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Pesquisa em Comunicação

nos Prêmios Estudantis

do Intercom 2017

Maiara Sobral

Genio Nascimento

Adriana Omena

(organizadores)

São Paulo INTERCOM 2018

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Pesquisa em Comunicação nos Prêmios Estudantis do Intercom 2017 Copyright © 2018 dos autores dos textos, cedidos para esta edição à Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação - Intercom Diagramação e Capa Genio Nascimento Revisão Maiara Sobral Ficha Catalográfica

Pesquisa em Comunicação nos Prêmios Estudantis do Intercom 2017 [recurso eletrônico] / Organizadores: Maiara Sobral, Genio Nascimento e Adriana Omena.

São Paulo: INTERCOM, 2018, 189 p.:il. Inclui bibliografias.

E-book.

ISBN 978-85-8208-115-0

1. Pesquisa em Comunicação. 2. Prêmios Estudantis. 3. Análises. 4. Objetos I. Sobral, Maiara (org.). II. Nascimento, Genio (org.). III. Omena, Adriana (org.).

CDD: 1ª ED. 302.2

Todos os direitos desta edição reservados à:

Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação- Intercom Rua Rua Joaquim Antunes, 705 - Pinheiros

CEP 05415-012 - São Paulo - SP Tel.: (11) 2574-8477 / 3596-4777

(4)

Diretora Editorial Roseméri Laurindo Vice-diretor Editor Editorial

Iury Parente Aragão Editor associado Genio Nascimento

Presidente do Conselho Editorial Muniz Sodré (UFRJ) Conselho Editorial – Intercom

Alex Primo (UFRGS) Alexandre Barbalho (UFCE) Ana Sílvia Davi Lopes Médola (UNESP)

Christa Berger (UNISINOS) Cicília M. Krohling Peruzzo (UMESP)

Erick Felinto (UERJ) Etienne Samain (UNICAMP)

Giovandro Ferreira (UFBA) José Manuel Rebelo (ISCTE, Portugal)

Jeronimo C. S. Braga (PUC-RS) Juremir Machado da Silva (PUCRS) Luciano Arcella (Universidade d’Aquila, Itália)

Luiz C. Martino (UnB) Marcio Guerra (UFJF)

Margarida M. Krohling Kunsch (USP)

Maria Teresa Quiroz (Universidade de Lima/Felafacs) Marialva Barbosa (UFF)

Mohammed Elhajii (UFRJ) Muniz Sodré (UFRJ) Nélia R. Del Bianco (UnB)

Norval Baitelo (PUC-SP) Olgária Chain Féres Matos (UNIFESP)

Osvando J. de Morais (UNESP) Pedro Russi Duarte (UnB)

Sandra Reimão (USP)

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Sumário

Introdução

Prêmios Estudantis da Intercom se firmam como exemplo do que melhor tem sido produzido na pesquisa em comunicação no Brasil ...7

Maiara Sobral

Prêmio Vera Giangrande

Quem foi Vera Giangrande? ...12

Maiara Sobral

A análise crítica de discurso como bússola metodológica para a pesquisa de representações no jornalismo de quebrada ...13

Juliana Salles de Souza e Lilian Crepaldi de Oliveira Ayala (orientadora)

Gênero, não! Poder e normalização nos discursos jornalísticos sobre o Plano de Educação do Paraná ...30

Priscila Schran e Ariane Carla Pereira (orientadora)

Médicos para além das fronteiras: comunicação, território e o poder vinculativo da publicidade social ...48

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Prêmio Francisco Morel

Quem foi Francisco Morel? ...68

Maiara Sobral

A regionalização no telejornalismo piauiense: estratégias adotadas pela rede Clube ...69

Renan da Silva Marques e Jacqueline Lima Dourado (orientadora)

Do direito à pratica comunicacional: Casa Brasil Imbariê como dispositivo de empoderamento comunitarista ...90

Suelen de Aguiar Silva e Cicilia Maria Krohling Peruzzo (orientadora)

Gênese e desenvolvimento da política pública do direito de acesso à informação no México ...110

Ana Beatriz Lemos da Costa e Fernando Oliveira Paulino (orientador)

Prêmio Freitas Nobre

Quem foi Freitas Nobre? ...129

Maiara Sobral

Desigualdade de gênero em Guaribas-PI e o aparecer da mulher sertaneja no Facebook ...130

Tamires Ferreira Coelho e Ângela Cristina Salgueiro (orientadora)

Medium/Forma nas teorias alemãs de mídias: um exercício em arqueologia epistêmica ...148

Marcio Telles da Silveira e Alexandre Rocha da Silva (orientador)

O retrato da lenda - fotojornalismo e mistério no imaginário farroupilha ...166

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Introdução

Prêmios Estudantis da Intercom se firmam

como exemplo do que melhor tem sido

produzido na pesquisa em comunicação no

Brasil

Maiara Sobral

1

Pelo terceiro ano consecutivo, a Intercom - Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, por meio da Diretoria Cultural, divulga o e-book com os artigos finalistas dos prêmios estudantis realizados anualmente pela instituição. Os artigos deste livro foram apresentados no Congresso Nacional da Intercom realizado em 2016, na cidade de São Paulo (SP) e participaram como finalistas da edição do Prêmio no ano de 2017.

Os prêmios estudantis são divididos em três categorias: o Vera Giangrande, destinado às pesquisas desenvolvidas por graduados e recém-graduados; o Francisco Morel que premia pesquisas desenvolvidas por estudantes dos cursos de mestrado; e o Freitas Nobre dedicado às pesquisas desenvolvidas em programas de doutorado.

É importante ressaltar que foram aproximadamente 70 trabalhos indicados pelos Grupos de Trabalho (GTs), e Intercom Jr., após o término do Congresso Nacional da Intercom em 2016, em São Paulo.

1. Jornalista pela Universidade Federal do Tocantins (UFT) e mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Atua como jornalista na área de assessoria de comunicação do Instituto Federal do Tocantins (IFTO) desde o ano de 2010. Lecionou como professora convidada as disciplinas de Introdução à Fotografia e Introdução à Antropologia Cultural na UFT.

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8

Introdução

Sobral | Prêmios Estudantis da Intercom se...

Os trabalhos apresentados nesse e-book obtiveram as melhores notas, são os finalistas, que reapresentaram seus trabalhos no Congresso Nacional da Intercom, que foi realizado na cidade de Curitiba em setembro do ano passado, durante o Colóquio Acadêmico.

Seguindo esse cronograma de apresentação e premiação, todos os textos apresentados no Congresso de 2017, automaticamente, concorrem à indicação para a edição 2018 dos Prêmios Estudantis da Intercom.

Prêmio Vera Giangrande

Os finalistas do Prêmio Vera Giangrande 2016 foram os autores: Juliana Salles de Souza, Priscila Schran de Lima e Gabriel Faza Guedes de Souza.

“A Análise Crítica de Discurso como Bússola Metodológica para a Pesquisa de Representações no Jornalismo de Quebrada”, esse foi o trabalho apresentado por Juliana Salles de Souza, da Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação, sob a orientação da professora Lilian Crepaldi de Oliveira Ayala, cuja abordagem explicitou o papel da Análise Crítica de Discurso (ACD) na pesquisa de representações e ressignificações no Jornalismo de Quebrada, modelo combativo, emancipatório e híbrido localizado no âmbito da comunicação popular, alternativa e comunitária.

