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Academic year: 2021

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Ensaio sobre a comunicação nas redes sociais -

alteridade e tecnologias de comunicação

Lauren Ferreira Colvara Pós Doutora em Comunicação e Semiótica (PUC-SP), Doutora em Psicologia Social pelo Instituto de Psicologia USP com a pesquisa “Tecnototemismo: a subjetividade tecnológica” e Mestre em Comunicação Midiática pela UNESP/Bauru. Pesquisadora do FiloCom (Núcleo de Estudos Filosóficos da Comunicação) – ECA/USP e do ESPACC (Grupo de Pesquisa Espaço-Visualidade/Comunicação-Cultura). Email: laucolvara@gmail.com

Resumo

Este ensaio trata da perocupação com estudos e afirmações sobre a sociabilidade das redes sociais. Estar na rede não é comunicar, mas estar no risco de uma quase comunicação que é afastada por um enquadramento existencial e de visibilidade. Dentro do referencial da Nova Teoria percebe-se que as redes sociais são meramente informacionais e que alimentam um narcisismo.

Palavras-chave

Comunicação; Alteridade; Narcisismo; Redes Sociais; Subjetividade.

Abstract

This essay deals with the perocupação studies and statements about the sociability of social networks. Be on the network is not communicating, but being in risk of almost communication that is removed by an existential framework and visibility. Within the New Theory reference it is clear that social networks are merely informational and feeding a narcissism.

Key words

Communication; Otherness; Narcissism; Social Networks; Subjectivity.

Introdução: de que comunicação estamos a falar

O tema deste ensaio se dedica a qualidade da comunicação nas redes sociais, pretende-se assim vivenciar a construção da imagem do Outro/alteridade nestes ambientes sociais.

A comunicação deve ser vista como um acontecimento em que o sujeito está cercado de sinais e informações. Para ser uma comunicação esta informação deve alterar algo nele, em sua produção de sentido. Desta forma, entende-se que o estudo da subjetividade é o início, mas não o fim de uma pesquisa em comunicação.

O sujeito interage com seu ambiente não apenas em nível consciente e objetivo, mas também em emissões pessoais, intencionais ou não, para atrair a atenção do Outro e assim estabelecer o que chamamos de comunicação. Portanto, o que vemos como noções de ideal, de mundo, de eu e de comunicação são colocados em cheque dentro desta perspectiva.

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A linha mestra do acontecimento comunicacional parte da emissão de sinais. Ao tempo todo estamos sinalizando, isto é, simplesmente “estão aí” como já havia dito Husserl. No entanto, quando percebo algo, quando isto se torna algo no mundo, torna-se informação. Não bastam haver as revistas na banca de jornal, elas precisam ser lidas, nem que sejam para serem esquecidas depois. Analogamente estão os perfis em redes sociais. As fotos estão lá, isso não quer dizer que se saiba o perfil ou mesmo se conheça a pessoa. Apenas informam uma possível existência, informam algo, mas não comunicam.

Para haver isso que chamamos de comunicação, que se difere de meras trocas de informações, seria necessário um salto qualitativo. E este seria uma percepção, algo que muda por estar em contato com o Outro ou com a cena comunicacional. A informação seria transformada, não sendo apenas aquilo que passa por uma racionalidade, mas que provocaria um sentido. A comunicação seria o que toca aos sentidos, o que altera a produção do sentido e que haja um impacto subjetivo. Para tanto, tal situação é carrega de tensão.

