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A aposentadoria do serralheiro

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Academic year: 2021

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(1)

A aposentadoria do serralheiro

Roberto Ribeiro Paterlini1

1

Introdu¸

ao

H´a algum tempo estava em casa lendo prazerosamente “Um Poeta, um Matem´atico e um

F´ısico”, quando algu´em bateu `a porta. Era o Sr. Alcides. Recebi-o com um misto de surpresa

e curiosidade. Ele ´e um dos mais antigos serralheiros da cidade, conhecido por sua competˆencia

e pelo capricho e criatividade com que exerce sua profiss˜ao.

— Prof. Roberto, come¸cou ele. Estou para me aposentar, e meu filho est´a assumindo minha

empresa. Mas antes preciso resolver um problema que muito me aflige.

— Trata-se de algum problema de Matem´atica? perguntei.

— Sim, respondeu. Na minha profiss˜ao lidei muito com r´eguas, esquadros e compassos. Apesar

de ter pouco estudo, sempre dei conta do recado. Mas existe uma situa¸c˜ao que nunca consegui

compreender a contento.

Contou-me ele que, h´a alguns anos, havia feito uma descoberta.

2

A descoberta do Sr. Alcides

Repasso ao leitor, com minha pr´opria explica¸c˜ao, o que me relatou o velho serralheiro. Contou

que, quando era jovem, lhe ensinaram como fazer vigas de sustenta¸c˜ao usando quatro barras

de ferro. As barras ficavam armadas com “retˆangulos em X”, colocados transversalmente a

distˆancias regulares. Segundo seu desenho, essas se¸c˜oes com “retˆangulos em X” podem ser

entendidas de acordo com a Figura 1.

— Ensinaram-me que as medidas desse retˆangulo deveriam estar na propor¸c˜ao de 1,5 — disse

o Sr. Alcides. Assim, se a medida menor era de 20 cm, a maior deveria ser de 30 cm. Dessa forma a viga aguentava mais peso.

O Sr. Alcides continuou seu relato contando que, depois de alguns anos, observando o

trabalho dos marceneiros na sustenta¸c˜ao de telhados, resolveu experimentar outra forma de

fazer os retˆangulos de arma¸c˜ao das vigas de ferro.

— Tirei uma das transversais, e no lugar coloquei duas barras perpendiculares `a outra

trans-versal, uma de cada lado. Para mim pareceu ser melhor que as duas barras perpendiculares

deveriam dividir a transversal em trˆes partes iguais. Achei que, dessa forma, a viga aguentaria

mais peso.

(2)

Sentido da força

Seção reforçada da viga

Figura 1.

Entendi que por “tranversal” o Sr. Alcides estava querendo dizer diagonal do retˆangulo.

Fez um desenho que traduzo para nosso leitor na Figura 2. A diagonal fica dividida em trˆes

partes de mesmo comprimento.

Proposta de novo desenho para a seção reforçada da viga

Figura 2.

— Depois disso, continuou o Sr. Alcides, fiz muitas experiˆencias e cheguei `a conclus˜ao de que

a propor¸c˜ao entre as medidas do retˆangulo deveria ser de 1,4, e n˜ao 1,5. Assim, se a medida

menor do retˆangulo fosse 20 cm, a medida maior deveria ser 28. Isso para que o esquema desse

certo.

— Fiquei preocupado em mudar o que me ensinaram. Ent˜ao fiz cuidadosamente muitos

dese-nhos, e descobri que a propor¸c˜ao ideal seria um pouco mais do que 1,4, mas nunca consegui

(3)

3

Uma explica¸

ao

Hum ... pensei com meus bot˜oes, seria 1, 4142· · · =√2 ? Fiz um desenho (Figura 3 `a esquerda)

e destaquei mentalmente um triˆangulo retˆangulo como na Figura 3 `a direita:

...... ... ...... ...... ... ...... ... ...... ... ...... ... ...... ... ... ... ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ...... ... ...... ...... ... ...... ... ...... ... ...... ... ...... ... ... ... ... a b c m n

Figura 3: Estudo da se¸c˜ao

Dentre as rela¸c˜oes m´etricas do triˆangulo retˆangulo considerei

b2 = na e c2 = ma

as mesmas usadas para demonstrar o Teorema de Pit´agoras: ´e s´o somar membro a membro.

Mas agora dividi e obtive

b2 c2 =

n m

A constru¸c˜ao do Sr. Alcides implica n = 2m, do que segue

b2 c2 = 2m m = 2 ⇒ b = c 2

Isso confirmava minha conjectura e tamb´em as supeitas do Sr. Alcides. A “propor¸c˜ao entre as

medidas do retˆangulo”, como se expressava ele, era exatamente 2, portanto um pouco mais

do que 1,4.

Expliquei tudo ao Sr. Alcides. Conversamos sobre semelhan¸cas de triˆangulos retˆangulos e os

mist´erios de2. Despedimo-nos, ele muito feliz por ter confirmado algumas de suas percep¸c˜oes,

e eu muito contente por conversar com algu´em que apreciava a geometria.

