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CORPO EXPANDIDO: OSCILAÇÕES ENTRE A LINGUAGEM E AS INTENSIDADES

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Academic year: 2021

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MELE, Claudia. CORPO EXPANDIDO: OSCILAÇÕES ENTRE A LINGUAGEM E AS INTENSIDADES. PPGAC UNIRIO; PFE; Doutorado Acadêmico; Nara Keiserman; meleclaudia@gmail.com

RESUMO: Pretendo neste artigo apresentar o conceito de “corpo expandido”, para pensar nas oscilações de consciência que apresentamos durante o processo criativo. O que é chamado de “corpo expandido”, nesta pesquisa, refere-se aos estados ampliados de consciência, quando entramos em contato com percepções múltiplas, oscilações, que ampliam a consciência para um olhar subjetivo, nomeado por Huberd Godard como um olhar subcortical. Para o pesquisador, um olhar subcortical, subjetivo, seria o qual a pessoa se funde no contexto e não há mais separação sujeito/objeto. Em contraponto, um olhar cortical, está associado à linguagem, a um olhar que analisa, reflete e avalia. Godard aponta que o ideal é poder efetuar idas e vindas entre essas percepções que, nos seus extremos, seriam o bloqueio em um olhar objetivo ou o transe completo. Pretendo pensar, neste artigo, essas idas e vindas entre esses polos, que são múltiplas, entre o olhar cortical e subcortical, como justamente o lugar onde se apresenta a possibilidade da criatividade e da expressão do corpo expandido.

Palavras-chave: Corpo expandido; Consciência; Performance; Criatividade

ABSTRACT: In this article I intend to present the concept of “expanded body” to think of the oscillations of consciousness that we present during the creative process. What is called the “expanded body,” in this research, refers to the expanded states of consciousness, when we can get in contact with multiple perceptions, oscillations, that expand the consciousness into a subjective look, named by Huberd Godard as subcortical look. For the researcher, a subcortical, subjective look, would be which the person merges in the context and there is no more subject / object separation. In contrast, a cortical look is associated with language, a look that analyzes, reflects and evaluates. Godard points out that the ideal is to be able to effect comings and goings between these perceptions, which, in their extremes, would block an objective look or a complete trance. I intend to think, in this article, about these comings and goings between these poles, which are multiple, between the cortical and subcortical gaze, as precisely the place where the possibility of creativity and expression of the expanded body is presented. Keywords: Expanded Body; Consciousness; Intuition; Creativity

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CORPO EXPANDIDO: OSCILAÇÕES ENTRE A LINGUAGEM E AS INTENSIDADES

Claudia Mele

Em seu livro “Entre o ator e o performer” (2013), o ator e pesquisador Matteo Bonfitto narra a experiência que teve ao participar da performance de Marina Abramovic “The Artista Is Present” ocorrida em 2010 no MOMA- Museu de Arte Moderna de Nova York. A artista per-manecia oito horas por dia sentada em uma cadeira, com uma mesa quadrada e outra cadeira à sua frente, onde visitantes do museu poderiam sentar e permanecer por alguns minutos. A única ação era o contato direto entre os olhos.

Bonfitto narra as sensações que teve antes e durante o tempo que permaneceu em con-tato visual com a performer. Quando chegou ao espaço onde a artista se encontrava, chamou sua atenção a dispersão do local, invadido por luzes frias e utilizado como espaço de passagem para outras exposições. Centenas de pessoas transitavam pelo ambiente falando em voz alta e tirando fotografias, o que, para Bonfitto, comprometia seriamente a qualidade da recepção da performance. Mas, ao estabelecer contato visual com os acolhedores olhos de Abramovic, outra percepção emergiu:

O contato com seus olhos gera, com o passar do tempo, uma espécie de afunilamento do espaço e uma diluição do tempo cronológico [...]. Percebo-me em um ‘fluxo exploração’, como se esse contato Percebo-me guiasse por caminhos desconhecidos e imprevisíveis, onde cada micromovimento é percebido e absorvido pelo outro [...]. Percebo-me, então em um ‘fluxo-expansão’, gerado por esse circuito que alarga o horizonte perceptivo e que, através do contato direto, dissolve as fronteiras entre Eu e o Outro. Percebo-me nesse território criado pelo entrelaçamento desses fluxos, não sei exatamente onde termino e onde começa o Outro, que é permeado por forças não controláveis intelectualmente que me carregam para um lugar no qual os sentidos emergem de diferentes lógicas, não explicáveis, não traduzíveis em fórmulas ou modelos (BONFITTO, 2013, p. 90).

