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Machado de Assis e a importância da narrativa em torno da personagem e lugar; análise do conto machadiano, Frei Simão

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS CAMPUS DO SERTÃO LICENCIATURA PLENA EM LETRAS. LUCIMÁLIA BEZERRA DE ARAÚJO. MACHADO DE ASSIS E A IMPORTÂNCIA DA NARRATIVA EM TORNO DA PERSONAGEM E LUGAR: ANÁLISE DO CONTO MACHADIANO, FREI SIMÃO. Delmiro Gouveia – AL 2019.

(2) LUCIMÁLIA BEZERRA DE ARAÚJO. MACHADO DE ASSIS E A IMPORTÂNCIA DA NARRATIVA EM TORNO DA PERSONAGEM E LUGAR: ANÁLISE DO CONTO MACHADIANO, FREI SIMÃO. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Letras, da Universidade Federal de Alagoas – Campus do Sertão, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Graduada em Letras. Orientador: Prof Dr. Márcio Ferreira da Silva. Delmiro Gouveia – AL 2019.

(3) Catalogação na fonte Universidade Federal de Alagoas Biblioteca do Campus Sertão Sede Delmiro Gouveia Bibliotecária responsável: Renata Oliveira de Souza CRB-4/2209 A663m Araújo, Lucimália Bezerra de Machado de Assis e a importância da narrativa em torno da personagem e lugar: análise do conto machadiano, Frei Simão / Lucimália Bezerra de Araújo. – 2019. 47 f. Orientação: Prof. Dr. Márcio Ferreira da Silva. Monografia (Licenciatura em Letras) – Universidade Federal de Alagoas. Curso de Licenciatura em Letras. Delmiro Gouveia, 2019. 1. Literatura brasileira – Conto. 2. Assis, Joaquim Maria Machado de, 1839-1908. 3. Narrativa. 4. Personagens. I. Título. CDU: 82-34.

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(5) Aos que me deram sempre apoio: minha mãe, Lucélia Bezerra da Silva; minha irmã, Anita Licyane Bezerra de Araújo e meu esposo, Alan Júnior Nunes da Silva, dedico este trabalho..

(6) AGRADECIMENTOS. Primeiramente, agradeço à Deus pelo dom da vida e por ser sempre meu refúgio e fortaleza; Ao orientador do meu trabalho Márcio Ferreira da Silva, pela sugestão do tema, pela orientação, pela paciência e dedicação ao que faz, e por ser esse professor incrível; Aos que foram meus professores reconheço e agradeço profundamente a confiança e a orientação, sem eles não teria conseguido; À minha família, meus tios, minhas tias, por ajudar sempre, direta ou indiretamente, na minha caminhada acadêmica, a minha querida prima Carol por me ajudar sempre nas horas que precisei e principalmente a minha mãe e a minha irmã pela preocupação, compreensão e apoio em tudo; Ao meu esposo, Alan Júnior, por toda ajuda, paciência e compreensão; A minha eterna professora Olívia Menezes, por mim dá todo suporte quando precisei; Aos colegas de curso, por estarmos juntos nessa caminhada, especialmente à Joice Ribeiro de Souza que sempre esteve ao meu lado ajudando-me no que fosse preciso e aconselhando-me; Aos motoristas que me deram carona, meu muito obrigada de todo o coração..

(7) Bem sei eu que tudo podes, e que nenhum dos teus propósitos pode ser impedido (BÍBLIA SAGRADA. Jó 42:2)..

(8) RESUMO. ARAÚJO, Lucimália Bezerra de. Machado de Assis e a importância da narrativa em torno da personagem e lugar: análise do conto machadiano, Frei Simão. Orientador: Prof Dr. Márcio Ferreira da Silva. 2019. 47 f. Trabalho de Conclusão de Curso/TCC (Graduação em Licenciatura em Letras) – Universidade Federal de Alagoas/UFAL, Campus do Sertão/Delmiro Gouveia, 2019.. Este estudo buscou analisar o conto machadiano Frei Simão, encontrado na obra Contos Fluminenses, publicada pela primeira vez em 1870. Em verdade, Machado de Assis foi um ferrenho crítico da sociedade, mostrando em suas narrativas como se davam as relações no século XIX. A pesquisa se baseou em estudos da estética machadiana, formados por conhecimentos de teóricos acerca da construção narrativa do conto, como, por exemplo, Moisés (2006), e dando-se ênfase para o estilo realista, como se pode observar nos estudos de Bosi (1975, 2018), que destaca as características dos contos de Machado em vista as relações sociais, também defendidas por Marques (2010) e Miguel-Pereira (1936). Ainda, foram utilizadas as contribuições de Moisés (2006) em explicar o universo dos contos para a descrição do gênero literário. Assim, cruzou-se o conto com as circunstâncias reveladas no texto literário e formam o estilo machadiano a partir da imaginação e do entendimento do leitor para desvendar as nuances da formação do espaço da personagem. A pesquisa é, pois, de cunho bibliográfico e qualitativa, cuja análise do conto está ligado aos estudos literários do século XIX, em que a personagem, como diz Brait (1990), é marcada por uma amargura presente em sua alma, fazendo-se corromper a vontade de socializar com os outros a seu redor, fator esse que a ilude e provocam relações sociais que são representadas na sociedade burguesa da época. Palavras-chave: Conto. Personagem. Sociedade. Machado de Assis..

(9) ABSTRACT. ARAÚJO, Lucimália Bezerra de. Machado de Assis e a importância da narrativa em torno da personagem e lugar: análise do conto machadiano, Frei Simão. Orientador: Prof Dr. Márcio Ferreira da Silva. 2019. 47 f. Trabalho de Conclusão de Curso/TCC (Graduação em Licenciatura em Letras) – Universidade Federal de Alagoas/UFAL, Campus do Sertão/Delmiro Gouveia, 2019.. This study sought to analyze the Machado of Frei Simão tale, found in the book Contos Fluminenses, first published in 1870. In fact, Machado de Assis was a critical critic of society, showing in his narratives how relations took place in the nineteenth century. The research was based on studies of Machado's aesthetics, formed by knowledge of theorists about the narrative construction of the tale, as, for example, Moséis (2006), and emphasizing the realistic style, as can be observed in Bosi's studies. (1975, 2018), which highlights the characteristics of Machado's short story in view of social relations, also defended by Marques (2010) and Miguel-Pereira (1936). Also, the contributions of Moses (2006) were used to explain the universe of tales for the description of the literary genre. So, the short story was crossed with the circumstances revealed in the literary text and form the Machado style from the imagination and understanding of the reader to unravel the nuances of the formation of space of the character. The research is, therefore, of bibliographical and qualitative nature, whose analysis of the tale is linked to literary studies of the nineteenth century, in which the character, as Brait says (1990), is marked by a bitterness present in his soul, becoming corrupting the will to socialize with others around them, which deludes it and provokes social relations that are represented in the bourgeois society of the time. Keywords: Short Story. Character. Society. Machado de Assis..

(10) SUMÁRIO. 1. INTRODUÇÃO ................................................................................................. 9. 2. O CONTO MACHADIANO ............................................................................. 11. 2.1. O apogeu do conto ....................................................................................... 13. 2.2. A experiência e a novidade .......................................................................... 15. 3. AS MARCAS LITERÁRIAS DO CONTO MACHADIANO .............................. 17. 3.1. A cidade ......................................................................................................... 18. 3.2. A personagem ............................................................................................... 20. 4. FREI SIMÃO: O CONTO E O TOM MEMORIALISTA ................................... 23. 4.1. O narrador memorialista .............................................................................. 24. 4.2. A Personagem e a busca existencial .......................................................... 27. 4.3. “Morro odiando a humanidade” .................................................................. 31. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 35. REFERÊNCIAS......................................................................................................... 37 ANEXOS ................................................................................................................... 39 ANEXO A – CONTO: FREI SIMÃO .......................................................................... 40.

