• Introdução:
A vitamina D é um hormônio esteroide, sendo assim composta por inúmeras moléculas derivadas do 7-deidrocolesterol (7-DHC) interligadas através de uma cascata de reações fotolíticas e enzimáticas que acontecem em células de diferentes tecidos.
Dentre suas funções, é destacado o papel de importante regulador da fisiologia osteomineral, em especial do metabolismo do cálcio. No entanto, essa vitamina também está presente em diversos outros processos celulares, tais como:
● Modulação autoimune e síntese de interleucinas inflamatórias; ● Controle da pressão arterial;
● Regulação dos processos de multiplicação e diferenciação celular; ● Grande papel antioncogênico;
As suas ações clássicas ocorrem por meio do controle dos processos de absorção intestinal e reabsorção renal do cálcio, mantendo-o em concentrações plasmáticas suficientes para assegurar a adequada mineralização e o crescimento ósseo. A vitamina D é produzida, de forma endógena, nos tecidos cutâneos após a exposição solar e obtida por alimentos específicos ou por suplementação. Os receptores de vitamina D estão presentes em vários tipos celulares.
Essa vitamina é de extrema importância para o organismo e diversos estudos apontam que a deficiência da mesma atinge todas as faixas etárias e acompanha diversos agravos à saúde, que vão além do comprometimento do metabolismo ósseo, ou seja, há também aumento do risco de ocorrer diversas afecções, como diabetes melito, doenças cardiovasculares, alguns tipos de cânceres, deficiência de cognição, depressão, complicações gestacionais, autoimunidade e alergia.
• Metabolismo da Vitamina D:
A apenas 10% a 20% da vitamina D necessária à função do organismo é adquirida pela dieta. Dessa forma, principais fontes de alimentação são a vitamina D3 (colecalciferol, de origem animal, presente nos peixes gordurosos de água fria e profunda, como atum e salmão) e a vitamina D2 (ergosterol, de origem vegetal, presente nos fungos comestíveis). Os restantes 80% a 90% são sintetizados endogenamente.
A etapa inicial do processo de metabolização endógena da vitamina D ocorre nas camadas profundas da epiderme, como nos estratos espinhosos e basais, locais onde estão armazenados a substância precursora da vitamina, chamada de 7-deidrocolesterol (7-DHC), localizado na bicamada lipídica das membranas celulares Essa substancia precursora é formada a partir do colesterol, pela ação da enzima 7-deidrocolesterol-redutase (DHCR7) que realiza a conversão.
Assim, para que o processo de ativação da vitamina D seja iniciado é necessário que o organismo receba luz solar direta, especificamente a radiação ultravioleta B (UVB). Duas variáveis importantes que estão envolvidas na etapa inicial de ativação dessa vitamina é a estação do ano, visto que, no inverno há menor incidência dos raios solares. Além disso, a outra variável é a quantidade de melanina na pele do individuo que compete pelo fóton da radiação UVB, diminuindo a disponibilidade de fótons para a fotólise do 7-DHC.
No processo do metabolismo ocorre absorção do fóton UVB pelo 7-DHC que promove a quebra fotolítica da ligação entre os carbonos 9 e 10 do anel B do ciclo pentanoperidrofenantreno, formando uma molécula secosteroide, que é caracterizada por apresentar um dos anéis rompidos. Essa nova substância, a pré-vitamina D3, é termoinstável e sofre uma reação de isomerização induzida pelo calor, assumindo uma configuração espacial mais estável, a vitamina D3 (ou colecalciferol) que é secretada para o espaço extracelular e ganhar a circulação sanguínea.
Um aspecto importante que ocorre nessa etapa da metabolização é o mecanismo endógeno de proteção contra a síntese excessiva de colecalciferol e consequente intoxicação. Em situações em que há exposição solar muito prolongada, a pré vitamina D3, que também é capaz de absorver fótons UVB, é izomerizada a dois produtos fotolíticos inertes: o lumisterol e o taquisterol.
O colecalciferol (vitamina D3), e o ergosterol (vitamina D2) são transportados no sangue por uma glicoproteína, a proteína ligadora da vitamina D (DBP). Dessa maneira, ao chegarem no fígado vão sofrer hidrolização no carbono 25, mediada por uma enzima microssomal da família do citocromo P450 (CYP450) denominada CYP2R1, dando origem a 25-hidroxivitamina D ou calcidiol (25(OH)D3 e 25(OH)D2). A CYP2R1 é uma enzima microssomal expressa preferencialmente no fígado, mas também estão presente nas células testiculares.
A 25(OH)D, acoplada à DBP, é transportada a vários tecidos cujas células contêm a enzima 1-α-hidroxilase (CYP27B1), uma proteína mitocondrial da família do CYP450 que promove hidroxilação no carbono 1 da 25(OH)D, formando a 1-α,25-diidroxi-vitamina D [1,25(OH)2 D ou calcitriol], que é a molécula metabolicamente ativa. A enzima 1-α-hidroxilase ou CYP27B1 é expressa nas células dos túbulos renais proximais, onde a grande parte do calcitriol necessário ao metabolismo sistêmico é sintetizado. A DBP, junto com seus ligantes, apresenta uma alta taxa de recaptação pelas células dos túbulos proximais, o que evita perda urinária dos metabólitos do grupo da vitamina D e concentra a 25(OH)D nos túbulos renais, onde será necessário para a conversão em 1,25(OH)2 D.