A partir de Geertz (1989) estabeleceremos um paralelo a fim de esclarecer nosso ponto de vista da pesquisa em comunicação. Em Interpretações da Cultura, o autor procura alertar o pesquisador sobre uma descrição densa que seria a observação não apenas “dura” da cena, mas que haja envolvimento do pesquisador com o acontecimento que ele procura interpretar. Geertz escreveu contra a redução da cultura a um campo muito restrito ao que realmente ela ocupa. Embora seu conceito de cultura fosse essencialmente semiótico, isto é, “que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assim assumo a cultura como sendo essas teias e sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura de significados.” (IDEM, 1989, p. 4)

Paramos de concordar com Geertz no momento da interpretação, mas ainda podemos usá-lo para falar sobre o movimento, o momento, o acontecimento. Embora o autor fale das teias culturais e vivenciais a serem interpretadas, aqui falamos das teias comunicacionais, do que é constituído em um “entre” (atmosfera comunicacional) que se faz no ranger do eu e da Alteridade. Reforço no que é constituído e não no que é interpretado.

Continuaremos só mais um pouco com Geertz, pois ele trará à tona outra questão, a da “descrição densa”. Apesar da expressão não ser sua, Geertz usa o mais do que conhecido “episódio da piscadela” para dizer que apenas com uma observação “fenomenalista” é que se poderia dizer se o movimento era tique involuntário ou havia algum sentido. Isto é, se havia algum tipo de comunicação no gesto. Delimitando assim dois planos: a descrição superficial (o que se está fazendo) e a descrição densa (e o que se está fazendo com o que se faz). E o objeto da etnografia é exatamente o segundo caso, o que se faz com aquilo que se está fazendo, isto é, quais são as teias de sentido permeadas pelo cultural que um gesto, uma ação, um acontecimento tem.

Para Geertz, o etnógrafo enfrenta “uma multiplicidade de estruturas conceituais complexas, muitas delas sobrepostas ou amarradas, umas às outras, que são simultaneamente estranhas, irregulares e inexplicáveis, e que ele tem que, de alguma forma primeiro apreender e depois apresentar” (IDEM, 1989, p.8) Portanto, o fazer etnografia é a tentativa de ler (no sentido de “construir uma leitura de”) algo estranho, em um manuscrito em que haverá incongruências, elipses, assim como aquilo que acontece diante do etnógrafo.

Embora Geertz e Marcondes Filho concordem que seus objetos tenham movimento próprio (cultura e comunicação) e não passível de um enquadre prévio, a diferença fundamental está que no registro do acontecimento não haverá tentativa de construção de leitura, mas uma mera exposição daquilo que se está acontecendo no entre, “é o momento da comunicação, em que a faísca é provocada pelo encontro de duas instancias: a palavra e a coisa.” (MARCONDES FILHO, 2009, p.110)

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A comunicação é um processo, um acontecimento, que se dá neste atrito do entre. Não há uma transmissão direta do que se diz e do que se recebe, pelo contrário, o que se recebe nunca é o que foi dito. A comunicação se realiza nas transformações dos sinais em informação, e da informação em comunicação. Não é naquilo que é ritualizado, ou seja, não é apenas no nível da linguagem, porque isso poderia ser apenas um mascaramento do eu diante do Outro. O racionalizado que impede o sensível de emergir. O racional que controla e diz como se deve ser e como se deve expressar.

Neste momento insere-se a questão tecnológica. Se emitimos sinais em nossa vida cotidiana e interpessoal esperando (in)conscientemente o acontecimento comunicacional, o que acontece na virtualidade tecnológica em que a sinalização é imperativa e o fluxo de troca de informações é frenético? Questiona-se se há comunicação na rede, pois o que parecia ser apenas um aprimoramento de técnicas traz esta deturpação neste esboço da constituição da comunicação.

Entende-se que a procura de uma comunicação interpessoal mediada pela tecnologia é uma comunicação entre aspas. Porque percebe-se que as redes sociais são estratégia para um alívio da solidão, uma incapacidade de ficar só. No entanto, o que também é percebido, é certa radicalidade e baixa tolerância a frustração, transformando a presença do Outro em antisséptica e livre de tensões, dificultando, assim, a criação de qualquer atmosfera comunicacional.

A partir do momento que este Outro começa a me angustiar, fecho a janela, interrompo o processo de troca que no face a face me traria certas dificuldades de findá-lo. O que se evita é o olhar do Outro, ver a face do Outro, o instante do contato não verbal, corporal, esta instância do incerto que atualiza e contesta o eu.

