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Da democracia de partidos à autocracia judicial: o caso brasileiro no divã

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

Marcelo Ramos Peregrino Ferreira

Da democracia de partidos à autocracia judicial: o caso brasileiro no divã

Florianópolis 2019

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Marcelo Ramos Peregrino Ferreira

Da democracia de partidos à autocracia judicial: o caso brasileiro no divã

Tese submetida ao Programa Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito para obtenção do título de Doutor em Direito. Orientador: Prof. Doutor Orides Mezzaroba

Florianópolis 2019

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Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor, através do Programa de Geração Automática da Biblioteca Universitária da UFSC.

Ferreira, Marcelo Ramos Peregrino

Da democracia de partidos à autocracia judicial : o caso brasileiro no divã / Marcelo Ramos Peregrino Ferreira ; orientador, Orides Mezzaroba, 2019. 314 p.

Tese (doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Jurídicas, Programa de Pós-Graduação em Direito, Florianópolis, 2019. Inclui referências.

1. Direito. 2. Democracia representativa. 3.

Ativismo judicial. 4. Autocratização. 5. Democracia de partidos. I. Mezzaroba, Orides. II. Universidade

Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título.

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Marcelo Ramos Peregrino Ferreira

Da democracia de partidos à autocracia judicial: o caso brasileiro no divã

O presente trabalho em nível de Doutorado foi avaliado e aprovado por banca examinadora composta pelos seguintes membros:

Prof. Marcelo Figueiredo, Dr.

Instituição Pontifícia Universidade Católica – PUC-SP

Prof. José Sérgio da Silva Cristóvam, Dr. Universidade Federal de Santa Catarina

Prof. Marcos Fey Probst, Dr. OAB

Prof. Matheus Felipe de Castro, Dr. UNOESC

Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi julgado adequado para obtenção do título de Doutor em Direito.

____________________________ Profa. Norma Sueli Padilha, Dra.

Coordenadora do Programa

____________________________ Prof. Orides Mezzaroba, Dr.

Orientador(a)

Florianópolis, 2019.

Documento assinado digitalmente Orides Mezzaroba

Data: 06/01/2020 10:56:39-0300 CPF: 324.949.710-04

Documento assinado digitalmente Norma Sueli Padilha

Data: 07/01/2020 07:50:58-0300 CPF: 050.840.658-71

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AGRADECIMENTOS

Não é possível agradecer a todos aqueles que tiveram participação nesta minha empreitada, de mesmo modo que seria temerário deixar de reconhecer a ajuda alheia neste trabalho. Presto minhas homenagens a algumas pessoas que representam esta universalidade oculta, desculpando-me pela omissão de tantas outras. Portanto, cumpre-me agradecer aos meus pais, Paulo Peregrino Ferreira e Juçara Westphal Ramos pelo apoio de sempre; ao Prof. Dr. Orides Mezzaroba que me retirou de minha zona de conforto e me incentivou a uma mirada mais aprofundada da Justiça Eleitoral, nutrindo-me ao longo da jornada com todo o suporte que precisei; aos amigos Ruy Samuel Espíndola, Walber Agra, Des. Néviton Guedes e Adriano Soares da Costa, cujas integridades intelectuais e duradouras amizades são um porto seguro e inspirador; aos integrantes da banca Prof. Dr. José Sérgio da Silva Cristóvam, Prof. Dr. Marcos Fey Probst, Prof. Dr. Matheus Felipe de Castro e Prof. Dr. Marcelo Figueiredo pela leitura atenta e imprescindíveis sugestões que melhoraram muito meu trabalho; aos meus amigos da militância na advocacia Guilherme Andriani, Jucélia Corrêa, Lauro Zimmer, Rafael Barreto Bornhausen, Rodrigo de Carvalho, Juliana Blanco, Vinícius Ferronato, Luís Gustavo e Humberto Luz que me ajudaram de todas as formas e permitiram o tempo dedicado a esta tese; à minha esposa amada, fortaleza em forma de gente, Fernanda, e minhas filhas Helena e Maria, meu abrigo seguro e fonte inesgotável de alegria e amor; ao Newton Bruggemann e à Maria Lúcia Bruggemann, Lui, por todo o apoio, carinho e amor; à Jaqueline Germano de Oliveira pela força e incentivo constantes; à minha vó Clara, in memoriam, presença constante, grande incentivadora de meus estudos; ao meu avô, in memoriam, Des. Paulo Peregrino Ferreira, por me revelar o encanto da literatura na minha infância. Litera scripta manet.

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Vim pelo caminho difícil, a linha que nunca termina, a linha bate na pedra, a palavra quebra uma esquina, mínima linha vazia, a linha, uma vida inteira, palavra, palavra minha. Paulo Leminski

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RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo o estudo da democracia representativa, à luz da relação entre o Poder Judiciário e os partidos políticos, a partir da teoria de base da democracia de partidos. O problema de pesquisa está na aparente contradição entre o Estado de Partidos e as funções exercidas pela Justiça Eleitoral e a previsão normativa para tais instituições. A Justiça Eleitoral está desempenhando hoje suas funções, em especial a judicante, ou seja, o exercício da jurisdição eleitoral, nos exatos termos da promessa constitucional de 1988? O Estado de Partidos, de seu turno, tornou-se um coadjuvante menor do processo de transformação do poder popular em poder estatal e merece ser controlado, conforme desenho institucional da Constituição de 1988? É apresentada, no primeiro capítulo, a fundamentação teórica da democracia de partidos, no recorte específico dos autores alemães que trataram da Constituição de Weimar, em especial a transformação do poder popular em poder estatal. A partir daí, é realizado um bosquejo histórico dos direitos políticos no Brasil e de suas engrenagens, como os partidos, os direitos políticos e a Justiça Eleitoral, desde o Império (1824-1889) até a configuração desses institutos no direito constitucional nacional, com vistas, nesta última fase, a apontar o modelo constitucional brasileiro. A democracia brasileira é uma democracia de partidos e, desta premissa, advém consequências como a primazia das decisões essenciais da República serem tomadas pelo Parlamento nacional. O exame de casos judiciais é realizado para se confrontar, ao fim e ao cabo, o modelo constitucional de uma democracia de partidos com a prática judicial nacional. A propósito, os aspectos destacados da Justiça Eleitoral são realçados como a existência de funções atípicas, para então se realizar a comparação entre a justiça eleitoral e os partidos políticos. A conclusão é de uma crescente autocratização judicial dos temas relacionados ao sistema eleitoral, em prejuízo do contéudo da Lei e com a primazia incontestável do Poder Judiciário sobre o parlamento. O objetivo geral é determinar e tentar esclarecer os limites constitucionais e legais de atuação da Justiça Eleitoral e do Estado de Partidos e suas respectivas funções no marco da Constituição de 1988, por meio do exame da legislação, doutrina e jurisprudência nacionais relacionadas. O método é dedutivo e importa em uma descrição do quadro normativo e histórico, com verificação da jurisprudência correlata e da doutrina, com o uso de fontes primárias e secundárias.

Palavras-chave: Democracia representativa. Ativismo judicial. Autocratização. Democracia

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ABSTRACT

This work has the ultimate goal the study of representative democracy, in light of the relationship between the Judiciary and political parties, based on the theory of party democracy. The research problem lies in the apparent contradiction between the State of Parties and the functions exercised by the Electoral Justice and the normative provision for such institutions. Is the Electoral Justice performing its functions today, especially the judiciary function, that is, the exercise of electoral jurisdiction, in the exact terms of the 1988 constitutional promise? Has the State of Parties, in turn, became a minor adjunct to the process of transforming popular power into state power and deserves to be controlled, according to the institutional design of the 1988 Constitution?It is presented in the first chapter the theoretical foundation of party democracy with German authors that dealt with the Constitution of Weimar, especially and with the transformation of popular power in state power. From then on, arises a political partie´s and a political rights` historical sketchs from the Empire (1824-1889) to the actual constitucional model brought by the 1988 Constitution. The brazilian democracy is a party democracy and this premise brings out the essenciality of Parliament. The exam of judicial cases are conducted to confront the constitutional model of a democracy of parties with national judicial practice. The highlights of Judiciary shown here serve to address the existence of inadequate functions exercised by the Judiciary system. The conclusion is a increasing judicial autocratization of the electoral system, in the prejudice of the Law and the primacy from Judiciary power over Parliament.The overall objective is to determine and attempt to clarify the constitutional and legal limits on the performance of the Electoral Justice and the State of Parties and their respective functions within the framework of the 1988 Constitution by examining related national legislation, doctrine and jurisprudence. The method is deductive and matters in a description of the normative and historical framework, with verification of related jurisprudence and doctrine, using primary and secondary sources.

