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Recursos hídricos: proteção jurídica e a garantia do direito de acesso à água potável

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Academic year: 2021

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UNIJUI - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

ANGÉLICA LORO

RECURSOS HÍDRICOS: PROTEÇÃO JURÍDICA E A GARANTIA DO DIREITO DE ACESSO À ÁGUA POTÁVEL

Santa Rosa (RS) 2015

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ANGÉLICA LORO

RECURSOS HÍDRICOS: PROTEÇÃO JURÍDICA E A GARANTIA DO DIREITO DE ACESSO À ÁGUA POTÁVEL

Monografia final do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Monografia.

UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais

Orientadora: MSc. Fernanda Serrer Scherer

Santa Rosa (RS) 2015

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Dedico este trabalho a todas as pessoas que se preocupam com a preservação ambiental, com a dignidade humana e continuação da existência.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus, acima de tudo, pela vida, força e coragem.

Ao universo por ter me oportunizado através desse trabalho um maior crescimento pessoal e a enxergar a vida com um olhar mais humano e menos materialista.

Aos meus pais, que acima de qualquer vontade, projeto pessoal e até mesmo necessidade, priorizaram o estudo e a educação me proporcionando, mesmo com

muitas dificuldades, uma educação

qualificada desde as séries inicias.

À minha mãe em especial, por tantas vezes ao longo desta caminhada ter escutado meus desabafos, medos e angústias e, por vezes mesmo sem entender direito do que se tratava me fez acreditar que tudo daria certo, me dando força e incentivo para continuar no meu propósito de concluir o curso.

À minha orientadora, professora

Fernanda Serrer Scherer, que assumiu esse desafio junto comigo e sem medir esforços nem horários me proporcionou inúmeros aprendizados e brilhantemente me conduziu a um resultado satisfatório.

A todos que de uma forma ou outra colaboraram durante toda a trajetória de

construção deste trabalho, meu muito

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A água é uma necessidade primária, portanto, direito e patrimônio de todos os seres vivos, não apenas da humanidade. A água é, por excelência, um bem de destinação universal. A primazia da vida se estabelece sobre todos os outros possíveis usos da água. Nenhum outro uso da água, nenhum interesse de ordem política, de mercado ou de poder, pode se sobrepor às leis básicas da vida.

CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Fraternidade e água: CF-2002. São Paulo: Salisiana, 2003, p. 53.

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RESUMO

Diante da grave crise ecológica vivida atualmente e do reconhecimento da essencialidade da água para a manutenção da vida é preciso aprofundar o debate acerca da utilização, gestão e precificação dos recursos hídricos. Limitar o acesso à água com base em argumentos de mercado significa negar ao ser humano a dignidade e a própria existência. Com o propósito de compartilhamento de ideias e aprofundamento do diálogo acerca do tema, em um primeiro momento, faz um apanhado doutrinário e documental com um olhar para os mecanismos internacionais de proteção da água, seja como bem econômico ou recurso natural essencial, tanto no cenário global, como da América Latina e do Mercosul. Trata também, das Políticas Públicas brasileiras de Recursos Hídricos em âmbito Federal e Estadual, com vistas à democratização do acesso aos recursos hídricos, enfatizando a implantação de um Sistema de Gerenciamento por Bacia Hidrográfica e a eficácia desse sistema na destinação e controle dos usos das águas. Em um segundo momento, analisa os instrumentos de gestão hídrica e apresenta os entendimentos da água, considerada por vezes como bem ambiental dotado de valor econômico e por outras, como recurso natural disponível no meio ambiente e essencial à vida, demonstrando porque não pode e não deve ser considerada como simples mercadoria. Por fim, faz uma análise de dados nos diversos usos da água, destacando a importância da gestão descentralizada e participativa na definição do emprego dos recursos hídricos.

Palavras-chave: Água. Recurso natural. Bem dotado de valor econômico. Direito fundamental. Gestãodescentralizada e participativa.

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ABSTRACT

Considering the severe ecological crisis that we are currently living, and recognizing how essential water is for life maintenance, it is necessary to deeply debate the use, management and pricing of hydric resources. Limit access to water based on market arguments means to deny the human dignity and existence. In order of sharing ideas and deepening dialogue on the subject, at first is needed a doctrinal and documentary summary looking at the international mechanisms for water protection, either as an economic or essential natural resource, both on the global stage such as Latin America and Mercosur. Furthermore, it is necessary to deal with Brazilian Public Policies of Water Resources in Federal and State levels; democratizing access to water resources, emphasizing the implementation of a Management System for River Basin and how this system can be somewhat effective in the allocation and control of water uses. Next, it is demanded to analyse water management tools and present the understandings about water, which is sometimes considered as environmental well with economic value, and by others as a natural resource available in the environment and essential to life - demonstrating why it should not be considered as a commodity. Last, analyse data of the different water uses, highlighting the importance of decentralized and participatory management in defining the use of water resources.

