discussão local e expõem as relações entre museu e cidade hoje.

ABSTRACT

Arising from doctoral research at the School of Architecture and Urbanism of the University of São Paulo (locally FAU-USP), this study examines the thesis that museum buildings in Brazil reiterate a controversial view of architecture as an autotelic practice that fails to incorporate crucial dialogues between building and institution, building and objects conserved and exhibited, or building and public. This spatial program has led to friction over new artistic forms to be accommodated and over the current institutional programs and management models of museums as institutions. The study first highlights significant experiences of contemporary art museums in Brazil before proceeding to analyze buildings and exhibition spaces on the basis of their relations to the institutional model. In particular, the case of the Museum of Contemporary Art of the University of São Paulo (locally MAC-USP) directly evinces the challenges involved in setting up the first Brazilian contemporary art institution and the forty-year-long controversy over the feasibility of having a specific building as its definitive home. Culminating with the architect Bernard Tschumi’s winning entry for the international competition held in 2001, debates over different projects have posed the international context as a necessary counterpoint to the local discussion while pointing to the relationships between museums and cities today.

BREVE INTRODUÇÃO

Este estudo, ainda em sua fase inicial, pretende destacar experiências que são significativas em torno dos museus de arte contemporânea brasileiros. Situando a problemática a partir dos contrapontos entre os aspectos museológicos-institucionais e o edifício arquitetônico, iniciou-se a pesquisa visando configurar um mapeamento detalhado dessas instituições museais. O levantamento preliminar detectou a existência de 13 museus de arte contemporânea – MACs – em território nacional.

Há um grande número de outras instituições que realizam mostras de curta-duração de arte contemporânea ou mesmo incorporam essa produção artística em seus acervos. No entanto, para o escopo desta pesquisa o recorte se define somente naqueles que se auto-designam

(2)

como MACs, já que se pretende proceder na análise dos edifícios e dos espaços expositivos dessas instituições, a partir das relações com o modelo de gestão e programa institucional. Hoje, no que tange os aspectos ligados aos modelos de gestão cultural, o contexto em que os museus operam no Brasil levantam uma série de tendências que devem ser avaliadas. A incapacidade de grande parte dessas instituições em atuar em algumas de suas funções primordiais, como conservação, aquisição de acervos e exposições de curta-duração, tem gerado a perda de espaço para novos modelos institucionais, muitas vezes privados, como os novos centros culturais. O Instituto Tomie Ohtake, o Itaú Cultural, o Centro Cultural Banco do Brasil e as mega-exposições anteriormente organizadas na “Oca” pela organização não-governamental Brasil Connects são alguns exemplos da presença desses novos modelos no cenário artístico-cultural brasileiro, que passaram a ter grande visibilidade e afluência de público. Por outro lado, observa-se também o esforço do poder público em procurar soluções para essa crise de gestão institucional, tal como o processo de transformação de instituições museais públicas em Organizações Sociais (O.S.). Há muita inquietação em torno desses processos de grande envergadura, que afetam diretamente patrimônios públicos no Brasil.

O recorte abrangendo todo o território nacional visa estabelecer um panorama, explicitando a heterogeneidade institucional e, por outro lado, detectar o surgimento de novas especificidades e pólos culturais. A visão panorâmica é importante tanto para repensarmos políticas culturais para a arte contemporânea hoje, quanto para aprofundar a discussão em torno dos novos papéis das instituições museais inseridas simbolicamente nas cidades como alavancas da globalização da cultura.

Cabe destacar que o contexto institucional brasileiro, se por um lado estabelece interlocução com aquele internacional em que os museus detêm grande destaque e influência, por outro tem características bastante específicas, em alguns aspectos reversas aos parâmetros externos. Aspectos recorrentes ao nosso contexto, como a extrema dificuldade financeira, a ausência de um corpo técnico estável e atualizado e a ausência de público em muitas das instituições museais apontam para problemas estruturais locais que caracterizam as instituições museais contemporâneas internacionais.