(11) 9. 1 INTRODUÇÃO. Machado de Assis foi um dos maiores autores da literatura brasileira, sendo considerado como tal até a atualidade. A extensão de sua obra alcançou gerações impactando com a maneira de exposição de sua visão artística, assim como plenamente atenderá as expectativas das futuras gerações devido à sua aptidão para variados gêneros literários, tais como o romance, a poesia e contos. Como contista, Machado é considerado um dos maiores da nossa história, tendo elevado a qualidade da produção nacional e, embora possa parecer um gênero fácil de escrever, devido ao tamanho reduzido de sua categoria, os contos podem ser mais complicados de criar, pois carece do domínio dos escritores para se conseguir resumir, objetivamente, toda a narrativa, assim como capturar a atenção dos leitores. Machado de Assis foi um mestre nesta área (MARQUES, 2010). A coletânea de contos de Machado de Assis publicados em 1870, na obra Contos Fluminenses, reúne alguns de seus contos de maior destaque, devido à vivacidade de sua escrita. Autor de diversos romances, no universo dos contos, Machado de Assis tem um grande destaque de sua carreira e, apesar da aparente e falsa ideia de ser um gênero mais simples de ser escrito, Machado se aplicou tanto aos contos que demorou mais de dez anos para publicar o primeiro volume, selecionando apenas sete contos, do mais de vinte que já haviam sido escritos (FREITAS, 2007). Partindo da ideia primordial de conhecer o mundo dos contos machadianos é que surge esse estudo que possui como objetivo central a análise do conto Frei Simão, publicado na obra Contos Fluminenses, escrito e publicado por Machado de Assis no século XIX, com a finalidade de entender a narrativa de acordo com as perspectivas das personagens. Ainda, buscou-se entender a forma como se dá o entendimento do sentido, subentendido na narrativa de Machado, na intenção de acompanhar a história sob o olhar da personagem central, o Frei Simão de Santa Águeda. A seleção do conto a ser analisado foi bastante complexa, sobressaindo o desejo unilateral de pesquisar o já conhecido conto, porém nunca, antes, analisado por esta pesquisadora. Desse modo, partindo da premissa residente na importância do célebre autor da literatura nacional, é que essa pesquisa se justifica, pois é incontestável que o brilhantismo que Machado de Assis possui clama a atenção cada vez mais dos estudiosos e apreciadores de suas obras. Afinal, quanto mais.

(12) 10. aprofundar-se na obra machadiana, mais elementos surgem aos olhos dos leitores, sendo uma pesquisa essencial para colaboração do conhecimento da carreira do autor estudado, Machado de Assis, sendo uma fonte quase que inesgotável de conhecimento acerca de sua carreira. A metodologia da pesquisa se deu por base no objetivo de analisar o conto, de modo que este estudo é classificado como pesquisa explicativa, pois visa a identificação dos fatores, ou seja, a explicação da razão que o objeto de estudo se apresenta. Ainda, de acordo com a abordagem do problema, esta pesquisa é considerada uma pesquisa qualitativa, que busca o sentido por trás do significado da problemática. Assim como toda forma de pesquisa, este estudo é classificado como pesquisa bibliográfica, pois reuniu uma coletânea de materiais de pesquisa, dentre obras e artigos, dos quais foram analisados e condensados no presente texto. Foram utilizadas as contribuições de autores como Moisés (2006), fornecendo sua descrição acerca do gênero conto; Reale (1982), que se insere no mundo da escrita machadiana; Marques (2010), com a ligação social existente no estilo machadiano; e Bosi (1975; 2018), auxiliando com o aporte acerca do conto de Machado. Sendo assim, esta é uma pesquisa básica, também servindo como justificativa e contribuição na criação de novos conhecimentos na área. Este trabalho está dividido em três capítulos, a seguir descrito: O capítulo 1, O Conto Machadiano, fornece a explicação acerca do mundo envolvente dos contos de Machado de Assis, fazendo uma análise de sua escrita a partir dos estudos bibliográficos realizados. O capítulo 2, As Marcas Literárias do Conto Machadiano, fala dos elementos gerais intrínsecos, com ênfase para a cidade e as personagens que compõem a narrativa. E, por último, o capítulo 3, Frei Simão: o Conto e o Tom Memorialista, apresentamos a análise do conto, bem como foram selecionados os trechos mais significativos do contos, como a memorável frase “morro odiando a humanidade” que tanto impactou de acordo com a forma como foi proferida pelos lábios de um homem que dedicou sua vida à religiosidade..

(13) 11. 2 O CONTO MACHADIANO Passados mais de um século da morte de Machado de Assis, em suas obras é possível perceber as disparidades sociais que envolvem as relações humanas na tradição ambígua entre o rico e o pobre, o branco e negro. Atualmente, as obras de Machado são uma referência obrigatória quando se busca conhecer a literatura nacional, pois a participação do autor para a renovação de uma época, principalmente posterior à década de 1880, é inegável ao transmutar o moimento literário do romantismo para o realismo. Suas obras são extremante importantes para a definição de uma identidade cultural brasileira, onde seus textos são trabalhados em todo o Brasil de acordo com as diretrizes curriculares educacionais. E se tratando dos contos de Machado de Assis, esses possuem uma significação única para a literatura brasileira, podendo haver um deslumbre da sociedade retratada em suas obras ficcionais (MARQUES, 2010, p.20). A escrita de Machado de Assis possui singularidades que o fizeram considerar como o precursor do Realismo no Brasil. Entretanto, sua forma de expressão literária está além das meras palavras expostas em seus textos. De fato, Machado de Assis foi um intelectual versado nas artes de publicações narrativas em veículos de comunicação escrita no Rio de Janeiro (CRESTANI, 2011, p.17). A escrita de Machado de Assis possui caraterísticas singulares e quando se tratam dos contos escritos pelo célebre autor, é perceptível que o estilo de escrita leva o leitor a acreditar ser uma leitura coloquial, apesar do vocabulário utilizado à época original. Entretanto, a falsa aparência de simplicidade de escrita é uma forma de prender o leitor à profundidade dos contos narrativos apresentados pelo autor. Assim: Quem observa os títulos dos volumes de contos publicados por Machado de Assis tem a falsa impressão de que o autor considerava conto um gênero menor: Papéis avulsos, Histórias sem data, Páginas recolhidas, Várias histórias. A simplicidade remete à ideia de dispersão, de uma produção pouco sistemática. Nada mais enganador, bem ao gosto de Machado. Tão perfeccionista era que demorou mais de dez anos de exercício do conto para publicar o primeiro volume e, dos mais de vinte que já havia escrito, selecionou apenas sete (FREITAS, 2007, p. 34).. O cuidado com a escrita apresentada por Machado de Assis é explicado por Moisés (2006), quando afirma que a prosa é um estilo literário ainda mais difícil que a.

(14) 12. poesia, uma vez que existe a complexidade dos objetos a serem narrados e colocados em jogo pelo autor a fim de angariar a atenção do leitor. Para o autor, ainda, Infere-se, assim, que o critério mais conveniente para se erguer uma distinção rigorosa entre o conto, a novela e o romance, é o qualitativo, que consiste em procurar ver a obra de dentro para fora, analisar-lhe e julgar-lhe os componentes, de forma, e de conteúdo (MOISÉS, 2006, p. 25).. Ou seja, escrever em prosa é ainda subjetivo quando são analisados os critérios de caracterização do estilo de escrita entre o conto e as demais formas de escrita da prosa. Desse modo, analisar um conto é ainda mais difícil se comparados com a novela e o romance, uma vez que se trata de um texto condensado, onde os elementos da narrativa são apresentados de maneira concisa e sem delongas, pois a estrutura do texto deve ser apresentada de forma breve (MOISÉS, 2006). A literatura apresentada por Machado de Assis, amplamente difundida em sua variedade de obras é rica em elementos humanos e paisagens que descrevem o seu tempo. Muitos autores agraciam a obra machadiana, enaltecendo a forma como Machado de Assis compunha seus textos, revelando singularidades objetivas do modo como a sociedade da segunda metade do Século XIX funcionava (FREITAS, 2007). Entretanto, para os entusiastas da prosa de Machado de Assis, muitos estudiosos colocam os contos machadianos em um patamar ainda mais alto, pois a maneira como o texto dispõe a narrativa e que precisa utilizar de coesão ao comprimir as histórias a serem contadas exige do autor o domínio em maestria da palavra escrita. Machado de Assis é considerado um gênio não apenas de sua época, pois seus textos possuem um significado que agrega situações da atualidade, tal como a luta de classes entre os ricos e pobres e as relações desfavoráveis que são resultantes dessa interação. Mestre de diversas publicações, Machado de Assis foi autor de poemas, peças de teatros e contos, além de outros textos. Sua obra é vasta e possui o estilo de sua época, criada por suas próprias ações (CRESTANI, 2011). Os contos de Machado de Assis possuem uma ligação com a realidade, independentemente de característica de sua forma de escrita estar inserida no Realismo. Entretanto, Machado é um romancista, ou seja, escreve romances, o que fez com divina maestria, porém, por agregar as diferenças e mudanças de sua época, naturais das relações humanas e sociais, acrescenta na sua escrita as observações.