Keywords: Democracy. Judicial activism. Autocratization. Party democracy. Electoral justice.

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LISTA DE ABREVIATURAS

ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade ADC – Ação Declaratória de Constitucionalidade

ADPF – Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental CD – Câmara dos Deputados

CE – Código Eleitoral CF – Constituição Federal CN – Congresso Nacional

CNJ – Conselho Nacional de Justiça CTA – Consulta (TSE)

DCD – Diário da Câmara dos Deputados DCN – Diário do Congresso Nacional DJ – Diário da Justiça

DJE – Diário da Justiça Eletrônico DOU – Diário Oficial da União DSF – Diário do Senado Federal EC – Emenda Constitucional

EMB – Electoral Management Body HC – Habeas Corpus

JE – Justiça Eleitoral

MSI – Mandado de Segurança Individual MSC – Mandado de Segurança Coletivo OAB – Ordem dos Advogados do Brasil PEC – Proposta de Emenda à Constituição RES - Resolução

RESPE – Recurso Eleitoral Especial RMS – Recurso em Mandado de Segurança RO – Recurso Ordinário

TRE – Tribunal Regional Eleitoral TSE – Tribunal Superior Eleitoral SF – Senado Federal

STF – Supremo Tribunal Federal

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 17

1 PARTIDOS POLÍTICOS E A SOBERANIA POPULAR ... 27

1.1 O ESTADO DE PARTIDOS E SUA FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ... 27

1.2 A CONTROVÉRSIA SOBRE A PARTIDOCRACIA ... 32

1.2.1 Georg Jellinek e a separação entre Sociedade e Estado ... 32

1.2.2 Richard Schmidt e as primeiras manifestações sobre partidos ... 34

1.2.3 Gerhard Leibholz e a distinção entre a democracia liberal e democracia partidária ... 41

1.3. SÍNTESE DO CAPÍTULO ... 51

2 A CRÍTICA AOS PARTIDOS ... 52

2.3.1 Carl Schmitt e a crítica ao sistema parlamentar ... 60

2.3.2 A Crítica de Schmitt: O Guardião da Constituição ... 69

2.3.3 A crítica de Heinrich Triepel: o Estado partitocrático ... 74

2.3.4 Hans Kelsen: a resposta a Triepel ... 81

2.3.5 Os requisitos da Democracia de Partidos ... 89

2.4 FORMAS ALTERNATIVAS E OUTRAS MANIFESTAÇÕES DE TRANSFORMAÇÃO DO PODER POPULAR ... 92

2.4.1 Democracia radical no México: experiência de Cherán... 94

2.4.2 A assembleia de Mogotes ... 96

2.4.3 O Estado Plurinacional Boliviano ... 97

2.4.4 Democracia Aimará no altiplano andino boliviano ... 100

2.4.5 Candidaturas municipalistas na Espanha ... 101

2.5 SÍNTESE DO CAPÍTULO ... 102

3 OS PARTIDOS NO BRASIL: DO IMPÉRIO À CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ... 104

3.1 BREVE BOSQUEJO HISTÓRICO DOS PARTIDOS POLÍTICOS ... 104

3.1.1 O Império (1824-1889) e os primeiros partidos ... 106

3.1.2 A República Velha (1889-1930): a política dos governadores ... 114

3.1.3 O Estado Novo (1930-1945): nasce o Código Eleitoral ... 119

3.1.4 A Quarta República (1945-1964) ... 125

3.1.5 A ditadura ... 128

3.2 O PARTIDO POLÍTICO NO ORDENAMENTO NACIONAL ... 130

3.3 SÍNTESE DO CAPÍTULO ... 138

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4.1 A JUSTIÇA ELEITORAL ... 139

4.2 A JURISPRUDÊNCIA ELEITORAL: A BABEL DOS SENTIDOS ... 141

4.3 PREFEITO ITINERANTE ... 143

4.4 REJEIÇÃO DE CONTAS E A SÚMULA N. 1 ... 149

4.5 LIMITAÇÃO DO NÚMERO DE VEREADORES ... 153

4.6 QUITAÇÃO ELEITORAL ... 163

4.7 CRIAÇÃO DE MULTA NO CASO DE PESQUISA ... 166

4.8 DOAÇÃO DE CAMPANHA E O SIGILO DE DADOS ... 168

4.9 A PROIBIÇÃO DA DOAÇÃO ELEITORAL POR PESSOA JURÍDICA ... 173

4.10 FIDELIDADE PARTIDÁRIA ... 190

4.11 O ART. 41: A DA LEI DAS ELEIÇÕES ... 199

4.12 A VERTICALIZAÇÃO DAS COLIGAÇÕES ... 202

4.13 IRREGISTRABILIDADE E O ART. 16-A ... 205

4.14 INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 73, § 10 DA LEI N. 9.504/1997 ... 210

4.15 DESTINAÇÃO DOS RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA E DO TEMPO DE PROPAGANDA GRATUITA NO RÁDIO E NA TV PARA POLÍTICA PROMOCIONAL DAS MULHERES ... 211

4.16 A CLÁUSULA DE DESEMPENHO ... 217

4.17 LEI COMPLEMENTAR N. 135/2010 ... 227

4.18 SÍNTESE DO CAPÍTULO ... 234

5 DA DEMOCRACIA DE PARTIDOS À AUTOCRACIA JUDICIAL 5.1. O EXCESSO NO EXERCÍCIO DAS FUNÇÕES ATÍPICAS DA JUSTIÇA ELEITORAL ... 235

5.2 A REGULAMENTAÇÃO ... 236

5.3 A CONSULTA ... 246

5.4 O PODER JUDICIÁRIO E A SEPARAÇÃO DE PODERES ... 253

5.5 JUSTIÇA ELEITORAL VERSUS PARTIDOS POLÍTICOS ... 262

5.5.1 A democracia e a autocracia: extremos opostos ... 261

5.5.2 A lei como fruto da democracia de partidos ... 267

5.5.3 A autocracia judicial vestida de poder moderador ... 271

5.6 SÍNTESE DO CAPÍTULO ... 280

CONCLUSÃO ... 282

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Esta tese de Doutorado em Direito, vinculada à linha de pesquisa “Constituição, Cidadania e Direitos Humanos / A (re) personalização do espaço público e novos atores políticos”, tem como tema central a democracia no Brasil, a partir do recorte do relacionamento entre os partidos políticos e a Justiça Eleitoral1.

A delimitação do tema da democracia é realizada a partir do marco teórico do Estado de Partidos e do cotejo dessa opção da Constituição de 1988 com a realidade, ou seja, como a Justiça Eleitoral e o sistema eleitoral interagem e cumprem seus papéis nesse arranjo institucional em que essas engrenagens buscam, acima de tudo, o cumprimento do art. 1º, inciso I, o fundamento primeiro dentre os fundamentos da República Federativa do Brasil: a soberania popular. A democracia é vista, deste modo, no seu estrito recorte do processo de criação da lei e da participação popular, por meio dos partidos organizados.

A Constituição de 1988 delegou à lei complementar a competência da Justiça Eleitoral. O Código Eleitoral, no processo de integração legislativa, atribuiu à Justiça Eleitoral a administração, organização e o julgamento dos temas correlatos às eleições. Ao Estado de Partidos coube à transformação preferencial do poder popular em poder estatal, por meio dos partidos políticos articulados no Parlamento.

A Justiça Eleitoral, quanto à sua função judicante, regulamentar e consultiva, em razão de uma propalada crise de representatividade, é chamada cada vez mais para resolver questões como a definição do universo dos eleitos, os aspectos essenciais da legislação eleitoral e a disciplina “normativa” das eleições, em geral, contrapondo-se, em muita medida ao conteúdo do ordenamento e às normas da Constituição de 1988.

