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Mídia, direitos fundamentais e sistema penal

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE DIREITO

TAYANA MARIA GOUVEIA E SILVA

MÍDIA, DIREITOS FUNDAMENTAIS E SISTEMA PENAL

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TAYANA MARIA GOUVEIA E SILVA

MÍDIA, DIREITOS FUNDAMENTAIS E SISTEMA PENAL

Monografia apresentada à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará como requisito parcial para a obtenção do Título de Bacharela em Direito.

Orientador: Prof. MSc. William Paiva Marques Jr

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca Setorial da Faculdade de Direito

S587m Silva, Tayana Maria Gouveia e.

Mídia, direitos fundamentais e sistema penal / Tayana Maria Gouveia e Silva. – 2014. 70 f. : enc. ; 30 cm.

Monografia (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2014.

Área de Concentração: Direito Constitucional e Direito Penal. Orientação: Prof. Me. William Paiva Marques Júnior.

1. Direitos fundamentais - Brasil. 2. Persecução penal - Brasil. 3. Direito penal - Brasil . 4. Comunicação de massa – Brasil. I. Marques Júnior, William Paiva (orient.). II. Universidade Federal do Ceará – Graduação em Direito. III. Título.

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TAYANA MARIA GOUVEIA E SILVA

MÍDIA, DIREITOS FUNDAMENTAIS E SISTEMA PENAL

Monografia apresentada à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará como requisito parcial para a obtenção do Título de Bacharela em Direito.

Orientador: Prof. MSc. William Paiva Marques Jr

Aprovada em: ___/___/______.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________ Prof. MSc. William Paiva Marques Junior

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Mestranda Camilla Karla Barbosa Siqueira

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Mestranda Julianne Melo dos Santos

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AGRADECIMENTOS

À Deus, Criador, pelo dom da Vida. Por todas as graças alcançadas e por todas as preces atendidas. À Ele, toda glória e louvor. À Maria, minha Mãe, por todas as intercessões. À minha mãe, Lúcia, meu raiozinho de sol, pelo amor incondicional, amparo em momentos difíceis, carinho, incentivo e pela dedicação e paciência. A melhor mãe que um

pinguinho de gente poderia ter. Ao meu pai, Paulo, pelo cuidado e zelo e pela responsabilidade e proteção. Obrigada por, muitas vezes, renunciarem aos seus sonhos para que eu pudesse concretizar os meus. Cada conquista alcançada pertence também a vocês.

Às minhas irmãs, Taciana e Ana Gabriela e ao meu irmão, Tárcio. Taciana, pelo cuidado, carinho, auxílio e pela compreensão, generosidade e paciência. Por dividir comigo muitos momentos nas mais diversas etapas da vida. Gabi, minha pequena guerreira, por me fazer rir mesmo em momentos difíceis e por toda inocência e graça, que torna o dia a dia mais leve. Tárcio, pela generosidade e paciência e pelo auxilio. Obrigada por estarem presentes nos mais diversos momentos, principalmente naqueles em que a companhia de vocês é tão necessária. A vocês, queridos irmãos, minha eterna gratidão.

Ao professor William Marques, pela orientação elucidativa neste trabalho. Por estar acessível, sempre com cordialidade, paciência e bom humor, para corrigir o texto, esclarecer dúvidas, indicar referências e sugerir modificações. Um profissional raro na Faculdade de Direito, pela inteligência, competência, proatividade e humildade.

À banca examinadora, mestrandas Camilla Karla Barbosa Siqueira e Julianne

Melo dos Santos, por terem aceitado pronta e gentilmente o convite, mesmo com as

alterações devido aos imprevistos surgidos.

Às meninas mais maravilhosas que conheci na FD, com quem eu sempre pude contar nos mais diversos momentos e com quem eu espero manter uma amizade duradoura: Giacomina Amélia Borrini, Mayara Mendes e Samantha Pinheiro. Amélia, amizade que se iniciou no 1º semestre, amiga generosa, atenciosa, compreensiva, bem humorada (até as provas de Ambiental e as tardes intermináveis no NPJ foram mais divertidas na sua companhia), tranquila (até no trânsito!) e competente (faz o dia ter 48 horas). Mayara, ―piris‖ querida, afinidade que foi se construindo nos primeiros semestres, amiga leal, prestativa, paciente, cúmplice (a gente se entende pelo olhar), com quem compartilhei muitos bons

momentos na faculdade, jogando conversas fora ou fazendo questionamentos ―filosóficos‖

(7)

tá na luta, quem é?‖) e com quem também dividi minha tensão pré-monografia. Pessoa incrível, intensa, de uma sensibilidade extraordinária e de uma capacidade rara de enxergar além do óbvio. Samanthinha, amizade que também se iniciou no 1º semestre, amiga agradável, gentil, sensata, determinada, inteligente (as provas não seriam as mesmas sem os cadernos doutrinas e sem os tira-dúvidas nos momentos antes), conselheira. Pessoa de sorriso lindo, que merece ter um futuro brilhante!

Aos coxinhas da FD, especialmente Acácia Lins, Hernandes Diego, Kamylle Mourão e Lara Azevedo e aos demais amigos que fiz na faculdade: Anna Judith Rangel, Enderson Diego, Mirella Siqueira, Naime Tavares e Raiane Pinheiro, pelos bons

momentos que guardarei na memória.

Às pessoas que fazem da FD um lugar melhor, principalmente Caio, por ser tão solícito ao atender os alunos que vão copiar ou imprimir materiais, Fabricio e Graça, por serem tão gentis aos alunos que utilizam os serviços da biblioteca e Seu José Wilson e Seu

Moura, por cuidarem da estrutura física das salas de aula.

À Tainny Neves, amiga de longas datas, por quem tenho enorme consideração, apesar da distância e à Winnie Rodrigues, ―pinxêja‖, uma ótima companhia para tornar o local de estágio mais leve e agradável.

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Nós vos pedimos com insistência: Nunca digam - Isso é natural -

diante dos acontecimentos de cada dia. Numa época em que reina a confusão, em que escorre o sangue,

em que se ordena a desordem, em que o arbítrio tem força de lei, em que a humanidade se desumaniza.... Não digam nunca - Isso é natural! - Para que nada passe a ser imutável.

Eu peço com insistência

Não diga nunca - Isso é natural -

Sob o familiar, Descubra o insólito, Sob o cotidiano,

Desvele o inexplicável.

Que tudo o que é considerado habitual Provoque inquietação,

Na regra, descubra o abuso,

E sempre que o abuso for encontrado, Encontre o remédio.

(9)

RESUMO

Objetiva-se a análise da relação entre a mídia e os direitos e garantias fundamentais, assim como entre a mídia e o Direito Penal. Com isso, o objetivo geral do trabalho é analisar se há uma violação pelos órgãos de comunicação aos direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição e se esses órgãos exercem influencia na população sobre a função do Direito Penal para solucionar os conflitos da sociedade. Como objetivo mais específico, este estudo se concentra na análise dos direitos e garantias fundamentais conferidos aos cidadãos e aos órgãos de imprensa e eventual colisão entre eles, bem com no poder exercido pela mídia no âmbito legislativo e no jurídico. Para tanto, realizar-se-á pesquisa bibliográfica, utilizando a análise de casos concretos, veiculados pelos meios de comunicação de massa e/ou julgados por Tribunais, afim de demonstrar o desrespeito perpetrado por alguns órgãos da mídia aos direitos e garantias fundamentais, bem como a influência midiática no sistema penal. Acerca dos resultados, a pesquisa revelou haver violação aos direitos e garantias fundamentais por determinados setores da mídia e existir influencia midiática na concepção que a sociedade tem sobre Direito Penal, afetando processo legislativo e persecução penal.