Josep Maria Montaner, em seu livro mais recente sobre arquitetura de museus – Museos para

el siglo XXI, indica que os museus contemporâneos ganharam em complexidade não apenas

funcional, mas também representativa. Os novos museus transformaram-se em um lugar integrado ao consumo e passaram a contar com afluência massiva de visitantes. Dessa forma, definiram-se novas necessidades, tais como a multiplicação dos serviços oferecidos pelas instituições e a ampliação das exposições de curta-duração e itinerantes. Por outro lado, a relação do museu com a cidade e a sociedade, como gerador de grandes espaços urbanos e como pólo de atração turística, também contribuiu para a mudança tipológica da instituição. Nessa publicação, mais do que os aspectos ligados aos aspectos institucionais das instituições museais contemporâneas (elaborados com mais acuidade por outros autores), interessa o esforço de Montaner em definir conjuntos tipológicos, que possam indicar possibilidades de análise dessa produção arquitetônica específica.

No contexto brasileiro, três instituições emblematizam as questões que são centrais a esta pesquisa: Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP), Museu de Arte Contemporânea de Niterói (MAC-Niterói) e Museu de Arte Contemporânea – Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (MAC-CDMAC). A princípio, essas instituições articulam a pesquisa e a análise em torno da problematização central em torno do programa institucional e programa arquitetônico e expográfico.

O MAC-USP, a mais antiga das três instituições, nos traz na sua própria história o debate entre moderno e contemporâneo, configurado desde a doação do seu acervo inicial para a Universidade. Ao mesmo tempo, os diversos projetos para sua sede, culminando no concurso internacional de 2001, insere o cenário internacional como contraponto necessário à discussão local. Já o MAC-Niterói nos remete diretamente às relações entre museu e cidade hoje. A criação de um museu como alavanca do turismo de lazer é questão fundamental. Ao mesmo tempo, a arquitetura escultórica de Oscar Niemeyer torna-se emblemática da produção e herança da arquitetura modernista brasileira, abrigando obras modernas e contemporâneas. Finalmente o MAC-CDMAC, o mais jovem dos MACs brasileiros e já concebido no seu projeto

(3)

como Organização Social, traz para a discussão um segundo pólo que deseja se afirmar pela via da cultura, em uma arquitetura de referências locais, mas que ao mesmo tempo incorpora os aspectos da discussão contemporânea internacional.

No presente trabalho será enfocado o MAC-USP, ampliando as questões em torno das demandas e premissas institucionais e arquitetônicas para constituição de um edifício-sede definitivo.

FUNDAMENTAÇÃO

Vistas das diferentes sedes do MAC-USP: MAC-Sede (1 e 2) e MAC-Ibirapuera (3) [fonte: COLEÇÃO MAC collection. São Paulo: Comunique, 2003]

Como destacado acima, o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo explicita os desafios institucionais da configuração de um acervo contemporâneo e o embate de 40 anos na viabilização de uma sede definitiva. Os diversos projetos para sua sede, culminando no concurso internacional de 2001 vencido pelo arquiteto franco-suíço Bernard Tschumi, explicitam os contrapontos das questões de âmbito local em relação à pauta internacional tal como debatida por diversos autores.

A tese Arquiteturas para o Museu de Arte Contemporânea da USP recentemente defendida por Renato Maia apresenta o histórico das gestões do MAC-USP entre 1963 a 2001, com o recorte no conjunto de projetos para uma sede definitiva para a instituição. O pesquisador também busca relacionar concepção museológica, programa de necessidades arquitetônicas e projeto do edifício.

