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92Embora a história nos permita uma leitura a favor desses

No documento PORTCOM (páginas 92-96)

A regionalização no telejornalismo piauiense: estratégias adotadas pela Rede

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princípios, percebemos que isso ocorre em maior ou menor grau dependendo de cada cultura, de cada povo. Segundo a pesquisadora Cicilia M. Krohling Peruzzo (2004, p. 275), “esse processo tem a ver com as decisões dos governantes e a capacidade do povo para exigir o cumprimento de seu direito, com vistas à realização de seu dever de contribuir ativamente, como sujeito, para a construção da sociedade”. Dentre os mais variados aspectos da vida, o direito a exercer a comunicação ativamente é um deles. Referimo-nos a comunicação de fato e de direito e não apenas pensando o sujeito como consumidor, mas como sujeito ativo da comunicação. Para Peruzzo (2004, p. 275), a democratização da comunicação no Brasil e em outros países latino- americanos tem sido obstaculizada pelo Estado e por setores dominantes que, em virtude de sua posição hegemônica ou pela imposição, acabam por ganhar a cumplicidade da sociedade, embora exista certa resistência, como veremos adiante. Contudo, antes de tratarmos dos matizes que envolvem essa temática, acreditamos ser necessário fazer uma incursão a respeito dos direitos humanos a partir de um breve apanhado conceitual sobre cidadania e sobre a inserção da comunicação como uma das dimensões desse conceito.

1. Cidadania e Comunicação

À luz do Direito, a formulação dos direitos de primeira, segunda, terceira, quarta e quinta geração revelam os aspectos e as demandas históricas, políticas e sociais da sociedade inerentes à cidadania. Por conseguinte, o direito à comunicação é um direito humano e está circunscrito neste processo. Conceitos de autores como T. H. Marshall, Liszt Vieira, Norberto Bobbio, entre outros, tornam-se importantes ao mostrar as mudanças históricas que conduzem a alterações no conceito de cidadania, a partir das gerações de direitos e do sentido que são dados a eles.

T. H. Marshall (1967), em Cidadania, Classe social e Status, publicado originalmente em 1949, compreende a cidadania moderna a partir do estabelecimento primeiramente dos direitos civis, seguido dos políticos e por último dos direitos sociais. Para Marshall (1967) a

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cidadania é histórica e é conformada pelo status comum, conquistado e compartilhado pelos membros de uma comunidade. Em termos gerais, os direitos civis, surgidos no século XVIII, essencialmente, são aqueles que dizem respeito à liberdade individual, à de pensamento, de religião, à liberdade de ir e vir, etc. Os direitos políticos, surgidos no século XIX, dizem respeito aos direitos eleitorais, na possibilidade de votar e ser votado, e à liberdade de associação nos partidos, ambos caracterizados como direitos de primeira geração (BOBBIO, 1995; VIEIRA, 2001). Já os direitos sociais, datam do século XX e estão relacionados ao bem-estar social, ao emprego, à educação, à saúde, entre outros. São os chamados direitos de segunda geração (BOBBIO, 1995; VIEIRA, 2001). Assim, a cidadania pode ser compreendida, a partir das explanações acima, exatamente pelas mudanças que propicia e ampliações que gera em prol das lutas sociais dos povos para conquistar mais direitos.

Logo, a caracterização moderna do conceito de cidadania representa a promoção de um status de igualdade social, que atribui ao indivíduo à posse legítima de direitos e a obediência comum aos deveres. Porquanto, ser cidadão independe de sexo, cor ou classe social, sendo todos iguais perante a lei. Liszt Vieira (2001, p. 35) compreende que o conceito de cidadania, como o direito a ter direitos - e reconhecer seus deveres - , foi abordado de variadas perspectivas. Segundo Vieira, Marshall propôs a primeira teoria sociológica de cidadania ao incluir os direitos e as obrigações inerentes à condição de ser cidadão. Contudo, não podemos perde de vista que a teoria desenvolvida por Marshall, na época, partia da sua concepção inglesa sobre o conflito entre capitalismo e liberdade. Os avanços e retrocessos da cidadania ocorrem de maneira diferenciada nos diferentes países, principalmente no Brasil, onde temos um histórico marcado por desigualdades sociais.