Com a orientação da professora Ariane Carla Pereira, da Universidade Estadual do Centro Oeste, Priscila Schran de Lima apresentou o trabalho “Gênero, não! Poder e normalização nos discursos jornalísticos sobre o Plano de Educação do Paraná”, que buscou entender como o jornalismo contribuiu e mediou o debate sobre a inclusão ou não das questões de gênero nos planos, as análises foram feitas num viés foucaultiano, a partir dos conceitos relacionados à ordem do discurso e à disciplina.

No intuito de apresentar como a campanha publicitária do Programa Médicos Sem Fronteiras é um exemplo de criação e fortalecimento de vínculos capazes de gerar vontades que podem, em alguma medida, impactar nas escolhas do sujeito social, Gabriel Faza Guedes de Souza, da Universidade Federal Fluminense, apresentou o

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Sobral | Prêmios Estudantis da Intercom se...

trabalho “Médicos Para Além das Fronteiras: Comunicação, Território e o Poder Vinculativo da Publicidade Social”, com a orientação da professora Patrícia Gonçalves Saldanha.

Prêmio Francisco Morel

Por sua vez, o Prêmio Francisco Morel contou com os seguintes finalistas: Renan da Silva Marques, Suelen de Aguiar Silva e Ana Beatriz Lemos da Costa.

Com o trabalho “A regionalização no telejornalismo piauiense: estratégias adotadas pela rede Clube”, Renan da Silva Marques, da Universidade Federal do Piauí, apresentou uma adaptação da discussão sobre implicações do processo de regionalização sobre as empresas de comunicação, sobretudo nas produções televisivas, destacando procedimentos econômicos e estratégias do grupo Rede Clube, afiliada da Rede Globo no Piauí, sob a orientação da professora Jacqueline Lima Dourado.

“Do direito à pratica comunicacional: Casa Brasil Imbariê como dispositivo de empoderamento comunitarista”, esse foi o trabalho apresentado por Suelen de Aguiar Silva, da Universidade Metodista de São Paulo e orientado pela professora Cicilia Maria K. Peruzzo. No trabalho, Suelen apresentou referenciais importantes para a compreensão do direito à comunicação no âmbito de políticas públicas, particularmente, do Projeto Casa Brasil.

Já o trabalho “Gênese e desenvolvimento da política pública do direito de acesso à informação no México” apresentado por Ana Beatriz Lemos da Costa, da Universidade de Brasília, demonstra um estudo da gênese e desenvolvimento da política pública do direito de acesso à informação no México a partir da mudança do contexto político, de reformas constitucionais e da atuação do Grupo Oaxaca, e teve a orientação do professor Fernando Oliveira Paulino.

Prêmio Freitas Nobre

Em 2016, os finalistas do Prêmio Freitas Nobre foram: Tamires Ferreira Coelho, Marcio Telles da Silveira e Andriolli de Brites da Costa.

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Introdução

Sobral | Prêmios Estudantis da Intercom se...

“Desigualdade de gênero em Guaribas PI e o aparecer da mulher sertaneja no Facebook” foi o trabalho apresentado por Tamires Ferreira Coelho, da Universidade Federal de Minas Gerais, e orientado pela professora Angela Cristina Salgueiro. Essa pesquisa analisou as possibilidades e dificuldades de construção da autonomia e da subjetivação política de sertanejas piauienses, a partir da exposição e das narrativas construídas no Facebook, mais especificamente as que residem em Guaribas-PI.

Já Marcio Telles da Silveira, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, apresentou “Medium/Forma nas Teorias Alemãs das Mídias: um exercício em arqueologia epistêmica”, que partindo da distinção medium/forma, buscou demonstrar que este é um axioma chave para as ditas “teorias alemãs da mídia” e seus teóricos, como Kittler, Gumbrecht e outros. O trabalho foi orientado pelo professor Alexandre Rocha da Silva.

“O Retrato da Lenda - Fotojornalismo e Mistério no Imaginário Farroupilha” foi o trabalho apresentado por Andriolli de Brites da Costa, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e orientado pela professora Tais Martins Portanova Barros. Essa pesquisa buscou debater a produção de fotografias jornalísticas durante a cobertura de mitos e lendas pelo jornalismo.

Com isso, destacamos exemplos do que melhor tem sido produzido na pesquisa acadêmica em comunicação nas universidades brasileiras, tanto federais, como estaduais e privadas. E esperamos que essa produção se intensifique cada vez mais para os próximos anos. Boa leitura.

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Prêmio

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Quem foi Vera Giangrande?

Maiara Sobral

Para narrar a história das Relações Públicas no Brasil, é preciso citar os feitos de Vera Giangrande. Paulista, nascida em 1931, iniciou aos 16 anos, o curso de Biblioteconomia na Escola de Filosofia Sede Sapientiae. Em 1967, com o advento da Lei Federal nº 5.377, Vera se registrou como relações públicas. A partir daí, transitou por várias funções e cargos, o que a tornaria uma das referências da área.

Ela foi a primeira mulher a obter cargo de gerência em relações públicas numa empresa multinacional, outro acontecimento que aponta o pioneirismo e ousadia de Vera aconteceu em maio de 1993, quando ela assumiu o posto de ombudsman no grupo Pão de Açúcar.

Para Vera, o segredo da profissão era saber ouvir, era preciso contrariar um pouco a latinidade e passar a ouvir. Com essa escuta atenta, ela se tornou uma profissional multifacetada, pois transitou pela comunicação mercadológica e pela docência, ressaltando as diferenças entre o bom e o mau profissional de relações públicas. Ela faleceu no dia 22 de agosto de 2000, aos 69 anos.

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A Análise Crítica de Discurso como

Bússola Metodológica para a Pesquisa

de Representações no Jornalismo de

Quebrada

1

Juliana Salles de Souza

2

Lilian Crepaldi Ayala (orientadora)

3

Um mapa-múndi do Jornalismo de Quebrada

Dentro do meio jornalístico, editorias e modelos variados diversificam angulações, tipos de fontes, formatos e objetivos. Apesar das convergências e da solidariedade editorial, a comunicação, cujo posicionamento político-ideológico apresenta-se como alternativa ao

status quo, também possui diferenciações. Em geral, denominações

como “popular”, “alternativo” e “comunitário” são utilizadas como sinônimos para designar produtos comunicacionais com caráter contra-hegemônico. Há, entretanto, oscilações conceituais entre os termos. Observa-se ainda o surgimento de novos conceitos, para abarcar novas práticas comunicacionais e jornalísticas.

1. Trabalho inicialmente apresentado no IJ07 - Comunicação, Espaço e Cidadania da Intercom Júnior – XII Jornada de Iniciação Científica em Comunicação, evento componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.

2. Jornalista recém-formada pela Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação (Fapcom) e pesquisadora vinculada ao Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação (CELACC-USP).

3. Orientadora do trabalho. Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP. Bacharel em Jornalismo e em História.

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Prêmio Vera Giangrande

Souza e Ayala | A Análise Crítica de Discurso como...