Esse trabalho traz importante levantamento dos diferentes projetos para a sede do MAC-USP, esforço que marcou todas as gestões. Sem dúvida, o primeiro embate para uma pesquisa sobre essa instituição esbarra nessa ausência de uma sede consolidada, destacando a impossibilidade comunicacional da instituição. No entanto, Maia não incorpora a análise dos desafios propostos ao museu hoje, restringindo-se à constatação da inadequação do MAC-USP a sua própria nomenclatura, avançando pouco na discussão dos modelos de gestão e o perfil programático institucional ou, ainda, dos desafios propostos pela arte contemporânea à instituição museal.

Dentre os diferentes projetos para uma sede para o MAC-USP, o concurso internacional realizado em 2001, durante a gestão do diretor José Teixeira Coelho Neto (1998-2002), traz um conjunto de questões que interessam a discussão proposta pela atual pesquisa. O emaranhado de argumentos das diferentes partes – diretoria da instituição, diretoria da Associação de Amigos do MAC-USP (Aamac), dos arquitetos participantes, do Instituto de Arquitetos do Brasil,

(4)

da FAU-USP – indicam as contradições e inabilidade do próprio meio em dar respostas à questão programática de uma nova sede para o museu de arte contemporânea.

Desde o início da sua gestão frente ao MAC-USP, Teixeira Coelho centrou esforços na reestruturação dos três espaços ocupados pelo museu – Ibirapuera, Sede e Anexo (os dois últimos localizados na Cidade Universitária) – buscando recursos junto a órgãos como a Fapesp e a Fundação Vitae, que vinham financiando projetos de adequação física de diversas bibliotecas e instituições museais brasileiras (figuras 1, 2 e 3).

O projeto arquitetônico preliminar enviado para a Fapesp em julho de 1998 foi elaborado pelo escritório Roberto Loeb e previa a adequação dos três espaços. O estudo incluía também a instalação de ar-condicionado e nova iluminação no MAC-Sede. A Fapesp acabou aprovando apenas esse segundo item, liberando verba de três milhões de reais. O projeto inicial de Roberto Loeb foi deixado de lado, definindo-se apenas 800 mil reais para a reforma do MAC-Sede e o restante da verba destinando-se para o ar-condicionado e iluminação.

Como nos relata Renato Maia (Maia, 2004: 105), a empresa contratada para executar o sistema de ar condicionado – JP Engenharia – é quem contratou o escritório de arquitetura Barbieri & Gorski para detalhar o novo projeto do MAC-Sede, pois já haviam trabalhado juntos em reforma no Conjunto Nacional em São Paulo. Independente da qualidade dos profissionais envolvidos, o processo de aplicação dessa verba significativa, sem contar com um planejamento adequado e a participação coesa do corpo técnico do museu, resultou em alterações no edifício que pouco contribuíram para conferir maior identidade e qualificar aquele espaço para os desafios propostos pela produção artística contemporânea.

Vistas internas do MAC--Sede (4 e 5) [fonte: COLEÇÃO MAC collection. São Paulo: Comunique, 2003]

O arquiteto Gabriel Borba, responsável pela museografia do museu e pela interface com a construtora durante as obras, considerou o resultado uma sucessão de salas pequenas e fragmentadas, pouco adequadas ao acervo do Museu (figuras 4 e 5). Cristina Freire – chefe da Divisão de Pesquisa em Arte do MAC-USP – desloca a discussão do âmbito estrito da arquitetura, apontando que a instituição continua trabalhando com uma concepção de museu não atualizada, com princípios que não mais atendem ao próprio nome (Maia, 2004: 109). Freire destaca especialmente a inadequação do Museu em face ao seu próprio acervo, que contém parte significativa de obras que não são mais objetuais, mas que incluem o efêmero, tais como performances, instalações, e suportes e mídias não tradicionais, como xerox e vídeo. É nesse sentido que a pesquisadora defende a idéia de um museu-laboratório e, ainda, um museu como arquivo – já que a conservação do objeto desloca-se para a conservação do registro – subvertendo, transformando essa premissa fundante da instituição museal. A questão que se delineia nesse debate refere-se às novas demandas institucionais hoje, estabelecendo uma trama complexa que inclui a natureza diversificada do acervo – devendo-se, para além das obras “não-objetuais” incluir, ainda, a produção em novas mídias – bem como os aspectos de sociabilidade e espetacularização dos museus hoje.