É quase uma neutralização do vinculo, deixando apenas uma vontade, algo quase metafísico de experiência. O que se faz com o desejo não importa mais, importa é estar visível, sinalizando, tentando existir. Retoma-se a afirmação: o desejo não importa mais, porque submete-se a um formato rígido de expressão, a um modo específico de existência. As redes sociais são formulários de enquadramento em que afetos e imagens são colocados para caber e se adaptar a um olhar imaginado, idealizado.

Ao lançar a hipótese de que as redes sociais não comunicam, ou que pelo menos dificultem mais que do auxiliam na comunicação, pois criam a ilusão de uma comunicação. Tentamos assim demonstrar que há uma característica antissocial nos usos da rede. Pois, o necessário salto qualitativo e significativo das trocas de informação é dificultado pela fixação na representação, na encenação enunciativa que se faz nas plataformas ditas de sociabilidade.

A própria definição do que vem a ser rede social instiga ainda mais a discussão: “Uma rede social é definida como um conjunto de dois elementos: atores (pessoas, instituições ou grupos; os nós da rede) e suas conexões (interações ou laços sociais).” (WASSRMAN e FAUST, 1994; DEGENNE e FORSE, 1999 apud RECUERO, 2009, p.24)

A sociabilidade fica restrita ao âmbito de meras trocas de informação [mensagens, posts, comentários]. Conhecer pessoas é tê-las numericamente em seu perfil virtual, é o agregar sem haver trocas ou poucas trocas no face a face. As trocas são informacionais, mesmo quando se fala de intimidade ou se mostra certa intimidade, são explosões informativas1 que não entra em qualquer dinâmica de alteridade. O reconhecimento é mais ligado a quantidade do que a qualidade das relações. O ser gostado (valor afetivo) se transforma no ser colecionado, comentado e visitado.

Enquanto que a expressão ator é colocada como elemento da rede social e

1 Hayles, Katherine (2002)

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representada pelos nós (ou nodos) 2. Isto é, elas são conforme a sua interação e constituição de laço social. No entanto, a própria autora já admite que os atores sociais sejam constituídos de forma diferente na internet, porque há o distanciamento entre os envolvidos na interação social, eles não são “imediatamente discerníveis” 3

Estes atores são vistos através de suas “expressões sociais” de sua personalidade ou individualidade.

O que se percebe, é uma redução da preocupação com a qualidade da comunicação não apenas nas redes, mas também nos estudos sobre as Redes. Estes entendem que “o processo de sociabilidade está baseada nas impressões que os atores percebem e constroem quando iniciam sua interação” 4

E a interação representa um processo sempre

comunicacional5, afirmação esta já refutada no início desta argumentação. A interação para Recuero (2009) é uma ação que tem reflexo comunicativo quente indivíduo e seus pares, como reflexo social. Entendendo assim que a interação tem um caráter social perene e diretamente relacionado ao processo comunicativo. No entanto, a autora deixa de lado a qualidade deste contato. Não é porque se está interagindo que é uma mudança qualitativa neste processo. Pedir uma informação e Outro interagir comigo não quer dizer que houve um processo de comunicação, mas apenas uma troca de informação. O mesmo acontece nas redes sociais, não é um post que vai conectar uma pessoa a outra, mas a produção de sentido provocada ali. Isso quer dizer que nem tudo é construído pela mediação do computador, como afirma Recuero, existe uma instancia da percepção, do humano, do acontecimento.

Portanto, o que se percebe neste panorama tanto a comunicação (e uma das linhas que a aborda) como o Outro se encontram reduzidos em sua dimensão alteritária, é um misto de quantificação de fluxos e os reflexos de uma idealização e eu e um pretendido olhar do Outro.