14 A denominação “jornalismo de quebrada” foi criada pelo

Periferia em Movimento4, que se propõe a produzir conteúdos “sobre,

para e a partir das periferias”5. O termo é utilizado nos cursos de extensão

e formação universitária coordenados pelo coletivo. A expressão possui uma especificidade geográfico-espacial ligada aos propósitos do coletivo de comunicação paulistano: o vocábulo “quebrada” consiste em uma gíria paulistana para falar sobre as periferias da capital paulista. De acordo com Alexandre Barbosa Pereira6 (2010), a palavra quebrada é

utilizada para

referir-se aos bairros da periferia de onde vêm, tanto por pixadores como por outros jovens, principalmente os ligados ao hip hop. Essa denominação tornou-se, aliás, bastante popular e difundida entre os moradores de bairros da periferia de São Paulo de uma maneira geral. Embora a noção de quebrada se apresente como um modo particularizado de se referir a um determinado bairro e às relações específicas entre os moradores de uma localidade, ela remete também a uma disposição de apresentar o bairro onde se vive para quem é de fora, caracterizando-o como um lugar arriscado, hostil e perigoso para quem não pertence a ele e não conhece suas regras. A quebrada é, portanto, associada também à ideia de um bairro periférico pobre com altos índices de violência, onde não se deve desrespeitar as normas de conduta. (PEREIRA, 2010, p.37)

Pereira observa ainda que o vocábulo está associado à dimensão de risco, pois “aqueles que nela residem correriam mais riscos e enfrentariam maiores adversidades, sendo, portanto, mais fortes” (p.45).

4. Criado a partir de um projeto experimental de conclusão de curso em 2009 na Universidade de Santo Amaro (Unisa), o coletivo de comunicação Periferia em Movimento tem como objetivo produzir e disseminar conteúdos a respeito das quebradas paulistanas, em especial sobre os bairros do Extremo Sul de São Paulo, local em que os coordenadores do coletivo, os jornalistas Aline Rodrigues e Thiago Borges, residem.

5. Disponível em: <periferiaemmovimento.com.br/quem-somos>. Acesso em: 15 jun. 2016.

6. O autor foi entrevistado pelo Periferia em Movimento para a série À margem da margem e ganhou espaço para escrever um artigo sobre escola, juventude, funk e periferia no mesmo projeto. Entre a bibliografia disponível sobre o termo quebrada, Pereira é o que apresenta mais dados sobre a denominação. Nos demais casos, menciona-se que as periferias ganharam o apelido de quebrada em São Paulo, mas não se especifica detalhes sobre o conceito.

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Souza e Ayala | A Análise Crítica de Discurso como...

Em algumas circunstâncias, o termo pode indicar ainda valorização do bairro no qual se reside e quebra com o centro. Falar em quebrada pode configurar também a ideia de junção entre todas as periferias da metrópole paulistana.

O jornalismo de quebrada é um dos exemplos atuais de reelaborações e hibridismos teórico-práticos no campo da comunicação popular, alternativa e comunitária7, a qual é definida por Cicilia Peruzzo

como:

(...) constituída por iniciativas populares no contexto de localidades, bairros, comunidades (presenciais ou virtuais), movimentos sociais e organizações civis congêneres sem fins lucrativos. Surgem para suprir necessidades de expressão de segmentos das classes subalternas em suas lutas pelo estabelecimento da justiça social. Constroem uma outra comunicação que se distingue da mídia comercial pelos conteúdos difundidos, formatos, sistemas de gestão, pela participação da população e pelo compromisso com o interesse público (PERUZZO, 2009, p.11)

Enxergar o jornalismo de quebrada como um hibridismo implica em retornar a categorizações anteriores dentro das práticas comunicacionais contra-hegemônicas. Na pesquisa, estudou-se, de forma mais aprofundada, os modelos alternativos (DOWNING, 2002; FIORUCCI, 2011; HAUBRICH, 2015; KUCINSKI, 2003), radicais (DOWNING, 2002), comunitários (HALL, 2003; MARTÍN-BARBERO, 2004; PERUZZO, 2009; YAMAMOTO, 2008), populares (HALL, 2003; MARTÍN-BARBERO, 2004; PERUZZO, 2009); participativo-cidadãos (FONSECA; LINDEMAN, 2007; LIMA JÚNIOR, 2009; TARGINO, 2009) e emancipatórios (OLIVEIRA, 2014)8.

7. O quadro teórico da pesquisa foi elaborado a partir de um mapa teórico compreendido pela Sociedade em Rede (CASTELLS, 2003), composto pelas latitudes dos Estudos Culturais Latino-Americanos (GARCÍA-CANCLINI, 2005; MARTÍN-BARBERO, 2004;) e as longitudes das Geografias da Comunicação (MARTÍN-BARBERO, 2004; MOREIRA, 2012; SANTOS, 2009).

8. As semelhanças e diferenças entre o jornalismo de quebrada e as demais práticas de comunicação popular, alternativa e comunitária estão explicitadas no artigo “Sobre, para e a partir das periferias: as características do Jornalismo de Quebrada”. Nas conclusões

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Prêmio Vera Giangrande

Souza e Ayala | A Análise Crítica de Discurso como...

16 A partir do pressuposto de que a linguagem jornalística é um discurso que constrói representações sobre fatos, lugares, culturas e outros elementos da sociedade, o objetivo geral do trabalho é verificar, sob o ponto de vista da comunicação e, especificamente, do jornalismo, de que maneira o Periferia em Movimento constrói representações das periferias paulistanas. Entre os objetivos específicos, estão: explicitar as características do jornalismo de quebrada e verificar de que maneira o slogan do coletivo (“Sobre, para e a partir das periferias”) se reflete no conteúdo editorial da série de reportagens e artigos À margem da

margem9.

Jornalismos, discursos e representações

A relação linguagem-representação-ideologia está presente nas diferentes práticas jornalísticas. Stuart Hall conceitua as representações, as quais dialogam com os conceitos de significação e ideologia. O autor organiza as representações e significações de forma sistemática:

Os sistemas de representação são os sistemas de significado pelos quais nós representamos o mundo para nós mesmos e os outros. Reconhece que o conhecimento ideológico resulta de práticas específicas - as práticas envolvidas na produção do significado. Uma vez que não há práticas sociais fora do domínio do significado (semiótico) serão todas as práticas simplesmente discursos? (HALL, 2003, p.179)

Hall explana que não existem práticas sociais além do discurso, pois elas constituem-se na interação entre significado e representação e podem ser representadas, ou seja, não há prática social fora do campo ideológico. Posteriormente, o autor acrescenta uma retificação sobre os sistemas de representação. Hall assume que suas primeiras obras tratam a representação como se o mundo real existisse, como algo

desse artigo, há um quadro-resumo sobre os hibridismos da prática jornalística do

Periferia em Movimento. Disponível em: <portalintercom.org.br/anais/sudeste2016/

resumos/R53-0586-1.pdf>. Acesso em: 10 jul. 2016.

9. Publicação seriada composta por 32 matérias publicadas no website do Periferia em

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Souza e Ayala | A Análise Crítica de Discurso como...

separado e fora do discurso. Ainda que as explicações que cercam esses sistemas tragam o conceito de realidade implícito em suas proposições, não há caminhos para acessar esse plano, “pois na medida em que somente podemos conhecer o real através da linguagem, através da conceitualização, como eu seria capaz de contar a você onde isso estaria? Porque eu só posso fazê-lo dentro da linguagem.” (HALL, 2003, p.358). A relação linguagem-representação-ideologia faz-se fundamental na produção dos significados: a linguagem é o meio pelo qual se representa os itens presentes no pensamento e, portanto, torna-se o local em que a ideologia é criada e transformada.