Key-words: Water. Natural Resource. Well-endowed with economic value. Fundamental right. Decentralized participatory management.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9

1 A PROTEÇÃO JURÍDICA DAS ÁGUAS ... 12

1.1 Proteção das águas no cenário global ... 12

1.2 Proteção das águas na América Latina e Mercosul... 19

1.3 Aspectos constitucionais da tutela das águas no Brasil ... 21

1.4 Aspectos infraconstitucionais: o Código de Águas e a Lei das Águas ... 24

1.5 Competências na gestão das águas em âmbito nacional e estadual e a busca pela consolidação de um sistema democrático e participativo de tratamento das águas ... 28

2 A GESTÃO DA ÁGUA NO BRASIL: ASPECTOS ECONÔMICOS E SOCIAIS ... 38

2.1 Legislação e a economia: uma análise dos instrumentos de gestão hídrica ... 38

2.2 Água como bem econômico ou como recurso natural? ... 48

2.3 A água em seus diversos usos e a necessidade da consolidação do sistema de gerenciamento descentralizado e participativo dos recursos hídricos com vistas a garantir o acesso ao recurso enquanto direito humano fundamental ... 60

CONCLUSÃO ... 76

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa a apresentar o tema proteção jurídica e garantia do direito de acesso à água potável a partir de uma gestão participativa e da visão da água como recurso natural essencial à vida digna. Essa é a relevância jurídica e social do tema proposto, já que não existe vida sem água e nem substituto possível de suprir a essencialidade desse recurso. Limitar seu acesso a qualquer ser vivo é também limitar a sua dignidade e a própria existência.

O problema da pesquisa está no acesso à água potável, que embora previsto formalmente nos institutos jurídicos, nem sempre se concretiza e, no tratamento que é destinado aos recursos naturais, sobretudo a água, que não é um bem econômico como vem sendo propalada por alguns tratados e círculos internacionais, e sim, recurso natural vital e que precisa ser assim entendida para que possa efetivamente ser protegida.

Elabora uma análise doutrinária e documental acerca do conjunto normativo existente em âmbito global, Latino-Americano, do Mercosul, nacional e estadual sobre a proteção dos recursos hídricos e acesso dos mesmos às populações fazendo uma análise da água tanto sobre seu viés econômico, quanto como recurso natural com garantia de acesso a todos por se tratar de direito humano fundamental. Nesse sentido analisa o conteúdo normativo apontando os dispositivos capazes de garantir a proteção e destinação do recurso primordialàs necessidades da vida.

Inicialmente, estuda a proteção internacional das águas apresentando alguns dos mais relevantes acordos, tratados e declarações firmados pela Organização das Nações Unidas e por organismos dela decorrentes, bem como as características, objetivos e avanços trazidos por alguns desses documentos, principalmente no que diz respeito ao tema dos direitos humanos fundamentais, que vem consolidando o direito de todos os seres humanos ao meio

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ambiente ecologicamente equilibrado e o acesso à água limpa como direito prioritário a ser considerado nas políticas públicas e na gestão do recurso.

Também estuda os aspectos constitucionais e infraconstitucionais no tratamento brasileiro das águas, bem como as competências na gestão do recurso em âmbito Federal e Estadual com vistas à consolidação de um sistema descentralizado e participativo de tratamento das águas, por meio de bacia hidrográfica e de que forma esse sistema poderá ser mais ou menos eficaz na destinação e controle dos usos das águas, inclusive com a implementação do mecanismo de cobrança pelo uso d‟água aos setores que a tem apenas como insumo de seus processos produtivos, como forma de garantir a democratização do acesso ao recurso hídrico.

Além disso, num segundo momento, diante da preocupação existente com o uso e aproveitamento sustentável dos recursos hídricos, faz-se uma análise dos instrumentos de gestão das águas previstos na Lei das Águas brasileira, lei nº 9.433/97, sob um viés crítico e reflexivo, em especial quanto ao paradoxo estabelecido na definição das águas, ora como bem público e ora como bem privado e precificável.

Nesse sentido, discute os efeitos nefastos do processo econômico de mercantilização dos recursos hídricos e seus impactos sobre as populações menos favorecidas, bem como, apresenta a água como recurso natural vital e não como simples mercadoria, discutindo a maneira como deve ser administrada e gerenciada para que possa atender às necessidades básicas da vida humana e animal, não só em situações de escassez.

Por último faz uma análise de dados relativos à quantidade, qualidade e disponibilidade da água doce em cenário global e nacional e de seus diversos usos, do qual assumem maior importância o abastecimento humano, os usos agrícola e industrial e a produção de energia. Analisa os percursos de desenvolvimento insustentável desses setores e as possíveis soluções para que o equilíbrio entre oferta e demanda possa ser restaurado, visando o crescimento e desenvolvimento sustáveis como forma de garantir a continuação da existência de vida e a dignidade humana.

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O método aplicado na elaboração da presente pesquisa é hipotético-dedutivo, concretizando-se por meio do procedimento exploratório, de fontes bibliográficas disponíveis em meios físicos e na rede de computadores.

Inicialmente foi realizada a seleção bibliográfica e de documentos afins à temática. Uma vez feita a leitura e fichamento do material selecionado, permitindo a reflexão crítica sobre o tema, foi possível a exposição dos resultados obtidos através de um texto escrito monográfico.

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1 A PROTEÇÃO JURÍDICA DAS ÁGUAS

O tema da água está presente nos diferentes espaços sociopolíticos e ambientais de âmbito mundial. Além de ser um recurso fundamental para a sadia e digna qualidade de vida, a água é para a maioria dos países, um bem escasso, tendo motivado disputas internas nos países e mesmo no âmbito internacional. Portanto, diante de sua essencialidade para vida, não é possível definir seu uso e cuidado, apenas observando as divisas políticas.

Considerando tais aspectos, será desenvolvido ao longo deste capítulo, um apanhado dos documentos internacionais de proteção da água e sua internalização na estrutura jurídica e normativa brasileira, além da discussão dos aspectos históricos, a construção e os conteúdos do Código de Águas, da Lei Federal das Águas e da Lei Gaúcha, compreendendo a forma como o Brasil protege os recursos hídricos, assim como as competências das diferentes esferas de governo, na proteção e gerenciamento da água, entendida como bem público e recurso essencial à vida e à sustentabilidade do planeta.