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ABSTRACT

This paper aims to examine the relationship between the media and the fundamental rights and guarantees, as well as between the media and the Criminal Law. Thus, the overall objective is to analyze whether there is a violation by the media to the fundamental rights and guarantees enshrined in the Constitution and these bodies exert influences on the population about the function of criminal law to solve the conflicts of society. As a more specific goal, this study focuses on the analysis of fundamental rights and guarantees granted to citizens and media outlets and collision between them, as well as the influence exerted by the media on the legislative and legal. To do so, hold up will bibliographic research, the analysis of concrete cases, conveyed by means of mass communication and / or judged by courts in order to demonstrate disrespect perpetrated by some media outlets to fundamental rights and guarantees, as well how media influence the penal system. On the results, the survey revealed a violation of the fundamental rights and guarantees by certain sections of the media and media influences exist in the conception that society has on Criminal Law, affecting legislative process and criminal prosecution.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...10

2 INFLUÊNCIA MIDIÁTICA NA SOCIEDADE...12

2.1 Breves apontamentos sobre direitos e garantias fundamentais envolvidos na relação entre mídia e sociedade...13

2.1.1 Direito à imagem...14

2.1.2. Direito à honra...17

2.1.3 Garantia do devido processo legal...19

2.1.3.1 Garantia de imparcialidade do juiz...20

2.1.3.2Garantia da presunção de inocência ou não culpabilidade...21

2.1.4. Direito à liberdade de expressão...24

2.1.5. Direito à informação...26

3 MÍDIA E SISTEMA PENAL...28

3.1 Mídia e Legislação Penal...33

3.1.2 Análise da Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90)...36

3.1.3. Aspectos da Lei 12.737/12...38

3.2. Mídia e Persecução Penal...40

4 POSSÍVEIS SOLUÇÕES PARA O CONFLITO DE DIREITOS ENVOLVENDO MÍDIA E SOCIEDADE ATRAVÉS DA ANÁLISE DE CASOS CONCRETOS...46

4.1. Técnica proposta por Robert Alexy...46

4.2 Direito à liberdade de expressão versus Direito à honra e à imagem...48

4.3 Liberdade de informação versus Garantia da presunção de inocência ou não-culpabilidade...53

4.4 Direito ao esquecimento...56

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...62

(12)

1 INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988, elaborada e promulgada após o declínio do regime ditatorial, traz diversas disposições que asseguram o direito à informação jornalística e o direito à liberdade de expressão, conferindo aos meios de comunicação a liberdade de transmitir as mais diversas informações e de manifestar-se a respeito de um determinado fato. Estes direitos não devem ser submetidos à censura, conforme dispõe a CF/88, mas precisam atentar, dentre outros critérios, a outros direitos e garantias fundamentais, como os direitos da personalidade (dentre os quais a honra e a imagem), vez que são de extrema importância para o fortalecimento dos sistemas democráticos e de denuncia de violação aos direitos humanos.

Além destes, a CF/88 prevê também direitos e garantias processuais penais, como a presunção de inocência e imparcialidade do julgador, assegurando ao suspeito/acusado de cometer delito uma persecução penal na qual continuará titular desses direitos, tendo eventualmente alguns desses restringidos, como o de ir e vir, mediante decisão judicial fundamentada.

O exercício do direito de liberdade de expressão e de informação pela mídia, em alguns momentos, desvirtua-se das suas funções e descamba para o sensacionalismo, reforçando a ideia de medo e insegurança da população, e violando direitos e garantias fundamentais construídos historicamente.

Esta forma de transmitir a notícia do fato criminoso é um dos mecanismos que contribui para a ideologia que apoia e defende a maximização do Direito Penal, na tentativa de reduzir a criminalidade e a violência, através da criação de leis penais mais rigorosas e da mitigação das garantias fundamentais do suspeito/acusado durante a persecução penal. O clamor publico por uma resposta urgente pode afetar as decisões judiciais, influenciando o juiz a adotar uma postura que, sem a pressão da mídia e da população, não adotaria.

É obvio que não são somente os órgãos de comunicação que disseminam a ideologia do recrudescimento penal, existindo também outros setores da sociedade que o fazem. Entretanto, não se pode negar que a mídia, principalmente, exerce função importante nessa propagação, dada a sua capacidade de influenciar, em maior ou menor grau, os membros de uma sociedade.

(13)

Por este motivo, no presente trabalho, buscar-se-á, através de uma pesquisa de cunho bibliográfico e de análise de casos concretos, saber se há violação pela mídia de direitos e garantias fundamentais e influencia da mídia no sistema penal, e se existem, como ocorrem e quais são as consequências provocadas por estas.

O presente trabalho se desenvolverá, além desta introdução, em três capítulos adicionados das considerações finais.

No capítulo um, procurar-se-á fazer breve exposição sobre a importância da mídia, bem como sobre alguns direitos fundamentais e garantias processuais constitucionais envolvidos na relação entre mídia e sociedade, como o direito a honra, imagem, liberdade de expressão, garantia de presunção de inocência, imparcialidade do juiz, dentre outros, mencionando situações em que a mídia extrapolou o seu exercício de informar.

No capítulo dois, abordar-se-á a influência da mídia no sistema penal, analisando como isso ocorre, e as consequências produzidas por essa influência principalmente no processo de elaboração legislativa penal e no andamento da persecução penal.

(14)

2 A INFLUÊNCIA MIDIÁTICA NA SOCIEDADE

A mídia1 tem função suprema na construção e fortalecimento dos sistemas democráticos, pois, conforme aduz Sarmento2, possibilita que as pessoas tenham acesso a informações e opiniões diversificadas sobre temas de interesse público, e, assim, formem livremente as convicções que irão nortear sua atuação na esfera pública. Além disso, também assegura a possibilidade dos cidadãos influenciarem os demais com suas opiniões.

Os órgãos de comunicação também tem importância para a proteção dos direitos fundamentais, uma vez que podem exercer a função de apresentar denúncias de desrespeito a esses direitos. Nos períodos da ditadura militar brasileira, houve um controle estatal rigoroso à atuação desses órgãos, para impedir, dentre outros motivos, que os desrespeitos perpetrados aos direitos humanos dos cidadãos fossem amplamente divulgados.

Ademais, a compreensão acerca de Direito Penal que a sociedade possui, especialmente em relação às garantias processuais constitucionais do suspeito/acusado, pode ser fortemente influenciada pela opinião dos órgãos de comunicação, inclusive no que concerne à necessidade de criação de novos tipos penais e a instituição de penas mais severas para determinados crimes, e no que se refere à apuração e julgamento de casos criminais de grande repercussão.

Assim, dada a inegável influência que a mídia exerce sobre a sociedade, é considerada como o ―Quarto Poder‖. Segundo Brito3, essa ideia remonta a Inglaterra do início do século XX, quando, na sede no Parlamento, criou-se uma galeria destinada aos repórteres que acompanhariam e tornariam públicas as decisões dos representantes dos três Poderes da época: temporal, espiritual e o dos comuns. A expressão foi disseminada nas democracias ocidentais, relacionando-se com os conhecidos Poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário.

Alguns órgãos midiáticos, no entanto, não cumprem a função relevante que lhes compete. Em virtude de interesses outros, como a busca por audiência e disseminação de seus valores, ideais, a atuação desses órgãos vem sendo exercida de forma irresponsável e

1

No presente trabalho, mídia se refere a meios pelos quais se podem acessar informações, como televisão, jornal, rádio, etc.