Já Martín-Barbero (2004) ressalta a importância de analisar-se “o possível, o conflito, a mudança, o imaginário e o simbólico” (p.65). Em outras palavras, o autor destaca o papel da análise de discurso como meio de identificar as mediações sociocomunicativas da cultura em textos, falas e outras formas de comunicação.

O jornalismo insere-se em tal relação. Por meio de estruturas textuais próprias, como lead, linha fina, pirâmide invertida e outras técnicas, representam-se práticas sociais10, as quais estão inseridas em

ideologias. Nesse cenário, conflitos ideológico-culturais (res) surgem e são traduzidos em discursos. Manuel Chaparro (2014) resume o papel do jornalismo na sociedade:

Jornalismo pertence ao lado dos valores. Integra o universo da cultura, como espaço público dos discursos sociais conflitantes. É objeto abstrato, inserido no cenário humano da complexa construção do presente. (CHAPARRO, 2014, p.26)

Os jornalistas tornam-se mediadores e comunicadores sociais ao propagarem os sistemas de significado pelos quais eles mesmos representam o mundo. A construção de representações jornalísticas consiste também na captação de ângulos do mundo pré-significado e na tarefa posterior de ressignificação, segundo Hall. Tais imagens podem ser apropriadas por meio das ritualidades do processo comunicativo,

10. Não é adequado utilizar a metáfora do jornalismo como espelho da realidade, pois, como não há certezas da existência do real, a consequência é que não existem também reflexos, sejam fiéis ou distorcidos.

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Prêmio Vera Giangrande

Souza e Ayala | A Análise Crítica de Discurso como...

18 acompanhadas por hibridismos trazidos pelo consumidor de informação, conforme explica Jorge Pedro Sousa (2000):

Os meios jornalísticos contribuem, ainda, para dotar essas ocorrências, ideias e temáticas de significação, isto é, contribuem para que a essas ocorrências, ideias e temáticas seja atribuído um determinado sentido, embora a outorgação última de sentido dependa do consumidor das mensagens mediáticas e das várias mediações sociais (escola, família, grupos sociais em que o indivíduo se integra etc.) (SOUSA, 2000, p.21)

Nesse sentido, a revisão bibliográfica sobre a práxis comunicacional popular, alternativa e comunitária demonstra a importância de utilizar-se uma metodologia de análise a qual considere a ideologia por trás do discurso. Compreender a forma pela qual ideologias são disseminadas por meio dos discursos é fundamental para identificar uma prática inerente ao jornalismo emancipatório, por exemplo. Segundo Oliveira:

O fato da maioria dos projetos de jornalismo alternativo ou contra-hegemônico se preocuparem, principalmente, na disseminação das ideologias de contraposição, de desmascarar o sistema, de criticar por criticar e de propagandear as ações e posições dos grupos e segmentos subalternizados, em particular as suas entidades representativas. Com isto, o jornalismo contra-hegemônico se aproxima de um discurso de propaganda ideológica. Evidente que tal prática jornalística se explica quando é realizada dentro de órgãos de comunicação de entidades e partidos políticos, porém não se esgota aí as possibilidades do jornalismo. (OLIVEIRA, 2014, p.233)

Os limites de tal modelo decorrem de elementos estruturais do jornalismo, haja vista que a produção de notícias está inserida dentro de um sistema social opressivo e que a propaganda ideológica chega a superar os olhares críticos. Para Oliveira, não há a necessidade de levantar bandeiras, mas sim de superar opressões. Deve-se ainda enxergar o jornalismo como espaço.

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Souza e Ayala | A Análise Crítica de Discurso como...

Nas práticas jornalísticas alternativas, a análise de discurso também tem papel fundamental para a compreensão da construção de representações e até mesmo de ressignificações acerca de histórias, espaços e debates em geral. O questionamento “alternativo em relação a quê?” trazido por John Downing (2002) auxilia tal entendimento. Sem a consideração da ideologia por trás do discurso, a comunicação alternativa pode ser composta por mídias segmentadas – como jornais e revistas voltadas a condomínios – ou por veículos cujo posicionamento político é contrário ao status quo. Identificar os traços ideológicos nos discursos jornalísticos auxilia ainda na diferenciação entre comunicação comunitária e popular11, de acordo com a distinção proposta por

Eduardo Y. Yamamoto (2008).

As análises discursivas de produtos jornalísticos demonstram-se, entretanto, desafiadoras. Para representar uma prática social, equipes de jornalismo partem de ideologias e pressupostos e selecionam (perfis de) entrevistados, denominados fontes. Além disso, escolhem-se ângulos e ordem de importância dos fatos. Considera-escolhem-se ainda a institucionalização da cultura, a relação empresa-jornalista, as construções discursivas, a ação de técnicas, o uso de gêneros (também conhecidos como a materialização dos formatos industriais), as ritualizações e as recepções12.

Desse modo, para obter-se os resultados, recorreu-se à análise crítica de discurso (ACD)13.

11. Para Yamamoto (2008), a comunicação popular pode ser considerada como uma evolução do modelo comunitário.

12. Ver Escosteguy; Fellipi (2013).

13. Ao falar sobre a análise de discurso como um procedimento metodológico para pesquisas em Comunicação Social, Manhães IN Barros (2010) elege John Austin como representante clássico da análise de discurso inglesa, definida como pragmática e centrada no papel ativo do sujeito. Em 1962, Austin apresentou a teoria geral dos atos da linguagem (ou do discurso ou dos atos de fala). Apesar de a pragmática austianiana não enfatizar perspectivas sociais do discurso, o autor pregava que “falar é, portanto, intervir no mundo” (Flores, 1994, p.3) e preocupava-se com os elementos encontrados além da linguagem. O autor cita Norman Fairclough, John Searle, Oswald Ducrot e Emile Benvenist como outras referências da análise de discurso inglesa. Apesar da coincidência geográfica, a ACD é posterior aos pressupostos austinianos, cronológica e epistemologicamente.

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Prêmio Vera Giangrande

Souza e Ayala | A Análise Crítica de Discurso como...

20 ACD: uma bússola metodológica no campo das representações

Por meio do método proposto por Norman Fairclough (2001), o sujeito analisado pela ACD é influenciado ideologicamente, mas não é dominado por completo pela ideologia (WALSH, 2011, p.11). Tal procedimento de pesquisa pressupõe que o discurso tem natureza dialética: deve-se considerar a determinação social e a construção do social na prática discursiva (FAIRCLOUGH, 2001, p.92).