1.1 Proteção das águas no cenário global

No âmbito global, o mais abrangente entre os documentos e tratados internacionais que visam a proteção e distribuição das águas é a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar assinada em 10 de dezembro de 1982 em Montego Bay na Jamaica, sendo ratificada pelo Brasil em 1987 e entrando em vigor em 1995. A convenção objetiva regular a exploração econômica dos fundos marinhos e oceânicos, bem como, a proteção e preservação de espécies e meio ambiente marinhos (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2015a, grifo nosso).

Conforme palavras de Fábio Konder Comparatto (2001, p. 405), “o texto da Convençãosobre o Direito do Mar tem 319 artigos e 08 anexos e é o mais longo de toda a história do direito internacional.”

Ainda no cenário global, foi estabelecida em 02 de fevereiro de 1971 na cidade iraniana de Ramsar, a Convenção de Ramsar ou Convenção sobre Zonas Úmidas de

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Importância Internacional1, como também é conhecida. A referida convenção está em vigor desde 21 de dezembro de 1975 e seu tempo de vigência é indeterminado.Trata-se de umtratado intergovernamental que estabelece marcos para ações nacionais fundamentadas no reconhecimento, pelos países signatários da Convenção, da importância ecológica e do valor social, econômico, cultural, científico e recreativo de tais áreas e, para a cooperação entre países com o objetivo de promover a conservação e o uso racional de zonas úmidas no mundo. Os países membros são denominados no âmbito da convenção como “partes contratantes” e até janeiro de 2010, a Convenção contava com 159 adesões (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2015b, grifo nosso).

O Brasil, possuidor de grande quantidade de zonas úmidas, assinou a Convenção em 1993, vindo a ratificá-la três anos depois. Tal decisão possibilita ao país benefícios como a cooperação técnica e apoio financeiro para promoção e utilização dos recursos naturais das zonas úmidas de maneira sustentável, proporcionando qualidade de vida aos habitantes dessas áreas (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2015b).

A grande inovação trazida pelo Decreto nº 1.905/96 que promulgou a Convenção de Ramsar, está no caráter de regionalização de seu art. 5º, que considera a formação das bacias hidrográficas2 para estabelecer os critérios e normas de utilização das águas, algo inédito em termos de tratamento e regulação de uso das águas doces. O referido artigo estabelece ainda, que as partes contratantes deverão ser consultadas mutuamente sobre a utilização ou intervenção por uma das partes nas bacias hidrográficas, sempre que esta se estender sobre territórios de mais de uma parte contratante, como por exemplo, a bacia amazônica que perpassa fronteiras territoriais de vários países (BRASIL, 2015b).

No debate sobre o tratamento internacional das águas, apesar de existir inúmeros outros tratados internacionais e acordos bilaterais quetratam sobre garantias dos direitos

1

O conceito de Zonas Úmidas adotado pela Convenção de Ramsar é abrangente, compreendendo, além de diversos ambientes úmidos naturais, também áreas artificiais, como represas, lagos e açudes. A inclusão de áreasartificiais decorre do fato de que, originalmente, a Convenção se destinava a proteger ambientes utilizados por aves aquáticas migratórias (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2015b).

2

Bacia hidrográfica é um complexo hídrico formado por diversos rios e lagos, bem como de reservatórios subterrâneos que formam um manancial aquático com grande diversidade biológica, onde se mantém e conservam suas fontes, mantendo uma intercomunicação entre si (SCHERER, 2014).

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humanos e do acesso e uso das águas em âmbito internacional, não se pode deixar de citar, o tratamento e regulação do uso das águas no âmbito da Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura - UNESCO, e algumas importantes iniciativas de outros setores da ONU.

De acordo com João Alberto Alves Amorim (2015), a UNESCO lançou em 1975 o Programa Hidrológico Internacional (PHI) de caráter intergovernamental, que vem desde a sua criação, desempenhando importante papel de cooperação científica em matéria de pesquisa hidrológica, gestão, educação e criação de capacidades dos recursos hídricos, além de servir como plataforma para a criação e difusão de uma maior consciência sobre os temas da água.

Outra importante participação no âmbito da ONU por meio de seu Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) se deu em 20 de junho de 1990, em que foi adotada a Carta de Montreal sobre Água Potável e Saneamento, que em seu preâmbulo, prevê que o acesso à água potável, em quantidade e qualidade suficientes para a satisfação das necessidades básicas, é indissociável de outros direitos da pessoa humana (AMORIM, 2015).

No ano de 1992, a Comissão Econômica das Nações Unidas para a Europa (UNECE) adotou, em âmbito regional, a Convenção sobre a Proteção e Uso Transfronteiriço de Cursos d‟Água e Lagos Internacionais, conhecida como Convenção de Helsinki, que entrou em vigor em 06 de outubro de 1996. Segundo definição dessa Convenção, águas transfronteiriças são “quaisquer águas superficiais ou subterrâneas que marquem, cruzem ou estejam na fronteira entre dois ou mais Estados.” (SANDS apud AMORIM, 2015, p. 156).

Fundamentada no conceito de prevenção e controle da poluição, foi a Convenção de Helsinki que adotou de modo expresso o princípio do poluidor-pagador3 em relação à

3

É possível conceituar o princípio do poluidor-pagador, dizendo que “Assenta-se este princípio na vocação redistributiva do Direito Ambiental e se inspira na teoria econômica de que os custos sociais externos que acompanham o processo produtivo (v.g., o custo resultante dos danos ambientais) precisam ser internalizados, vale dizer, que os agentes econômicos devem levá-los em conta ao elaborar os custos de produção e, consequentemente, assumi-los. Busca-se, no caso, imputar ao poluidor o custo social da poluição por ele gerada, engendrando um mecanismo de responsabilidade por dano ecológico, abrangente dos efeitos da poluição não somente sobre bens e pessoas, mas sobre toda a natureza. Em termos econômicos, é a internalização dos custos externos.” (MILARÉ, 2013, p. 267).