O que se observar com uma leitura é que este eu (subjetividade) é um eu como unidade-imagem em construção, transformação e atualização constante por plataformas virtuais. É observando as sinalizações deste eu é que se evidenciará a presença do Outro, isto é, da construção de um suposto olhar externo. Colocamos em duvida se há uma relação de alteridade, relativizando assim o acontecimento de uma comunicação. A simples visita já é uma informação, porque é contabilizado como sinal captado e a postagem e/ou comentário também se trata de uma informação. Não se procura o salto comunicacional, porque assim, corre-se o risco da comunicação, do desconforto da alteridade.

Neste momento se faz importante a compreensão do que é o narcisismo em termos de formação da subjetividade. Isto é a compreensão dos investimentos psíquicos feitos pelo sujeito são registrados simbolicamente, isto é, como é significado e associado.

O Narciso é o elemento motor e protótipo de todas as relações deste eu com o Outro e o mundo externo. É o privilégio do discurso do eu em detrimento do Outro – “ama o próximo como este te ama” (FREUD, 1930, p.132). O narcisismo é a forma de investimento libidinal voltado para o eu (narcisismo primário), e o eu por sua vez, a ser constituído numa relação com o Outro (narcisismo secundário). A resistência do eu é em ser confrontado com o diferente, com o não eu, o outro, o inicio da alteridade. Mas o eu resiste, não suporta ser confrontado, então, tira do objeto características e incorpora a si.

A passagem para o narcisismo secundário é a conquista da alteridade, o vencimento da resistência daquilo que é diferente e traz o corte do real. Na busca do narcisismo secundário o sujeito busca o objeto, busca o que está fora, o investimento deixa de ser direcionado ao interno (libido narcísica) para ser ao externo (libido do objeto).

2 Recuero, Raquel (2009) p.25 3 Idem, p.25 4 Idem, p.29 5 Idem, p. 31

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O processo de sociabilidade pode ser descrito como a busca do sujeito em suprir suas necessidades e garantir o laço afetivo-sexual (Eros), mas para isso é necessário o controle da agressividade (tolerância a frustração). A conquista que o sujeito deve aprender é a referencialização de que a vida pelas provas de realidade, e a alteridade, a dinâmica do eu para o Outro.

A conquista da alteridade, desta relação eu-outro, é a experienciação que as fantasias e idealizações em relação ao outro não podem ser totalmente realizadas. Há a interdição, existe o laço social. O vínculo patológico daria-se ao apontar o Outro como fim e não como meio, criando assim a dívida eterna simbólica, a tensão entre o eu e o Ideal de eu. A conquista da alteridade se traduz na apreensão da referencialização da vida pelas provas de realidade, e a alteridade, a dinâmica do eu para o Outro.

É neste interjogo de forças entre o eu e Outro que se dão as manifestações do vazio, das imagens, das angustias. É nesta busca pelo Outro não em vida, mas em morte (virtualização) é que há o maior paradoxo da tecnologia comunicacional: há o desejo de comunicar, mas ele não é atendido, portanto, se comunicar torna-se um risco. Há algo de denso, algo que mexe e fere o eu, por isso o esconderijo por imagens, tanto técnicas quanto fantasmáticas. O próprio eu se torna estranho.

O sujeito é sempre algo parcial e que é completado pelo fantasma virtual tecnológico. Ver o que falta na realidade é sentir a subjetividade. Confrontar a subjetividade é se relacionar com o Outro e se relacionar com o Outro é comunicar. Ao (re)inventar o espaço, se expressando por estas vias, ele reinventa-se a si e ao espaço, fundindo-se sonho e realidade, porque não há um corpo para o atualizar em sua carne. Não há o obstáculo.

O narcisismo como ponto de partida é para chegar na constituição de uma lei. A lei da inversão do contato com o Outro. O corpo passa a ser um registro indigno fadado a desaparecer. O mundo imaterial oferece a eternidade.