A partir de 1999, durante as obras, a direção do MAC-USP estabeleceu um convênio de cooperação com a Galeria do Sesi (localizada no edifício da Fiesp, na avenida Paulista), transferindo a programação de exposições para esse local. Para além das circunstâncias da

(5)

inacessibilidade da sede por ocasião da reforma, o convênio teve como premissa – destacada pela direção da instituição – de proporcionar maior visibilidade ao Museu.

Conforme afirma o próprio diretor Teixeira Coelho (MAC, 2003: 22) a metas de sua gestão eram: dotar o MAC-USP de espaço adequado para exposições, proporcionar maior visibilidade e buscar a inserção do Museu no circuito internacional da arte, já que “na contemporaneidade, nenhum museu de arte se torna realmente visível, na acepção simbólica como física do termo, se não dispuser de um espaço real, concreto, capaz de merecer essa visibilidade, e se não fizer parte do roteiro internacional da arte”.

O discurso do então diretor já indicava aproximações com uma visão das instituições museais atreladas a uma condição de consumo global, inseridas nos roteiros de exposições internacionais, deixando de lado o debate mais estruturado em trono de um ciclo institucional completo de coleta, registro, guarda, preservação, estudo, exposição, acolhimento do público. As premissas institucionais de Teixeira Coelho conduziram a uma atuação dessa gestão que deslocou as exposições – principais ações institucionais e face mais visível ao público – para um quarto espaço institucional fora da Cidade Universitária, tornando a identidade física do MAC-USP ainda mais abstrata. Esse enfraquecimento talvez tenha sido estratégico para o posterior lançamento do concurso internacional de projeto para a nova sede do Museu em 2001.

Vista aérea da área prevista para a nova sede do MAC-USP (em vermelho); à direita o Viaduto Antártica (5) [fonte: Google Maps]

A partir de uma atuação de Teixeira Coelho e da Associação de Amigos do Museu de Arte Contemporânea (Aamac) junto à Prefeitura de São Paulo, foi concedido ao MAC-USP uma área de 4.872,70 m2 situada na avenida Francisco Matarazzo, junto ao Viaduto Antártica. A área pertencente à construtora Ricci foi disponibilizada dentro do contexto da Operação Urbana Água Branca (figura 5). O empreendimento cultural inseria-se na contrapartida prevista para a autorização do aumento da área edificada permitida pelo zoneamento da região. O contexto se assemelha à implantação do Instituto Tomie Ohtake, localizado na área de abrangência da Operação Urbana da Nova Faria Lima.

O concurso internacional foi viabilizado por meio de convênio entre a Aamac e o Ministério da Cultura. O concurso foi fechado e contou com a participação de quatro arquitetos, selecionados pela diretoria do Museu em conjunto com sua Associação de Amigos: Arata Isozaki, Bernad Tschumi, Eduardo de Almeida e Paulo Mendes da Rocha. Um júri internacional definiu o projeto vencedor do arquiteto Bernard Tschumi, mas o resultado teve repercussão negativa gerando diversos questionamentos éticos e legais por parte do IAB-SP e FAU-USP, contrários à realização fechada do concurso. Os embates surgidos e a própria ausência de continuidade do projeto, reafirmam que o concurso tramitou de forma equivocada no que se refere ao tratamento de uma instituição pública e as premissas de uma instituição museal universitária. Por um lado, a diretoria do MAC e a Aamac – coordenadores do concurso – justificaram a necessidade de um novo prédio pela inadequação dos três espaços que o museu já ocupava (embora tenham utilizado os três milhões da Fapesp na reforma do MAC-Sede) e pela afirmação de que o público-alvo da instituição seria a comunidade em geral, não mais os estudantes (Maia, 2004: 117). Já em 1999, Teixeira Coelho em comunicação feita durante a II

(6)

qualificando essa relação de “acidental”. No seu discurso o diretor explicitava o desconforto com as normas impostas pela dinâmica da Universidade: baixo orçamento disponível, instâncias administrativas burocratizadas, curta duração do mandato e, principalmente, com o desejo de visibilidade da instituição que não se destacava no campus universitário.