Por sua vez, Norberto Bobbio (1999, p.32-33), filósofo italiano, também compreende que o desenvolvimento dos direitos do homem passou por três fases, os direitos civis, políticos e sociais. Segundo Bobbio (1992), a partir do século XX, os direitos sociais são vistos como direitos de terceira geração. Como demonstra na passagem a seguir:

Com relação ao terceiro processo, a passagem ocorreu do homem genérico – do homem enquanto [sic] homem – para o

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homem específico, ou tomado na diversidade de seus diversos status sociais, com base em diferentes critérios de diferenciação (o sexo, a idade, as condições físicas) cada um dos quais releva diferenças específicas, que não permitem igual tratamento e igual proteção. A mulher é diferente do homem; a criança do adulto; o adulto; do velho [...] (BOBBIO, 1992, p. 69).

Para o filósofo italiano, também no século XX surge uma quarta geração de direitos. Aquela que está intrinsicamente ligada ao direito à vida como fator político, bem como aos desafios da genética e da bioética, entre outros. Em contrapartida, para Murilo César Ramos (2005, p. 245) a comunicação é portadora de um novo direito social, o direto à comunicação, que segundo ele pode ser considerado “de quarta geração”, mas que está ainda muito longe de ser reconhecido como tal.

[...] torna-se imperativo retomar o debate sobre o direito à comunicação enquanto [sic] um novo direito humano fundamental. Um direito social de “quarta geração”, aquele, quem sabe, mais adequado para amparar, nas sociedades da informação e da comunicação, nossas inesgotáveis expectativas de avanço crescente da democracia da igualdade em todo o mundo (RAMOS, 2005, p. 247).

A nosso ver, essas proposições teóricas ganham corpo dependendo do contexto histórico e das demandas pelos direitos de cidadania. Atentarmos para esses aspectos, torna-se importante para que não haja confusão conceitual acerca das gerações dos direitos e suas imbricações. Por exemplo, Bobbio e Ramos caracterizam a quarta geração, em partes, como assertivas diferentes. Outros autores, entre os quais, o jurista Paulo Bonavides (2006)5 também incluem na quarta

geração, além da bioética, aspectos dos direitos humanos à informação. Contudo, nos apoiamos nas argumentações de Bobbio, pois acreditamos que na atualidade já exista uma quinta geração de direitos, totalmente relacionável com as dimensões anteriores, cujo aspecto central recai na comunicação da contemporaneidade como um direito humano.

5. Para mais informações, ver obra: BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

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No intuito de relacionar as dimensões da cidadania à comunicação, Peruzzo (2009), reflete sobre o acesso e o empoderamento popular do cidadão e dos movimentos sociais que os representam, no que diz respeito à comunicação como um direito humano. Peruzzo traz em seu texto o percurso da comunicação nas diversas dimensões da cidadania, o qual é tratado desde os direitos de primeira à terceira geração. Entretanto, ressalva que na atualidade a comunicação, dado os avanços tecnológicos, esteja em via de ocupar lugar de destaque na construção da cidadania. Assim, isso seria um “processo indicativo de movimento correlato àquele que identifica a passagem da cidadania de uma fase à outra de maior qualidade” (PERUZZO, 2009, p. 38). Dessa forma, aponta nas dimensões da cidadania a inclusão de uma quinta geração de direitos, os direitos comunicacionais, que englobam também a cultura.

A base da comunicação para a cidadania está no empoderamento popular, ou seja, na apropriação e consciência coletiva dos cidadãos em utilizar a comunicação para desenhar melhores mundos possíveis, para redesenhar sua própria realidade, tendo em vista à transformação social. Este empoderamento, no limiar, só é possível quando os sujeitos coletivos se apropriam da comunicação e tornam-se protagonistas, quando a comunicação passa a ser considerada como um processo. Neste aspecto, sujeitos coletivos, movimentos sociais populares engajados na luta pelos direitos sociais, forjam suas realidades e tentam reinventá- las se empoderando da Comunicação Comunitária, por exemplo. Ela é uma das formas de exercitar o direito à comunicação.

Ramos (2005, p. 250), embora caracterize a comunicação como um direito de “quarta geração” e não de quinta, como seria desejável, faz uma contribuição importante quando aborda que a primeira e fundamental consequência de se reconhecer o direito à comunicação é entender que ela precisa ser vista como passível de discussão e ação como política pública essencial, assim como as demais direcionadas à saúde, à alimentação, ao saneamento, ao trabalho, à segurança, entre outros. Para Bobbio (1999, p. 25), o problema que temos diante de nós em relação à conformação dos direitos de cidadania - incluimos nessa esteira o direito à comunicação - não é filosófico, mas num sentido mais

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