O Ciberespaço é o modo de existência integral, com linguagens, culturas, utopias. Mundo real e imaginário, de sentidos e valores que só existem a partir do cruzamento de milhões de computadores que colocam provisoriamente em contato indivíduos afastados no tempo e no espaço e que, às vezes, nada sabem uns dos outros. Mundo onde as fronteiras se confundem e onde o corpo se apaga, onde o Outro existe na interface da comunicação, mas sem corpo, sem rosto, sem outro toque além do teclado do computador, sem outro olhar além do da tela. Livre das coerções corporais habituais, em um mundo simplificado cujas chaves são fáceis de manipular, o viajante virtual conhece realmente um mundo fictício, sente fisicamente um mundo sem carne. Nesse universo sintético, o jogo com as situações produz todas as aparências da verdade, sem o ônus da prova e podendo viver inúmeras atividades inéditas. Apenas de sua reduzida mobilidade, o individuo vive uma plenitude sensorial que a sociedade não lhe proporcionaria com tanta generosidade. Ele se desloca concretamente em um universo constituído. Ao dissociar corpo e experiência, ao tornar irreal a relação com o mundo e transformá-la em relação com dados, o virtual legitima, aos olhos de muitos internautas (ou defensores radicais da inteligência artificial), a oposição essencial entre espírito e corpo, levando ao fantasma de uma onipotência do espírito. A realidade virtual está aquém e além do corpo, esse é o passivo mesmo se ecoa inúmeros efeitos de sensações e de emoções provocadas por imagens. (LE BRETON, p. 127-8)

Esta nova forma de subjetivação que traz as redes sociais deve e precisa ser avaliada e investigada. Em como há esta configuração de sujeito e como estas novas relações se dão. Por

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isso, vemos que o caráter singular e plural da existência é quase suprimido pela metástase da

imagem. Esta presença excessiva tanto de um Outro como do eu traz uma incapacidade de

responder e compreender todas as informações que o circundam. Isto seria a reprodução frenética de fragmentos de representações, quase como objetos parciais, primitivos na constituição subjetiva do sujeito. A imagem que se cria é cancerígena, e impede e destrói a formação da imagem, em termos bergsonianos.

O que se percebe é que com o idealizado o sujeito passa a se mais referir ao que aparenta ser, isto é, o parcelamento da subjetividade que na ânsia de alcançar uma realização que não consegue na realidade objetiva ou mesmo em sua própria idealização, o que representa a possibilidade do aparentar e o ser confundidos, amalgamados, é o reino das aparências.

Este Outro é tratado como um reflexo especular, em que se agregam coisas imaginadas e elas “colam” nesta imagem, paralisando, congelando, representando. A percepção do Outro enquanto corpo não é suportada, é uma unidade que vai além da percepção. O que se vê é que com a virtualidade tecnológica é a instância virtual do sujeito em crise, e que por sua vez reflete em sua sociabilidade e na própria sociedade. A descorporificação do Outro potencializa um aspecto de delírio, em que o sujeito vive a fantasia, o subjetivo e não consegue ter um momento mais “palpável” através do corpo. Este eu vive a fantasia do corpo dividido entre uma realidade objetiva com dificuldades físicas (transito, trabalho, dinheiro, ditames estéticos) e uma potencialidade de criação e de vivencia dos ideais, e este dilema se sobrecarrega em direção a Alteridade. Os indícios de baixa tolerância a frustração em que o sujeito determina que o Outro deve ser, como ser e a obrigação de obedecer ao seu prazer, inverte e reduz a incerteza, a tensão que a Alteridade e a comunicação trazem ao sujeito.

O Outro está num nível identificatório: é o que sinaliza também, mas é “inalcançável”. O Outro está distante, mas mesmo assim deixa marcas de sua presença na estruturação por meio da identificação forçada por aquilo que é montado pelas redes sociais. Traduzindo: as redes sociais funcionam por mecanismo de identificação, o que desta forma, agencia afetos, expressões e semânticas, conseqüentemente, a produção do sentido. A identificação como mecanismo psíquico diz como se deve desejar e o que se deve desejar para entrar em uma estética de existência e assim pertencer.