O caminho delineado por Teixeira Coelho na sua gestão indica um viés comum da atuação pública no Brasil, caracterizado por um desequilíbrio entre a visão e metas particulares do gestor e o lugar institucional. De certa forma, o embate surgido em torno do concurso internacional foi reforçado pelo próprio discurso de desqualificação e apagamento histórico do então diretor. Como discutir um projeto de uma nova sede, sem considerar profundamente os embates da doação inicial, as características de museu universitário e o acervo integral do museu. Isto é, não apenas o núcleo inicial modernista, mas também aquele configurado a partir de experiências como as edições da Jovem Arte Contemporânea (JAC) nos anos 1970?

A proposta do concurso se atrelava a uma visão dominante internacional do museu como gerador de requalificação urbana e pólo de atração turística, deixando de lado os elementos singulares do MAC-USP. Nesse sentido, podemos aproxima-la ao processo contemporâneo de

estetização urbana tal como proposto por Henri-Pierre Jeudy. Esse processo inclui-se na lógica

de consumo cultural urbano, em que a cultura passa a ser uma estratégia de marketing, uma marca a ser consumida rapidamente. Como afirma Jeudy, “o museu construído por um star da arquitetura se torna desde então uma peça essencial na revitalização do espaço urbano” (Jeudy, 2005: 121).

O resultado do concurso internacional desagradaria à comunidade dos arquitetos, mas cabe também destacar o envolvimento do Ministério da Cultura – MinC – em processo conduzido por uma sociedade civil como a Aamac. O respaldo a esse concurso pode ser entendido no contexto da nova relação que a cultura estabelece com o setor privado a partir dos anos 1990, na dinâmica que se estabelece principalmente com a política de incentivos fiscais à cultura (Cesnik, 2005: 153). Sem dúvida, que a política de investimentos privados deve ser uma vertente a ser normatizada e estimulada pelo MinC, mas o que veio a ocorrer foi a transformação desse instrumento em principal linha de ação de uma política pública para cultura no Brasil.

Vistas externa e interna do projeto de Bernard Tschumi para o MAC-USP (7 e 8) [fonte: DA MIANI, Giovanni (ed.). Bernard Tschumi. Londres: Thames & Hudson, 2003]

Segundo Renato Maia (Maia, 2004: 126), nenhum dos projetos apresentados no concurso menciona um programa de necessidades elaborado pelos organizadores, deixando em aberto para cada arquiteto o seu desenvolvimento. Creio que algum documento, mesmo que não detalhado, deve ter sido encaminhado às equipes. Nesse caso cabe uma busca a outras fontes de pesquisa, já que a análise da arquitetura só pode ser aprofundada com essa documentação de referência, pois trabalha segundo as necessidades solicitadas.

A monografia de Bernard Tschumi, editada pela Thames & Hudson em 2003, traz a publicação do projeto do MAC-USP. No memorial do projeto, o arquiteto destaca o deslocamento do Museu da antiga locação na universidade para um setor de crescimento dinâmico de São Paulo, possibilitando a oportunidade de desenvolver um museu em que a cidade é parte integral da experiência museal. Nesse sentido, o projeto busca que o edifício não seja apenas

(7)

um container, mas que proporcione um contexto para o acervo contemporâneo que abriga, em interlocução com a dinâmica urbana. O memorial reafirma a discussão de Jeudy do poder de transformação da arquitetura museal na revitalização do espaço urbano, em que o edifício absorve todas as potencialidades do espaço urbano no seu entorno.