O problema de pesquisa está na aparente contradição entre o Estado de Partidos e as funções exercidas pela Justiça Eleitoral e a previsão normativa para tais instituições. A Justiça Eleitoral está desempenhando hoje suas funções, em especial a judicante, ou seja, o exercício da jurisdição eleitoral, nos exatos termos da promessa constitucional de 1988? O Estado de Partidos, de seu turno, tornou-se um coadjuvante menor do processo de transformação do poder popular em poder estatal e merece ser controlado, conforme desenho institucional da Constituição de 1988?

1 Para os fins da análise, vai se considerar Justiça Eleitoral toda Corte que se pronuncia sobre o direito eleitoral, incluindo-se aí o Supremo Tribunal Federal.

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Destarte, este trabalho situa-se no embate desses dois protagonistas do sistema eleitoral e de suas funções assinaladas no ordenamento jurídico, o que leva às seguintes hipóteses, levando-se em conta o cenário brasileiro atual:

i) cabe sim à Justiça Eleitoral o papel que vem exercendo, agigantando-se, em desfavor da construção coletiva da lei, objeto do Estado de Partidos;

ii) a Justiça Eleitoral, quanto à suas funções judicante, regulamentar e consultiva, tem a atribuição constitucional de controle da soberania popular, como mais um filtro da legislação nacional produzida, sendo a atual quadra uma faceta funcional do projeto do Constituinte de 1988;

iii) a criação do direito pela Justiça Eleitoral justifica-se pelo fato da legislação sobre o tema ser elaborada por seus próprios destinatários e interessados, sendo necessário o exercício da moderação pela judicatura eleitoral, em face do abuso do Legislativo na defesa de seus interesses mais imediatos a cada eleição;

iii) em sentido negativo, a Justiça Eleitoral, quanto às suas funções judicante, regulamentar e consultiva, abusa do desenho institucional que lhe foi outorgado, em detrimento do modelo constitucional do Estado de Partidos, havendo uma contradição interna entre o direito positivo e a realidade do sistema eleitoral, trazendo à luz um caráter autocrático da função judicante eleitoral.

O objetivo geral é determinar e tentar esclarecer os limites constitucionais e legais de atuação da Justiça Eleitoral e do Estado de Partidos e suas respectivas funções no marco da Constituição de 1988, por meio do exame da legislação, doutrina e jurisprudência nacionais relacionadas.

Esse objetivo geral demanda a consideração dos seguintes objetivos específicos, a saber:

i) análise do conceito de Estado de Partidos, a partir dos autores alemães, averiguando-se as raízes conhecidas para a hostilidade aos partidos políticos até o modelo normativo nacional da Constituição de 1988;

ii) o bosquejo histórico do Poder Judiciário eleitoral e dos partidos, desde o Império ao paradigma da democracia de partidos e ao desenho da Justiça Eleitoral trazidos no atual ordenamento constitucional;

iii) análise dos precedentes jurisprudenciais mais significativos, para se permitir a averiguação da práxis judicial em cotejo com a promessa da ordem constitucional de 1988.

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O termo de referência situa-se na ideia de um Estado de Partidos (Partinstaat), de uma democracia de partidos que se organiza por meio dos partidos políticos e onde há a mediação entre os cidadãos e seus representantes, submetidos que estão a um mandato partidário e, por conseguinte, a um programa ideológico fixado pela associação política.

A pesquisa, no caso concreto, é eminentemente teórica, o método dedutivo e importa em uma descrição do quadro normativo e histórico, com verificação da jurisprudência correlata e da doutrina, com o uso de fontes primárias e secundárias.

Quanto à estrutura do trabalho, são cinco os capítulos.

No primeiro capítulo é exposta a fundamentação teórica do Estado de Partidos e a averiguação de sua relação com a soberania popular. O debate pontual da Constituição de Weimar sobre a estrutura do Estado foi explorado, porque naquele momento histórico houve uma aprofundada discussão acerca da estrutura estatal e a necessidade, por exemplo, de separação entre a Sociedade e Estado, como se confere na obra de Georg Jellinek.

As premissas teóricas do Estado de Partidos são apresentadas, portanto, desde a separação entre Estado e Sociedade às polêmicas entre Hans Kelsen e Carl Schmitt sobre o garante da Constituição. Há uma razão de ser dos partidos políticos que parece ser pouco explorada, mas que vincula o debate sobre o tema em muitas circunstâncias. Esse resgate histórico permite compreender muitas das razões pelas quais a forma da representação a ser carreada pelos partidos políticos se desenvolveu com primazia nas democracias ocidentais.

Os partidos surgem como fonte de equilíbrio na distribuição do poder mediando a relação entre a Sociedade e o Estado e em clara oposição às formas autocráticas na gênese do Estado.

A temática do funcionamento da democracia representativa como o conceito de povo, a representação e o parlamento desfilam como elementos relacionados desse intricado sistema. De igual forma, um item específico na tentativa de exposição da histórica hostilidade aos partidos políticos na literatura. Nesta parte preliminar do trabalho estão os delineamentos do conceito de Estado de Partidos, sua história e seus requisitos teóricos, de acordo com os primeiros autores que trataram da questão como Richard Schmidt e Gerard Leibholz, sob o influxo da Constituição de Weimar.

Vê-se o modelo de representação liberal ser tomado pelo paradigma da democracia de partidos, na medida da evolução natural dos Parlamentos. As assembleias perdem seu caráter central na discussão sobre as questões fundamentais da Sociedade, em face das agremiações partidárias, muito em função da instituição do sufrágio universal. Os debates deixam o

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Parlamento para se situarem no bojo dos partidos políticos como consequência da transformação das facções em verdadeiras instituições de direito parlamentar.

Na tentativa de compreensão da hostilidade aos partidos políticos a crítica histórica a essas agremiações é resgatada da literatura do século XVIII, de onde se observa uma contradição entre o caráter faccioso das confissões políticas e a necessidade de então das formulações teóricas para fundamentar a existência do Estado Moderno nas propostas dos contratualistas como Rousseau e Hobbes. A pacificação da Sociedade pela engenhosa criação do Estado, aos olhos da época, incompatibilizava-se com a ideia do dissenso consagrado nos partidos políticos.

E mesmo aqueles estudiosos primeiros dos partidos como Henry Bolingbroke, David Hume e Edmund Burke variam em intensidade, mas refutam a instituição partidária premente a necessidade de ordem e de consenso e à própria noção de virtude cívica da época a exigir o esforço para um bem superior. Deste modo, a expressão de um interesse fragmentado confrontava-se com esse cenário, fazendo com que os partidos fossem vistos como algo de menor relevância e prejudicial a essa harmonia almejada.

A crítica aos partidos segue com a pena de Carl Schmitt, na década de 20, em que o parlamento e suas instituições são postos à prova no rico debate com Hans Kelsen. As questões discutidas naquele momento servem ainda como contemporâneas lições que esclarecem o papel de mediação do poder popular exercido pelos partidos, em oposição, por exemplo, à intervenção do Pres. do Reich não apenas como garante da Constituição, mas como representação do poder soberano congregando a “unidade e totalidade constitucionais do povo alemão”. Essa unidade formada na pessoa do Presidente levou ao Estado Total e ao evento da Segunda Guerra Mundial. Hans Kelsen, em obra fundamental de 1929, a Essência da Democracia, em resposta à Heinrich Triepel, dá uma contribuição ímpar para a construção do Estado Democrático e de Direito ao cuidar dos elementos mais significativos da democracia representativa e, mais do que isso, relacionar o partido político à construção da liberdade, na medida em que permite a participação do cidadão na elaboração das leis. Reside aí o fundamento de legitimidade da norma legal imposta à Sociedade. Nessa esteira o conflito é visto como ontológico na Sociedade, não mais como antítese da busca de um bem comum e os partidos exercem a função de organização essencial dessa fragmentação de opiniões e valores, não sendo possível a atuação política do indivíduo isolado da agremiação partidária. As massas são incapazes de veicular uma vontade senão pela organização oferecida pelos partidos políticos.