2

SARMENTO, Daniel. Liberdade de expressão, pluralismo e o papel promocional do Estado. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, n.16, maio/ago. 2007. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br/pdf_seguro/LIBERDADE_DE_EXPRESS_O__PLURALISMO_E_O_PAPE L_PROMOCIONAL_DO_ESTADO.pdf.> Acesso em: 07/09/2014

3

(15)

descompromissada com a sociedade, desvirtuando-se dos fins a que se destina e cometendo flagrantes violações a alguns dos direitos e garantias fundamentais constantes do ordenamento jurídico constitucional.

2.1 Breves apontamentos sobre direitos e garantias fundamentais envolvidos na relação entre mídia e sociedade

Muitas são as denominações a respeito do conceito de direitos e garantias fundamentais, não havendo precisão terminológica quanto a essa definição, mostrando-se ainda mais complexa essa conceituação quando são colocados sob uma perspectiva histórica e social.

Bulos4 assim conceitua os direitos fundamentais:

São o conjunto de normas, princípios, prerrogativas, deveres e institutos inerentes à

soberania popular, que garantem a convivência pacífica, digna, livre e igualitária, independentemente de credo, raça, origem, cor, condição econômica ou status

social.

Segundo o entendimento de Marmelstein5, os direitos fundamentais são:

Normas jurídicas, intimamente ligadas à ideia de dignidade da pessoa humana e de limitação do poder, positivadas no plano constitucional de determinado Estado Democrático de Direito, que, por sua importância axiológica, fundamentam e legitimam todo o ordenamento jurídico.

Os direitos fundamentais tem, na concepção da doutrina majoritária, alicerce na dignidade da pessoa humana, considerada um dos fundamentos do Estado democrático de Direito pelo art. 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988. No entendimento de Sarlet, a dignidade da pessoa humana representa ―elemento fundante e informador dos direitos e garantias fundamentais, sendo parâmetro para aplicação, interpretação e integração, não apenas de tais pretensões constitucionais, mas de todo o ordenamento jurídico6‖.

Pela sua importância em conferir suporte axiológico a todo o ordenamento jurídico, prepondera sobre os demais princípios e direitos. Nesse sentido, aduz Mendes7:

[...] a dignidade da pessoa humana, porque sobreposta a todos os bens, valores ou princípios constitucionais, em nenhuma hipótese é suscetível de confrontar-se com eles, mas tão-somente consigo mesma, naqueles casos-limite em que dois ou mais indivíduos - ontologicamente dotados de igual dignidade - entrem em conflitos capazes de causar lesões mútuas a esse valor supremo.

4

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.522.

5

MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 1ª ed. São Paulo: Atlas, 2008; p. 34.

6

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição de 1988. 6ª ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p.84.

7

(16)

Os direitos fundamentais diferenciam-se das garantias fundamentais. Enquanto aqueles são bens em si mesmo considerados, estes são instrumentos para assegurar, preservar, reparar o exercício dos direitos fundamentais. Miranda8 estabelece essa diferença:

[...] os direitos representam por si só certos bens, as garantias destinam-se a assegurar a fruição desses bens; os direitos são principais, as garantias são acessórias; os direitos permitem a realização das pessoas e inserem-se direta e imediatamente, por isso as respectivas esferas jurídicas; as garantias só nelas se projetam pelo nexo que possuem com os direitos...os direitos declaram-se, as garantias estabelecem-se". (grifou-se)

Assim, por exemplo, ao direito à liberdade de expressão corresponde a proibição da censura, o direito à ampla defesa a garantia do contraditório e o direito de crença a liberdade de culto.

As principais características dos direitos e garantias fundamentais são, para Bulos9, a historicidade (derivam de longa evolução, participando de um determinado contexto histórico), universalidade (beneficiam os indivíduos independentemente de raça, credo, cor, sexo, ultrapassando um lugar específico), cumulatividade (podem ser exercidos ao mesmo tempo), irrenunciabilidade (podem deixar temporariamente de serem exercidos, mas não podem ser renunciados), inalienabilidade (não podem ser vendidos, alienados, ou comercializados, pois não dispõem de conteúdo econômico), imprescritibilidade (não prescrevem, por não apresentarem caráter patrimonial) e relatividade (não podem ser exercidos de modo absoluto ou irrestrito).

2.1.1 Direito à imagem.

A CF/88 determina, no art. 5º, inciso X, a inviolabilidade da imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação, sem prejuízo do direito de resposta, conforme inciso V do mesmo artigo mencionado.

A imagem integra a categoria dos denominados direitos da personalidade, sobre os quais já se versava no anteprojeto do Código Civil de 2002, havendo sido alguns desses direitos incutidos à redação da CF/88. Assim, o direito de imagem, no contexto público, é um direito fundamental, ao passo que no privado, é tido como direito da personalidade. Para Gomes10, são direitos essenciais ao desenvolvimento da pessoa humana, pois ―destinam-se a

8

MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 2ª' ed. Coimbra: Coimbra Editora. 1998, tomo IV, p. 88-89.

9

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. Saraiva: São Paulo, 2012. p. 530.

10

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resguardar a eminente dignidade da pessoa humana, preservando-a dos atentados que pode

sofrer por parte de outros indivíduos‖.

Diniz11 assim define esses direitos:

O direito de personalidade é o direito da pessoa de defender o que lhe é próprio, como a vida, a identidade, a liberdade, a imagem, privacidade, a honra etc. É o direito subjetivo de exigir um comportamento negativo de todos, protegendo um bem próprio, valendo-se de ação judicial. (grifou-se)

A imagem consubstancia os traços, os caracteres físicos de uma pessoa, podendo ser apresentada in natura ou representada gráfica, fotográfica, televisionada ou cinematograficamente, não podendo ser veiculada pelos meios de comunicação, exceto com a autorização do seu titular ou representante ou quando necessárias à administração da justiça ou manutenção da ordem pública, pelo disposto no artigo 20 do Código Civil brasileiro de 2002.

Conforme Fachin12, a autonomia do direito à imagem está estabelecida na CF/88, estando esse direito assegurado independentemente de violação a outro direito da personalidade. Em razão disso, não é necessário que a pessoa, cuja imagem foi captada ou publicada sem o seu consentimento, sofra dano em sua honra, para que possa pleitear o dever de reparação, pois este se impõe pelo simples fato de ter sido violado o direito à imagem.

Para Cavalieri13, nem toda utilização da imagem de uma pessoa configura violação a este direito, esclarecendo que:

[...] se a imagem for capturada no contexto do ambiente, aberto ao público, de forma que a imagem adira ao local (praia, apresentação esportiva, movimento de rua), ou a algum acontecimento (acidente, manifestação pública), nenhuma lesão haverá à imagem. Mas se a fotografia publicada demonstra, ao contrário, que o objetivo da composição gráfica é justamente o de explorar a imagem de alguém, caberá indenização.

Assim, considerando essa distinção, vislumbra-se que direito à imagem sofre inúmeras violações por determinados meios de comunicação, principalmente quando da veiculação de programas especializados em exibir matérias sobre acontecimentos criminais. Nesse sentido, descreve Freire14:

Ultimamente se vê na televisão, com frequência, uma cena típica: pessoas detidas pela polícia, às vezes algemadas, quase sempre cabisbaixas, sob as fortes luzes das câmaras a responder, em repartições policiais, a constrangedoras perguntas de

11

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 27ª ed. Saraiva: São Paulo. 2010. p.121-122

12

FACHIN, Zulmar. Informação, imagem e principio da proporcionalidade. Disponível em: <revistas.unopar.br/index.php/juridicas/article/download/863/801> Acesso em: 19/09/2014

13

CAVALIEIRI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 10ª ed. São Paulo: Atlas. 2012, p.117.

14

(18)

repórteres sobre crimes que lhes são atribuídos. Cena a que se tem dado o nome de apresentação dos presos à imprensa.