(15) 13. clínicas do comportamento humano e funcionamento da sociedade elaborado em forma de uma radiografia da estrutura de sua sociedade (MARQUES, 2010). Na definição de Liliane Cordeiro Marques, O conto é, num primeiro momento, uma forma narrativa, sucinta, em prosa e de extensão reduzida, no sentido de tamanho, caracterizado, basicamente pela concisão, precisão e densidade dialética. Assim, ele precisa causar efeito singular no leitor (portanto, presume a existência de um leitor implícito) (2010, p. 5).. Desse modo, analisar as obras de Machado de Assis se torna um trabalho amplamente complexo e de extrema magnitude. Portanto, para caber em um espaço curto de pesquisa, se comparada com a riqueza e grandeza de sua obra, será abordado o conto de Frei Simão, último texto da obra de contos, Contos Fluminenses, em sua primeira edição, publicado originalmente em 1870. Nessa obra, ainda contam as narrativas de: Miss Dollar; Luís Soares; A Mulher de Preto; O Segredo de Augusta; Confissões de uma Viúva; Linha Reta e Linha Curva; e, por último, o conto de Frei Simão.. 2.1 O apogeu do conto. No que se refere ao conceito de conto, para Moisés (2006), no século XVI, a palavra assumiu sentido próprio. No século XVIII, além de se confundir com a “novela” e o “romance”, em decorrência das ambiguidades devidas à polissemia, e o sentido do lexema ‘conto’, ainda quando se tratasse de conto literário, guarda coloração pejorativa. Sendo assim, o conto é uma estrutura onde a prosa é elaborada de uma forma quase inverossímil e fantástica. Foi somente com a escola realista que o conto passa a ser importante para a literatura enquanto arte, de fato literária. E essa importância atribuída ao conto ocorre, nas últimas décadas do século XIX, com o advento do realismo. (MARQUES, 2010). Existem diversas teorias que tentam explicar a gênese do conto, entretanto, são teorias incompletas e não satisfazem a grandeza e importância que o conto possui para a literatura brasileira. O conto se envereda pela tradição folclórica e acaba por.

(16) 14. perder um pouco da seriedade imposta à importância que a literatura possui dentro da história nacional (MOISÉS, 2006). De acordo com Cilene Margarete Pereira (2009), a construção do texto de Machado de Assis é imprescindível para a caracterização do conto na literatura brasileira. Machado possuía uma capacidade de desenhar as pessoas e lugares com sua escrita e que leva o leitor a sentir as temperaturas colocadas nas páginas de suas obras graças ao estilo irônico e, por muitas vezes, perturbando a paz e fazendo o apreciador a questionar certas convenções da realidade da sociedade retratada pelo autor. É sentido em seus romances que o ritmo da escrita de Machado de Assis é marcante e variável de tal modo que torna evidente, até um certo desrespeito pelas normas. O escritor muda de assunto com facilidade onde o papel do narrador, da personagem e do narrador-personagem acabam por se multiplicar numa profusa confusão com lógica. Desse modo, o fato de Machado não seguir certas normas conseguintes é a normativa de sua escrita (SCHWARZ, 2000). Desse modo, se torna uma característica, tal como uma norma técnica de Machado, pois: Uma técnica narrativa, enfim, a que não faltam alcance nem implicações. Separada do ímpeto crítico e reformador, a Ilustração troca de sinal, transformando-se em licença; resta o estoque das coisas humanas, equivalentes na sua mecânica risível, banalizadas e oferecidas à dissipação de um homem culto, cuja fisionomia de classe peculiarmente nacional — especialidade literária de Machado de Assis — examinaremos mais adiante (SCHWARZ, 2000, p. 24).. Machado de Assis traz para sua obra traços das relações sociais e humanas e descreve-as com um cuidado fino que o torna um dos maiores contistas de sua época. Machado revela as inquietudes da natureza humana com uma suavidade e descrição que objetiva desnudar a alma da personagem em vista as ocorrências presentes na narrativa (MARQUES, 2010). É na importância do jogo de palavras que leva à construção da pintura daquilo que está escrito. A narrativa do texto precisa se aproximar da origem formal da palavra de modo a possibilitar o leitor o entendimento durante a primeira leitura, deixando as conjecturas acerca da segunda visão do texto para serem carregadas na sequência que a obra é destrinchada (BECK, 2015)..

(17) 15. Desse modo, a sequência onde os fatos são colocados no desenrolar do conto de Machado de Assis, assim como o jogo de palavras escritas, é o catalisador das emoções desconexas pela maneira não formal de sua criação literária. Em realidade, apesar da desconexão com o ordenamento da palavra, o texto de Machado possui uma coesão que, por si mesmo, é o responsável pelo entrelaçamento das ideias em uma teia cheia de significados e importância lexical do discurso empregado no conto.. 2.2 A experiência e a novidade A busca da explanação do comportamento humano era o principal objetivo de Machado de Assis. Desde o início de sua carreira, as obras de Machado já compunham algo diferente em oposição ao Romantismo, assim seu estilo de escrita passa a renovar a literatura nacional e passa a constituir o início da corrente do Realismo na literatura nacional (BOSI, 1975). A escrita de Machado de Assis é composta de uma crítica às estruturas sociais presentes na sociedade e evidenciam os contornos nas relações entre ricos e pobres. Sua crítica é composta de uma escrita irônica e que, por muitas vezes, parece não funcionar dado o caráter desconstrutivo da narrativa revelado pela desordem das ideias apresentadas. Entretanto, A despeito da genialidade analítica e construtiva, a composição das Memórias apresenta dificuldades. Há passagens que não funcionam, ainda sendo engenhosas (salvo engano do crítico, nunca improvável). No plano global, a malícia soberanamente versada do narrador está em desproporção com o mundo em fim de contas reduzido das personagens, que ficam parecendo títeres. A presença ubíqua do capricho e o papel de chave universal que lhe incumbe têm como efeito uma certa monotonia, além de ocultarem o arcabouço realista do romance. As diferentes dimensões das personagens nem sempre se integram, ocasionando alguma indecisão de contornos etc. (SCHWARZ, 2000, p. 108).. Parte da crítica relacionada a escrita de Machado de Assis, deve-se às duas fases de sua produção de suas obras: a primeira, mais romântica e juvenil, e a segunda, mais realista e madura. Reforçada pela ideia favorável à crítica, Machado de Assis não se preocupara em relação à sua escrita, uma vez que o objetivo de.