O processo de sociabilidade está diretamente ligado ao processo civilizatório: são figuras passíveis de racionalização, isto é, elementos [sinais] que podem ser compreendidos por qualquer um. Para tanto é necessário “perder algo” para entrar neste processo hegemônico chamado sociedade, e este algo é o desejo. Ele tem que ser barrado, ele tem que se tornar algo socialmente aceitável.

No entanto, nos perfis é percebido que este “perder algo” se tornou “ganhar algo”, o que antes era privado e íntimo do sujeito torna-se público. Ganha-se a possibilidade de transmutação contínua sem passar pelo sofrimento do corpo, assim, a possibilidade do pertencer é ilusória. O mal estar da angústia da incerteza da aceitação é substituída pelo bem estar e segurança do narcisismo. O Outro não me atinge, apenas me reflete a imagem que eu quero idealizar. A tela do computador é o espelho do Narciso e a ninfa Eco se torna as redes sociais que apenas ecoam esta paixão por narciso.

Tanto que na própria definição de interação, utilizada por uma das correntes vigentes, baseia-se na troca quantitativa de mensagens e não qualitativa:

A interação é, portanto, aquela ação que tem um reflexo comunicativo entre indivíduos e seus pares, como reflexo social. Os autores entendem que a interação, pois, tem sempre um caráter social perene e diretamente

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relacionado ao processo comunicativo. [...] Estudar a interação social compreende, deste modo, estudar a comunicação entre os atores Estudar as relações entre suas trocas de mensagens e o sentido das mesmas, estudar as trocas sociais dependem, essencialmente, das trocas comunicativas”. (RECUERO, p. 31, 2009)

O que é replicado na rede, em explosões de sinais são reflexos (representação) e não imagens. Os sinais são para o Ego e não para o Alter. Sem este olhar do Outro, o eu se perde, procura uma forma e uma fôrma. A imagem do eu não se constitui, continua estilhaçada como uma ferida narcísica. Ferida esta que faz com que o sujeito não aceite o Outro, não aceite um tempo que seja diferente do seu próprio. Ele se paralisa e paralisa o outro para impedir qualquer incerteza. Corre-se, assim, o perigo da imagem deste sujeito se congelar e se tornar uma representação, um falso self.

Os sujeitos unem-se em torno de algo comum, e este algo é o aparecer, definindo assim o que é publicamente valioso, bem como os modos com que se integra e se distingue o sujeito na sociedade. É a ampliação de expectativas e até certo ponto uma nova maneira de ser. Sendo assim, as visões de comunicação e sociabilidade devem ter em consideração estas mudanças na subjetividade, configurada pela tecnologia, de que o sujeito depende daquilo que se possui ou daquilo que se pode possuir.

Por isso, com a fragmentação do sujeito, sem o Outro (a alteridade), sem a comunicação, o que resta são estes pequenos fragmentos consumíveis de informação, que criam pequenas pseudo-alteridades, que o vinculam a aparentemente a sociedade. E esta forma de vinculação é coloca sujeito como representação, “coisificado” nas relações, nos afetos, abrindo um vazio existencial.

O sistema vinculativo antes dado pela diferença e pela dialética eu/Outro, agora se faz presente na fragmentação, na segmentação das várias identidades desempenhadas pelo sujeito, isto é, por uma falta identificação em que as relações sociais e as representações de alteridade.

Essas questões remetem diretamente em como a individualidade deu forma às ações e como os vínculos sociais foram afetados, isto é, a comunicação. As regras e o modo de agir se desintegraram dentro de uma rede tecnológica social. Estas são manifestações dessa cultura tomada pelo excesso para suprir o vazio do sujeito, resultando em uma realidade construída com base em ideais difusos (pseudo-alteridades) em que o individualismo parece ser a única saída possível para a proteção de um ego fragilizado.