São frequentes, principalmente nos canais abertos televisivos, programas policiais que expõem a imagem do indivíduo, geralmente o preso em flagrante, expostos às câmaras de modo irregular, sem o seu consentimento. Mesmo quando esses fatos ocorrem no interior das delegacias, as autoridades policiais não tomam providências para impedir ou dificultar que isso aconteça, inclusive, muitas vezes, facilitam essa exposição, contrariando não só a CF/88, como também preceito contido no art. 41, inciso VII da Lei de Execução Penal (Lei 7210/94), o qual determina ser direito do preso a proteção contra qualquer forma de sensacionalismo.

Essa exposição do acusado à mídia, sem a sua permissão, não ocorre somente no Brasil. Nos Estados Unidos, denomina-se ―perp walk‖, que poderia ser traduzido como desfile do acusado, a prática comum dos profissionais da polícia de exibirem o preso à mídia sensacionalista.

Em 2009, o Ministério Público Federal da Paraíba expediu Recomendação15 ao Secretário de Segurança e da Defesa Social para que fosse vedada a exposição pública de detidos, a não ser mediante autorização do preso, do seu advogado, defensor público, juiz ou membro do Ministério Público, intentando coibir essa prática vexatória para o detido, que em algumas ocasiões tenta esconder o rosto, diante da insistência dos repórteres pela entrevista.

Contra essa recomendação, o Estado da Paraíba ajuizou ação cível originária16 perante o STF, alegando, dentre outros motivos, que a transmissão da imagem dos presos estaria protegida pelo direito à informação e pela liberdade de imprensa e que a exposição dos presos seria uma atividade preventiva essencial à garantia da segurança pública, por possibilitar a população estar informada sobre atividades criminosas e seus autores.

A Procuradoria Geral da República, representada pelo procurador Rodrigo Janot, manifestou-se17 quanto ao mérito da ação, no sentido de que a proibição da exposição do preso não consistia numa violação ao direito à liberdade de expressão e ao de informação dos órgãos midiáticos, mas de garantir que o ―exercício deste legítimo direito seja realizado com cautela, sem a desnecessária exposição vexatória ou humilhante do preso‖.

15

BRASIL. MPF/PB. MPF/PB recomenda a proibição de exposição pública de presos. Disponível em: <http://noticias.pgr.mpf.mp.br/noticias/noticias-do-site/copy_of_direitos-do-cidadao/mpf-pb-recomenda-a-proibicao-de-exposicao-publica-de-presos> Acesso em: 17/09/2014.

16

BRASIL. STF. Ação cível originaria (ACO) nº 1.518. O andamento do processo pode ser acompanhado pelo endereço eletrônico <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=3833886>. Acesso em: 17/09/2014.

17

BRASIL. MPF. Parecer 3869/2014. Disponível em:

(19)

Ainda em agosto deste ano, foi editada uma Portaria18 pela Corregedoria da Polícia Civil de Minas Gerais, na qual se estabeleceu, dentre outras determinações que:

Art. 1º – O preso não poderá ser constrangido a participar, passiva ou ativamente, de ato de divulgação de informações aos meios de comunicação social, notadamente no que concerne a sua exposição compulsória à fotografia ou filmagem.

§ 1º – Caso o preso consinta em participar do ato, deverá ser registrada sua manifestação de vontade, lavrando-se termo próprio, subscrito por, no mínimo, duas testemunhas, em que serão detalhados todos os aspectos relacionados à divulgação de informações.

§ 2º – Mesmo nas hipóteses de concordância, deverão ser adotadas medidas para garantir que informações sobre a vida privada e a intimidade do preso sejam mantidas em sigilo, sobretudo aquelas que não estejam relacionadas a sua prisão. Essa Portaria, no entanto, teve poucos dias de vigência, sendo revogada posteriormente, pois foi editada sem a ―observância dos procedimentos previstos para a sua

elaboração‖. Ademais, foi recomendada a realização de um estudo para definir a padronização

da apresentação de pessoas detidas e de objetos apreendidos.

Até o presente momento, o STF ainda não se manifestou quanto à procedência ou improcedência da ação cível originária, mas, certamente, sua decisão servirá como baliza para a atuação dos envolvidos nessa problemática.

2.1.2 Direito à honra

O tratamento conferido à honra é semelhante ao conferido a imagem: a inviolabilidade desse direito é garantida pelo art. 5º, inciso X, da CF/88, assegurado o direito à indenização. Ademais, elenca o rol de direitos da personalidade contido nos artigos 11 a 24 do Código Civil de 2002.

Encontra previsão19 em tratados internacionais do qual o Brasil é signatário, como Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) de 1969, bem como no Código Penal brasileiro, que estabelece, dentre os artigos 138 e 140, os crimes contra a honra: calúnia, difamação e injúria.

De acordo com Bittar20, a honra compreende duas categorias: honra objetiva e honra subjetiva. Esta diz respeito ao sentimento pessoal de estima ou consciência de sua própria dignidade, enquanto aquela se refere à fama de que desfruta no seio da coletividade, a estima que a cerca nos seus ambientes familiar, profissional, comercial ou outro.

18

BRASIL. Policia Civil de Minas Gerais. Portaria Nº 001/CGPC/2014. Disponível em <http://www.diariodopontalonline.com.br/policia/policia-civil-anula-portaria-da-corregedoria-que-restringia-apresentacao-de-presos-a-imprensa/l> Acesso em: 20/09/2014.

19

Artigo 11 - Proteção da honra e da dignidade. 1. Toda pessoa tem direito ao respeito da sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade.

20

(20)

Para Cavalieri21, o direito à honra, à imagem e a demais direitos da personalidade

estão abrangidos pelo ―direito à dignidade, fundamento e essência de cada preceito

constitucional relativo aos direitos da pessoa humana‖. Então, a violação do direito à dignidade constitui dano moral em sentido estrito enquanto a violação, em diversos graus, dos direitos da personalidade, como a honra, consiste em dano moral em sentido amplo.

Sobre a quem esse direito é conferido, Lôbo22 defende que toda pessoa, por mais que se conduza de modo não ético, desfruta desse direito, em grau maior ou menor, a depender de seu comportamento moral e da comunidade em que vive e atua. Assim, até o suspeito/acusado de cometer algum crime tem direito à proteção de sua honra.

O direito à honra também é frequentemente desrespeitado por determinados órgãos de comunicação. Em 2009, gerou repercussão a veiculação, em canal aberto, de uma reportagem23 em que a jornalista, durante uma entrevista na delegacia, tripudiava do preso por este não saber soletrar corretamente determinadas palavras. Debochando do preso, ela repetia a pergunta, para expô-lo ao ridículo. A atitude da repórter, repudiável, mas tão comum em profissionais de programas que noticiam crimes, em nada se coaduna com determinação expressa no Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros24, no art. 6º inciso VIII, que afirma ser

dever do jornalista ―respeitar o direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem do

cidadão‖. (grifou-se)

O fato gerou repercussão nas mais diversas esferas. O Ministério Público Federal da Bahia acionou25 a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão para que fossem adotadas as medidas cabíveis contra a repórter. Um grupo de jornalistas baianos escreveu uma carta aberta26, criticando a posição de profissionais da comunicação com conduta semelhante, conforme trecho a seguir:

O direito à liberdade de expressão não se sobrepõe ao direito que qualquer cidadão tem de não ser execrado na TV, ainda que seja suspeito de ter cometido um crime. (...) O jornalista não pode submeter o entrevistado à humilhação pública, sob a justificativa de que o público aprecia esse tipo de espetáculo ou de que o crime supostamente cometido pelo preso o faça merecedor de enxovalhos. O preso tem

21

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 10ª ed. São Paulo: Atlas. 2012, p.89-90

22

LÔBO, Paulo. Danos morais e direitos da personalidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 119, 31 out. 2003. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/4445>. Acesso em: 15/09/2014.