Outro tema trazido por Hans Kelsen e que é fundamental para o trabalho repousa na premissa de que inexiste, em se tratando do jogo político democrático, uma verdade a ser

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descoberta, uma vontade popular a priori. A democracia é o regime da verdade popular possível a ser constituída no compromisso entre as forças existentes no Parlamento, articuladas pelos partidos políticos. A democracia de partidos constitui a vontade popular possível.

E ao fim desse primeiro capítulo, adota-se a expressão democracia de partidos, enunciando-se seus requisitos e a proposta de um conceito.

De maneira pontual, são também apresentadas formas alternativas e outras manifestações de transformação do poder popular, em especial na América Latina, como a democracia de Cherán e o Estado Plurinacional boliviano, num horizonte da chamada demodiversidade em que as diferentes manifestações democráticas coabitam o mesmo espaço.

O segundo capítulo trata de uma reconstituição histórica da legislação nacional, guardada a pertinência aos partidos e à Justiça Eleitoral, desde o Império até a Constituição de 1988. Forte na necessidade de trazer a história para esclarecer as instituições, é feito um bosquejo histórico sobre os sistemas eleitorais no Brasil, com destaque para os partidos e o Poder Judiciário, permitindo-se uma mais apurada compreensão da evolução desses institutos na concretude nacional, levando-se em consideração a legislação de cada período.

Um caminho acidentado e com graves interrupções poderia ser uma síntese da vida partidária nacional. A herança liberal dos partidos e eleições no Império veio desacompanhada da progressiva ampliação do sufrágio ou da organização e participação popular. Ao revés, os partidos políticos, ausentes em programas ideológicos e abundantes nas tramas do poder personalista foram instrumentos de dominação no Segundo Reinado, República Velha e durante toda a ditadura. Só vieram mesmo a se viabilizar como meio de representação política nos curtos períodos de 1946 e pós 1979. Não serviram, destarte, para a organização das forças populares, mas antes como anteparos para os arranjos das elites nacionais.

A festejada Lei Saraiva, por exemplo, ao resgatar o voto direto também criou empeços para a verificação da renda mínima do então voto censitário, baixando o índice de participação das eleições anteriores para 0,8%. O índice de participação na eleição de 1872, anterior aquele diploma só foi recuperado em 1945.

A República Velha, espaço da política dos governadores, não reconheceu os partidos políticos, vistos como meras associações e conviveu com toda sorte de corrupção do fenômeno eleitoral, por meio da composição das mesas e a forma de apuração, dentre outros métodos de burla das eleições.

É no Estado Novo que nasce o Código Eleitoral e, de fato, põe fim ao voto de cabresto e “o velho processo de bico de pena”, colaborando com a verdade eleitoral, ou seja, a compatibilidade do voto exercido com a respectiva apuração. Surge, então, o monopólio das

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eleições pelo Poder Judiciário, o que se reconhece como fator de inibição da corrupção eleitoral naquele momento específico. Observa-se que a Justiça Eleitoral nasce sob o signo da desconfiança do poder político e com a missão de depuração de seus malfeitos na organização das eleições.

A República Velha mantém na Constituição de 1946 a frialdade quanto aos partidos, muito embora em 1950 tenha surgido a personalidade de direito público interno, afastando-se do direito civil. É um período rico para os partidos nacionais como o Partido Social Democrático (PSD), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e a União Democrática Nacional (UDN), com sinais alvissareiros para a democracia nacional como eleições regulares, livres e o aumento da participação de eleitores. Permaneceram, todavia, a independência das lideranças e a ausência de uma consolidação orgânica na Sociedade, organizada em partidos políticos.

A ditadura militar se aproveita dessa fragilidade e da polarização política para interromper a institucionalização dos partidos políticos, valendo-se da Lei n. 4.740, de 15 de julho de 1965 (a primeira Lei Orgânica dos Partidos Políticos), diploma com excessiva influência estatal sobre as agremiações partidárias.

Em 1968, o regime recrudesce com o Ato Institucional n. 5 e decreta o recesso parlamentar do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores.

É interessante notar o cuidado com que regimes de força atuam sobre os partidos políticos como seu alvo preferencial. Houve alterações tópicas na legislação nacional, de modo a diminuir a capacidade de organização dos partidos, mas curiosamente foi no regime de exceção que se deu o reconhecimento constitucional das agremiações. Por evidente, uma láurea sob relho, em que os partidos viviam em um regime de exceção com ares rarefeitos da normalidade democrática.

Chega-se a 1988 e o acerto de contas com as liberdades públicas. O partido político e Justiça Eleitoral são tratados em seus marcos constitucionais e no direito positivo, detalhando-se as opções da Constituição de 1988 quanto a esdetalhando-ses temas, como a autonomia de organização e criação e o monopólio das candidaturas eletivas pelas agremiações. A Constituição de 1988, ao selecionar a forma do exercício do poder popular, preconiza a representação política e a participação direta do povo como meios adequados de expressão da soberania (art. 1º, parágrafo único). Quanto aos partidos políticos, o Constituinte revelou seu compromisso com a liberdade de criação e autonomia partidária, assinalando as restrições possíveis para norma integrativa elencadas no art. 17, bem como os bens jurídicos a serem preservados e cultivados pelas agremiações partidárias, como a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo

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e os direitos fundamentais da pessoa humana. Afirma-se neste trecho, na comparação com os fundamentos teóricos do primeiro capítulo, a adoção pela Constituição de 1988 do monopólio das candidaturas dos partidos, enfim, da democracia de partidos como paradigma da representação política e como fundamento de legitimidade da Lei, o que tem extrema relevância para o comportamento dos outros atores e instituições do Estado Democrático e de Direito.

Imbricados, a representação política e seus desdobramentos demandam cautela do Poder Judiciário e, em particular, da Justiça Eleitoral, em face da opção da Constituição de 1988 de assegurar àquela o exercício do poder do povo, como adrede mencionado.

No capítulo terceiro, com o intuito de examinar essa tensão entre a possibilidade de um exercício desbordante da promessa constitucional da primazia parlamentar e do Estado de Partidos, traz-se um conjunto de julgados sobre a matéria eleitoral, de onde se antevê um quadro de desassossego. São examinados os seguintes julgados bastante significativos: i) prefeito itinerante; ii) rejeição de contas e a súmula n. 1; iii) limitação do número de vereadores; iv) quitação eleitoral; v) criação de multa no caso de pesquisa; vi) doação de campanha e o sigilo de dados; vii) a proibição da doação eleitoral por pessoa jurídica; viii) fidelidade partidária; ix) o art. 41-A da Lei das Eleições ampliação de sentido de norma restritiva de direito político; x) a verticalização das coligações; xi) irregistrabilidade e o art. 16-A (ampliação de sentido de norma restritiva); xii) a interpretação do artigo 73, § 10 da Lei n. 9.504/; xiii) destinação dos recursos do fundo especial de financiamento de campanha e do tempo de propaganda gratuita no rádio e na tv para política promocional das mulheres; xiv) a cláusula de desempenho; xv) a Lei Complementar n. 135/2010.

Esses acórdãos demonstram o comportamento da Justiça Eleitoral na prática e como se comporta diante da realidade eleitoral, o que vai permitir a análise do cumprimento das suas atribuições constitucionais ou o seu desbordamento. Nesta toada, a descrição da realidade da judicatura eleitoral é necessária para o cotejo com o delineamento constitucional do tema e das atribuições da Justiça Eleitoral no arranjo institucional do Estado brasileiro.

A seguir, no quarto capítulo, a Justiça Eleitoral é vista, a partir de seu quadro normativo, de sua estrutura e organização em Tribunais Regionais Eleitorais, compostos de forma híbrida por juízes, desembargadores e advogados, com a participação de várias instâncias e órgãos da Federação. Constituída por empréstimo de outros órgãos, ausente um corpo próprio de juízes, isso não faz com que a Justiça Eleitoral perca sua identidade neste mosaico.