Além de estar nas células dos túbulos renais proximais, a CYP27B1 também está presente em outros tecidos, como nas células da próstata, da mama, do cólon e células do sistema imune, células betapancreáticas, paratireoides, placenta, cérebro, células endoteliais e queratinócitos.
Nos rins, a expressão do gene da enzima CYP27B1 é regulada principalmente pelos níveis séricos do paratormônio (PTH), fósforo, fator de crescimento do fibroblasto 23 (FGF-23) e pela proteína Klotho, sendo estimulada pelo PTH e suprimida pelos demais. Nos outros tecidos, a 1,25(OH)2D exerce funções autócrinas e parácrinas, e a regulação da CYP21B é PTH-independente, sendo regulada principalmente por citocinas e fatores locais específicos de cada célula, como interferon gama e interleucina 1.
Os efeitos biológicos da 1,25(OH)2 D são mediados pelo seu receptor chamado de VDR, um fator de transcrição que pertence à família de receptores hormonais nucleares e é expresso em quase todas as células humanas. É importante destacar que esse receptor parece participar, de maneira direta ou indireta, de regulação de cerca de 3% do genoma humano.
O receptor VDR age por meio da heterodimerização. Dessa forma, em sua estrutura, ele apresenta domínios específicos para o acoplamento da 1,25(OH)2 D, heterodimerização com o RXR, ligação ao DNA e ativação da transcrição.A 1,25(OH)2 D vai se ligar à porção hidrofóbica do VDR e induzir uma mudança conformacional e formação do complexo transcricional hormônio-receptor. Dessa forma, esse complexo hormônio-receptor é heterodimerizado com o RXR e esse heterodímero formado vai se acoplar a uma sequência específica do DNA nos seus genes-alvos, denominada VDRE. No entanto, o heterodímero precisa recrutar complexos de proteínas corregulatorias para promover a ativação ou a repressão genica. Essas moléculas recrutadas que vão permitir a ligação entre o receptor e a maquinaria de transcrição, desencadeando a resposta biológica.
A inativação da 25(OH)D e da 1,25(OH)2 D ocorre pela catalisação da 24-hidroxilase (CYP24A1), uma enzima mitocondrial que está presente em maiores quantidades nos rins e no intestino, e em menor quantidade em outras células como fibroblastos, linfócitos, queratinócitos e macrófagos, e sua expressão é regulada pela 1,25(OH)2 D e pelo PTH, os quais podem agir sinergicamente. Entre os produtos da CYP24A1, a 24,25(OH)2 D merece atenção, uma vez que é uma molécula que mantém atividade metabólica e é essencial à integridade da estrutura óssea e ao processo de reparo de fraturas.
Como foi visto, a vitamina D refere-se a dois precursores biologicamente inertes ou pró-hormônios: a vitamina D2 (ergocalciferol) e a vitamina D3 (colecalciferol) que possuem comportamentos semelhantes. Dessa maneira, a vitamina D deve ser convertida para hormônio ativo para assim ser capaz de exercer suas funções fisiológicas e, para isso, é transportada no sangue através da proteína de ligação da vitamina D (PLD) para o fígado. No fígado, é hidroxilada e resulta na formação de 25(OH)D.
• Vitamina D e os Rins:
A produção de vitamina D é um processo que depende parcialmente dos rins. Nesse processo, o calcidiol, que está ligado a PLD, caminha para o rim para que haja uma filtração junto com as diversas moléculas. Assim, depois de filtrado, essa molécula é reabsorvida no túbulo proximal via endocitose que é mediada por receptores.
Após todo esse processo, o calcidiol vai ser hidroxilado no túbulo renal proximal por uma enzima chamada de 1-alfa-hidroxilase e vai ser transformado em calcitriol ou 1,25-hidroxivitamina D3, forma hormonalmente ativa da vitamina D que vai agir sobre os receptores em diferentes órgãos alvo.
A síntese que ocorre nos rins é uma etapa fortemente regulada devido a sua potente atividade na homeostase do cálcio. Assim, esse íon na dieta pode regular vitamina D diretamente através de mudanças nos níveis séricos e, indiretamente, alterando os níveis de hormônio da paratireóide (PTH). A 1-α-hidroxilase pode ser suprimida por outros fatores, tais como fósforo e acidose metabólica crônica. No entanto, elevados níveis de cálcio em circulação e fator de crescimento de fibroblastos-23 (FGF-23) são capazes de suprimir diretamente a atividade da 1-α-hidroxilase renal, através da regulação da transcrição do gene da hidroxilase-α, e indiretamente através da supressão de PTH através de mudanças mediadas por AMPc.
Há algumas situações em que os rins não vão conseguir desempenhar o papel no processo de síntese parcial do calcitriol e, uma delas, é no processo de doença renal crônica.
Como vimos anteriormente, o rim é o principal órgão envolvido na produção de formas bioativas de vitamina D a partir de precursores. Dessa maneira, a doença renal crônica é um importante fator de risco para o desenvolvimento de deficiência de vitamina D.
Há vários mecanismos que fazem com que a 1,25(OH)2 D fica reduzida durante a DRC, começando com a diminuição da disponibilidade do 25(OD)D - substrato para a produção de 1,25(OH)2 D26-28. Assim, uma redução na taxa de filtração glomerular (TFG) limita o fornecimento de 25(OH)D para a enzima 1-α-hidroxilase no túbulo renal proximal, limitando assim a capacidade do rim em produzir a 1,25(OH)2 D. No inicio da DRC os níveis do hormônio fosfatúrico FGF-23 aumentam devido a resposta à retenção de fosfato, que também suprime a produção de 1,25(OH)2 D.