23A reportagem exibida pela Rede Bandeirantes da Bahia, produzida pelo programa ―Brasil Urgente‖ e exibida

posteriormente em rede nacional, tem o título de ―Chororô na delegacia: acusado de estupro alega inocência‖.

24

BRASIL. Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros. Disponível em: <http://www.fenaj.org.br/federacao/cometica/codigo_de_etica_dos_jornalistas_brasileiros.pdf> Acesso em: 18/09/2014.

25

BRASIL. MPF/BA. MPF e MP/BA propõem ação civil pública contra a Band Disponível em <http://www.prba.mpf.mp.br/mpf-noticias/direitos-do-cidadao/mpf-e-mp-ba-propoem-acao-civil-publica-contra-a>. Acesso em: 18/09/2014.

26

(21)

direito também de querer falar com jornalistas, se esta for sua vontade. Cabe apenas ao jornalista inquirir. Não cabem pré-julgamentos, chacotas e ostentação lamentável de um suposto saber superior, nem acusações feitas aos gritos. (grifou-se)

Longe de vitimizar esse rapaz, que pode ou não ter sido autor do delito, e isso deve ser apurado pelos profissionais responsáveis para tal, o que se critica é a desnecessidade deste tipo de abordagem jornalística, tão comum, em que o interesse de informar cede lugar ao interesse pela autopromoção e pela depreciação do outro, geralmente das classes mais desfavorecidas.

2.1.3 Garantia do devido processo legal

A CF/88 consagra esse princípio no artigo 5º, inciso LIV, ao determinar que

―ninguém será privado da liberdade ou de bens sem o devido processo legal.‖ As origens desse princípio remontam à Magna Carta de João Sem Terra27, de 1215, da Inglaterra.

O princípio do devido processo legal foi consagrado pela Constituição Federal em duas dimensões: substancial ou material (substantive due process of law), e procedimental ou formal (procedural due process). Esta impõe que qualquer restrição à liberdade do indivíduo somente pode ser realizada mediante processo e julgamento cujas formalidades estejam previstas em lei, a fim de salvaguardar os direitos e garantias fundamentais. Aquela exige, no campo de aplicação e elaboração normativa, uma atuação adequada, correta, razoável, impedindo que as normas aplicadas na resolução dos litígios sejam desarrazoadas ou desproporcionais, infringindo garantias fundamentais do indivíduo.

A respeito da abrangência do aspecto substancial ou material do devido processo legal, restou consignada na ementa do julgamento da ADI-MC 1.063/DF28 pelo Supremo Tribunal Federal:

SUBSTANTIVE DUE PROCESS OF LAW E FUNÇÃO LEGISLATIVA: A cláusula do devido processo legal - objeto de expressa proclamação pelo art. 5º, LIV, da Constituição - deve ser entendida, na abrangência de sua noção conceitual, não só sob o aspecto meramente formal, que impõe restrições de caráter ritual à atuação do Poder Público, mas, sobretudo, em sua dimensão material, que atua como decisivo obstáculo à edição de atos legislativos de conteúdo arbitrário. A essência do substantive due process of law reside na necessidade de proteger os direitos e as liberdades das pessoas contra qualquer modalidade de legislação que se revele opressiva ou destituída do necessário coeficiente de razoabilidade. Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe da competência para

27Art. 39. ―Nenh

um homem livre será detido ou sujeito a prisão, ou privado de seus bens, ou declarado fora da lei, exilado, ou reduzido em seu status de qualquer outra forma, nem procederemos nem mandaremos proceder contra ele senão mediante um julgamento legal pelos seus pares ou pelo costume da terra‖.

28

(22)

legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da função estatal. (grifou-se)

Do princípio do devido processo legal decorrem, expressa ou implicitamente, outros princípios de ordem constitucional fundada na legalidade e na proteção das liberdades, dentre os quais se pode apontar o da imparcialidade do juiz, da presunção de inocência ou não culpabilidade, que serão abordados a seguir.

2.1.3.1 Garantia de imparcialidade do juiz

A Constituição elenca uma série de garantias processuais: juiz natural (art. 5º, inc. XXXVII e LIII), devido processo legal (art. 5º, inc. LIV), contraditório e ampla defesa (art. 5º, inc. LV), motivação e publicidade (art. 93, inc. IX), entre outras. Não prevê expressamente, no entanto, o direito ao julgamento por juiz imparcial.

Conquanto não conste explicitamente na CF/88 tal princípio, é inegável a sua existência no sistema processual penal. Segundo Badaró29, a imparcialidade do juiz é elemento integrante do devido processo legal, uma vez que não é devido, justo ou équo um processo que se desenvolva perante um juiz parcial. Além disso, há uma serie de previsões explicitas pautando a atuação dos magistrados, de modo a conferir-lhes imparcialidade, como as prerrogativas e as vedações elencadas, respectivamente, no caput e no paragrafo único do artigo 95 do dispositivo legal supramencionado.

Cumpre observar que a Pacto de San Jose da Costa Rica30 de 1969, do qual o Brasil é signatário, prevê expressamente essa garantia. Ademais, o artigo 5º, § 2º da CF/88 dispõe que ―Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte‖, da qual se conclui que esse direito possa estar implícito na CF/88.

É necessário estabelecer a diferença entre juiz imparcial e juiz neutro. A subjetividade do juiz é inafastável. Ele não pode anular, no ato de interpretar e julgar, suas vivências, experiências, ideologias e relações que incidem, consciente ou inconscientemente, no seu modo de agir. Portanto, a figura do julgador plenamente neutro, totalmente alheio às

29

BADARÓ, Gustavo Henrique Rigui Ivahy. Direito ao julgamento por juiz imparcial: como assegurar a imparcialidade objetiva no juiz nos sistemas em que não há a função do juiz das garantias. Disponível em: <http://www.badaroadvogados.com.br/?p=331>. Acesso em 20 /09/2014

30

(23)

circunstâncias subjetivas e objetivas que o permeiam é um ideal inatingível. Conforme Zaffaroni31, o juiz não pode ―ser alguém ‗neutro‘, porque não existe a neutralidade ideológica, salvo na forma de apatia, irracionalismo ou decadência do pensamento, que não são virtudes dignas de ninguém e menos ainda de um juiz‖.

Não obstante a inexigibilidade de um juiz neutro, é imperativo que este fiscalize e assegure o cumprimento das garantias constitucionais e processuais, conferindo às partes mecanismos semelhantes ou iguais para apresentarem suas pretensões, visando encontrar uma solução justa e efetiva para a lide que lhe é posta.

O magistrado, no desempenho de suas funções, não deve buscar a popularidade, mas a credibilidade, o que não significa ficar alheio aos acontecimentos da sociedade, distante da realidade que o circunda, como se dela não fosse integrante. Não se pode permitir, no entanto, que ceda às pressões e ingerências externas, muitas vezes escusas, e deixe de julgar conforme lhe pareça, pela análise do contexto probatório e demais elementos dos autos, moral e juridicamente correto.

Nesse sentido, posiciona-se Ferrajoli32:

O juiz não deve ter qualquer interesse, nem geral nem particular, em uma ou outra solução da controvérsia que é chamado a resolver, sendo sua função decidir qual delas é verdadeira qual é falsa. Ao mesmo tempo ele não deve ser um sujeito

―representativo‖, não devendo nenhum interesse ou desejo – nem mesmo da maioria ou da totalidade dos cidadãos – condicionar seu julgamento que está unicamente em tutela dos direitos subjetivos lesados (...), contrariamente aos poderes executivo e legislativo que são poderes da maioria, o juiz julga em nome do povo, mas não da maioria, em tutela das liberdades também das minorias.