Ainda de acordo com o autor do projeto, o novo edifício pode ser definido por três características principais: 1) verticalidade, 2) interação entre arte e cidade, 3) relação entre interior/exterior, por meio da rampa interna e a fachada de vidro. Similarmente ao Museu Guggenheim / Nova Iorque (Frank Lloyd Wright, 1943-1959), na proposta de Tschumi o visitante deve subir de elevador até o topo do edifício e descer ao longo da rampa através das galerias. As rampas proporcionam panorâmicas da cidade e criam um espaço interstício

(in-between), mediando fisicamente a relação entre as obras de arte e a cidade (figuras 7 e 8).

Bernard Tschumi retoma a idéia de Wright em transformar o museu num percurso gerador de movimento contínuo, rompendo com a caixa fechada, estática, simétrica. Referenciado na dinâmica espiral do Guggenheim nova-iorquino, o projeto busca no seu formato elipsóide uma forma inédita, cinética, que possa representar um museu contemporâneo ativo e dinâmico. Dentro dos oito conjuntos tipológicos que Josep Montaner agrupa os museus contemporâneos, (Montaner, 2003: 8-11), o projeto de Tschumi para o MAC-USP se aproxima daquele indicado como “organismo extraordinário”. Isto é, além do edifício se configurar como forma orgânica singular, como acontecimento excepcional, monumental, ele insere-se também em contextos urbanos consolidados, buscando se destacar como um contraponto radical. Nesse sentido, tal conjunto tipológico proposto por Montaner aproxima-se do debate de Jeudy em torno da espetacularização urbana.

Como o próprio Montaner discute em relação às tipologias dos museus hoje, por um lado é possível detectar uma série de posicionamentos comuns nos diversos museus que proliferaram a partir dos anos 1980, levando em conta a maneira como se articulam as formas arquitetônicas para resolver a crescente complexidade funcional e representativa do museu contemporâneo. No entanto, por outro lado cada posicionamento é resultado de uma evolução dos diversos modelos formais e, também, conceituais de museu. O continente arquitetônico constitui apenas a primeira peça hermenêutica do museu, assim, além de resolver o programa funcional, sua missão primordial é a de expressar o conteúdo do museu como coleção e como edifício cultural e público.

Como apontado anteriormente, o contraponto entre a situação internacional e local é necessário, já que o Brasil vem absorvendo questões da complexidade representativa do museu contemporâneo, mas a partir de um contexto institucional muito diverso. O contraponto entre outros dois exemplos que Montaner inclui na sua categoria “organismo extraordinário” – o Museu Guggenheim de Bilbao (Frank Gehry) e o MAC-Niterói (Oscar Niemeyer) – indicam que se há o aspecto de organismo singular, escultórico mesmo, inserido nos processos urbanos dinâmicos, esses dois edifícios divergem radicalmente em termos das respostas dadas às questões programáticas museológicas e funcionais das instituições a que se vinculam. Sem dúvida, precisamos avançar na discussão dos desafios propostos para os nossos MACs pela produção artística e contexto cultural contemporâneos, para avaliarmos como o museu pode responde-los no âmbito da arquitetura e expografia.

METODOLOGIA

Para não incorrer em equívocos na análise das instituições e projetos dos museus, torna-se necessário pautar a investigação a partir de conceitos teóricos capazes de adicionar elementos aos processos de construção e de interpretação dos fatos e fenômenos históricos. Para tanto, optou-se no escopo geral da tese por trabalhar com os conceitos de representação proposto por Roger Chartier.