Ao atestar esta modificação das possibilidades de interação, isto é, eu- outro, modifico assim os campos da experiência. Sibilia (2004) sugere que a experiência subjetiva tem 3 dimensões ou perspectivas descritivas: 1) Nível singular – a análise focaliza a trajetória única de cada indivíduo; 2) nível particular – detecta os elementos comuns aos sujeitos mas não a todos eles (a interioridade seria um bom exemplo deste tipo de atributo subjetivo, pois se trata de uma construção histórica); 3) Nível universal característica comuns a todos da espécie humana, tais como a inscrição corporal da subjetividade e a sua organização por meio da linguagem.

Ao passar de nosso texto percebe-se que estas instâncias e os espaços de sociabilidade interpessoal tornam-se perigosos, porque ampliam os limites e ameaçam o conforto da acomodação provocando uma acomodação comunicativa. A transformação dos espaços está diretamente ligada à mudança da intimidade. A reatualização de si acontece pela imagem, não chega à fase do olhar do outro.

Apesar de Sibilia teorizar sobre o homo psychologicus, que seria o sujeito que aprendeu a organizar suas experiências em torno de um eixo situado em sua complexa “vida

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interior”. Concorda-se em termos com ela, pois o que queremos contestar é exatamente esta “vida interior” em termos de construção de imagem, relação de alteridade e as constituições de leis.

Discorda-se de Sibilia, a autora aponta que a subjetividade estaria estruturada em torno do corpo, que se tornaria mais um objeto de design epidérmico do que um suporte para um “espaço interior” que deve ser ouvido por meio de complexas técnicas introspectivas. Trabalhar-se-a com a questão do corpo, mas adianta-se que pela metástase da imagem, que se dissertará sobre a questão da não formulação de um corpo físico, por exatamente, estar-se preso a uma imagem de um ideal de eu. A vivência não atravessa mais o corpo e as sensações, mas estabelece-se algo em torno de uma “acorporalização racional e asséptica”. Logicamente que é um processo ligado ao (não) desenvolvimento do narcisismo secundário. Pode – se argumentar em torno das questões de imagens: Orkut, facebook, MSN... mas não há imagem real, mas sim performances. Olha-se mais para si, do que para o outro, com a voz não há delete, não há reversibilidade. Por isso, não há corpo, mas representações.

Pode se estar disponível sem saber. Assim se refaz a pergunta: O que é o Outro? Porque pode ser o outro para aquele que o eu valoriza na intencionalidade. Assim, o agir é assumir o tempo presente e estabelecer uma relação com a auto existência; é um ato que exige luta, esforço. A disponibilidade do ser torna-se a manifestação do que se é. O sujeito é afirmativo mas diferente do planejado, não há como planejar. É uma arrumação de tempos em tempos para permitir a existência.

Entende-se que este ensaio pertence a uma condição não explorada dos meios de comunicação e/ou de suas relações eu-Outro. Este posicionamento evita a cristalização de um “conhecimento a cerca de” (grau mínimo de abstração) e do “o conhecimento de” (vivido na relação de observar) no que se refere à dinâmica das relações dentro das redes sociais virtuais. Tal procedimento só é possível quando concebemos que o observador e o observado são vividos num mesmo momento vivencial, que se manifesta num plano de comunicação com elementos que articulam o processo contínuo de produção de sentido.

Referências

FREUD,S.Sobre o Narcisimo: uma Introdução. ESB, vol.XIV. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1990(1914).

HAYLES, Katherine Redes metafóricas em Lexia to Perplexia In: MIRANDA, José A. Bragança (org) crítica das ligações da Era Técnica. Cidade do Porto: 2002

MARCONDES FILHO, Ciro Até que ponto, de fato, nos comunicamos? São Paulo: Paulus, 2007

MARCONDES FILHO, Ciro (org) Dicionário da Comunicação São Paulo: Paulus, 2009 RECUERO, Raquel Redes sociais na internet, Porto Alegre: Sulinas, 2009

SIBILIA, Paula O homem pós-orgânico: corpo, subjetividade e tecnologias digitais, RJ: Relume Dumará, 2002.

Referências

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