Podemos observar, na descrição de Bonfitto, duas experiências distintas. A primeira pro-porcionada por um olhar objetivo, que analisa as circunstâncias dadas, percebendo a dispersão do local enquanto ele se encontra como espectador da performance. A segunda, vivida através de um olhar mais subjetivo, o autor procura descrevê-la utilizando palavras como fluxos, si-multaneidade, diluição do tempo, dissolução de fronteiras e etc. Podemos associar essas duas

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percepções com as designações apresentadas pelo pesquisador Hubert Godard, referência no estudo do movimento humano, em entrevista à Suely Rolnik, sobre as características de um olhar subcortical, subjetivo, através do qual “a pessoa se funde no contexto” e não há mais sujeito/objeto, em contraponto com um olhar cortical, associado à linguagem e mais objetivo. Rolnik relaciona o olhar subcortical a um olhar que produziria um “corpo vibrátil” e o olhar cor-tical às percepções do mundo que nos levam às representações, podendo o excesso deste ser traduzido em uma “hipertrofia do olhar objetivo” (ROLNIK, 2004, p.74). Ela afirma que “entre a vibratilidade do corpo e sua capacidade de percepção há uma relação paradoxal. É a tensão desse paradoxo que mobiliza e impulsiona a potência de criação” (ROLNIK, 2006, p.13).

Ao chegar ao recinto, o olhar cortical de Bonfitto estava muito ativo. Ao se permitir en-trar em contato com a artista, o pesquisador teve a experiência de acionar níveis muito sutis de percepção abrindo seu olhar subcortical. A performer tem um longo histórico de práticas meditativas e a própria performance, era uma prática com duração muito longa, o que permitia que a artista entrasse em graus muito sutis de consciência. Ao se conectar aos olhos dela, e consequentemente, à sua respiração, Bonfitto acessou as mesmas frequências “oscilantes” de consciência da artista, o que o fez, em poucos minutos, ter a experiência que narrou. O autor se viu em um “entrelaçamento de fluxos” permeados por “oscilações” que levavam a “labirintos de espirais” (BONFITTO, 2013, p. 91), se permitindo abrir para um estado “espelho” com a artista, que pode ter acontecido através de uma empatia torácica1.

Godard, na entrevista com Rolnik, aponta que o ideal é poder efetuar idas e vindas entre o olhar cortical e subcortical, pois, de uma certa maneira, ficamos quase sempre paralisados em uma forma de olhar mais objetiva, vendo as coisas sempre da mesma forma, capturados por uma “neurose do olhar”, que não é mais capaz de desempenhar uma subjetividade na rela-ção com o mundo. Acredito que a hipertrofia do olhar objetivo aconteça quando ficamos total-mente estratificados em nossos condicionamentos, com o fluxo energético contido pelo excesso de energia mental, impedindo o acesso a estados ampliados de consciência.

O que Godard chama de “olhar cego”, que ele associa ao olhar subcortical, diz respeito à abertura da percepção para além de uma interpretação. Refere-se à capacidade de pessoas, que perderam uma parte do olhar objetivo, e que, por conta disso, adquirem uma percepção outra, que vem de uma relação com o espaço, “menos manchado de linguagem”. Acredito que, como estamos muito condicionados, sofrendo com a hegemonia do pensamento lógico racional, quando uma pessoa perde uma parte do olhar objetivo, como menciona Godard, ela libera o fluxo para a ampliação dos seus estados de consciência.

Podemos citar a experiência da neurocientista Jill Taylor2 que teve um derrame do lado

esquerdo do cérebro, e viu, pouco a pouco, o seu entendimento da linguagem se dissolver e foi entrando em um estado de transe tão profundo, perdendo todos os seus contornos, que 1 Conceito de Jannerod, abordado por Godard na entrevista à Rolnik (p.75).