Roger Chartier propõe interpretar e reconhecer os fatos e os fenômenos históricos a partir dos processos de construção da realidade vista como representação do real, isto é, como prática diretamente dependente das articulações interesses de indivíduos e grupos. A investigação das representações, conforme indica Chartier, permite reconhecer os mecanismos de disputa ideológica entre os grupos sociais e as concepções de realidade por eles imputados. Nesta

(8)

investigação aqui proposta, facilitará reconhecer os processos de construção da nova escala de valores das instituições museais e a circunscrever as discussões em torno da vocação e imagem dos museus na contemporaneidade.

Essa metodologia de análise aqui proposta pode ser vista como um desdobramento presente em inúmeros autores, em especial aqueles relacionados à Escola dos Annales, que diferentemente da historiografia tradicional não parte de uma concepção histórica pretendidamente completa, fechada e unitária, mas da aceitação das descontinuidades, pluralismos e contraste que formam a essência da condição contemporânea.

Para tanto, como primeira etapa está sendo realizado um mapeamento dos diversos museus de arte contemporânea brasileiros, visando reconhecer as soluções e proposições em debate. Como fontes a esse levantamento de dados, estão sendo consultadas publicações, periódicos especializados e arquivos das instituições, conformando um conjunto de informações relevantes. Posteriormente, se procederá na investigação dos projetos in loco, observando-se um modelo de visita que deverá recolher informações sobre os objetos.

Concluída a fase de levantamento de dados, iniciar-se-á a elaboração das fichas catalográficas. Os modelos das fichas catalográficas resultarão da sistematização do material recolhido em arquivos, publicações e visitas ao local, essenciais para o estabelecimento de hipóteses para este estudo. A abordagem dos edifícios será iniciada pelo recolhimento de informações essenciais, entre as quais local de implantação, data da realização, autoria do projeto, área construída, área do lote e levantamento dos diferentes usos e setores da instituição. Na seqüência, serão investigados as relações entre projeto museológico-institucional e soluções projetuais, visando estabelecer parâmetros para uma análise que extrapole o âmbito exclusivamente dos aspectos funcionais das instituições.

Nesse sentido, o presente trabalho busca abordar algumas categorias que possam ampliar a abordagem da questão especificamente expográfica. A utilização das categorias tipológicas propostas por Josep Montaner, neste presente trabalho, visa apenas um parâmetro inicial para o aprofundamento da análise dos edifícios museais brasileiros relevantes a esta pesquisa, tendo em conta as inevitáveis articulações com os debates internacionais em torno novos papéis e as transformações tipológicas dessas instituições. É importante ressaltar que não há produção teórica consolidada nesse campo, configurado pela presença de uma bibliografia muito mais instrumental, voltada para os aspectos objetivos práticos e funcionais. A partir dessa primeira aproximação, que inclui o mapeamento das diferentes camadas em questão, buscarei o aprofundamento da análise enfatizando a particularidades do contexto institucional brasileiro, adequando às descontinuidades e pluralismos previstos na abordagem histórica proposta.

RESULTADOS ESPERADOS

Durante a elaboração da pesquisa em nível de Mestrado – O Masp em exposição (defendida em 2003, pela FAU-USP) – foi possível identificar as relações intrínsecas entre projeto museológico, ação cultural e projeto de adequação do edifício e expográfico. Para tanto, utilizou-se como suporte os dados recolhidos no arquivo histórico do Museu de Arte de São Paulo, objetivando estabelecer hipóteses de estudo, sobretudo no que diz respeito às soluções expográficas das exposições de curta-duração.

Na pesquisa que ora se apresenta, pretende-se investigar a tese de que os museus de arte contemporânea no Brasil operam a partir de um programa espacial em grande parte centrado nas premissas do modernismo brasileiro, gerando tensões com as novas formas artísticas e premissas institucionais. A partir da análise dos edifícios e espaços expositivos dos 13 museus de arte contemporânea brasileiros (detectados no pré-levantamento), objetiva-se demonstrar que se há consonância de algumas dessas instituições aos novos papéis conferidos aos museus hoje, há grande divergência entre os espaços expositivos construídos e as possibilidades de apresentação das obras contemporâneas dos acervos dessas instituições e em mostras curta-duração.