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poluição das águas doces, incentivando os Estados-Membros a adotarem medidas legais e administrativas de gestão hidrológicas buscando a satisfação de seus objetivos bem como, medidas para a melhor prática ambiental, como: o fornecimento de informações aos usuários e público em geral sobre o estado e qualidade das águas doces, reuso das águas, reciclagem, licenciamento de atividades entre outros (AMORIM, 2015).

Não menos importante, é a Convenção da Biodiversidade e a Agenda 21 na questão do acesso à água no regulamento internacional (grifo nosso). Nesse sentido, conforme refere Amorim (2015, p. 110),

[...] ambas adotadas durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992, quebraram o silêncio normativo convencional que se mantinha até então, em nível multilateral global, em relação às águas doces. Apesar de não dispor especificamente sobre a água doce, a Convenção da Biodiversidade é a primeira norma internacional cogente a disciplinar o meio ambiente como um todo, através da busca da conservação de seus mais variados componentes, dentre eles os ecossistemas aquáticos.

Em seu capítulo 18, a Agenda 21 aborda de forma integrada a questão do desenvolvimento, gerenciamento e utilização das reservas hidrológicas, tendo como principal objetivo, satisfazer as necessidades de água doce para o desenvolvimento de todos os países. Estabelece também, a proteção das fontes de água, priorizando o uso humano da água doce, e neste, a satisfação das necessidades básicas para a vida e a manutenção dos ecossistemas (AMORIM, 2015).

Ainda em 1992, ano de realização da ECO-92 da qual resultou posteriormente a Agenda 21, foi realizada em Dublin na Irlanda, a Conferência Internacional sobre Água e Meio Ambiente, segunda conferência mundial sobre a água, convocada e preparada pela Organização Marítima Internacional. A conferência tratou da inserção de questões relativas à água, enfatizando a importância do envolvimento das partes interessadas no processo de tomada de decisões, assim como, estabeleceu a necessidade de reconhecimento do valor econômico da água nos seus múltiplos usos (AMORIM, 2015, grifo nosso).

Também em 1992, a ONU, movida pela necessidade de conscientização dos governantes e de toda a população acerca da importância do uso racional e da proteção das fontes hídricas, publicou no dia 22 de março a Declaração Universal dos Direitos da Água.

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Desde então, todos os anos este dia é dedicado à promoção de ações e discussões capazes de promover a preservação da água no planeta. A Declaração é ordenada em dez artigos e dispõe que: aágua é seiva e patrimônio do planeta; recursos naturais de transformação da água em água potável são lentos, frágeis e muito limitados; o equilíbrio e o futuro de nosso planeta dependem da preservação da água e de seus ciclos; a água não é somente herança de nossos predecessores, ela é, sobretudo, um empréstimo aos nossos sucessores; a água não é uma doação gratuita da natureza, possuindo valor econômico; ela é, algumas vezes, rara e dispendiosa podendo tornar-se escassa em qualquer região do mundo; não deve ser desperdiçada, poluída e envenenada; e, que sua utilização e gestão implicam respeito à lei mantendo-se o equilíbrio entre os imperativos de sua proteção e as necessidades de ordem econômica, sanitária e social, considerando a solidariedade e o consenso em razão de sua distribuição desigual sobre a terra (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2015f).

Embora não possua força de lei, a Declaração representa um chamado importante da ONU aos cidadãos e aos países do mundo inteiro para que se esforcem no desenvolvimento da cultura do direito e dos deveres em relação a água.

Importante espaço para se tratar sobre a temática água e seu acesso, se dá também, nos Fóruns Mundiais sobre a água, organizados pela ONU, que já conta com sete edições realizadas a cada três anos em diferentes países. O último evento de temática “Água para nosso futuro” realizou-se entre os dias 12 a 17 de abril do corrente ano na cidade sul-coreana Daegu-Gyeongbuk, considerada a maior estância de debates sobre recursos hídricos do mundo, motivando a comitiva brasileira a debater sobre questões como: mudanças climáticas, governança dos recursos hídricos, nexus água e saneamento, água e energia, água e alimento e ecossistemas aquáticos (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2015c, grifo do autor).

Ainda, no dia 26 de fevereiro, em sua 51ª Reunião, os Governadores do Conselho Mundial da Água definiram que o 8º Fórum Mundial da Água a se realizar em março de 2018 acontecerá no Brasil, na cidade de Brasília. Esta, que será a primeira edição a realizar-se no hemisfério sul do planeta trará a temática “Compartilhando Água”, possibilitando que técnicos de todo o planeta compartilhem conhecimento, experiências e fundamentalmente, benefícios e soluções para a questão da água (ÁGUAS DO BRASIL, 2015, grifo nosso).

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Conforme salienta Marcos Paulo Scherer (2014), ao final de cada edição dos Fóruns em que participam a maioria dos mais importantes Chefes de Estados do planeta, é emitido um relatório final contendo todos os pontos de ajustamento dos assuntos abordados no Fórum, e que serão, no âmbito dos Estados nacionais, implantados ou implementados de forma a melhorar tanto as condições de acesso, quanto de preservação da água potável no mundo.