(18) 16. externar suas preocupações sociais e a busca da compreensão das relações humanas era a sua vontade (FREITAS, 2007). Há ainda, de se falar sobre a construção da heroína de suas obras. Machado usará inclusive, uma cadela como personagem central em Miss Dollar. Assim, a novidade que se instalara ao se rebelar ao Romantismo, que centrara sua heroína em personagens femininas e que agregam as características associadas à fragilidade humana. Ao reconstruir suas heroínas, Machado. Certamente, não sem motivos, essa característica da obra de Machado de Assis era reflexo das influências de sua época, uma delas, a da escola francesa, que irradiava cultura pelo mundo (SEIDEL; CALLIPO, 2010). É de se esperar que as influências de cada época sejam transformadoras pessoais de autores, uma vez que os gêneros literários estão condicionados a essas mudanças sociais e de tempos. Assim, definir se a escrita de Machado de Assis é um divisor de águas é deveras precipitado. Sua época já guardava os anseios de modificação na forma de escrita, pois à crítica ao Naturalismo já era recorrente em sua sociedade do Século XIX. Desse modo, a genialidade de escrita de Machado de Assis é, portanto, a que acrescenta às suas obras algo mais que os outros escritores do Realismo não possuem. Claro que a expressividade de cada autor não pode ser julgada a priori, nesse estudo, pois não se busca comparar os méritos desses autores. Assim, as mudanças impostas por Machado de Assis trazem os elementos novos que cada momento da história necessita para continuar a comprovação de sua evolução, mesmo que seja, somente, na área da arte literária..

(19) 17. 3 AS MARCAS LITERÁRIAS DO CONTO MACHADIANO Os anos 60 do Século XIX foram fecundos em relação à ruptura no pensamento que sustentava as teorias políticas do período escravocrata. A linha que separa o Romantismo do Realismo é tênue e acentuada pelos pensadores e escritores, críticos de sua época. As reflexões positivistas passam a tomar conta do pensamento da nação que parte em busca da defesa do oposicionismo ao regime escravocrata e em vista o republicanismo (BOSI, 1975). É a partir dessas reflexões que a escrita de Machado de Assis e suas considerações críticas acerca das relações humanas e sociais do regime político que imperava em sua época que enleva a necessidade de criticidade com o meio em que o escritor convivia. Essa vertente de sua alma passava a aprimorar-se a medida em que o autor amadurecia pessoal e profissionalmente. Entretanto, essa característica é revelada ainda no começo de sua carreira: Quando o romancista assumiu, naquele livro capital, o foco narrativo, na verdade passou ao defunto autor Machado-Brás Cubas delegação para exibir, com o despejo dos que já nada mais temem, as peças de cinismo e indiferença com que via montada a história dos homens. A revolução dessa obra, que parece cavar um fôsso entre dois mundos, foi uma revolução ideológica e formal: aprofundando o desprêzo às idealizações românticas e ferindo no cerne o mito do narrador onisciente, que tudo vê e tudo julga, deixou emergir a consciência nua do indivíduo, fraco e incoerente. O que restou foram as memórias de um homem igual a tantos outros, o cauto e desfrutador Brás Cubas (BOSI, 1975, p. 19).. A cadência da produção escrita de Machado de Assis é baseada na busca pelo aprofundamento dos tipos sociais, sendo que um arranjo histórico é a engrenagem de sua criação mimética. A dualidade está presente na complexidade e desdobramentos de contradições sociais e que levam a construção de um texto volúvel, porém a alidade de crítica empregada na escrita é fomentada pelo uso de linguagem irônica pelo autor (SCHWARZ, 2000). Entretanto, ao escrever seus contos, Machado de Assis compunha breves histórias de maneira que se assemelhem a inverosimilhança devido ao caráter incrível de suas criações. Em realidade, o conto é uma unidade de texto que engloba os conflitos e anseios dramáticos da história criada criando uma perspectiva de uma história que carrega emoções fortes e complexas em sua estrutura lexical. Assim,.

(20) 18. O conto é, pois, uma narrativa unívoca, univalente: constitui uma unidade dramática, uma célula dramática, visto gravitar ao redor de um só conflito, uma só drama, uma só ação. Caracteriza-se, assim, por conter unidade de ação, tomada esta como a sequência de atos praticados pelos protagonistas, ou de acontecimentos de que participam. A ação pode ser externa, quando as personagens se deslocam no espaço e no tempo, e interna, quando o conflito se localiza em sua mente (MOISÉS, 2006, p. 40).. No movimento literário do Realismo englobara as características do conto, do romance e do naturalismo para dar vazão às suas ideias. As leis naturais, assim como o empirismo ressaltando as características da sociedade não escondendo a atmosfera opressora de sua literatura crítica. As artes mesclam-se com literatura em busca da liberação do anseio de questionamento com o movimento do capitalismo gerado a partir da Revolução Industrial, onde foram causadas das mudanças e desigualdades sociais encontradas na sociedade do Século XIX (BOSI, 1975). A obra de Machado de Assis, Contos Fluminenses, onde se encontra o conto de Frei Simão, agrega todos os valores o realismo de Machado de Assis, assim como está presente nos demais contos publicados. A influência francesa é massiva nessa obra, pois a França é um grande irradiador de cultura pelo globo. O realismo na Europa, assim como no Brasil apresentam pontos semelhante, visto posto a significação da obra de Machado de Assis em vias de elaboração dos textos (SEIDEL; CALLIPO, 2010). Desta forma, o conto de Machado de Assis agrega as características da escrita de seu movimento literário, assim como participa da transposição dos problemas sociais encontrados na sociedade do Século XIX com o intuito de provar os erros que existem dentro da cidade, assim como nas relações sociais entre os membros dessa sociedade. O arcabouço do conto machadiano é obtido através da arte de escrita do autor.. 3.1 A cidade. A cidade, contada a partir da lógica lexical do Realismo, agrega os sentimentos de pertencimento e naturalidade do autor pelo espaço desenhado em palavras. Para Machado de Assis é exigido do escritor, acima de qualquer coisa, o sentimento ímpar.

(21) 19. de crença subjetiva ao qual o homem está relacionado ao seu tempo, pois ambos se encontram intimamente interligados (FREITAS, 2007). O ambiente onde os contos são ambientados remetem ao sentimento do qual os autores estão inseridos, assim como fizessem parte naturalmente desses lugares. Essa é uma característica natural do gênero literário em questão, pois O tema da nacionalidade está no centro do debate literário da época. Em busca de autoafirmação, tanto os escritores quanto os críticos valorizavam tudo o que estivesse relacionado ao caráter nacional, à cor local, como se esse fosse o único caminho possível para fugir da reprodução dos modelos europeus, principalmente os portugueses, dada a nossa condição colonial (FREITAS, 2007, p. 26).. Quando se fala em lugares, normalmente é associada às preocupações inerentes da Geografia, enquanto a Ciência que estuda as características e nuances que envolvem as problemáticas do espaço, enquanto analisado sob a ótica da significação do ambiente (WALTY; MENDES, 1978). Entretanto, o geógrafo Milton Santos (1988) explica que as transformações ocorridas no espaço são decorrentes da evolução natural econômica e socialmente. Assim, a Revolução Industrial é também o ponto de partida das discussões acerca das mudanças ocorridas na paisagem e que incutem nas mudanças das relações associais, assim como na distribuição do espaço físico. Vale ressaltar que as mudanças físicas no espaço são mais abrangentes e podem ser complementadas quando relacionadas às relações que ocorrem em sociedade, assim como dos objetivos que pertencem ao espaço. Desse modo, o espaço é resultado das transformações e interações entre a sociedade e a paisagem. Nesse ponto, as preocupações levantadas por Santos (1988) acerca das nuances que envolvem a transformação e utilização do espaço são semelhantes às considerações que o Realismo agrega na construção da forma imagética da cidade onde se passa o cenário de suas obras. O autor coloca que essas transformações ocorridas na paisagem e que dão características inerentes ao espaço, são as causadoras para as mudanças sociais que existem sempre em função da colocação do sujeito humano e a paisagem. Para a literatura, inclusive a expressa nas obras de Machado de Assis o espaço agrega, ainda mais o sentido do espaço psicológico e carregado de sentido próprio e que norteie o desenvolvimento da narrativa. As informações dadas, acerca.