A ACD surgiu na década de 1980 com o objetivo de verificar o papel da linguagem na transformação social. Marcado pela interdisciplinaridade, o quadro epistemológico central da corrente é composto por Teun Van Dijk (vertente sócio-cognitiva14), Gunter Kress

(semiótica social) e Norman Fairclough (Teoria Social do Discurso). Fairclough (2001) explicita os objetivos da ACD:

O que se busca é uma análise de discurso que focalize a variabilidade, a mudança e a luta: variabilidade entre as práticas e heterogeneidade entre elas como reflexo sincrônico de processos de mudança histórica que são moldados pela luta entre as forças sociais. (FAIRCLOUGH, 2001, p.58)

Pode-se considerar que a ACD é uma alternativa à Linguística Crítica e à Análise de Discurso Francesa (AD), pois as correntes anteriores “apresentam um desequilíbrio entre os elementos sociais e os linguísticos da síntese, embora tenham pontos negativos e positivos complementares” (FAIRCLOUGH, 2001, p.20). Para o linguista, a análise e tratamento textuais são completos na Linguística Crítica, mas conceitos como “ideologia” e “poder” ganham poucas discussões e explicações (idem). Já a AD francesa tem teoria social mais sofisticada, mas falha na análise discursiva.

14. Van Dijk é responsável por trazer o conceito de contexto ao âmbito da análise crítica de discurso. Segundo o autor, contexto é a estrutura mentalmente representada das propriedades da situação social (VAN DIJK, 2008a, p.119 apud GUIMARÃES, 2012, p.451). O cognitivista explica que a linha proposta por Fairclough desconsidera a interface cognitiva existente na relação entre textos e contextos. Em síntese, a cognição serviria de mediação entre o discurso e a sociedade na visão de Van Dijk, ou seja, as análises críticas deveriam considerar o triângulo discurso-cognição-sociedade. Nas Ciências da Linguagem, tal teoria também é conhecida como Análise Cognitiva (ou sociocognitiva) do discurso.

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Souza e Ayala | A Análise Crítica de Discurso como...

Melo (2009) explica que

O que é fundamental na AD, e ignorado na ACD, é a complexidade na concepção da estrutura da língua, ou da materialidade linguística, pois nos fornece uma idéia de que a língua se trata de uma estrutura opaca, atravessada pelos eventos sócio-históricos. Mesmo assim, para Fairclough a análise discursiva da escola francesa é tratada em termos semânticos muito estreitos. (MELLO, 2009, p.14)

As bases epistemológicas das análises de linha inglesa e francesa também variam: a AD apoia-se na Psicanálise, em especial no inconsciente freud-lacaniano, na linguística estruturalista e no materialismo histórico-dialético. Já a ACD sustenta-se pela Linguística Crítica, por teorias neomarxistas, com enfoque gramsciano, e na Escola de Frankfurt.

A relação dialética proposta na ACD possibilita o trabalho com o quadro teórico da Teoria das Mediações e da comunicação a partir da cultura em geral. A ACD sustenta-se pela Linguística Crítica15, com

enfoque gramsciano e na Teoria Crítica. A relação dialética proposta na ACD possibilita o trabalho com o quadro teórico dos Estudos Culturais Latino-Americanos e da comunicação a partir da cultura em geral.

Na obra de Fairclough, pode-se identificar o objeto de análise da ACD como pós-moderno. A autora também sintetiza que a ACD é caracterizada pela análise da ação por meio de mediação dialética. Mudanças e revoluções reconhecidas pela corrente são associadas ao inconsciente (WALSH, 2011, p.19). Além de reconhecer a possibilidade de mudança a partir da linguagem, a abordagem da Teoria Social do Discurso também conta com concepções de ideologia e hegemonia elaboradas por Fairclough baseadas em Althusser e Gramsci.

As ferramentas oferecidas pela Análise de Discurso Textualmente Orientada (ADTO) proposta por Fairclough são adequadas para o estudo de reportagens e artigos. Martino (2010) também destaca que “desconstruir o discurso jornalístico pode ser

15. Abordagem desenvolvida na Grã-Bretanha na década de 1970 cuja visão considerava a linguagem como forma de intervenção na ordem econômica e social, segundo resumo de Pacheco (2012).

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22 entendido como um esforço para identificar as várias vozes dentro da notícia” (p.35). A adequação ao projeto específico do pesquisador também é uma característica da ACD: “não há procedimento fixo para se fazer análise de discurso; as pessoas abordam-na de diferentes maneiras, de acordo com a natureza específica do projeto e conforme suas respectivas visões do discurso.” (FAIRCLOUGH, 2001, p.275). O trabalho com o corpus previamente delimitado acontece em três etapas: seleção de dados a partir de pesquisa documental, análises e resultados. A investigação ocorre por meio de microanálise textual e macroanálise de práticas discursivas.

Os textos da série À margem da margem foram analisados a partir das seguintes classes particulares de traços: editorias jornalísticas; tematização; tipologia das fontes jornalísticas; organização editorial; distribuição geográfica das reportagens; e histórias de vida. Como ferramenta específica de análise jornalística, foram utilizados os valores-notícia propostos por Traquina (2008) e Wolf (2012). Para complementar as informações sobre a série, utilizou-se ainda a entrevista por telefone com Thiago Borges e a consulta a todos as publicações do coletivo no

Facebook entre 2013 e 2014.

Considerações finais

Por meio da ACD, constatou-se que as produções do Periferia

em Movimento extrapolam conceitos como comunicação alternativa,

radical, popular, emancipatória, comunitária e participativo-cidadã. Com o papel de bússola metodológica, a ACD também foi fundamental na análise do manifesto do coletivo, no qual foi possível constatar influências, mas não dominações ideológicas.

Verificou-se, portanto, que o jornalismo de quebrada é delineado pelas diretrizes: produções sobre, para e a partir das periferias; democratização da comunicação sobre as quebradas paulistanas; compartilhamento de conteúdo de midialivristas independentes; caráter contra-hegemônico; caráter participativo-cidadão; emancipação de quebradas; disputa de imaginários; incorporação de gírias; preocupação com a informação e formação do leitor; militância pela garantia dos direitos fundamentais; adaptação do conceito de periferia;

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e especificidade geográfico-espacial. Mais do que uma prática isenta, o jornalismo de quebrada constitui-se em um formato comunicacional simultaneamente combativo e emancipatório.

Pode-se considerar ainda que o jornalismo de quebrada diversifica angulações em relação aos temas tratados pela mídia convencional. Financiamento de atividades e manutenção de equipes para projetos em grande escala são os principais desafios desse modelo comunicacional.

Quadro 1 – Reelaborações e hibridismos do Jornalismo de Quebrada

Modelo comunicacional Semelhanças em relação ao Jornalismo de Quebrada Diferenças em relação ao Jornalismo de Quebrada Alternativo • É um meio de democratização do cenário comunicacional brasileiro; • Há preocupação com a informação e formação do leitor; • Produção jornalística voltada às transformações sociais • Valorização do texto literário. • Publicidade escassa; • Ausência de conteúdos em âmbito nacional e internacional;

• Sob o ponto de vista histórico, não tem semelhanças com o conteúdo e formato dos pasquins.

Comunitário • Trata de diferentes

comunidades paulistanas; • Propriedade do meio não é coletiva; • Relações entre emissores e receptores não é horizontal.

Popular • Comunicação a partir das periferias;

• Busca pela hegemonia popular.

• Termo ainda não engloba todas as dimensões do jornalismo de quebrada. Radical • Também extrapola os

limites da comunicação popular, alternativa e comunitária;

• Sensibilidade às aspirações e vozes dos excluídos;

• Preocupação com o uso de formatos mais baratos, como os digitais

• Há distinção entre produtores e receptores; • Não existe rompimento de regras.