E se expõe uma idiossincrasia da Justiça Eleitoral. Além da função judicante propriamente dita, a Justiça Eleitoral enfeixa funções e atribuições atípicas para o Poder Judiciário em geral. Ela é chamada para uma função administrativa das eleições (alistamento

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de eleitores, expedição de título eleitoral, definição dos locais de votação, poder de polícia sobre a propaganda, biometria; e, o que se destaca e a afasta do Poder Judiciário Comum: uma função regulamentar (art. 105, Lei n. 9.504/97) e a função consultiva, a de responder às consultas em tese (art. 23, XII e 30, VIII do Código Eleitoral). Percebe-se, desde o enunciado das atribuições legais da Justiça Eleitoral uma exponencial atuação sobre o fenômeno eleitoral, de modo a abarcá-lo na sua inteireza.

O poder regulamentar é descrito e pode ser sintetizado na necessidade da lei e da sua acessoriedade. O regulamento somente poderá existir nos limites da lei, sendo-lhe sempre acessório e subordinado, sob pena do excesso do poder regulamentar e instauração de uma crise de legalidade. O segundo aspecto é a necessidade do poder regulamentar para a fiel execução da lei, trazendo as minudências exigidas para o cumprimento daquele comando.

A Justiça Eleitoral, todavia, fia-se na ideia de segurança jurídica para se valer da regulamentação das normas eleitorais. A ideia da segurança decorrente da regulamentação pela Justiça Eleitoral integra retórica como argumento contrastante com a efetiva usurpação da competência privativa da União para legislar sobre o direito eleitoral aumentando a complexidade pela inflação de diplomas legais e regulamentares, em todos os níveis da Federação.

Há outro aspecto grave da função consultiva. Ela permite a escolha e decisão sobre um tema específico em processo de natureza voluntária, sem o contraditório e a ampla defesa, per saltum, diretamente nos tribunais regionais ou no Tribunal Superior Eleitoral, antecipando temas e alterando entendimentos sobre questões cruciais sobre as eleições como foi a hipótese da chamada “verticalização” das coligações. Demonstrou-se ainda que os problemas decorrentes das consultas podem ser mitigados pelo uso como referência da jurisprudência das cortes internacionais que também dispõem do instituto consular e fazem uso dele com o rigor adequado.

O cenário da regulamentação é gerador de grave insegurança jurídica no sistema eleitoral e merece maior autocontenção de seus atores.

No quinto capítulo, o conceito operacional da democracia de partidos é confrontado com a realidade da prática judiciária. Em razão disso, traça-se uma abordagem mais geral dos limites dados pela noção da separação dos poderes ou das funções do Estado, em face da complexidade crescente de hoje.

A separação de poderes nasce com a idéia de limitação do poder. A engenhosa ritualística do checks and balances, grassa no ambiente de desconfiança entre os órgãos ou de rivalidades institucionais para se impedir a tirania. O desenho desse instituto, dessa maneira,

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visa a preservação de um poder dividido, dependente dos outros, de modo a se atingir um equilíbrio. A título de exemplo, o Presidente tem o poder de veto da legislação nacional (art. 66, § 1º, art. 84, V), mas o Legislativo aprova o orçamento (art. 48, II), julga o impeachment e o Judiciário faz o judicial review, julga o Presidente e membros do Congresso Nacional por crimes comuns (art. 102, I, “b”), conforme dispositivos da Constituição de 1988.

Essa divisão de funções estatais é marca indelével do próprio sistema constitucional, como se percebe do fato da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Assembleia Nacional Francesa, 1789, assentar a ausência de Constituição, quando não há garantias de direitos ou a separação de poderes.

É claro que o conceito de separação de poderes atualmente destoa da formulação inicial e ganha muito em complexidade, mercê do Estado Social e das promessas dos direitos fundamentais, pautas de assoberbada densidade normativa, mas é acentuada a importante divisão de papéis da criação do direito e da sua aplicação pelos órgãos judicantes.

Nesta direção, permanece ainda como limite intransponível ao Poder Judiciário, no bojo do Estado Constitucional, a obediência à programação normativa da Constituição e do ordenamento como limites à sua discricionariedade, em especial quando o político e o jurídico parecem se encontrar.

O protagonismo no sistema eleitoral talvez decorra também das suas alargadas atribuições, mas é ainda mais sensível para o equilíbrio dos poderes, porquanto se lida nesse momento do processo de transformação da Soberania em vontade estatal e daqueles que exercerão as funções públicas eletivas. A invasão pelo Poder Judiciário em matéria afeta à lei nessa seara da epigênese do poder estatal, portanto, assinala, por definição, um desequilíbrio veemente e perigoso do poder político, muito mais do que a interferência ou ativismo na vida comum.

A afirmativa de que poder emana do povo inicia o derradeiro capítulo e sobre esta pedra é erigida esta tese. Desse poder exercido por meio da representação e da democracia de partidos, articulada no Parlamento, decorre consequências como o encontro da democracia com o Estado de Direito cerzidos e conformados na Constituição.

A democracia festejada nos diplomas internacionais como a Declaração Universal dos Direitos do Homem – DUDH, Convenção Americana Sobre Direitos Humanos e a Carta Democrática Interamericana, soft law, representa o domínio do povo em benefício dos “homens sem posse”, nas palavras de Aristóteles.

A democracia assenta-se sobre a premissa de respeito à opinião de cada um e de resolução das suas controvérsias pela regra da maioria devidamente assentada em uma

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assembleia. Essa assembleia central sofre modificação e passa a centralidade do debate político para o seio dos partidos, como antes visto. Daí advém o fundamento de legitimidade da Lei a todos imposta.

Desse modo, a faceta aqui examinada repousa o olhar democrático sobre a transformação do bruto poder popular em Lei, por meio da deliberação e participação coletiva (democracia de partidos), em contraposição à forma solitária de criação da Lei, daquele que cria por si o poder: o autocrata (Justiça Eleitoral). Ao invés da legítima deliberação ampliada, característica do regime democrático, vê-se a criação do direito pela pena da autocracia judicial, sob as vestes de um poder moderador e neutro, evidente e aterradora negação conceitual da política. E isso se dá pelas mãos de quem deveria se colocar como árbitro e menos como protagonista. Política e direito enleiam-se nessa confusão de papéis.

Em conclusão, vê-se a desestima da Justiça Eleitoral em relação ao modelo projetado para si pela Constituição de 1988 e o consequente desvio do modelo legiferante da democracia de partidos para um modelo autocrático de criação normativa, tendo como uma das mais graves consequências o rompimento da autonomia dos subsistemas do Direito e da Política com a politização do Poder Judiciário e Judiciarização do fenômeno político, dentre outras.

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1 PARTIDOS POLÍTICOS E A SOBERANIA POPULAR

1.1 O ESTADO DE PARTIDOS E SUA FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O tema dos partidos políticos guarda estrita relação com a transformação do poder do povo em poder estatal em um regime democrático, associado à ideia de liberdade e de formação da vontade coletiva2.

O Estado verdadeiramente constitui-se neste processo, tal como seus órgãos e funções. Isto porque, como lembrado por Ricardo Chueca, o ente estatal não existe como um fenômeno da natureza, sendo sua apreensão realizada por símbolos e representações. Em resumo, o Estado é “uma forma política, um modo de configurar o poder político” e a sua história é a história da representação3.

A vida em uma democracia, portanto, pressupõe o funcionamento dessas maneiras de organização do poder de modo que reflitam a construção de uma vontade coletiva, haurida da Soberania.

Adotando-se a representação como regra nas democracias ocidentais, cuida-se de examinar por quais meios essa representação popular se desenvolve e legitima. Está aí a gênese do tema aqui tratado, que pode muito bem ser definido como parte inexorável da teoria da representação4 num recorte específico sobre os partidos.

Surgidos com as revoluções burguesas do século XVIII, decorrente da existência dos Parlamentos instaurados5 a partir desses regimes, os partidos6 hoje são peças fundamentais no

2 MEZZAROBA, Orides. A Democracia, os Partidos Políticos e o Estado. Seqüência: Estudos Jurídicos e Políticos,

Florianópolis, p. 29-44, jan. 2001. Disponível em:

https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/15364. Acesso em: 15 set. 2019.

3 CHUECA, Ricardo. La Representación Política: Uma Conjetura Coletiva. In: RIBERI, Pablo. Fundamentos y desafios de la teoria constitucional contemporânea. Ciudad de México: Universidad Nacional Autónoma de México; Instituto de Investigaciones Jurídicas, 2019. p. 121-130. (Serie Doctrina Jurídica, n. 82.)