2 Um Derrame de Lucidez. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=UKEEjxi4foQ&t=27>. Aces-so em 19 de julho de 2018.

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voltou ao estágio do bebê, tendo que reaprender a andar, falar, ler. No caso dela, o lado direito do cérebro, cujas funções estão mais ligadas à intuição e ao imaginário, se tornaram prepon-derantes e a neurocientista foi aos poucos perdendo totalmente os limites do corpo e a noção de sujeito e objeto. Taylor afirma que hoje consegue efetuar idas e vindas entre o mundo obje-tivo da linguagem e o estado subjeobje-tivo, onde entra em contato com um prazer extremamente profundo, que faz parecer que encontrou o Nirvana3. Godard observa que o bebê nasce “numa

plurissensorialidade fluida. E depois, pouco a pouco, os sentidos vão se separar com a aparição da linguagem” (ROLNIK apud GODARD, 2004, p. 76). Em outro momento da entrevista, ele menciona a ideia de um vai-e-vem entre o vazio e o pleno e que isso nos leva ao intra-senso-rial, à capacidade de ir além da percepção, alcançar uma zona de silêncio que teria parentesco com um vazio,

(...)vomitar a fantasmática que sufoca o sentido para, a partir daí, atingir um estado de vazio, de suspensão, de pré-movimento, como quiser, onde esvaziamos um demasiado pleno de a priori sobre o espaço. E é a partir daí que podemos voltar a criar” (p.77).

Entendo, então, que as oscilações, estas idas e vindas, entre um olhar mais objetivo e um olhar mais subjetivo é o que possa permitir que entremos no “corpo expandido”. Podemos observar, pela descrição de Bonfitto, que ao se ver em contato com os olhos de Abramovic, sua percepção expandiu para espaços além da linguagem, permitindo que se percebesse em outros tempos e espaços, diluindo a noção de sujeito/objeto. Seu corpo entrou em uma zona das pe-quenas percepções, assim como o da neurocientista Jill Taylor. Podemos fazer relações e apro-ximações com conceitos de outros autores que propõem também oscilações entre dois polos - da significância e das micropercepções -do corpo expandido: consciência de si e consciência do corpo (José Gil); superfícies de estratificação e plano de consistência – corpo sem órgãos (Deleuze/Guatarri); produção de presença e produção de sentido (Gumbrecht). Acredito que é justamente nestas oscilações do corpo expandido que entramos em contato com a intuição e a criatividade, em percepções que se apresentam fora de condicionamentos, não mapeadas no cérebro, fundamentais para qualquer processo artístico.

3 Nirvana é uma palavra do contexto do Budismo, que significa o estado de libertação atingido pelo ser hu-mano ao percorrer sua busca espiritual. O termo tem origem no sânscrito, podendo ser traduzido por «extinção» no sentido de “cessação do sofrimento”.

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REFERÊNCIAS

BONFITTO, Matteo. Entre o ator e o performer. São Paulo: Perspectiva: Fapesp, 2013.

DELEUZE & GUATTARI. “Como criar para si um corpo sem órgãos”. In: Mil Platôs. Vol. 3. São Paulo: Ed. 34, 2008.

GIL, José. Movimento Total: o corpo e a dança. São Paulo: Iluminuras, 2005.

GODARD, Hubert e KUYPERS, Patricia. ”Buracos negros - uma entrevista com Hubert Godard”. Rio de Janeiro, O Percevejo Online, Dossiê Corpo Cênico, Vol. 2, Nº 2, PPGAC/UNIRIO, 2010, p. 01-21.

GODARD, Hubert. Gesto e percepção. SOTER, Silvia e PEREIRA, Roberto. Lições de Dança 3. Rio de Janeiro: UniverCidade, 2001. p.11-35.

GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de presença: o que o sentido não consegue transmitir. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2010.

ROLNIK, Suely. “Olhar cego – Entrevista com Hubert Godard”. In: Lygia Clark, do objeto ao acontecimento: projeto de ativação de 26 anos de experimentação corporal. Paris, 21 de julho de 2004.

ROLNIK, Suely. Cartografia Sentimental: Transformações contemporâneas do desejo. Porto Alegre: Meridional, 2006.

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