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Emancipatório • É engajado;

• Toma a posição dos excluídos;

• Não se preocupa apenas com a denúncia;

• “Periferia em Movimento é busca por emancipação.”

• Disseminação de ideologias contra-hegemônicas, em tom de propaganda ideológica.

Fonte: As autoras, 2016

Por meio dos temas da série À margem da margem, já é possível encontrar pistas acerca das representações construídas a partir do discurso do Periferia em Movimento. De modo global, o projeto priorizou os temas imigração (5 textos), religião (5), drogas (4 textos), pessoas com deficiência (4), identidade periférica (3 textos), terceira idade (3), índios (3), movimento LGBT (3) e definição de periferia (2). Outra característica geral da série é a distribuição geográfica abrangente das reportagens. Ao longo dos 32 textos, citou-se 63 lugares diferentes. Os mais citados foram: Grajaú (quatro menções), Cidade Tiradentes (3), Itaquera (3) e Glicério (3). Nesse aspecto, constata-se o papel das vivências no jornalismo de quebrada, tendo em vista que o distrito no qual um dos fundadores do coletivo reside - o Grajaú - é o mais presente na série.

A editoria com maior número de textos na série À margem

da margem foi Cultura e Identidade, com nove matérias. O dado

demonstra a preocupação do coletivo em representar as margens das margens paulistanas por meio de aspectos identitários, contribuindo, desse modo, para emancipar as quebradas e disputar imaginários. Falar sobre vida nas cracolândias, favelas habitadas por índios, redigir perfis de transexuais e descrever a vida de imigrantes periféricos são alguns dos exemplos do caráter contra-hegemônico do jornalismo de quebrada aplicado na série À margem da margem. A segunda editoria mais retratada na série foi “Contra o Genocídio”, com seis reportagens. Em terceiro lugar, houve a presença de quatro textos pertencentes à editoria Gênero e Sexualidade. Os números demonstram a preocupação com a informação e formação do leitor, além da militância pela garantia dos direitos fundamentais. Em quarto lugar, as editorias Terceira Idade e Resistência Indígena empataram, com três reportagens em cada uma.

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Nesse caso, os textos foram consecutivos, formando blocos editoriais. Foram publicados ainda dois textos sobre Mobilidade, dois sobre Moradia, dois sobre Trabalho e Renda, além de uma reportagem sobre Educação. Observa-se ainda o uso de diferentes formatos de textos para construir representações sobre as periferias: o gênero predominante foi a reportagem, com espaço para perfis e/ou mini-perfis em cada bloco editorial. Os temas “identidade periférica”, “pessoas com deficiência” e “religião” foram contemplados por artigos. Outros formatos, como entrevistas pingue-pongue, foram usados ao longo da série.

O jornalismo de quebrada praticado em À margem da margem tem como ferramentas jornalísticas específicas o uso de fontes primárias, independentes e testemunhas, o que confirma a hipótese levantada no início do estudo. De modo geral, percebe-se que os critérios de noticiabilidade utilizados na série são os mesmos presentes nas teorias de Nelson Traquina e Mauro Wolf. Nesse sentido, vale ressaltar que, na maioria das reportagens analisadas, o uso de recursos inerentes ao meio digital não é explorado pelo coletivo. Na perspectiva da comunicação popular, alternativa e comunitária, pode-se reafirmar a crítica de que a internet possibilita que projetos nessa área tenham intercâmbios regionais, nacionais e internacionais. Por outro lado, o tecno-apartheid pode impedir que o público-alvo de publicações populares, alternativas e comunitárias receba tais mensagens.

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Gênero, não! Poder e normalização nos

discursos jornalísticos sobre o Plano de

Educação do Paraná

1

Priscila Schran

2

Ariane Carla Pereira (orientadora)

3

Introdução

O Paraná é o terceiro estado brasileiro com maior índice de feminicídios do país, ficando atrás apenas de Alagoas (2º) e Espírito Santo (1º). Em 2010, ano da pesquisa do Mapa da Violência 2012, foram registradas 338 mortes de mulheres por violência doméstica e familiar no estado, computando um índice de 6,4 feminicídios a cada 100 mil mulheres.

Esses assassinatos refletem uma cultura de submissão do feminino ao masculino, uma cultura de posse do homem sobre a mulher, uma desigualdade de gênero, que gera violências de gênero. Segundo diversos sociólogos e filósofos, o gênero é a construção social e cultural do masculino e do feminino. Foi construído um estereótipo do masculino forte, violento, que não chora, não leva desaforo para a

1. Trabalho inicialmente apresentado na Divisão Temática de Interfaces Comunicacionais, da Intercom Júnior – XII Jornada de Iniciação Científica em Comunicação, evento componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.

2. Recém-formada no curso de Jornalismo da Unicentro. 3. Professora do curso de Jornalismo da Unicentro.

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Schran e Pereira | Gênero, não! Poder e normalização nos discursos...

casa, que domina a relação e, em paralelo, foi instituído o estereótipo do feminino sensível, submisso, frágil e dependente. Assim, mesmo que hoje as mulheres sejam cada dia mais protagonistas de suas vidas, em algumas relações onde há a contrariedade, a violência contra a mulher acaba se manifestando.

Pode-se dizer então que o machismo é uma construção cultural, não natural, que pode ser combatido desconstruindo padrões, estereótipos e comportamentos. Mas essa desconstrução perpassa a educação, os discursos, a difusão da informação, enfim, a mídia.

Em junho de 2015, os estados e municípios brasileiros estavam debatendo e votando os Planos Estaduais e Municipais de Educação, os quais deveriam definir as diretrizes de políticas públicas da educação para os próximos dez anos. Cada um desses Planos é resultado das Conferências estaduais e municipais de educação e foram construídos de forma democrática, reunindo representantes governamentais e não governamentais e a população interessada. Porém, a inclusão de um termo nesses Planos aprovados nas Conferências e que, depois, foram encaminhados às Câmaras de Vereadores e às Assembleias Legislativas, gerou polêmica e manifestações contrárias por todo Brasil. A palavra era gênero. Muitas pessoas e grupos religiosos se articularam e lotaram as assembleias legislativas e câmaras municipais para a retirada do termo dos Planos de Educação.

Diante desse contexto onde existem, paralelamente, mulheres sendo violentadas e assassinadas e a negação dos estudos relacionados a gênero na educação formal, o presente trabalho tem como objetivo perceber como a questão foi tratada pelo jornalismo no Paraná, durante as votações dos Planos de Educação. Essa análise se torna importante a partir da premissa de que o jornalismo não é só um retrato da sociedade, mas também é um influenciador de opinião e de modos de ser e estar no mundo. Vamos estudar como o jornalismo aderiu ao discurso sobre gênero, como se deu o posicionamento editorial, a parcialidade, o campo de debate dos diversos discursos, quem teve direito à voz nas edições e como isso se deu no estado.

Para a análise, vamos nos deter no jornal Gazeta do Povo e pretendemos entender se a mídia contribuiu nesse debate de gênero e

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Prêmio Vera Giangrande

Schran e Pereira | Gênero, não! Poder e normalização nos discursos...