No ano de 2005, a UNESCO emitiu a Resolução A/Res/58/217 proclamando o período compreendido entre 2005 a 2015 como a Década Internacional para Ação “Água, Fonte de Vida” iniciando-se em 22 de março de 2005, consagrado como Dia Mundial da Água (UNESCO, 2015a).

Afirma a Resolução, que o objetivo principal da década é dar um maior foco nas questões relacionadas a água em todos os níveis. Salienta também, a implementação de programas relacionados a água de forma a atingir os objetivos acordados internacionalmente na Agenda 21, nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas, e no Plano de implementação de Johannesburgo (UNESCO, 2015a).

Ainda, em 28 de julho de 2010, a Assembleia Geral da ONU após mais de uma década de debates, aprovou a Resolução A/RES/64/292, a qual “reconhece oficialmente que odireito à água potável e ao saneamento é um direito fundamental, essencial ao pleno gozo da vida e de todos os direitos humanos.” Com 122 votos a favor e nenhum contra, a Resolução foi aprovada, porém, contou com 41 abstenções de países como Estados Unidos, Dinamarca, Japão, Canadá entre outros (AMORIM, 2015, p. 120, grifo do autor).

A Resolução apela aos Estados e Organizações Internacionais para que

[...] providenciem os recursos financeiros, contribuam para o desenvolvimento de capacidades e transfiram tecnologias de modo a ajudar os países, nomeadamente os países em vias de desenvolvimento, a assegurarem água potável segura, limpa, acessível e a custos razoáveis e saneamento para todos. (ONU, 2015).

A constatação e inclusão do acesso à água potável e ao saneamento no rol dos direitos humanos pela comunidade internacional é sem dúvida, o resultado de que atualmente no planeta, cerca de 748 milhões de pessoas não tem acesso a água potável, sobretudo os mais pobres e vulneráveis (ONUBRASIL, 2015a). Da mesma forma, uma em cada três pessoas, ou

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2,4 bilhões de cidadãos no mundo não tem acesso a qualquer tipo de serviço de saneamento(ONUBRASIL, 2015b). Estima-se ainda, que até o ano de 2050 a demanda global por água poderá ultrapassar em 44% os recursos hídricos disponíveis e que a maioria dos cerca de 3 bilhões de habitantes previstos a somar-se à população mundial nos próximos 35 anos, nascerão em países com escassez hídrica (ONU BRASIL, 2015c).

Igualmente, em setembro de 2010 o Conselho de Direitos Humanos da ONU aprovou a Resolução A/HRC/15/L.14, acerca dos direitos humanos e acesso a água e saneamento, contando com a participação e apoio de inúmeros Estados que não faziam parte do Conselho à época. Nesta Resolução se afirma o direito humano à água potável intrinsicamente ligado ao direito à vida e dignidade da pessoa humana e, se reafirma que a delegação do fornecimento de água e saneamento a terceiros, não exonera a responsabilidade primária dos Estados em garantir a plena realização de todos os direitos humanos (AMORIM, 2015).

Em maio de 2011 pela Resolução A/RES/64/24, a Organização Mundial da Saúde através de sua Assembleia convocou os Estados-Membros a garantirem o alcance das metas de desenvolvimento do milênio relativas à água e ao saneamento em suas políticas nacionais de saúde, além de estabelecer ao Diretor-Geral da organização, o fortalecimento dos órgãos do sistema ONU relativos a água, em torno de uma cooperação internacional visando à promoção do acesso aos serviços de água, higiene e saneamento (AMORIM, 2015).

Também em 28 de setembro de 2011, convocando os Estados a assegurar o financiamento necessário para o fornecimento sustentável dos serviços de água e saneamento, o Conselho de Direitos Humanos da ONU aprovou a Resolução A/HRC/RES/18 (AMORIM, 2015).

Posteriormente, em 04 de junho de 2012, a Organização dos Estados Americanos (OEA) adotou na sua 42ª sessão regular da Assembleia Geral, a Resolução AG/doc.5242/12 ver. 2, que aprova a Carta Social das Américas que dentre outras posições reconhece a água como recurso fundamental não só para a vida, mas, para o desenvolvimento socioeconômico e sustentabilidade ambiental, bem como, que o acesso igualitário e não discriminatório da população à água potável e aos serviços de saneamento no âmbito da legislação e das políticas nacionais, contribui no combate à pobreza (AMORIM, 2015).

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Estabelece, além disso, o compromisso dos Estados-membros de acordo com suas realidades nacionais, a continuar trabalhando para garantir o acesso a água potável e saneamento tanto para as gerações presentes quanto futuras. A OEA aprovou ainda, em junho de 2012, a Resolução AG/RES.2760 (XLII-O/12), em defesa ao direito humano à água e saneamento básico. Em termos práticos, embora frustrante, essa resolução insere finalmente o reconhecimento do direito humano à água e ao saneamento no âmbito multilateral regional, o fazendo por meio de seu mais importante foro intergovernamental de cunho político (AMORIM, 2015).

Percebe-se, portanto, que programas e iniciativas visando o aumento da conscientização sobre a necessidade de uma tutela jurídica mais eficaz, bem como, de mudança nos padrões de consumo das sociedades do mundo em relação a água potável, tem sido empreendidos não só por organizações como a UNESCO, FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), e pela própria ONU, mas, por organizações governamentais e não governamentais, por universidades, centros de pesquisa e associações civis mundo afora (AMORIM, 2015).

Contudo, apesar da mudança de paradigma e de tratamento jurídico operado pelo direito internacional em relação a água nas últimas décadas, ainda há muito que ser feito nesse campo, principalmente no que diz respeito à escassez física e econômica de água e à mercantilização de seu acesso.