(22) 20. do espaço, é que possibilita ao leitor a capacidade de enxergar o decorrer da narrativa, pois possibilita acompanhar o texto como se o autor pudesse presenciar os fatos colocados na ficção, assim como se fosse em realidade (WALTY; MENDES, 1978). Assim como associar ao entendimento do espaço, em vista a sua significação psicológica, sob a ótica do autor, o espaço é ainda entendido [...] a partir das relações do sujeito com o mundo, tanto exterior quanto interior, que a experiência poética e sua leitura são vivenciadas. O voltar-se a algo e ir ao seu encontro, a intencionalidade no dizer filosófico de Husserl, possibilita a criação de horizontes, que, por meio do ponto de vista adotado, dá forma à realidade e promove a abertura do sujeito (MOUSQUER, 2015).. Essa abordagem incrementa o mesmo sentimento de pertencimento aos leitores, assim como de toda a sociedade que usufruíra da arte literária no Século XIX. Entretanto, o trabalho de Machado de Assis ficara um tanto ofuscado quando associado às revistas e periódicos que publicara seus trabalhos, pois, por muitas vezes, os ideais desses veículos de comunicação agregavam os mesmos ideais da Europa que consistiam em interesse pela realeza (CRESTANI, 2011). Assim sendo, a importância do espaço na narrativa dos contos é ainda mais preciosa para a construção lexical do texto, uma vez que o espaço necessita estar bem definido, sem delongas, para estimular o interesse do leitor pelos contos, estabelecendo uma relação entre eles para captar a função no texto, assim como em outras obras.. 3.2 A personagem Outra característica fundamental para a construção do conto machadiano é a colocação das personagens na narrativa. Os personagens descritos por Machado são complexos e possuem relações sociais complicadas onde o autor usa de ironia para resolver questões sociais dos personagens da narrativa (FREITAS, 2007). Ainda, as personagens de Machado de Assis são criadas com uma medida tal qual empírica, pois.

(23) 21 [...] a personagem continua sendo vista como ser antropomórfico cuja medida de avaliação ainda é o ser humano. Não existe a rigor, até esse momento, uma teoria da prosa de ficção que possa estudar e entender a personagem em sua especificidade. Os estudos desenvolvidos durante esse longo período nada mais fazem que reproduzir por prismas diversos a visão antropomórfica da personagem. Essa tradição só vai ser alterada nas primeiras décadas do século XX com a sistematização da crítica literária, em suas diversas tendências, e com a reabertura do diálogo acerca das especificidades da narrativa e de seus componentes (BRAIT, 1990, p. 38).. Desse modo, a construção da personagem, a partir das definições de Brait (1990) são essenciais para a narrativa de Machado. De maneira semelhante, Cilene Margarete Pereira (2009), a composição das personagens nas obras de Machado de Assis são complexas e envolvem as características de construção das personalidades de acordo com as características psicológicas e sociais das personagens. Para cada conto, a participação da personagem central muda o rumo da narrativa, devido ao caráter múltiplo de participação natural das personagens, assim como da problemática inerente a cada uma. Quando muito, os papeis dos personagens centrais multiplica, fazendo com que o conto adquira um tom ainda mais trágico. As personagens dos contos são o alicerce das narrativas, pois a narrativa busca mostrar os anseios desses personagens (MOISÉS, 2006). Machado de Assis inova quando reformula a construção da heroína de suas narrativas, inclusive o papel podendo ser adotado por uma figura não humana, no caso do conto de Miss Dollar, por exemplo, presente na mesma obra do conto de Frei Simão, a heroína é uma cadelinha galga, o narrador é onisciente, ou seja, em terceira pessoa e sabe tudo que se passa e acontece com as personagens. A obra de Machado possui essas características que fogem das características do Romantismo ao descentralizar aqueles papéis esperados de uma heroína a ter seus anseios correspondidos por um nobre cavaleiro (PEREIRA, 2009). Ainda, a participação das personagens centrais pode determinar a narrativa que, inclusive, pode ser feita em primeira pessoa. Quando não obstante, a narrativa passa a mudar de acordo com as personagens centrais da história. Desse modo, o nível de exposição íntima de cada personagem pode ser modificado de acordo com a narrativa, porém a intimidade e a capacidade de transportar-se para o texto, a fim de sentir os anseios das personagens, é definida pela escrita e essa característica é passível de cada autor (BRAIT, 1990). Os contos de Machado de Assis ainda são muito influentes, justamente pela exposição sociológica da sociedade que retrata em suas obras de forma generosa..

(24) 22. Essa é a marca característica de sua obra, a qual busca criticar certos aspectos da sociedade que se torna capitalista em meados de mudanças históricas sociais. Entretanto, Se a obra do escritor brasileiro estivesse exclusivamente ligada ao contexto histórico, não despertaria o interesse dos leitores na temível passagem dos séculos, passagem esta que deixa para trás tantos nomes da literatura. Machado é lido com tanto interesse ainda hoje, justamente porque teria tratado de temas comuns a todos os seres, de todas as épocas (SEIDEL; CALLIPO, 2010, p. 243).. A capacidade de construção das personagens fez de Machado de Assis o célere escritor que, passados mais de cem anos de muitas de suas publicações, essas obras ainda carregam sentimentos fortes de identificação pessoal, além de pertencimento à pátria retratada nas obras de Machado, tal qual pudessem ter sidos problemas enfrentados pela alma dos brasileiros. De fato, Machado de Assis está inserido dentro da noção geral de patriotismo dos brasileiros, visto sua importância para a literatura nacional..

(25) 23. 4 FREI SIMÃO: O CONTO E O TOM MEMORIALISTA. O leitor que presta seu tempo a analisar as obras de Machado de Assis percebe os aspectos filosóficos que suas tramas possuem. Além disso, as contradições que permeiam suas obras, tais como romances, poesias, contos e crônicas, são acompanhadas pelo espírito do autor que emprega palavras em tons contraditórios e, por vezes, jocosos, o que torna sua linguagem emblemática para os que apreciam as conotações feitas nas obras machadianas (REALE, 1982). Outra característica presente nas obras do célebre autor Machado de Assis é a descontinuidade das ocorrências apresentadas e que mistura eventos do passado e presente num processo lógico de explicação que somente um grande escritor pode se valer desse processo sem prejudicar a narrativa. Ainda, como Roberto Schwarz coloca a importância da obra de Machado para composição da imagem da sociedade da época Ao transpor para o estilo as relações sociais que observava, ou seja, ao interiorizar o país e o tempo, Machado compunha uma expressão da sociedade real, sociedade horrendamente dividida, em situação muito particular, em parte inconfessável, nos antípodas da pátria romântica (SCHWARZ, 2000, p. 9).. Desse modo, Machado de Assis dispõe sobre as tramas da sociedade embrincando-se nas discrepâncias dos personagens no estabelecimento das relações sociais que levam à tragicidade de algumas de suas obras, incluindo-se o conto “Frei Simão”. A beleza na ironia na narrativa machadiana e o exemplo revela que o autor possui um certo pessimismo sem angústia e uma lógica de compensações para cada evento estudado (REALE, 1982). A respeito da escrita de Machado, esta possui peculiaridades e trejeitos que beiram ao tipicismo de uma linguagem estrita a este autor. De acordo com MiguelPereira (1936), a obviedade dos clichés presentes nas obras machadianas até parecem ser intencionais e não apenas um vício de linguagem que muitos escritores são acometidos. Para a autora, Machado de Assis assemelha ter uma coisa familiar em seus hábitos, levando a ser estereotipado. Ademais, as obras machadianas levam os leitores a buscar entender os entremeios que compõem a narrativa a partir do modo como o escritor apresenta,.