É comum a prática de profissionais dos meios de comunicação tecerem comentários, muitas vezes sem noções mínimas de ética e conhecimentos jurídicos, à atuação dos magistrados em casos de grande repercussão. Considerado ora como ―herói‖, ora como defensor de ―bandidos‖, muitas são os juízos de valor a respeito da condução do processo por esses profissionais, os quais podem ser influenciados por essas opiniões, comprometendo, muitas vezes, um julgamento no qual se decidirá sobre um direito fundamental tão importante que é a liberdade de um ser humano.

31

ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Poder Judiciário: Crise, acertos e desacertos. Tradução: Juarez Tavares. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 92.

32

(24)

2.1.3.2 Garantia da presunção de inocência ou não-culpabilidade

A CF/88, no artigo 5º, inciso LVII dispõe que ―ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória‖. Dessa garantia decorre, portanto, que uma pessoa apenas será considerada culpada através de decisão irrecorrível, proferida ao término de um devido processo legal.

Há divergência quanto ao conceito desse princípio, pois alguns autores33 consideram que tal dispositivo garante que o cidadão não pode ser considerado culpado, mas também não pode ser considerado presumidamente inocente.

Outros diplomas legislativos, como a Declaração Universal dos Direitos do Homem34 de 1948 e o Pacto de San José da Costa Rica35 de 1969, da qual o Brasil é signatário, por sua vez, trazem expressamente o principio da presunção de inocência.

A presunção de inocência ou de não-culpabilidade é um postulado de elevado potencial politico e jurídico, apontando um modelo ideológico de processo penal. Mostra-se compatível com o modelo atual brasileiro de processo, pautado na ideia de prevalência dos direitos fundamentais como critério de interpretação dos demais ramos do Direito.

Ressaltando a importância deste principio, aduz Ferrajoli:

A culpa, e não a inocência, deve ser demonstrada, e é a prova da culpa – ao invés da de inocência, presumida desde o início – que forma o objeto do juízo. Esse princípio fundamental de civilidade representa o fruto de uma opção garantista a favor da tutela da imunidade dos inocentes, ainda que ao custo da impunidade de algum culpado. 36

A presunção de inocência determina, então, limites para que a dignidade humana seja respeitada, sendo um estado em que se deve permanecer o acusado até ser declarado culpado. Destina-se a todos os indivíduos, em todas as suas relações, bem como aos agentes públicos, principalmente os que exercem atividades restritivas de direito, como a Polícia, o Ministério Público e os juízes de Direito, coibindo, assim, eventuais arbitrariedades, perpetradas na esfera publica ou privada, contra os cidadãos.

33Nesse sentido, Paulo Rangel destaca que ―A Constituição não presume a inocência, mas declara que ninguém

será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória (art. 5º, LVII). Em outras

palavras, uma coisa é a certeza da culpa, outra, bem diferente, é a presunção da culpa‖. RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 24.

34

Art. 11. Toda a pessoa acusada de um ato delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas.

35

Art. 8º.2 –―Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa.

36

(25)

Por esse princípio, o ônus da prova cabe, em regra, a quem acusa. Além disso, o cerceamento cautelar de liberdade somente pode ocorrer em situações excepcionais e de extrema necessidade, atentando para os requisitos presentes no Código de Processo Penal. Nesse sentido, Nestor Távora37 afirma que:

Pela presunção de inocência, as medidas cautelares durante a persecução estão a exigir redobrado cuidado. Quebra de sigilo fiscal, bancário, telefônico, [...] ou a própria exposição da figura do indiciado ou réu na imprensa através da apresentação da imagem ou de informações conseguidas no esforço investigatório podem causar prejuízos irreversíveis à sua figura.

O Supremo Tribunal Federal, no Habeas Corpus n. 96.095-2/SP38, relatado pelo Min. Celso de Mello, já se posicionou a respeito desse princípio, reforçando o posicionamento de que é conferido a todo e qualquer cidadão, não importa a natureza do ilícito penal cuja pratica lhe tenha sido atribuído.

Não obstante a previsão contida no artigo 9º do Código de Ética dos Jornalistas

Brasileiros dispor que ―A presunção de inocência é um dos fundamentos da atividade jornalística‖, esse é um dos direitos mais violados por profissionais da mídia. Em muitos casos, o inquérito policial ainda não foi sequer terminado, e o indivíduo já é considerado

oficialmente culpado. ―Assassino‖, ―tem que apodrecer na cadeia‖, ―meliante‖ são expressões

comumente empregadas por esse profissionais, que se arvoram nos papeis de justiceiros, emitindo opiniões sobre o fato, sem o critério técnico para tal.

Não são poucas as ocasiões em que o fato inicial narrado no boletim de ocorrência (elaborado, muitas vezes, a partir do relato unilateral da suposta vítima) e amplamente divulgado por alguns órgãos de comunicação, encontra-se inconcluso ou atípico, ensejando o arquivamento dos autos do inquérito policial ou a absolvição do réu em Juízo. No entanto, esse deslinde em favor do suposto criminoso não é amplamente veiculado como outrora foram as acusações atribuídas a ele, pois o sensacionalismo em torno do que "não foi" ou "não aconteceu" não gera altos índices de audiência. Assim, o suspeito, muitas vezes, não consegue se desvincular, perante a comunidade, da pecha de marginal que lhe foi atribuída.

O princípio da presunção de inocência não exclui a liberdade de informar dos meios de comunicação, mas exige cautela e responsabilidade na divulgação dos atos judiciais,

37

TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 6. ed. Salvador: Juspodivm, 2011. p.55.

38

(26)

de forma que o leitor/telespectador seja advertido de que a pessoa acusada ainda não foi, por decisão judicial, considerada culpada.

Essa imputação antecipada, como se verá a seguir, pode influenciar e comprometer a apreciação do processo pelo magistrado, como também pelos jurados nos casos de crimes julgados pelo Tribunal do Júri.

2.1.4 Direito à liberdade de expressão

A CF/88 estabelece, no artigo 5º, inciso IX que ―é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença‖ e no inciso IV, do mesmo artigo, ser ―livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o

anonimato‖. A liberdade de expressão encontra-se intrinsicamente relacionada à liberdade de pensamento, sendo esta a origem daquela, pois não é possível expressar nada se, previamente, não existir pensamento.

Esse direito é mencionado também em tratados internacionais, como a Declaração Universal de Direitos Humanos39 de 1948 e o Pacto de San José da Costa Rica40 de 1969, do qual o Brasil é signatário.

A proteção da liberdade de expressão reside em vários fundamentos. O primeiro é de que se trata de uma garantia essencial ao livre desenvolvimento da personalidade e a dignidade humana, por possibilitar ao indivíduo interagir com seus semelhantes, expondo as próprias ideias e sentimentos, bem como conhecer as expressas pelos outros. O segundo é a importância desse direito para a construção e fortalecimento do sistema democrático. A liberdade de expressão e a de informação assinalam relevante distinção entre os regimes autoritários e os regimes democráticos, pois, na concepção de Sarmento, ―a realização da democracia pressupõe um espaço publico aberto, plural e dinâmico, onde haja o livre

confronto de ideias, o que só é possível mediante a garantia da liberdade de expressão‖.41

A censura é exercida especialmente em regimes de exceção, para controlar arbitrariamente a liberdade de expressão e a de informação, de modo que apenas são

39

Art. 19. Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, este direito implica a liberdade de manter as suas próprias opiniões sem interferência e de procurar, receber e difundir informações e ideias por qualquer meio de expressão independentemente das fronteiras.