As obras de arte contemporâneas constroem o seu próprio espaço a partir de códigos produzidos por imagens visuais. Situando-se num cruzamento de diferentes temporalidades,

(9)

resultantes das diferentes expressões e mídias que incorporam, hoje a produção artística explicita-se numa multiplicidade de micro-universos, numa espécie de esquizofrenia que confere ao espectador uma sensação de estar momentaneamente perdido. O espaço da arquitetura para a arte contemporânea é, portanto, um “outro” espaço, cujas dimensões ainda permanecem grande parte desconhecidas. Não é mais um espaço estável, homogêneo, único, tridimensional, contínuo e objetivo, mas tornou-se um espaço que inclui mais do que três dimensões e é interativo, múltiplo, heterogêneo, descontínuo e subjetivo.

Com a investigação proposta nesta pesquisa, deseja-se não apenas cotejar os diferentes projetos dos museus de arte contemporânea, mas também verificar a ressonância das exposições de arte contemporânea no contexto brasileiro. A reflexão sobre as relações entre arte contemporânea e arquitetura é necessária num momento em que lançam diversas discussões e modelos possíveis para essas instituições que detêm um papel importante nas cidades contemporâneas. Trata-se de um debate que resvala nas nossas concepções sobre o moderno e o contemporâneo, a idéia de que fazemos da arte e de suas funções, confrontadas com o tipo de atemporalidade que a instituição museal sugere. O programa de necessidades contemporâneas implica no entendimento que os espaços museais não são para ontem, mas devem de adequar continuamente para a atualidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CESNIK, Fábio de Sá e BELTRAME, Priscila Akemi. Globalização da cultura. São Paulo: Manole, 2005 (Entender o mundo; v.8)

CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: DIFEL/Ed. Bertrand, 1990.

_____. O Mundo como representação. São Paulo: IEA, 1991.

COLEÇÃO MAC collection. São Paulo: Comunique, 2003 (edição bilíngüe: português-inglês, versão Thomas Kasten).

DAMIANI, Giovanni (ed.). Bernard Tschumi. Londres: Thames & Hudson, 2003. JEUDY, Henri-Pierre. Expelo das cidades. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2005.

MAIA NETO, Renato de Andrade. Arquiteturas para o Museu de Arte Contemporânea da USP. São Paulo: FAUUSP, 2004 (tese de doutorado, orientador Ricardo Marques de Azevedo).

MONTANER, Josep Maria. Museos para el siglo XXI. Barcelona: GG, 2003.

O MUSEU de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo. São Paulo: Banco Safra, 1990.

Referências

Documentos relacionados

A curva em azul é referente ao ajuste fornecido pelo modelo de von Bertalany, a curva em vermelho refere-se ao ajuste fornecido pelos valores calculados Lt, dados pela equação

Os estudos sobre diferenciais de salários são explicados por alguns fatores que revelam a existência da relação entre as características pessoais produtivas educação,

cumprimento da regra de ouro e situação de emergência fiscal. Sendo assim, conclui-se que a regra esta parametrizada assim, pela conveniência para o atual

A consultoria deverá prestar orientação técnica e apoio aos gestores de convênio e, quando considerado necessário pelos gestores, às famílias das organizações

Nessa situação temos claramente a relação de tecnovívio apresentado por Dubatti (2012) operando, visto que nessa experiência ambos os atores tra- çam um diálogo que não se dá

(grifos nossos). b) Em observância ao princípio da impessoalidade, a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, vez que é

É primeiramente no plano clínico que a noção de inconscien- te começa a se impor, antes que as dificuldades conceituais envolvi- das na sua formulação comecem a ser

devidamente assinadas, não sendo aceito, em hipótese alguma, inscrições após o Congresso Técnico; b) os atestados médicos dos alunos participantes; c) uma lista geral