(26) 24. mesmo que seja numa desordem cronológica, mas que incita os leitores a pensarem que a obra é mais verosímil que ficcional. A respeito disso, Villaça afirma que: Não nos cansaremos de encontrar nos textos machadianos o empréstimo de ideias e de formas, as incontáveis alusões, as fontes veladas ou explícitas, as citações e as glosas, os lapsos forjados ou verdadeiros — todo um arsenal, enfim, de dispositivos intertextuais que encorajam estudos comparatistas (VILLAÇA, 1998, p. 3).. Desse modo, partiremos para a análise do conto de Machado de Assis, foco deste trabalho: Frei Simão, um dos textos selecionados da obra Contos Fluminenses. O propósito desta parte do texto é buscar entender as nuances machadianas e os eventos postos no decorrer do conto, assim como tentar entender as características da escrita do autor em busca de sua contextualização de uma breve parcela imagética da sociedade em que transcorre a trama e mostrada na obra.. 4.1 O narrador memorialista. Inicia a obra de Machado de Assis com uma oração que remete ao passado e condições vividas: “Frei Simão era um frade da ordem dos Beneditinos. Tinha, quando morreu, cinquenta anos em aparência, mas na realidade trinta e oito” (ASSIS, 2015, p. 7). De acepção memorialista, assim como grande parte da obra do ilustre autor, Frei Simão encaminha quando leva o leitor a buscar os fatos no passado para conseguir a explicação na narrativa. Assim como autores tais quais Schwarz (2000), Villaça (1998) e Bosi (2018) colocam as suas considerações acerca da construção da linha histórica estabelecida em suas obras, podemos ainda citar a importância da forma como o tom memorialista das obras de Machado de Assis o tornara interessante aos olhos do público. Várias obras machadianas recorreram ao recurso memorialista: Dom Casmurro, Memórias Póstumas de Brás Cubas, Contos Fluminenses e Missa do Galo. Essa desconstrução da ordem narrativa leva a uma subversão do tempo dentro da obra de Machado de Assis reforçando a ideia de uma forma de escrita característica do escritor (BRANDÃO, 2007). Entretanto, Bosi (2018) coloca que é justamente essa forma de narrativa que torna o texto ainda mais interessante, pois:.

(27) 25. Essa distância entre forma (inspirada em “modelos”) e sentido da mensagem pode levar à ideia de máscara, figura que o ensaísta adotaria a certa altura, ou à hipótese de um jogo de humor, que reconhece, sob uma forma leve, aparentemente jocosa, as contradições e as mazelas da conduta humana vista individualmente ou no teatro da História. Do lado do sentido da mensagem, o que efetivamente regeria o discurso narrativo do Machado maduro seria uma “letargia indefinível”, uma pulsão de morte (para recorrer à expressão freudiana), a volúpia do nada, o taedium vitae1 do espectador de si mesmo (BOSI, 2018, p. 195).. A mensagem na obra machadiana dá-se pela forma como o diálogo entre o narrador e o leitor é colocado remete à possibilidade de fazer o leitor construir uma linha de pensamento que o permita acompanhar a narrativa, pois a desconstrução do tempo em função da colocação dos acontecimentos dados pelo autor tornaria a narrativa um caos de entendimento. Entretanto, Machado de Assis, brilhantemente reafirma passagens já comentadas anteriormente na narrativa. Esse recurso é verificado em outras obras do escritor, tal como Memórias Póstumas de Brás Cubas (SCHWARZ, 2000; BRANDÃO, 2007). O narrador de Frei Simão não faz parte da trama, entretanto este possui o conhecimento tal qual um narrador onisciente. Assim, este apresenta a situação e a motivação intrínseca as decisões tomadas pelo personagem central da história, Frei Simão de Santa Águeda, assim como as ações dos personagens secundários e que levaram a certas decisões de Simão, neste caso o pai do frei. Assim, a tonalidade memorialista do conto machadiano é revelada pela desordem cronológica como a história é apresentada, pois a narrativa se inicia com o final da vida da personagem central, mas que é a justificativa para a busca de se entender os motivos que levaram o frei Simão proceder em comportamento como foi nos últimos anos de sua vida. A história de Simão passa a ser revelada com a descoberta de seus manuscritos. Entretanto procedeu-se ao inventário dos objetos que pertenciam ao finado, e entre eles achou-se um rolo de papéis convenientemente enlaçados, com este rótulo: "Memórias que há de escrever frei Simão de Santa Águeda, frade beneditino" (ASSIS, 2015, p. 9).. Com a descoberta dos manuscritos e as informações que passam a ser colocadas a respeito do comportamento de Simão, enquanto presente no claustro, é. 1. Do latim: tédio da vida, ou o desgosto de viver..

(28) 26. que a história passa a ser rememorada e contada à medida que as memórias de Simão são lidas. A partir desses textos é que as memórias de Simão são reveladas, assim como as angústias que o levara a escolher passar o restante de sua vida em clausura. Este rolo de papéis foi um grande achado para a comunidade curiosa. Iam finalmente penetrar alguma coisa no véu misterioso que envolvia o passado de frei Simão, e talvez confirmar as suspeitas do abade. O rolo foi aberto e lido para todos (ASSIS, 2015, p. 9).. Com a descoberta de uma espécie de biografia contando as agruras de sua existência e que o levara a decidir pela vida religiosa. E, ainda mais importante para as personagens: descobrir a motivação do comportamento e personalidades apresentados nos últimos anos pelo frade beneditino. O narrador, nesse momento do conto, expressa a dualidade de sua verificação, pois afirma que: “O autor desta narrativa despreza aquela parte das Memórias que não tiver absolutamente importância; mas procura aproveitar a que for menos inútil ou menos obscura” (ASSIS, 2015, p. 9). Desse modo, pode-se entender que os fatos contados foram escolhidos de acordo com a necessidade do autor-narrador em compartilhar apenas os que são interessantes para a trama e que se referem à tragicidade maior da vida de Simão, a qual podemos classificar como um coração partido pela ausência terrena de sua amada: Helena. E, ainda, o narrador utiliza essa frase como um aviso para os detalhes que irá dispor ao seguir a narrativa, fomentando no leitor a necessidade em preencher as lacunas psicológicas para entender o comportamento das personagens. Tal qual uma conversa, o conto Frei Simão segue numa espécie de desordem cronológica acompanhada com detalhes frívolos de um romance malfadado e destinado a não ser possível devido as exigências sociais e econômicas da época em que a narrativa é contada. É, desse modo, que o autor-narrador entabula a conversa com o leitor de maneira a promover o sentimento no leitor, de que este poderia fazer parte da narrativa e tende a possuir opinião, ou mesmo material suficiente para possuir uma. Assim, o tom memorialista nas obras de Machado de Assis é dado pelo narrador, por vezes uma personagem da trama contada, e que, no conto Frei Simão.

(29) 27. se trata de uma terceira pessoa, tal qual o leitor, o que confere o caráter de proximidade com este último.. 4.2 A Personagem e a busca existencial. De acordo com Reale (1982), para quem se dispõe a analisar as obras de Machado de Assis é possível perceber o apreço que este possuía pela filosofia ao ponto de empregar a palavra diversas vezes em suas obras. Embora, por vezes, o termo seja empregado com outro sentido abordando inclusive, através de uma tonalidade jocosa as suas comparações. Bosi (2018) reforça que, no curso que a trama machadiana transcorre, unidade de tom do estilo de Machado de Assis reforçam a lógica que une a linguagem com sentido interno para a forma de escrita do autor. Ainda, Bosi acrescenta que os artifícios utilizados pelo autor na busca de significação das personagens sãos embasadas nas percepções desses personagens, em alguns casos o narrador da trama, mas que não podem ser verossímeis, pois são dotados de impressões diversas a cada sujeito da narrativa. Como bem complementa Brandão, a busca de sentido filosófico da personagem central, assim como de outras personagens secundárias, está presente na forma como o texto é posto pelo escritor em tom memorialista. Assim, “Sua narrativa memorialista é, portanto, não a busca do tempo perdido, mas o relato dessa busca fracassada de si mesmo [...]” (BRANDÃO, 2007, p. 134). Ainda, a autora complementa que: Essa diluição do sujeito nos remete ao advento da Modernidade, quando o mito do sujeito uno cedeu lugar a uma nova construção do discurso filosófico: a alteridade. O texto machadiano, portanto, aproxima-se do de Proust, que, como indica Benjamin (1994), apesar de intitular-se Em busca do tempo perdido, aponta exatamente para essa impossibilidade de sintetizar em único “eu” a pluralidade subjetiva (BRANDÃO, 2007, p. 135).. Desse modo, o texto machadiano busca explicitar a verdade existencial presente na alma das personagens que o escritor expõe aos interlocutores em suas obras. O conto Frei Simão não se apresenta de maneira diferente. Cada personagem.