32 como mediou a votação dos Planos de Educação. Nosso aporte teórico de dará por um viés foucautiano, a partir dos conceitos relacionados à ordem do discurso e à disciplina. Ao evidenciarmos a relação intrínseca do poder com o discurso, a necessidade de interditar algumas vozes, e a disputa pelo poder de normalização dos corpos, conseguimos enxergar as vontades de verdade políticas, religiosas, feministas, conservadoras, libertárias, em conflito pelo poder do discurso, não como estrutura, mas como acontecimento. Essa relação do poder com o discurso e a disputa pelo espaço de debate tanto nos meios de comunicação quanto na lei, é apresentada na análise, quando é relacionado o corpus da pesquisa com os conceitos estabelecidos por Michel Foucault.

Polêmica na votação do Plano de Educação do Paraná

A votação do Plano Estadual de Educação (PEE) na Assembleia Legislativa do Paraná não ocorreu tranquilamente. As questões de gênero presentes no texto geraram manifestações. No dia da votação, as galerias da Assembleia Legislativa estavam lotadas. As opiniões eram divididas, estavam presentes pessoas favoráveis e contrárias às discussões propostas pelo Plano. Cartazes e faixas externavam a opinião dos grupos: “Escola sem homofobia. Pelo fim da violência na educação”, “Gênero não!”, “Educação sexual compete aos pais”, “Gênero sim!”, “Não à ideologia de gênero”.

Alguns deputados também se opunham à presença das expressões gênero, diversidade sexual e LGBT. Desse modo, 66 emendas ao PEE foram propostas. Dessas, a Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia aprovou 56 propostas de alteração no texto original que foram encaminhadas para a votação na sessão, segundo o extrato da Ata da 7ª reunião extraordinária da 1ª sessão legislativa da 18ª legislatura. Entre as 56, 16 eram relacionadas a gênero, diversidade e LGBT.

Em 22 de junho de 2015, data da votação do PEE, as emendas foram debatidas e votadas. Ao comparar os textos originais do projeto de lei e os aprovados pela Assembleia, ambos disponíveis no site da Secretaria Estadual de Educação, percebe-se que foram suprimidas expressões como violência sexual, relações de gênero, LGBT e diversidade. A estratégia do Plano, por exemplo, que previa ações

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Schran e Pereira | Gênero, não! Poder e normalização nos discursos...

que visassem o enfrentamento da violência sexual e a outros tipos de violência, e a que previa a promoção ao acesso, à ermanência e condições igualitárias de aprendizagem aos sujeitos das discussões de gênero e diversidade sexual foram suprimidas por completo.

Foi retirada também a garantia da promoção da alfabetização e a elevação da escolaridade para as mulheres negras, indígenas, ciganas, do campo, quilombolas, em situação de itinerância, travestis, transexuais, lésbicas, bissexuais, profissionais do sexo, deficientes, adolescentes em conflito com a lei, e privadas de liberdade. Todas essas minorias ficaram subentendidas na expressão vulnerabilidade social.

Outros tópicos sofreram alterações em terminologia. Por exemplo: a expressão “conteúdos sobre diversidade” foi substituída por “conteúdos que reprimem todas as formas de discriminação”; “educação de gênero” foi substituída por “educação que efetive o respeito entre homens e mulheres”; e “preconceito de gênero, orientação sexual, étnico-racial e religião” foi substituída por “situações de discriminação, preconceito ou violência”.

O PEE Paraná nas páginas da Gazeta Do Povo

Estudaremos a discursivização jornalística do Plano de Educação a partir da cobertura, durante o mês de junho de 2015, da Gazeta do Povo, jornal impresso diário de alcance estadual. Assim, nosso objeto é formado por:

Edição 11 de junho de 2015

- reportagem “Emenda tira trechos do plano de educação e causa polêmica”, que apresenta o estágio em que está o debate e a votação do PEE, bem como relembra como se deu a votação do PNE. Explica-se que a principal polêmica está nas emendas apresentadas pela deputada Claudia Pereira (PSC), que eliminam do PEE, trechos que dizem respeito à igualdade de gênero e ao ensino da história das minorias.

Edição 12 de junho de 2016

- nota em Notas Públicas, que tem como título “Polêmico” e trata da segunda Audiência Pública da ALEP para discutir o PEE.

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Schran e Pereira | Gênero, não! Poder e normalização nos discursos...

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Edição 14 de junho de 2015

- reportagem “O que é ‘ideologia de gênero’?”

Edição 17 de junho de 2015

- reportagem “Dois entre 10 municípios do Paraná ainda não fizeram planos de educação”

- reportagem “Plano de educação está na pauta de hoje da Assembleia”, que apresenta os trâmites para a inclusão das emendas ao PEE.

Edição 18 de junho de 2015

- reportagem “PR ainda não votou plano de educação”, que explica que a proposição das emendas ainda deveria ser analisada pela Comissão de Constituição de Justiça e, por isso, a votação seria realizada apenas na próxima semana.

Edição 21 de junho de 2015

- editorial “Educação e teoria de gênero”, resgata as teorias de gênero e afirma que são controversas e carentes de fundamentação científica - reportagem “Mais educação, menos gênero”, que elenca outros pontos relevantes do PEE que não estão sendo debatidos pelos deputados, por estarem presos à polêmica do gênero. São apresentadas as 20 metas para a educação para o próximo decênio. - reportagem “Governo tenta aprovar reajuste”, relembrando que na próxima sessão da Alep será votado o PEE e que a polêmica em torno do termo gênero mobilizou religiosos.

- nota “Convocação”, chamando os católicos para pressionarem os vereadores, por meio de cartas e emails, a não votarem o PME devido a ideologia de gênero.

Edição 22 de junho de 2015

- reportagem “Bispo pede que católicos pressionem vereadores de Curitiba”

Edição 23 de junho de 2015

- reportagem “Em votação do PEE, deputados do PR restringem investimentos em educação”, que relata como se deu a votação do Plano na Assembleia.

Edição 24 de junho de 2015

- reportagem “Apenas 40% dos estados aprovaram seus planos de educação”, que traça um panorama de quais estados e cidades aprovaram seus planos e relembra a retirada do termo gênero no dia da votação.

- reportagem “Planos de educação do Paraná e de Curitiba são sancionados”.

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Schran e Pereira | Gênero, não! Poder e normalização nos discursos... Edição 25 de junho de 2015

- artigo “Ninguém muda de sexo”, assinado por Carlos Ramalhete.

Poder, disciplina e normalização na disputa pelo discurso dos planos de educação

Um debate prolongado, uma polêmica que mobilizou muitas pessoas e tomou conta das matérias e reportagens acerca dos Planos Municipais e Estaduais de Educação, chamou a atenção de segmentos da sociedade, de legisladores e encheu as casas de leis com população fervorosa. Uma grande mobilização em torno dos Planos de Educação, não em favor de benfeitorias na educação, mas para proibir, negar, substituir e excluir um termo: gênero. Só uma palavra. Por que tamanha mobilização?

Michel Foucault (2004, p.10) em sua obra A Ordem do Discurso já anunciava que o discurso está ligado ao poder, ou melhor, é o próprio poder, é aquilo pelo que se luta. “(...) o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de domínio, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar.”

O que houve nos debates em torno dos termos gênero e sexualidade nos Planos de Educação não foi simplesmente a discussão pela escolha das palavras que mais eram convenientes, mas sim uma disputa por poder, uma disputa pelo discurso. “A historicidade que nos domina e nos determina é belicosa e não linguística. Relação de poder, não relação de sentido” (2004, p.5). Não é só uma questão de não aceitar uma palavra (gênero), é uma questão de poder. A disputa não está somente presente na linguagem, na estrutura, mas no discurso como poder e acontecimento.