4 Observa-se o debate em Thomas Hobbes sobre as pessoas naturais e artificiais, especificamente quanto às palavras e ações, já estabelecendo aí uma relação de representação, de autoridade exercida, em nome de outrem. John Stuart Mill já enxerga o Parlamento como um espelho da Sociedade, em que todas as suas nuances estão devidamente representadas. HOBBES, Thomas. Leviathan. New York: Scholar Choice, 2015. BOBBIO, Norberto. Thomas Hobbes. Rio de Janeiro: Campus, 1991. MILL, Stuart. Considerations on representative Government. [S.l.]: Grindl Press, 2016. (Classic Thought Series).

5 TRIEPEL, Heinrich. La Constituición y los partidos políticos. Estudio Preliminar de Ramón Punset. Tradución de Pedro Madrigal Devesa. Madrid: Tecnos, 2015. p. 16.

6 Duverger aponta que os partidos políticos, em seu sentido moderno, só surgiram em 1850. Todavia, na mesma obra reconhece que o surgimento dos partidos tem relação direta com o Parlamento, ou melhor dizendo, com “os grupos parlamentares e comitês eleitorais”. DUVERGER, Maurice. Os Partidos Políticos. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar; Brasília: UNB, 1980. p. 20-21. Sartori, por outro lado, após considerações sobre o uso da expressão depreciativa “facção”, aponta o surgimento da expressão “partido”, no vocabulário político do século XVII, em substituição a “seita”, vindo do latim secare, significando dividir, mais ligada ao “sectarismo protestante”. Aduz o autor que, muito embora Maquiavel não tenha usado a palavra, em determinado trecho menciona “partes” e frases como os “partidários dos quais nascem as partes da cidade”. Montesquieu, ao falar sobre a união como

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funcionamento do regime democrático e de direito, inexistindo dentre as democracias ocidentais algum Estado que não os ostente como elemento essencial de sua organização.

Orides Mezzaroba aponta a existência de uma literatura sobre partidos na Inglaterra do século XVIII e nos Estados Unidos, no século seguinte, centrada7, precipuamente, nos

efeitos dos partidos políticos, sem se atentar para a inevitável relação dos partidos com a estrutura do próprio Estado8. Cabe também aduzir a preocupação desses autores com a função

do partido dentro do Parlamento, na qualidade de oposição ao governo instituído, ou seja, na correlação da existência dos partidos para a governabilidade e a estabilidade das relações sociais, sem o aprofundamento do tema, quanto à natureza ou às funções das agremiações.

A articulação das agremiações partidárias com o Estado, propriamente dito, onde se vê o debate sobre a relação dos partidos com o parlamento e Sociedade, vem à lume na Alemanha, no século XIX, na discussão pontual sobre o conteúdo da Constituição de Weimar. Neste momento histórico, houve uma aprofundada reflexão teórica sobre a estrutura do Estado, desenhando-se uma separação entre a Sociedade e o Estado e a relação com os partidos políticos.

É um momento da passagem da Alemanha, vinda de um Império (Constituição do Império de 1871), para uma república democrática, no período pós Primeira Guerra Mundial. A construção da Constituição de Weimar, escrita após a derrota alemã na Primeira Guerra Mundial, segundo Peter Caldwell, pode ser vista como uma busca de saídas para a democracia constitucional, levando em consideração os parlamentarismos inglês e francês, o sistema americano de separação de poderes e a necessidade de acomodação daqueles marginalizados pelo então Império, notadamente, a social democracia. Portanto, o período de discussão sobre a Constituição de Weimar tornou-se um acirrado debate sobre como a democracia deveria funcionar, em se considerando os partidos políticos, os direitos dos cidadãos e o presidente e a respectiva divisão e parcelamento do poder soberano9.

O debate da Constituição de Weimar em 1919 é também rico pela sua própria derrocada treze anos depois, o que permite uma avaliação concreta da sua contribuição para os

corpo político, cita “as partes deste universo, eternamente ligadas pelas suas ações e reações”. Na análise de Sartori, foi Bolingbroke, contemporâneo de Montesquieu, o primeiro a se estender sobre partidos, cuja análise primeira deve ser atribuída a Edmund Burke. SARTORI, Giovanni. Partidos e Sistemas Partidários. Rio de Janeiro: Zahar; Brasília: UNB, 1982. p. 23-27.

7 A literatura deste momento histórico será tratada em item próprio acerca da hostilidade aos partidos políticos coincidente com os autores dessa época.

8 MEZZAROBA, Orides. A democracia, os partidos políticos e o Estado. Seqüência: Estudos Jurídicos e Políticos,

Florianópolis, p. 33, jan. 2001. Disponível em:

https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/15364. Acesso em: 24 jul. 2018.

9 CALDWELL, Peter C. Popular sovereignty and the crisis of german law: Theory and Practice of Weimar Constitutionalism. Durham; London: Duke University Press, 1997. p. X.

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anos totalitários que se seguiram, tendo como marco importante a edição da Lei de Proteção do Sofrimento do Povo e do Reich10 ou Enabling Act do Reichtag de 24 de março de 193311, quando

Adolf Hitler assume o poder legiferante12, em direção à ditadura nazista.

10 Veja-se uma descrição desse importante passo para a instalação de um regime de força: “No dia 23 de março de 1933, o Reichstag aprovou a Lei de Supressão do Sofrimento do Povo e do Reich, a chamada Lei Plenipotenciária ou de Exceção, que concedia plenos poderes ao chanceler, tanto legislativos, quanto executivos, pelo prazo de 4 anos. Depois desse evento, o parlamento alemão foi dissolvido (EVANS, 2010, p. 428-429). No mês de novembro do mesmo ano, ocorreu uma eleição onde o partido nazista figurava como chapa única. O Reichstag passou a ser elemento meramente decorativo da política alemã, pois aprovava tudo sem a menor contestação. Prorrogou a Lei Plenipotenciária por mais 4 anos, em 1937, e novamente em 1941. Como havia a ilusão da legalidade nos atos dos deputados, a Alemanha transformou-se em ditadura de forma legal (KITCHEN, 2013, p. 339-340).” ANDRIGHETTO, Aline; ADAMATTI, Bianka. A lei como instrumento de poder do nazismo: uma análise a partir da crítica de Franz Neumann. Revista Brasileira de História do Direito, Curitiba, v. 2, n. 2, p. 60-76, jul./dez. 2016. Lauro Zimmer ao tratar do Reich assevera sobre o art. 48 da Constituição de Weimar que permitia a utilização das medidas necessárias para o restabelecimento da segurança e ordem públicas, tendo sido usado para: “(...) a prisão de militantes comunistas, para a instituição de tribunais especiais, com competência para condenações à pena de morte, e mesmo para combater o enfraquecimento da moeda. Também Hitler editou, em 28 de fevereiro de 1933, logo que assumiu o poder, o Decreto para a proteção do povo e do Estado, que suspendia artigos da Constituição de Weimar relativos às liberdades individuais. Esse decreto nunca foi revogado, razão pela qual muitos autores entendem que, sob a ótica jurídica, todo o Terceiro Reich foi um estado de exceção”. ZIMMER, Lauro. Sistema Constitucional do Estado de Exceção. 2018. Dissertação (Mestrado em Direito do Estado) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018, p. 65.