4

A hist´

oria continua mais um pouco

Voltei `a minha leitura de “Um Poeta, um Matem´atico e um F´ısico”, mas logo a interrompi.

Fiquei pensando: j´a vi isso antes. H´a algum tempo que n˜ao leciono C´alculo Diferencial e

Integral, mas sabia que ali encontraria o que procurava. Peguei um livro e o abri na se¸c˜ao de

m´aximos e m´ınimos. L´a estava:

Se uma viga de madeira ´e fixada horizontalmente pelas suas extremidades, ent˜ao o peso m´aximo que ela pode suportar no seu ponto m´edio ´e proporcional (pelo menos aproximadamente) `a

(4)

...... ... ...... ... ...... ...... ... ...... ... ...... ... ...... ... ... ... .... ... ... ... ... .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. .. .. ... ... ... ... ... ... ...... ... ...... ...... ...... ......... ... ... ... ... ... ... r (x, y)

Figura 4: O problema da viga

largura e ao quadrado de sua altura. Se uma viga ´e tirada de uma tora cil´ındrica de madeira de raio r, qual deve ser sua largura e sua altura para maximizar o peso que ela pode suportar?

Fiz o desenho da Figura 4. A circunferˆencia de raio r representa uma se¸c˜ao da tora cil´ındrica.

Portanto o v´ertice (x, y) do retˆangulo satisfaz `a equa¸c˜ao x2+ y2 = r2. A largura do retˆangulo ´e

2x e sua altura, 2y. Assim a fun¸c˜ao que d´a o peso m´aximo ´e k(2x)(2y)2 = 8kxy2. Substituindo

y2 por r2− x2 obtive 8kx(r2− x2). Dessa forma o problema se reduziu a encontrar o ponto de

m´aximo da fun¸c˜ao f (x) = 8kx(r2− x2) no intervalo fechado [0, r]. Calculei as derivadas

f0(x) = 8kx(r2− 3x2) e f00(x) =−48kx

Vi que f0(x) = 0 para x = r/√3 e que f00 < 0 nesse ponto. Como f (0) = 0, f (r) = 0 e f (x) > 0

para os outros valores de x, ent˜ao x = r/√3 ´e ponto de m´aximo, e ´e ´unico. Substituindo esse

valor de x em x2+ y2 = r2 obtive y = r2/3.

Conclu´ı que a largura do retˆangulo que maximiza o peso que a viga pode suportar ´e 2x =

2r/√3 e sua altura ´e 2y = 2r√2/√3. Para esses valores observei que:

2y 2x = 2r√2/√3 2r/√3 = 2

Obtive a mesma propor¸c˜ao entre o lados do retˆangulo intuida pelo Sr. Alcides.

Para encerrar minha an´alise, s´o faltava responder `a seguinte quest˜ao: se o Sr Alcides

co-nhecesse esse problema de C´alculo ele poderia concluir que, no retˆangulo de arma¸c˜ao da viga

de ferro, as barras perpendiculares deveriam dividir a transversal em trˆes partes de mesmo

comprimento?

Para responder isso re-examinei a Figura 3, mas agora supondo que b = √2c. Usando as

mesmas rela¸c˜oes m´etricas no triˆangulo retˆangulo

b2 = na e c2 = ma vale que n m = na ma = b2 c2 = 2 ⇒ n = 2m

(5)

Portanto a barra perpendicular de cima intercepta a diagonal na primeira ter¸ca parte. Usando

o outro triˆangulo retˆangulo se vˆe que se pode concluir o mesmo para a outra barra. Tudo isso

confirmava a descoberta do Sr. Alcides.

Assim terminou aquele dia em que recebi a visita do velho serralheiro. J´a era mais de

meia-noite, e fui dormir o sono dos justos.

Posteriormente, fazendo uma pesquisa na Revista do Professor de Matem´atica, encontrei o

artigo [1], em que os autores determinam o m´aximo da fun¸c˜ao r2x− x3, equivalente `a nossa

fun¸c˜ao f (x), de trˆes maneiras diferentes, sendo duas delas sem usar t´ecnicas de C´alculo

Dife-rencial e Integral.

5

Referˆ

encias bibliogr´

aficas

[1] Carneiro, J. P. e Wagner, E., Vale a pena estudar C´alculo? Revista do Professor de

Ma-tem´atica, n´umero 53 (2004), p´aginas 18 a 21, Sociedade Brasileira de Matem´atica.

[2] Jacobs, H. R., Geometry. Seeing, Doing, Understanding. Terceira Edi¸c˜ao. New York, W.

H. Freeman and Company, 2003.

[3] Moise, E. E., C´alculo, vol. 1. S˜ao Paulo, Editora Edgard Bl¨ucher, 1972.

[4] Sotomayor, J., Um Poeta, um Matem´atico e um F´ısico: trˆes ensaios biogr´aficos por Henri

Referências

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