40

Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressão 1. Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações e idéias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha.

41

(27)

permitidas as exteriorizações de ideias e informações que não questionem os pilares desse regime ou influenciem o povo a fazê-lo. No conceito de Barroso42,

Censura é a submissão à deliberação de outrem do conteúdo de uma manifestação do pensamento, como condição prévia de sua veiculação. Costuma ser associada a uma competência discricionária da Administração Pública, pautada por critérios de ordem política ou moral. Trata-se de prática vedada expressamente pelo direito constitucional positivo brasileiro.

No entanto, se por um lado é proibida a censura e a licença, mecanismos de controle típico dos regimes autoritários, por outro deve o Estado zelar para que as pessoas não tenham violadas a sua imagem ou sua honra, direitos fundamentais tão importantes quanto a liberdade de expressão.

A crítica jornalística, uma das manifestações da liberdade de expressão, quando exercida com responsabilidade, é de suma importância para o fortalecimento da democracia. No entanto, muitas vezes esse direito é exercido de forma distorcida, desatentando-se ao dever funcional de emitir comentários comprometidos com o respeito e com os princípios éticos. O direito à liberdade de expressão não concede, ao profissional da mídia, o direito de, em público, elaborar o seu próprio julgamento, rotular, da maneira que bem entende, o suposto autor de um delito e, por fim, sem direito de defesa, impingir-lhe a pena do vexame.

Nesse sentido, Bulos43:

É comum jornalistas levantarem suposições‖, ―probabilidades‖ e ―possibilidades‖ com base no que denominam ―provas‖ não raro fictícias e, no geral, deturpadas.

Alguns se arvoram de juristas. Outros agem como se fosse o ―quarto poder‖. Citam leis e preceitos incriminadores, enquadrando pessoas físicas e jurídicas, autoridades e representações, mobilizando a opinião pública [...] Insinuam, desestabilizam, praticam o mal, atormentam a paz, matam a dignidade, no afã de ―dar a noticia [...]

A prática jornalística exercida dessa forma viola os direitos da personalidade e atinge o valor constitucional da dignidade humana. O artigo 6º, inciso I, do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, o qual dispõe ser "dever do jornalista: opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem como defender os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos", é um preceito importante, mas que, infelizmente, é ignorado por determinados profissionais da mídia.

42

BARROSO, Luís Roberto. Liberdade de expressão, censura e controle da programação na Constituição de 1988. Disponível em <http://www.cella.com.br/conteudo/conteudo_142.pdf> Acesso em: 02/10/2014

43

(28)

2.1.5 Direito à informação

A CF/88 dispõe em vários dos seus artigos, sobre o direito à informação, como no art. 5º, inciso IX que determina ―ser livre a expressão da atividade intelectual, artística ou científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença‖, no inciso XIV do mesmo artigo que assegura ―a todos o acesso a informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional‖, e no art. 220, caput, que assegura que ―A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

O Pacto de San José da Costa Rica de 1969 não prevê de forma expressa o direito de informação, porém, é clara a sua natureza subordinada ao direito à liberdade de expressão, este previsto expressamente nesse diploma legislativo.

O direito constitucional de acesso à informação desdobra-se em duas vertentes, quais sejam, o direito de informar (livre iniciativa no setor de imprensa) e de ser informado (titularidade pública do direito à informação) e o direito coletivo de acesso à informação

stricto sensu, que esteja em poder do Estado.44

O pleno exercício desse direito pressupõe informações pluralistas. No entanto, os meios de comunicação de massa pertencem a um seleto número de famílias, não obstante a proibição da CF/88, dos meios de comunicação serem objeto de monopólio ou oligopólio (art. 220, §5º) as quais, em regra, não interessa divulgar conteúdo que vá de encontro a seus interesses. Paiva45 entende que a ―dominação dos meios de comunicação por poucos representa, antes de tudo, uma dominação ideológica. A versão única dos fatos torna esta versão a própria realidade‖, opinião compartilhada por Godoi46, para quem:

[...] quanto maior a concentração dos meios de comunicação, menor a quantidade de grupos que terão voz através destes meios. [...] Entretanto, na contramão do que ocorre com a comunicação face a face, a mensagem agora passa por um intermediário, a mídia. Este mediador se constitui em filtro importante entre os produtores da mensagem e os receptores e, logo, pode exercer significativo controle sobre a(s) mensagem(s) que serão, efetivamente, transmitidas ao receptor final. Em um cenário de ampla concentração este controle é, evidentemente, potencializado.

44

SOUZA, Victor Roberto Corrêa de. O acesso à informação na legislação brasileira. Revista da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro (SJRJ). V 19, nº 33, abr. 2012. Disponível em: http://www4.jfrj.jus.br/seer/index.php/revista_sjrj/article/view/316/277. Acesso em: 28/09/2014.

45

PAIVA, Clarice Amaral. Um mundo e poucas vozes. Disponível em.

<http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2002/congresso2002_anais/2002_NP10PAIVA.pdf> Acesso em: 19/09/2014.

46

(29)

Embora tenha conteúdo material semelhante, há distinções importantes entre a liberdade de expressão e a de informação. Enquanto esta exige o requisito da veracidade, ainda que uma verdade subjetiva e apenas possível, pela circunstância de que é isso que as pessoas legitimamente supõem estar conhecendo ao buscá-la, não se exige esse requisito quando se refere a manifestações da liberdade de expressão. Assim, a distinção se estabelece por um critério de prevalência: haverá exercício do direito de informação quando a finalidade da manifestação for a comunicação de fatos noticiáveis, cuja caracterização vai repousar sobretudo no critério da sua veracidade.47

Não é qualquer tipo de informação que merece proteção. Tendo em vista o potencial transformador e educativo que os meios de comunicação podem exercer, o direito à informação exercido por estes se refere a fatos cujo conhecimento seja de relevante importância ao individuo, seja na sua esfera individual, seja na coletiva.

Além disso, esse direito deve ser exercido buscando-se a credibilidade e a veracidade das informações. A mídia deve ter um compromisso com a verdade dos fatos, levando ao conhecimento do público informações completas, sob diferentes perspectivas, para que se evitem conclusões precipitadas e distorcidas a respeito de determinado acontecimento. Assim, a proteção ao princípio da plena liberdade de informação conferido aos meios de comunicação não abrange, certamente, informação irresponsável, tendenciosa, uma vez que esse direito só existe e se justifica na medida em que os indivíduos têm o direito ao acesso a uma informação correta e imparcial. No entanto, critica JABUR48, os órgãos de comunicação, movidos pelo descuido, pela pressa (no intuito de apresentar a informação com exclusividade, antes dos concorrentes), pelos interesses capitalistas ou simplesmente malsões, perdem, com frequência, sua legitima função social.

47

BARROSO, Luís Roberto. Colisão entre Liberdade de Expressão e Direitos da Personalidade. Critérios de ponderação. Interpretação constitucionalmente adequada do Código Civil e da Lei da Imprensa. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art_03-10-01.htm>. Acesso em 24/09/2014.

48

(30)

3 MÍDIA E SISTEMA PENAL

Existem, basicamente, duas correntes a respeito da função do Direito Penal como solucionador de conflitos da sociedade. De um lado, vislumbram-se os defensores de um Direito Penal Mínimo, preconizando que este ramo do Direito apenas deve operar, quando não houver outro meio de solução de uma problemática que envolve um bem jurídico relevante. Há também vertentes e desdobramentos dessa teoria minimalista, como a do abolicionismo penal, a qual propugna a substituição da pena por outras formas não punitivas dos delitos praticados e a extinção do atual sistema de justiça penal.