1.2 Proteção das águas na América Latina e Mercosul

No âmbito da América Latina, o primeiro documento a ser criado é o Tratado da Bacia do Prata. Assinado em Brasília em 1969, trata-se de acordo multilateral composto de oito artigos, que objetiva segundo seu artigo 1º, promover o desenvolvimento harmônico e a integração física da Bacia do Prata e de suas áreas de influência direta. Importante salientar que foi antecedido pela Declaração Conjunta dos Chanceleres dos Países da Bacia do Prata, assinada em Buenos Aires, em 1967 e pela Ata de Santa Cruz de La Sierra, de 1968 (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2015d, grifo nosso).

No tratado da Bacia do Prata, em nenhum dos seus artigos é feita referência à água para o consumo humano ou qualquer afirmação sobre sua importância para a vida ou valor

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ambiental. Mantém-se apenas, a previsão de aproveitamento econômico para as águas abrangidas pela Bacia, apesar de o referido artigo 1º, dizer também que não é seu objetivo direto a integração econômica entre os países. Dessa forma, perdeu-se a oportunidade de tratar da água como recurso fundamental, deixando somente o aspecto econômico prevalecer nas negociações e previsões normativas (SCHERER, 2014).

Já em 1977 em Mar Del Plata na Argentina, foi realizada a Conferência das Nações Unidas sobre a Água, conhecida como Conferência de Mar Del Plata. Foi o primeiro encontro multilateral para a discussão exclusiva de temas ligados ao consumo de água doce e sua disponibilidade, diante da crise hídrica mundial que na época, todos acreditavam se aproximar. Um conjunto de metas e programas de gerenciamento integrado de recursos hídricos foi adotado na Conferência, sendo substituído, mais tarde, por capítulo específico sobre água na Agenda 21 (AMORIM, 2015, grifo nosso).

Ainda, em 1978, o Brasil firmou o Tratado de Cooperação Amazônica, juntamente com países como a Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. O objetivo desse acordo era promover ações conjuntas para o desenvolvimento equilibrado da bacia Amazônica, adotando um compromisso comum com a preservação do meio ambiente e o uso racional de recursos naturais, principalmente da água doce. Considera-se ainda, em termos de gestão hidrológica, o primeiro a adotar corretamente a visão e o conceito de bacia hidrográfica (AMORIN, 2015, grifo nosso).

No âmbito Regional, mais especificamente no Mercosul, por sinal uma das regiões mais ricas e nobres em disponibilidade de água doce do planeta, há muito quese evoluir. Ainda são poucos os acordos ou tratados internacionais criados ou desenvolvidos ainda mais no que diz respeito à preservação e conservação dos mananciais e das bacias hidrográficas. O que existe, está concentrado na exploração da região visando principalmente à construção de barragens hidrelétricas, com vistas a atender os anseios econômicos.

Apenas em 21 de julho de 2001 é que surge o Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente do Mercosul, que estabelece que os Estados-membros principalmente por “terem adotado os princípios da Declaração do Rio e da Agenda 21, em 1992, devem aplicar, nas suas políticas de integração regional, os princípios e metas por elas estabelecidos.” (AMORIM, 2015, p. 105, grifo nosso). Em verdade, tal acordo serviu apenas para dar uma satisfação à população

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regional para não parecer que em nada havia resultado os encontros das nações mundiais em prol da defesa do meio ambiente.

Malgrado a falta de iniciativas das lideranças regionais na proposta e realização de acordos e tratados internacionais regionais visando à preservação ou regulação do uso e acesso aos recursos hídricos, foram realizados alguns atos isolados, como o Acordo de Cooperação do Rio Quaraí e Acordo de Cooperação do Rio Apa. No bojo do Tratado da Bacia do Prata, anteriormente adveio o Tratado da Bacia da Lagoa Mirim e o Tratado do Rio Uruguai, e somente no ano de 2010, o Acordo sobre o Aquífero Guarani (SCHERER, 2014, grifo do autor).

Ambos tratados de uma forma geral trazem ou estão construindo importantes inovações e evoluções na área ambiental, tanto em termos políticos quanto jurídicos, institucionais e culturais dentro do cenário nacional e internacional, dando mais importância à temática ambiental e sustentabilidade dos usos das águas e estimulando iniciativas e projetos nesse sentido.

1.3 Aspectos constitucionais da tutela das águas no Brasil

Como bem refere Eduardo Coral Viegas (2005), o ordenamento jurídico pátrio é rico em normas de tutelas das águas, seja por meio de leis estabelecedoras de regras para os recursos hídricos, seja por normas ambientais gerais protetivas desses recursos.

Conforme João Marcos Adede y Castro (2008), a Constituição Federal de 1988, em seu capítulo II “Da União”, art. 20, relaciona como bens da União, rios, lagos, lagoas e outros mananciais, nos dando a entender o legislador, tratar-se não de bens pertencentes aos governos e administrações, mas bens de uso comum de povo e essenciais à sadia qualidade de vida, cabendo aos detentores do poder que nos representam o dever de preservar aquilo que é de uso comum do povo.

Ainda, na visão deAdede y Castro (2008, p. 54):

Não está o Poder Público, em qualquer de suas esferas, autorizado a dispor dos recursos hídricos de outra forma que não seja o de proteger, preservar,

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recuperar, fiscalizar sua devida utilização, de maneira a garantir a continuidade de sua existência, com qualidade.

Tanto isso é verdade que o Estado, mesmo estando autorizado a fazer uso dos recursos hídricos, em proveito dos interesses coletivos de recolhimento, tratamento e distribuição de água e construção e manutenção de usinas de geração de energia, não está dispensado da obrigação de reparar, minimamente, os danos daí gerados.