(30) 28. é colocado pelo autor de modo a compreender suas ações, embora a aceitação, ou não, dependerá de cada interpretação. No conto Frei Simão, a personagem central que dá nome ao conto é apresentada incialmente dando detalhes de sua personalidade, entretanto a partir do evento trágico de sua morte. O narrador apresenta Simão sob sua ótica, entretanto mostrando o panorama daqueles que o cercavam antes de sua morte: Era frei Simão de caráter taciturno e desconfiado. Passava dias inteiros na sua cela, donde apenas saía na hora do refeitório e dos ofícios divinos. Não contava amizade alguma no convento, porque não era possível entreter com ele os preliminares que fundam e consolidam as afeições. Em um convento, onde a comunhão das almas deve ser mais pronta e mais profunda, frei Simão parecia fugir à regra geral. Um dos noviços pôs-lhe alcunha de urso, que lhe ficou, mas só entre os noviços, bem entendido. Os frades professos, esses, apesar do desgosto que o gênio solitário de frei Simão lhes inspirava, sentiam por ele certo respeito e veneração (ASSIS, 2015, p. 7).. Era de conhecimento geral entre os noviços que o frade possuía uma personalidade excêntrica, porém sem despertar maiores suspeitas da história de vida que o levara a possuir tal comportamento. Assim, frei Simão era considerado apenas mais um dos irmãos da ordem beneditina. O Abade, a segunda personagem principal da trama, é apresentado na iminência da morte do frei Simão e que ficara impressionado com a maneira como o frei decidira se despedir do mundo terreno. A partir desse momento, a impressão do Abade acerca do frei Simão modificara totalmente a ponto de que: [...] acreditara que frei Simão estivesse doido; mais ainda, que tivesse entrado já doido para a ordem. Os hábitos da solidão e taciturnidade a que se votara o frade pareciam sintomas de uma alienação mental de caráter brando e pacífico; mas durante oito anos parecia impossível aos frades que frei Simão não tivesse um dia revelado de modo positivo a sua loucura; objetaram isso ao abade; mas este persistia na sua crença (ASSIS, 2015, p. 8-9).. Os eventos descortinados modificaram o entendimento do Abade a ponto de querer buscar a explicação para o falecido frade beneditino ter se despedido com tanto rancor de sua vida. As demais personagens vão sendo lançadas a medida em que os escritos de Simão foram desenrolados e lidos a todos os que ali vivem contando a história de sua trajetória até o claustro. Entretanto, essas notas não revelam detalhes de seus.

(31) 29. personagens reais. Essa afirmação se encontra presente na seguinte passagem da obra: As notas de frei Simão nada dizem do lugar do seu nascimento nem do nome de seus pais. O que se pôde saber dos seus princípios é que, tendo concluído os estudos preparatórios, não pôde seguir a carreira das letras, como desejava, e foi obrigado a entrar como guarda-livros na casa comercial de seu pai (ASSIS, 2015, p. 11 – Grifos Meus).. Ainda junto a ocupação comercial que ocupava antes de entrar para a ordem religiosa, nesta parte da obra, também, é apresentada outra crucial personagem na história de Simão: seu pai. Não há indicação dos nomes dos pais de Simão, assim como afirmado no primeiro parágrafo do Capítulo II da obra estudada neste texto. Mas, há passagens sugerem como o pai de Simão tinha expectativas a respeito de seu filho quando: Ora é preciso dizer, apesar de não haver declaração formal disto nos apontamentos do frade, é preciso dizer que os referidos pais eram de um egoísmo descomunal. Davam de boa vontade o pão da subsistência a Helena; mas lá casar o filho com a pobre órfã é que não podiam consentir. Tinham posto a mira em uma herdeira rica, e dispunham de si para si que o rapaz se casaria com ela (ASSIS, 2015, p. 11-12).. Desse modo, é permitido ao leitor criar uma imagem de interesse econômico além de uma felicidade advinda de relações simples para Simão. Entretanto, o conto de Machado não desenha a imagem do pai de Simão como inescrupulosa e debilitada de sentimentos paternos e concretos por seu filho. Ainda assim, o pai de Simão possui a faceta de humanidade ao acolher sua sobrinha, que se encontra órfã. Seu nome era Helena, célebre protagonista de romance homônimo do escritor. A moça, o grande amor de Simão é apresentada de acordo com suas qualidades físicas de beleza e principalmente, de comportamento e temperamento. O narrador insere a personagem na história não como o leitor dos manuscritos, mas através da interpretação das palavras lidas pelo religioso. Assim, o narrador classifica a moça da seguinte maneira: A órfã chamava-se Helena; era bela, meiga e extremamente boa. Simão, que se educara com ela, e juntamente vivia debaixo do mesmo teto, não pôde resistir às elevadas qualidades e à beleza de sua prima. Amaram-se. Em seus.

(32) 30 sonhos de futuro contavam ambos o casamento, coisa que parece mais natural do mundo para corações amantes (ASSIS, 2015, p. 11).. Devido à tragicidade pessoal enfrentada por Helena, após a perda de seus pais, passara a viver sob o mesmo teto que Simão e lá começaram o romance próprio para a época que se passa a narrativa, porém sem oportunidades reveladas de encontros discretos. Demonstra-se, então, a paixão pura e inocente entrelaçada entre os dois. A mãe de Simão não se apresenta como uma personagem marcante na narrativa, se destacando em duas passagens. A primeira fala a respeito do reconhecimento do afeto entre o casal Simão e Helena quando o narrador faz alusão à dupla paternal quando coloca: “Não tardou muito que os pais de Simão descobrissem o amor dos dois” (ASSIS, 2015, p. 11). Nesse ponto o pai de Simão recebe destaque no engenho de solução desse assunto, pois esta situação iria de encontro com as aspirações paternas de Simão em uni-lo a uma moça rica. A mãe de Simão é posta em breves passagens no decorrer da narrativa e possui pouco elementos que situem a mulher como personagem indelével. Como medida para solução entre o romance encabeçado por Simão e Helena, o pai de Simão decide recorrer a um amigo, o qual possui negócios, sob o pretexto de que estes são muito importantes para serem confiado ao serviço de correios. Assim, com a decisão de mandar Simão para longe de seu lar, o pai de Simão pede que este leve uma carta para seu amigo, sendo dito a Simão que esta seria uma comunicação de negócios, entretanto continha outro conteúdo. Meu caro Amaral, Motivos ponderosos me obrigam a mandar meu filho desta cidade. Retenhao por lá como puder. O pretexto da viagem é ter eu necessidade de ultimar alguns negócios com você, o que dirá ao pequeno, fazendo-lhe sempre crer que a demora é pouca ou nenhuma. Você, que teve na sua adolescência a triste ideia de engendrar romances, vá inventando circunstâncias e ocorrências imprevistas, de modo que o rapaz não me torne cá antes de segunda ordem. Sou, como sempre, etc. (ASSIS, 2015, p. 15).. A partida de Simão se dá de maneira dolorida para os familiares: “Os dois pais sempre choraram alguma coisa, a rapariga muito” (ASSIS, 2015, p. 14). Entretanto, Simão segue resoluto e com a impressão que não mais veria sua amada, provavelmente antevendo sua desgraça, mesmo sem objetar e rebelar-se às atitudes de vosso pai em mandá-lo embora de sua casa, mesmo que por uma temporada..