Para alguns, Foucault foi o filósofo que primeiro relacionou o discurso com poder. No livro A Microfísica do Poder, ele diz que muitos filósofos estudavam o poder, mas relacionando-o ao Estado ou a questões jurídicas. Foucault foi quem estudou a mecânica do poder nas relações. Não só o poder que emana do estado, mas os micro-poderes presentes nas relações.

Mas o que estava em disputa nas votações dos Planos de Educação? Quais discursos estavam em jogo? Diversos eram os interesses em disputa. De um lado estava o texto construído a partir das conferências e audiências públicas, seguindo a metodologia recomendada pelo MEC,

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Prêmio Vera Giangrande

Schran e Pereira | Gênero, não! Poder e normalização nos discursos...

36 e do outro estavam as emendas dos deputados e vereadores e os cartazes (também discursos) de segmentos da sociedade.

O texto original do PEE trazia a sugestão de incluir no ensino infantil, fundamental e médio, cada um na sua competência, conteúdos sobre diversidade sexual e relações de gênero, com foco na diminuição do preconceito e na convivência com as diferenças. O texto dos legisladores e dos religiosos, por sua vez, propunha a retirada desses assuntos da educação escolar, por acreditarem que os estudos da diversidade e das relações de gênero poderia comprometer a estrutura tradicional da família. Estavam em disputa dois discursos, duas buscas pelo poder de disciplinar as relações.

Roberto Machado, ao introduzir a genealogia do poder de Foucault, já destacava como o poder se dá na tentativa de disciplinar as relações, de disciplinar os corpos. “Poder esse que intervém materialmente, atingindo a realidade mais concreta dos indivíduos – o seu corpo – e que se situa ao nível do próprio corpo social, e não acima dele, penetrando na vida cotidiana e por isso podendo ser caracterizado como micropoder ou subpoder” (MACHADO, 2015 in FOUCAULT, 2015, p.14).

A disputa pelo poder, segundo Foucault, se dá na concretude, diretamente nos corpos dos indivíduos. Esse conceito vem de encontro com o conflito estabelecido na votação dos planos de educação. Havia uma tentativa de disciplinarização dos corpos, não só na relação política e econômica, mas também no ambiente privado, discursando sobre o que é certo e o que é errado nas relações entre homens e mulheres, como se houvesse uma universalização das vontades, comportamentos esperados ou contrários a norma.

A tentativa de disciplinarização do corpo faz parte do exercício do poder. O corpo é disciplinado para trabalhar, para estudar, para se exercitar, para se comportar diante de alguns ambientes, para se vestir e também para se relacionar. A disciplinarização das relações entre homens e mulheres ficou clara nos discursos que resistem aos termos diversidade sexual e relações de gênero. É uma disputa entre os discursos dominantes e os discursos divergentes.

A disciplina busca normalizar os indivíduos. A normalização se dá por meio dos mecanismos da sociedade moderna de disciplinar os

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corpos. Seja a lei, a escola, a família, todos têm o poder de disciplinar os indivíduos para a sua normalização, fazendo com que essas mesmas instituições mantenham seu poder disciplinador. “As disciplinas veicularão um discurso que será o da regra, não da regra jurídica, derivada da soberania, mas o da regra ‘natural’, quer dizer, da norma; definirão um código que não será o da lei, mas o da normalização” (FOUCAULT, 2004, p.189).

Nesse sentido, a disputa pelo discurso nos planos de educação vem de encontro com a função de disciplinar para a normalização que as escolas têm na sociedade moderna. Pois, como Foucault (2004) destaca, todo sistema de educação é uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos.

A partir dessa compreensão de que o discurso é o próprio poder pelo qual se luta e está diretamente relacionado ao poder de disciplinar para a normalização, cabe agora, identificar os procedimentos de controle e de delimitação do discurso enumerados por Foucault em A

Ordem do Discurso, que melhor balizam a análise.

Como já mencionado, o objetivo deste trabalho é ver como o gênero foi tratado, em no Paraná, pela redação jornalística do jornal

Gazeta do Povo.

Considerando que cada dia mais os indivíduos, devido à complexidade das suas relações e ao papel central dado aos meios de comunicação, não vivem diretamente alguns fatos da vida cotidiana, mas o recepcionam através dos meios de comunicação, ou seja, sabem somente aquilo que foi mediado, o tratamento dado ao debate das relações de gênero e da diversidade sexual pelos meios de comunicação é de suma importância para a compreensão dos discursos (WOLF, 2006).

Essa mediação faz com que o jornalismo não seja só um retrato da sociedade, mas um formador de opinião que influencia modos de ver e estar no mundo, ou seja, ele dá suporte à formação das ideias das pessoas e acaba interferindo no modo como elas entendem as relações e se comportam diante dos fatos. Por isso, compreender como se deu o discurso dos jornais acerca do gênero se faz relevante, principalmente porque entendemos que o discurso da mídia também é poder, e por

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Prêmio Vera Giangrande

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38 isso também é interpelado por procedimentos de controle. “Por mais que o discurso seja aparentemente bem pouca coisa, as interdições que o atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e com o poder” (FOUCAULT, 2004, p.10).

Foucault (2004) já enunciava que, em toda sociedade, a produção do discurso é controlada, interditada, fiscalizada, organizada e distribuída conforme a necessidade de controle de seus poderes e perigos, evitando sua materialidade. Todo discurso é regido por procedimentos de controle e de delimitação, que podem ser externos ao discurso ou próprios dele.

Para esta análise, vamos nos deter aos procedimentos externos, mais especificamente àqueles concernentes a parte do discurso que põe em jogo o poder e o desejo. Foucault enuncia três procedimentos de exclusão: a interdição (a palavra proibida), a separação/ rejeição (a segregação da loucura) e o verdadeiro/falso (a vontade de verdade).

Não se pode falar sobre tudo, não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, qualquer um não pode falar de qualquer coisa. De forma clara, Foucault explica os tipos de interdição do discurso: “tabu do objeto, ritual da circunstância, direito privilegiado ou exclusivo do sujeito que fala: temos aí o jogo de três tipos de interdições que se cruzam, se reforçam ou se compensam, formando uma grade complexa que não cessa de se modificar” (FOUCAULT, 2004, p.9).

Nem todas as palavras podem ser ditas em todos os lugares, por qualquer pessoa em qualquer circunstância, as interdições funcionam como grades para controlar os discursos, são forças externas ao discurso, que o influenciam diretamente e que estão relacionadas ao contexto político, social e econômico em que o discurso está inserido.

Segundo Foucault (2004), os temas que têm as grades mais cerradas são a sexualidade e a política. E isso ficou perceptível na repercussão das polêmicas acerca de gênero e diversidade sexual. A ameaça de abertura nessas grades, por conta das discussões provocadas pelas votações dos PMEs e do PEE, fez com que a temática fosse excluída dos planos. Dentre os tipos de interdição do discurso (tabu do objeto, ritual da circunstância e direito privilegiado exclusivo do sujeito que fala), o que mais cabe na análise do nosso corpus é o tabu do objeto.

Referências

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