Há outra corrente que confere ao Direito Penal o melhor, e talvez o único, pacificador de conflitos sociais, defendendo o recrudescimento do sistema penal, com a mitigação de direitos e garantias fundamentais de determinados suspeitos/acusados, tipificação criminal de mais condutas e a utilização de penas mais severas para reduzir ou solucionar eficazmente o problema da criminalidade.

A mídia é um dos principais agentes do discurso da necessidade de expansão do Direito Penal para manter a ordem pública e a segurança, principalmente no que diz respeito a programas, veiculados em canal aberto, que noticiam fatos criminais. Esse discurso também é adotado e difundido por setores políticos, organizações governamentais (ONGS) e setores acadêmicos, mas é inegável que a mídia, principalmente a televisiva, por meio de seu discurso criminalizante, é um dos principais responsáveis por reforçar o expansionismo do Direito Penal. Segundo SHECAIRA49:

[...] são os meios de comunicação de massas que desencadeiam as campanhas seletivas com a fabricação de estereótipos de fatos e de crimes. As campanhas da "lei e da ordem" sempre descrevem a "impunidade total", falam da "polícia que prende e do juiz que solta", "dos menores que entram e saem da FEBEM graças ao ECA ", atribui o mal funcionamento do aparelho estatal "às leis benevolentes, especialmente à Constituição, que só garante direitos humanos para bandidos", etc. "

São frequentes a veiculação, pelos órgãos de comunicação, de noticias sobre ocorrências criminais. Em quase todas as emissoras televisivas, são destinados espaços da sua grade de programação para exibir casos como homicídios, roubos, latrocínios, furtos e outros do gênero. Esses programas, apesar de quase sempre serem de baixa qualidade, são assistidos

49

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por uma considerável parte da população. Segundo LITVIN50, o interesse de telespectadores por esse tipo de programa se justifica por algumas razões, dentre elas:

[...] por nossa sociedade se sentir insegura e clamar cada vez mais por segurança, proliferando câmaras de vigilância nas ruas, nos prédios e condomínios, grades cada vez mais altas, dentre tantas outras coisas para (tentar) suprir este medo difuso. É este medo social, e socializado, que gera a obsessão por consumo de relatos violentos e de notícias alarmistas sobre a violência que se concentram nos meios de comunicação.

A maioria dos apresentadores/jornalistas desses programas não se limitam a investigar os fatos e divulgá-los objetivamente, de modo que o receptor dessas informações tire as próprias conclusões. Esses profissionais mesclam a sua opinião, por meio de palavras emotivas, impactantes, com a narrativa do fato, de modo que o relato da ocorrência pode ser facilmente distorcido para o modo que lhe convier.

Esses agentes da comunicação adotam, nos comentários, uma postura extremamente demagógica. Arvoram-se como ―justiceiros‖, ―defensores da sociedade‖, exigindo a elaboração de leis penais que incriminam determinadas condutas e a instituição de penas mais severas para as condutas tipificadas em leis, o que demonstra o alinhamento ao discurso da expansão do Direito Penal. Cumpre observar que muitos desses apresentadores pleiteiam cargos políticos ou são candidatos à reeleição, portanto, podem considerar os telespectadores como potenciais eleitores, utilizando o programa como plataforma para arregimentar votos.

Segundo Batista51, não se pode olvidar que os meios de comunicação de massa pertencem a classes dominantes do poder, a quem interessam fomentar suas crenças, culturas e valores e sustentar os que representam, mantendo o status quo e assegurando a legitimidade de sua dominação. Para estas classes, interessa a difusão da ideia de medo e desordem, para que o discurso do recrudescimento do Direito Penal se legitime e se expanda, pois ―o empreendimento neoliberal precisa de um poder punitivo, onipresente e capilarizado, para o controle penal dos contingentes humanos que ele mesmo marginaliza‖.

Aqueles que defendem o Estado Penal máximo são, geralmente, aqueles que também defendem o Estado social mínimo. Para eles, a presença do Estado se justifica apenas para afirmar e manter seus interesses. Em vez de políticas assistenciais, defendem a aplicação de punições severas aos que cometem algum delito, propiciando um contexto no qual haja a

50

LITVIN, Juliana. Medo do Crime e Meios de Comunicação. Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal . n. 41, a. 7, dez./jan. 2007.

51

(32)

―remoção do Estado econômico, desmantelamento do Estado social e fortalecimento do Estado penal52‖.

Para os adeptos da ideia da expansão do Direito Penal, incluindo alguns meios de comunicação, os suspeitos ou acusados de cometerem algum delito deveriam ter seus direitos e garantias fundamentais aniquilados, apregoando a máxima ―direitos humanos para humanos

direitos‖. Por essa lógica, justifica-se, para diminuir a sensação de insegurança e medo reforçada pela mídia, perpetrar atos tão bárbaros quanto aqueles que repudia. Nesse sentido, afirma Cleinmann53:

Esse enfileiramento de acontecimentos extraordinários gerado pela indústria de produção e transmissão de idéias e fatos cria no consumidor de informação medo, paranóia, a impressão nítida de ser a próxima vítima. Os frutos dessa campanha de dramatização da violência acabam sendo o clamor público pelo fim da impunidade, o apelo à vingança contra os monstros soltos nas ruas. Nessas reações irracionais, cadeia passa a ser considerada a solução milagrosa capaz de estancar a onda de crimes que ameaça nos engolfar. Na falta da prisão, quem sabe: um linchamento ou o justiçamento pelas próprias mãos?

Neste ano, uma apresentadora de um telejornal exibido diariamente em canal aberto, ao comentar a reportagem de um adolescente que foi agredido, despido e acorrentado pelo pescoço a um poste por transeuntes, após uma tentativa de furto de uma bolsa, declarou54

ser compreensível a atitude daqueles que amarram o ―marginalzinho‖, expressão que utilizou

ao mencionar o adolescente de 15 anos, pobre e negro, pois, segundo a apresentadora, ―o Estado é omisso, a Polícia desmoralizada e a Justiça falha‖, restando ―ao cidadão de bem

apenas se defender‖, pois o ―contra-ataque aos bandidos seria uma legitima defesa contra uma

sociedade sem Estado‖ e arrematou, sugerindo ―aos defensores dos Direitos Humanos, que se apiedaram do marginalzinho preso ao poste‖ que ―adotasse um bandido‖.

O Ministério Público Federal de São Paulo ajuizou ação civil pública55 contra a emissora que veicula o telejornal, entendendo que a jornalista extrapolou o limite à liberdade

52

WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 96.

53

CLEINMAN, Betch. Mídia, Crime e Responsabilidade. Revista de Estudos Criminais. Porto Alegre, Vol. 1, nº 1, 2001. p. 97- 100. Disponível em <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/anexos/10788-10788-1-PB.htm> Acesso em: 01/10/2014

54

SBT Brasil. Rachel Sheherazade fala do adolescente vítimas de ―justiceiros‖ do Rio Os comentários da jornalista podem ser vistos na íntegra no endereço eletrônico <https://www.youtube.com/watch?v=unVIpQHLDwE>. Acesso em: 02/10/2014

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Merece a transcrição de um trecho no qual há menção à atuação dos órgãos de comunicação: ―As declarações e comentários da apresentadora, por possuírem forte poder de influência e repercussão social, são inspiração para inúmeras pessoas que assistiram ao programa – dentre as quais grupos radicais de perseguição e extermínio, conhecidos como 'justiceiros/vingadores', que também formam sua opinião a partir do que é veiculado na mídia, o que pode aumentar de modo exponencial a violência contra jovens pela mera suspeita de cometimento de crimes de menor potencial ofensivo‖. BRASIL. MPF/SP. Ação civil pública nº 0010982-15.2014.4.03.6100.

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