11 Veja-se o inteiro teor: “Law to Remove the Distress of the People and the State (The Enabling Act) - The Reichstag has passed the following law, which is, with the approval of the Reichsrat, herewith promulgated, after it has been established that it meets the requirements for legislation altering the Constitution. Article 1. National laws can be enacted by the Reich Cabinet as well as in accordance with the procedure established in the Constitution. This also applies to the laws referred to in Article 85, Paragraph 2, and in Article 87 of the Constitution. Article 2. The national laws enacted by the Reich Cabinet may deviate from the Constitution as long as they do not affect the position of the Reichstag and the Reichsrat. The powers of the President remain undisturbed. Article 3. The national laws enacted by the Reich Cabinet shall be prepared by the Chancellor and published in the Reichsgesetzblatt. They come into effect, unless otherwise specified, the day after their publication. Articles 68-77 of the Constitution do not apply to the laws enacted by the Reich Cabinet. Article 4. Treaties of the Reich with foreign states which concern matters of national legislation do not require the consent of the bodies participating in legislation. The Reich Cabinet is empowered to issue the necessary provisions for the implementation of these treaties. Article 5. This law becomes effective on the day of its publication. It becomes invalid on April 1, 1937; it also becomes invalid if the present Reich Cabinet is replaced by another. Reich President von Hindenburg Reich Chancellor Adolf Hitler Reich Minister of the Interior Frick Reich Minister for Foreign Affairs Baron von Neurath Reich Minister of Finances Count Schwerin von Krosigk. Source of English translation: Law to Remove the Distress of the People and the Reich (Enabling Act); reprinted in U.S. Department of State, Division of European Affairs, National Socialism. Basic Principles, their Application by the Nazi Party’s Foreign Organizations, and the Use of Germans Abroad for Nazi Aims. Washington, DC: United States Government Printing Office, 1943, Appendix, Document 11, pp. 217-18. (Translation edited by GHI staff.) Source of original German text: Gesetz zur Behebung der Not von Volk und Reich (Ermächtigungsgesetz) (23. März 1933), Reichsgesetzblatt, 1933, Part I, n. 25, p. 141; also reprinted in Paul Meier-Benneckenstein, ed., Dokumente der deutschen Politik, Volume 1: Die Nationalsozialistische Revolution 1933, edited by Axel Friedrichs. Berlin, 1935, p. 42-43. Disponível em: http://ghdi.ghi-dc.org/sub_document.cfm?document_id=1496. Acesso em: 22 abr. 2019.

12 A escalada contra persona é imediata, esclarece Ignacio Gutiérrez Gutiérrez ao lembrar que, em 4 de fevereiro de 1933, são aprovadas as primeiras medidas contra comunistas e socialistas, com limitações às liberdades de reunião, expressão e para a imprensa. Em 22 de março, surge o primeiro campo de concentração de Dachau. Enfim, em 1934, a Constituição de Weimar não está mais vigente. GUTIÉRREZ, Ignacio G. Teoría Del Estado Y Derecho Constitucional: Construcción (Weimar) e Derribo (Nacionalsocialismo). E-Legal History Review, n. 30, jun. 2019. p. 11.

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Naquele momento de adoção de uma constituição democrática, conforme Peter Caldwell, há vigoroso debate sobre a própria fixação da soberania, espremida entre a fonte de todo poder (povo) e os procedimentos para produção legislativa (constituição)13. Na mesma

toada, surgem como temas os contornos do controle de constitucionalidade e tanto o dilema entre a legitimidade da representação popular (lei) e sua admoestação por juízes não eleitos de uma corte constitucional como a tensão entre os atores políticos e juízes sobre a interpretação e sentido da constituição.

Nessa discussão, a relação entre Estado e Sociedade é ressaltada, com vistas ao direcionamento e divisão do poder. Carl Schmitt, ao observar a realidade alemã do século XIX, observa que, se a Sociedade devia ser compreendida como tudo aquilo que não era Estado, operando em um dualismo geral e fundamental entre ambos, o momento era de conexão desses conceitos num ambiente de integração. Essa perspectiva claramente se dirige como prenúncio do Estado total: “a representação popular, o parlamento, a corporação legisladora, tudo isso foi imaginado como o cenário no qual a sociedade aparecia e se defrontava com o Estado. Aqui, ela deveria se integrar no Estado (ou o Estado nela)”14. Num Estado que integre a Sociedade na

idealização teórica de Carl Schmitt, com efeito, a existência de uma representação para a intermediação dos interesses da população perderia muito sentido. Se há uma unidade, qualquer ideia de um pluralismo político a ser canalizado por partidos políticos não faz qualquer sentido. Há razões históricas para o aprofundamento de tal debate se dar na Alemanha, de acordo com Garcia-Pelayo: i) surgimento de uma Teoria do Estado sistematizada com a problematização da questão estatal junto com as relações sociais; ii) existência de tensão entre o componente parlamentar e o monárquico parlamentar, em torno da titularidade das decisões políticas, oscilando entre o Parlamento e a estrutura do governo monárquico, pois de 1850 a 1918 vigorou na Alemanha uma monarquia constitucional; iii) existência da consciência da necessidade de separação entre Estado e Sociedade, o que foi determinante para o desenvolvimento da Teoria do Estado de Partidos15.

Os elementos apontados acima, em conjunto, reuniram as condições para o afloramento e amadurecimento do debate sobre o Estado de Partidos. Segundo Lenk e

13 CALDWELL, Peter C. Popular Sovereignty and the Crisis of German Law: Theory and Practice of Weimar Constitutionalism. Durham; London: Duke University Press, 1997, p. 2.

14 SCHMITT, Carl. O Guardião da Constituição. Belo Horizonte: DelRey, 2007. p. 108-109. 15 GARCÍA-PELAYO, Manuel. El Estado de Partidos. Madrid: Alianza, 1986. p. 23-25.

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Neumann, um dos temas centrais da República de Weimar foi exatamente a interpretação de uma democracia convertida em Estado de Partidos e o direito eleitoral16.

Ignacio Gutiérrez Gutiérrez assinala que a democracia parlamentar, substituta do regime monárquico em 1918, caiu na Alemanha como uma imposição dos vencedores da Primeira Guerra Mundial, alterando-se profundamente o fundamento do poder político17.

Observa-se que os partidos surgem como consectários do regime parlamentar e, portanto, a ascensão do Parlamento como força predominante sobre o então Império introduziu o tema na ordem do dia.

É a partir desse viés que os partidos políticos passam a ganhar espaço nos estudos sobre o desenho próprio do Estado alemão. Segundo Mezzaroba, já em 1869, Bluntschil, Georg Jellinek e Richard Schmidt trataram do tema, sendo que, no primeiro ano do século XX, Richard Schmidt aproxima a Teoria do Partido da Teoria do Estado “afirmando a cristalização de um vínculo político permanente entre Estado e Sociedade mediante a atuação imprescindível dos Partidos”18. Salienta Orides Mezzaroba ter sido exatamente neste momento histórico que surgiu

a expressão “Estado de Partidos” (Parteinstaat), em oposição ao “modelo de governo autocrático do Estado de Autoridade (Obrigkeitsstaat) ”, onde o Estado como a identificação com a autoridade e os indivíduos como meros súditos e não detentores do poder popular, uma massa para ser governada e administrada19.

Nesta direção, convém notar os partidos políticos como oposição à autoridade do Estado, surgindo como meio haurido da soberania popular para se contrastar com as formas autocráticas na gênese do Estado. Os partidos, nesse cenário da Alemanha, surgem também da premissa alinhavada da separação entre a Sociedade e Estado e da necessidade de meios de comunicação entre esses dois elementos, ou seja, uma forma de fazer com que a primeira fosse ouvida e se manifestasse nos destinos do segundo, tendo como tema uma nova leitura da formação da vontade estatal e da própria natureza do Estado.

A leitura desses autores sobre os partidos políticos, sua natureza, a titularidade do poder e os meios de transformação do poder popular em poder estatal merece uma visão panorâmica e ser fundamentação teórica deste trabalho.

16 LENK, Kurt; NEUMANN, Franz (org.). Teoría y Sociología Críticas de los Partidos Políticos. Trad. Ignácio de Otto. Barcelona: Anagrama, 1980. p. 7.

17 GUTIÉRREZ, Ignacio G. Teoría Del Estado Y Derecho Constitucional: Construcción (Weimar) e Derribo (Nacionalsocialismo). E-Legal History Review, n. 30, jun 2019. p. 4.

18 MEZZAROBA, Orides. Introdução ao Direito Partidário Brasileiro. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 161.

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1.2 A CONTROVÉRSIA SOBRE A PARTIDOCRACIA

1.2.1 Georg Jellinek e a separação entre Sociedade e Estado

Georg Jellinek, em sua Teoria Geral do Estado, ao definir a Sociedade como “fato positivo da convivência e cooperação entre os homens”, aponta o Direito como requisito de sua existência, como um “mínimo ético” ou como as condições de sua conservação20.