(33) 31. Assim, Amaral, o camarada do pai de Simão, conseguiu reter o moço sob seus domínios por meses a fio dando-lhe justificativas para permanecer em sua casa pelo tempo que fosse possível. Esse trecho da narrativa é a transcrição de uma carta entre as personagens e existe outro momento em que é utilizado esse artifício para composição da trama. Entretanto, a verossimilidade com o próprio texto perece ante a informação prestada no início da leitura dos manuscritos, a qual anunciava que informações pessoais de Simão e seus pais não foram deixadas nos manuscritos. Contudo, o nome de uma terceira pessoa, Amaral, aparece claramente tal qual a informação fosse de conhecimento do narrador da história ou ainda, que Simão tenha tomado conta dessa carta em algum momento visto o poder de conhecimento do conteúdo escrito pelo pai.. 4.3 “Morro odiando a humanidade”. Declaração do Simão moribundo e que deixou o Abade em estado perplexo é que inicia a trama desenrolada no conto frei Simão. Mais ainda, o frade beneditino não agregava motivos para que fosse tão avesso à humanidade, mas que expressa seu desgosto após dias a fio de sofrendo de doença do corpo. Durante estes cinco dias de moléstia, a cela de frei Simão esteve cheia de frades. Frei Simão não disse uma palavra durante esses cinco dias; só no último, quando se aproximava o minuto fatal, sentou-se no leito, fez chamar para mais perto o abade, e disse-lhe ao ouvido com voz sufocada e em tom estranho: - Morro odiando a humanidade! (ASSIS, 2015, p. 8 – Grifos Meus).. Mas, há de se entender que Simão possuía doença da alma e que seu comportamento era guiado pelas experiências vividas em sua breve existência. Pois a vida de Simão foi curta, mas em sua aparência a dor da alma causara deturpações de sua imagem: Tinha, quando morreu, cinquenta anos em aparência, mas na realidade trinta e oito. A causa desta velhice prematura derivava da que o levou ao claustro na idade de trinta anos, e, tanto quanto se pode saber por uns fragmentos de memórias que ele deixou, a causa era justa (ASSIS, 2015, p. 7)..

(34) 32. Simão entrara para a vida religiosa aos trinta anos de idade após descobrir que sua amada Helena morrera enquanto estiver distante, na companhia de Amaral, amigo de seu pai. Inclusive, foi seu pai que o aludira sobre o fato do falecimento de Helena após um período sem comunicação com sua amada. Assim como assim, não se realizam os meus negócios; não te pude casar com Helena, visto que Deus a levou. Mas volta, filho, vem; poderás consolarte casando com outra, a filha do conselheiro ***. Está moça feita e é um bom partido. Não te desalentes; lembra-te de mim (ASSIS, 2015, p. 18-9).. O pai de Simão menciona a morte de Helena de uma maneira frívola e já busca solução para o filho promovendo enlace com outra moça, mas fazendo-se entender que a união de Simão e Helena era um de seus anseios e, por ocasião da partida de Helena para a morte, não seria possível realizar. Assim, o pai conclama que o filho retorne para o lar o mais rapidamente possível. Entretanto, por desconhecer os sentimentos de Simão, o pai se vê diante da solução tomada por seu filho.. Ficou Simão vivo em corpo e morto moralmente, tão morto que por sua própria ideia foi dali procurar uma sepultura. Era melhor dar aqui alguns dos papéis escritos por Simão relativamente ao que sofreu depois da carta; mas há muitas falhas, e eu não quero corrigir a exposição ingênua e sincera do frade (ASSIS, 2015, p. 19).. Para Simão, a morte seria um remédio indolor para a dor que acomete sua alma e corpo após saber da notícia que sua amada Helena morrera. Essa dor é posta em seus manuscritos de maneira desconexa, ainda após passados tempos desde que lhe foram revelados. Contudo, Simão decide por outra forma de abandonar o mundo como conhece e decide-se por outro final parar sua história. A sepultura que Simão escolheu foi um convento. Respondeu ao pai que agradecia a filha do conselheiro, mas que daquele dia em diante pertencia ao serviço de Deus (ASSIS, 2015, p. 19).. Desse modo que Simão adentrara para a vida religiosa, após receber o golpe em ter se separado eternamente de sua amada. Tão quanto foi sua dor, Simão entra para a ordem dos frades beneditinos como forma de remir a dor de sua alma. Essa.

(35) 33. decisão tomara o pai de Simão com surpresa, ainda mais que foi tomada longe de si, na companhia de seu amigo Amaral. O pai ficou maravilhado. Nunca suspeitou que o filho pudesse vir a ter semelhante resolução. Escreveu às pressas para ver se o desviava da ideia; mas não pôde conseguir (ASSIS, 2015, p. 19).. A Amaral, por sua vez não foi possível interromper os planos de Simão, visto posto que o mais velho não possuía conhecimento dos detalhes por trás da decisão do jovem e, portanto, não tinha meios de convencê-lo ao contrário. Até então, a história de Simão se trata de mais uma história trágica onde um dos amantes deixa a vida e um amado a arder em dor pelo resto de seus dias. Entretanto, a morte é irremediável e o destino é imutável para aquele que permanece em vida e, desse modo, passa a escolher como serão seus dias em diante. Mas, a história de Simão não finda de modo tão simples. Já ciente da ocupação como pregador da palavra de Deus, Simão foi destinado a uma província no interior para exercício do ofício, aonde a trama dá uma reviravolta ao descobrir as mentiras que o levaram a uma vida de infelicidade velada. Antes de ir de encontro a seu destino, Simão visitara seus pais, informando-os de seu itinerário. Os dois velhos estremeceram; mas Simão nada viu. No dia seguinte partiu Simão, não sem algumas instâncias de seus pais para que ficasse. Notaram eles que seu filho nem de leve tocara em Helena. Também eles não quiseram magoá-lo falando em tal assunto (ASSIS, 2015, p. 23).. Os pais de Simão poderiam ter contornado a situação ainda mais trágica que viria a ocorrer, entretanto preferiram optar pelo silêncio. Assim, Simão foi para seu destino a cumprir com sua missão quando a verdade se revelou de maneira espantosa. No meio do seu sermão, frei Simão se vê compelido a parar com o trabalho, pois: Ouviu-se então um grito, e todos correram para a recém-chegada, que acabava de desmaiar. Frei Simão teve de parar o seu discurso, enquanto se punha termo ao incidente. Mas, por uma aberta que a turba deixava, pôde ele ver o rosto da desmaiada. Era Helena (ASSIS, 2015, p. 24 – Grifos Meus)..

(36) 34. Simão descobre a trama diabólica criada por seu pai ali mesmo com a prova viva de Helena, agora casada com outro homem, também vítima das artimanhas do pai de Simão. Essa foi a derrocada de Simão em desacreditar em quem quer que fosse, pois foi seu próprio pai, centro de sua devoção como filho exemplar, que o traíra sem medidas. A partir do conhecimento que sua felicidade foi ceifada por mentiras, Simão decidiu-se pelo enclausuramento, justamente para evitar maior contato com o restante do mundo mundano que o decepcionara ao roubar sua amada de seus braços. A dor da alma fez perecer o corpo e Simão vivera por mais alguns anos até sua morte que chocara o Abade. Entretanto, muito antes Helena, também, perecera e morrera deixando um marido devoto para trás. O pai de Simão, este vivera por um tempo mais extenso. E, talvez como forma de remissão de seus pecados cometidos ao próprio filho, decidira encerrar seus dias no mesmo local onde vivera Simão em seus últimos momentos. A cela de frei Simão de Santa Águeda esteve muito tempo religiosamente fechada. Só se abriu, algum tempo depois, para dar entrada a um velho secular, que por esmola alcançou do abade acabar os seus dias na convivência dos médicos da alma. Era o pai de Simão. A mãe tinha morrido (ASSIS, 2015, p. 26-7).. Entretanto, a descrição do pai de Simão como um homem velho, que aparenta cem anos não calha a ser considerada uma verdade, posto que o próprio Simão assemelhava possuir mais idade que realmente tinha. Desse modo, a fúria de Simão com a humanidade é justificada por tantas mentiras e ter seus sonhos roubados de maneira cruel, a partir de sofisticadas mentiras dadas por entes tão queridos e respeitados pelo rapaz. Simão se despede do mundo em agonia, mesmo passados tantos anos que descobrira as mentiradas jorradas com facilidade por seu pai..

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