Desse modo, resta claro que Estado tem o dever, assim como o cidadão, de proteger e usar de forma adequada e sustentada os recursos hídricos, bem e direito de todos (ADEDE Y CASTRO, 2008).

À União compete, conforme art. 21, XIX, da CF/88, “instituir o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso.” (BRASIL, 2015b). Portanto, de forma a permitir o uso dos recursos hídricos e ao mesmo tempo garantir sua preservação, conservação e reparação dos danos causados, a legislação impôs ao Estado a obrigação de estabelecer os critérios de utilização desses recursos (ADEDE Y CASTRO, 2008).

O artigo 22, inciso IV, do mesmo diploma legal trata por seu turno, da competência privativa da União para legislar sobre águas, em vista da importância do recurso para a vida nacional, excluindo assim, a intervenção legislativa dos Estados e dos Municípios, salvo para legislar sobre questões específicas em que houver expressa autorização legal (ADEDE Y CASTRO, 2008).

Adede y Castro (2008, p. 56) ainda destaca que:

Como a responsabilidade pela proteção e fiscalização dos recursos hídricos é concorrente entre a União, os Estados e os Municípios, é evidente que qualquer lei Estadual ou Municipal, desde que não contrarie nem revogue o dispositivo Federal, pode ser aplicada.

Nesse sentido o art. 23 da Carta Magna, trata de forma geral, da competência comum entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios na proteção e combate da poluição do meio ambiente em qualquer de suas formas, bem como, na preservação das florestas, da fauna e flora e no registro, acompanhamento e fiscalização das concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais dentro dos seus territórios. O artigo 24 por sua vez, trata da competência concorrente entre União, Estados e Distrito Federal em legislar sobre

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florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição (ADEDE Y CASTRO, 2008).

Em relação à competência dos entes, entende Paulo Affonso Leme Machado (2002, p. 20):

Em matéria de águas a competência privativa (art. 22 da CF) e a competência concorrente (art. 24 da CF) cruzam-se e permanecem entrelaçadas[...]. Os Estados podem estabelecer, de forma suplementar à competência da União, as normas de emissão dos efluentes lançados nos cursos de água, visando a controlar a poluição e a defender o recurso natural (art. 24, VI, da CF), mas dependem no que dispuser a lei federal, à qual cabe definir os padrões de qualidade das águas e os critérios de classificação das águas de rios, lagos e lagoas.

Nesses parâmetros, parece ficar o Município excluído da função de tratar sobre a conservação das águas e de tomar providências com fins a evitar a contaminação dos recursos hídricos. Porém, a quantidade e qualidade das águas dos lagos, rios, riachos, ribeirões e represas, vai depender da legislação existente e da implementação da política ambiental, principalmente no âmbito dos municípios. O Município, não pode legislar sobre volume e/ou classificação das águas, pois estaria invadindo competência privativa da União. Entretanto, tendo em vista o interesse local em matéria de efluentes domésticos e industriais, pode de maneira mais restritiva, suplementar as normas de emissão Estaduais e Federais. Também poderá, conforme art. 30, I, da CF/88, criar norma autônoma desde que, comprove o interesse local e que no campo normativo estejam inertes a União e o Estado. Ainda, nos Comitês de Bacias Hidrográficas em que são aprovados os Planos de Recursos Hídricos, os Municípios podem e devem atuar (MACHADO, 2002).

Logo, a dominialidade pública da água faz do Poder Público Federal e Estadual gestor desse recurso ambiental, e não proprietário ou comerciante (MACHADO, 2002). Também, por esse motivo, “não pode o Governo Federal negar aos Estados e Municípios o poder de dispor, através de leis que atendam situações específicas locais, no sentido de proteger o interesse ambiental de cada região do País.” (ADEDE Y CASTRO, 2008, p. 57).

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Distribuídos ao longo da atual Carta Política, nos mais diversos títulos, estão os contornos constitucionais da tutela jurídica das águas doces, em seus múltiplos aspectos: como elemento natural, como fonte geradora de energia, como via de transporte, como elemento essencial ao saneamento e saúde públicos, bem como fator de integração e equilíbrio ambiental.

Também, a Constituição Federal de 1988 foi a primeira a dedicar um capítulo específico ao meio ambiente. Segundo José Afonso da Silva (2004, p. 46) “pode-se dizer que ela é uma Constituição eminentemente ambientalista.” Avançada, impõe ao Poder Público e à coletividade, em seu art. 225, não só o direito de uso dos bens naturais, mas o dever de defender, preservar e garantir um meio ambiente ecologicamente equilibrado para as gerações presentes e futuras, como direito fundamental.

Além disso, a Constituição consolida a questão ambiental como um todo. Quanto à água, “seu texto tem disciplina jurídica geral, como elemento do bioma e específica, nos diversos dispositivos que, explícita ou implicitamente – em função de sua importância e multissubjetividade -, são a ela correlatos.” (AMORIM, 2015, p. 306).

Portanto, percebe-se que a visão adotada pela Constituição em relação ao meio ambiente, reconhece e reflete toda a evolução normativa de proteção ambiental ocorrida no direito internacional público, inovando ainda, na técnica legislativa, visto que tratou em artigos diferentes a competência para legislar e a competência para administrar.

1.4 Aspectos infraconstitucionais: o Código de Águas e a Lei das Águas

No século passado, sob regime ditatorial em que o Poder Executivo legislava por decretos com força de lei, o governo entendia que o Brasil no que se referia ao uso das águas, estava orientado por legislação ultrapassada, que não acolhia os interesses da coletividade nacional, e se fazia essencial modificá-la para permitir que o Poder Público controlasse e incentivasse o aproveitamento industrial racional (ADEDE Y CASTRO, 2008).