Há uma relação de dependência, dessa maneira, entre Estado21 e Sociedade e, ao

mesmo tempo, uma distinção entre esses dois conceitos. A Sociedade, no seu sentido mais amplo, de acordo com Georg Jellinek, é a “totalidade das relações psicológicas que tem lugar entre os homens no mundo exterior”, tomando esse plexo de relações humanas em uma unidade conceitual22. Mesmo ao admitir a impossibilidade de um conhecimento completo da sociedade,

a percepção dela é essencial para a doutrina do Estado, porquanto, em última análise, aquela só pode ser bem compreendida, a partir dos homens em uma comunidade23.

E muito embora Sociedade e Estado possam ser tratados distintamente, inexiste a possibilidade de uma separação completa ou uma oposição entre eles. Na realidade, o Estado só pode ser compreendido também pela análise da Sociedade e de seus grupos sociais, muitos deles integrantes do próprio Estado como o exército e outras corporações24. Há aqui, é bom

assinalar, uma oposição à ideia de integração entre Sociedade e Estado, apesar da imbricação inexorável reconhecida.

20 JELLINEK, Georg. Teoria General del Estado. Traducción de la segunda edición alemana y prologo por Fernando de Los Rios. Buenos Aires: Albatros, 1970. p. XXV.

21 E o Estado, de seu turno, também não é uno, mas compreende e é dependente, de certo, dos seus dois pilares, a representação e o governo, cuja fraqueza impõe o colapso de toda a estrutura. JELLINEK, Georg. Parliamentary Obstruction. Political Science Quarterly, n. 4, 1903, v. XIX, p. 587. Disponível em: https://archive.org/details/jstor-2140322/page/n9. Acesso em: 7 set. 2019.

22 JELLINEK, op. cit., p. 68.

23 Georg Jellinek tem suas considerações das razões pelas quais as revoluções burguesas dos séculos XVII não ocorreram na Alemanha. Na Inglaterra, diz Georg Jellinek, na monarquia havia uma clara noção dos limites dos poderes estatais e uma dimensão absoluta e transcedental, desde o século XVI, ao passo que na Alemanha a vida política se desenvolvia de maneira mais rudimentar, por meio de associações corporativas, da tribo e da família. JELLINEK, Georg. La Declaración de los Derechos del Hombre y del ciudadano. Traducción y estúdio preliminar Adolfo Posada. Estudio introductorio Miguel Carbonell. Ciudad de Mexico: Instituto de Investigaciones Jurídicas-UNAM, 2000. p. 138. (Serie Estudos Jurídicos, n. 12).

24 JELLINEK, Georg. Teoria General del Estado. Traducción de la segunda edición alemana y prologo por Fernando de Los Rios. Buenos Aires: Albatros, 1970. p. 71.

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Em Georg Jellinek está claro o papel dos partidos25 como “formações sociais”,

excluídos da doutrina do Estado, pela ausência de um caráter estatal26. Mesmo

reconhecendo-se o influxo de tais organizações sobre o Estado, como formações sociais, como elementos de criação da vontade estatal, devem ser apenas considerados enquanto minorias e maiorias, daí se derivando a seguinte definição: “os partidos políticos são, por sua natureza, grupos que mediante convicções comuns relativas a certos fins do Estado tratam de realizar esses fins concretos”27.

Essa distinção é primordial para se situar a posição e função dos partidos em uma democracia e sua necessária distância do Estado. A aceitação desse pressuposto lança luzes sobre inúmeras questões relevantes do funcionamento da democracia em um país, no que diz respeito à conformação legislativa dos partidos políticos.

As formas legais para organização dos partidos são particularmente afetadas, quando se mira a dicotomia e a razão de ser da separação entre Estado e Sociedade, como forma de equilíbrio do poder. Acima de tudo, essa divisão tem a pretensão declarada de evitar a tirania ou a concentração de poderes em um só ente, com todos os riscos inerentes.

Noutra dimensão, a necessária distância entre Estado e Sociedade projeta-se sobre inúmeras questões contemporâneas, permitindo sua solução, com vistas ao respeito a esse limite e necessidade de preservação da autonomia dos partidos daquelas pretensões mais assanhadas de regulação. Mencionem-se os limites da atuação estatal sobre as prestações de contas dos partidos, mormente em se tratando de financiamento público, de decisão sobre o universo das candidaturas, das múltiplas questões relacionadas à desfiliação partidária e demais temas que poderão ou não ser admitidos como objeto de interferência estatal, seja pela legislação, seja pela atuação judicante, premente a necessidade de preservação dos partidos como elo da Sociedade.

Em síntese, a obra de Georg Jellinek é pressuposto da compreensão figadal sobre o funcionamento do Estado Democrático e de Direito: Estado e Sociedade não se confundem, ainda que se interrelacionem, do que se deriva a necessidade de um canal de intermediação consubstanciado nas agremiações partidárias. Os partidos políticos ganham relevo e razão de

25 Sobre a classificação dos partidos, Georg Jellinek trata dos “partidos contingentes” (aqueles com pautas momentâneas relacionadas ao poder ou a execução de meros interesses individuais e se afastam de uma pauta relacionada a um “fim de vida do Estado”); partidos religiosos ou nacionais são considerados “partidos ilegítimos”, porque não se pode organizar um partido a partir de uma nacionalidade ou mesmo de um ponto de vista religioso, senão com vistas à uma política geral do Estado. JELLINEK, Georg. Teoria General del Estado. Traducción de la segunda edición alemana y prologo por Fernando de Los Rios. Buenos Aires: Albatros, 1970. p. 85.

26 Ibid., p. 83. 27 Ibid., p. 84.

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ser nesta ótica teórica e devem ser vistos, a partir da Sociedade, como um meio dos cidadãos alcançarem o poder e veicularem suas aspirações ideológicas na formação da vontade estatal.

1.2.2 Richard Schmidt e as primeiras manifestações sobre partidos

A abordagem de Richard Schmidt, na lição de Michael Stollleis, desfilia-se da filosofia para se centrar na história, no empirismo do estabelecimento dos Estados num recorte particular do papel dos partidos políticos28. E essa observação dos fatos, com particular relevância para a

vida parlamentar, é uma importante e desafiadora percepção do fenômeno dos partidos políticos enunciando temas que serão revisitados pelos estudos contemporâneos, como a função, a natureza e o próprio espaço das agremiações partidárias na Teoria Geral do Estado, por exemplo.

Em Richard Schmidt, o partido político deixa de ser um mero agrupamento humano para determinado fim, para se integrar ao próprio nascedouro da vontade estatal. Partindo da premissa da impossibilidade da vontade individual de moldar ou de implementar uma política pública, a indagação sobre qual organismo irá mediar a relação entre Estado e Sociedade tem resposta nos partidos políticos, surgindo como “forças formadoras do Estado dentro da vida social”.

Interessante notar que este autor, dada a relevância dos partidos em sua concepção, situa-os como parte integrante da própria Teoria do Estado, em cujo objeto de estudo estaria a sistematização da vida dos partidos, em face da presença das agremiações nos parlamentos quando a vontade estatal é formada e se manifesta.

A ideia chave de Richard Schmidt situa-se na concepção de que a atuação partidária é necessária e fundamental no processo de formação política e jurídica do Estado. O partido aqui perde sua função de simples agremiação reunidora de interesses comuns, de uniões eleitorais, como se viu na Alemanha até 191829, para se integrar aos meios dos cidadãos de produção

jurídica, de formação do próprio Estado ao ajudar a criar a vontade estatal. Aquilo que outrora

28 STOLLEIS, Michael. Public Law in Germany: 1800-1914. New York; Oxford: Berghahn Books, 2001. p. 435. 29 A Constituição de Weimar, em seu artigo 124, passou a reconhecer “o direito das associações políticas que

adquirissem a sua personalidade jurídica de acordo com a legislação infraconstitucional”. SCHMIDT, Richard. Los Partidos como Fuerzas Formadoras del Estado. In: LENK, Kurt; NEUMANN, Franz (org.). Teoría y Sociología Críticas de los Partidos Políticos. Trad. Ignácio de Otto. Barcelona: Anagrama, 1980. p. 29.

Referências

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