Assim, o primeiro modelo regulador dos recursos hídricos no Brasil foi o ainda não integralmente revogado Código de Águas, instituído pelo Decreto nº 24.634, de 10 de julho de 1934, instrumento de concepção avançada para a época e pioneiro no tratamento das águas no país.

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Conforme menciona Wilson Cabral de Sousa Júnior (2004), tal instrumento passou mais de meio século sem regulamentação de seu inteiro teor, o que se atribui à necessidade de intervenção do Estado na regulação e uso das águas na geração hidrelétrica, que demandou a partir de meados do século passado, grandes obras e investimentos em infraestrutura, principalmente na construção da grande represa da Usina Hidrelétrica de Itaipu, na divisa entre o Brasil e o Paraguai.

Das décadas de 1920 a 1980, o mandatário da regulação hídrica, tendo em vista o aumento de consumo de energia elétrica pelo setor industrial, foi de fato, o setor de geração hidrelétrica, inicialmente do setor privado e mais tarde sob orientação do Estado que passa a intervir diretamente neste setor, com a assinatura do Código de Águas, assumindo o poder de concessão dos direitos de uso de qualquer curso ou queda d‟água.

Nesse sentido, o Código de Águas serviu de normativa inicial para a administração das águas no Brasil. Na prática, a gestão das águas no Brasil foi inicialmente capitaneada pelosetor elétrico, que junto com a hegemonia política do setor sobre a gestão das águas, foram contempladas em 1965 com a criação do Departamento Nacional de Água e Energia (DNAE, lei nº 4.904/65), denominado mais tarde através do Decreto 63.951/68, como Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE) (SOUSA JÚNIOR, 2004).

Desde a referida época até a criação da Secretaria de Recursos Hídricos em 1995, toda regulação associada à gestão das águas estava de uma ou de outra forma vinculada ao DNAEE. Inclusive, a Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama, 20, de 1986), responsável por estabelecer os critérios para classificação das águas no país, é baseada nos estudos diagnósticos feitos pelo DNAEE no início de 1980 (SOUSA JÚNIOR, 2004).

Ainda que as intenções fossem positivas, o Código de Águas é orientado para a proteção das atividades econômicas que dependem do uso das águas, preocupando-se pouco em protegê-las como recurso ambiental vital, somente, como insumo industrial de utilidade econômica. Nesse aspecto, Adede y Castro (2008, p. 61) destaca com primazia que:

É evidente que não havia, à época, a consciência ambiental que, hoje, permeia todas as relações sociais e que informa a redação de textos legais dos mais diversos matizes. De outro lado, estávamos sob regime ditatorial, em que o Poder Executivo legislava por decretos com força de Lei.

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Ainda sobre o Código de Águas, analisa Santilli (apud VIEGAS, 2005, p. 45):

O código de Águas (Decreto 24.634/34, modificado pelo Decreto-Lei 852/38)[...] concebido e elaborado na década de 30, dá grande ênfase ao aproveitamento de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica, e pouca (embora alguma) atenção à água enquanto recurso ambiental a ser protegido, racionalizado e gerenciado.

Essa primazia do setor elétrico na gestão das águas, só foi afetada a partir da reestruturação política e administrativa do Estado e da promulgação da Constituição Federal de 1988, responsável por significativas mudanças na administração dos recursos naturais (SOUSA JÚNIOR, 2004).

De maneira diferentedo que ocorre hoje com a Constituição Federal que define as águas como bem comum de todos, o Código de Águas, divide-as em águas públicas, comuns e particulares, mantendo assim, a possibilidade de domínio da água nas mãos dos particulares. Nesse sentido é adisposição de seu art. 8º que diz: “São particulares as nascentes e todas as águas situadas em terrenos que também o sejam, quando as mesmas não estiverem classificadas entre as águas comuns de todos, as águas públicas ou as águas comuns.” (BRASIL, 2015c).

No que concerne às águas subterrâneas, o art. 96 do Decreto nº 24.643/34, prevê que:

Art. 96.O dono de qualquer terreno poderá apropriar-se por meio de poços, galerias, etc., das águas que existam debaixo da superfície de seu prédiocontanto que não prejudique aproveitamentos existentes nem derive ou desvie de seu curso natural águas públicas dominicais, públicas de uso comum ou particulares. (BRASIL, 2015c).

Posteriormente a essa fase, a tendência da legislação brasileira, inclusive e principalmente no plano constitucional, foi a de publicização do domínio das águas, terminando com a extinção da propriedade privada desse recurso pela Constituição Federal de 1988, que dispôs de forma cristalina em seu art. 225, que o meio ambiente é bem comum de todos (VIEGAS, 2005).

Como bem refere Viegas (2005) passados alguns anos desde a entrada em vigor da atual Carta Magna que, conforme referido, não recepcionou a legislação infraconstitucional nos pontos em que estabelecia a propriedade privada sobre as águas, foi publicada em 8 de

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janeiro de 1997 a Lei das Águas, como é conhecida a lei nº 9.433, estabelecendo já em seu primeiro artigo os fundamentos que determinam o tratamento da água pelo ordenamento:

Art. 1º A Política Nacional de Recursos Hídricos baseia-se nos seguintes fundamentos:

I - a água é um bem de domínio público;

II - a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico;

III - em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais;

IV - a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas;

V - a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos;

VI - a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades. (BRASIL, 2015d).

Sousa Júnior (2004, p. 47-48) traça com clareza os principais fundamentos do Código de Águas incorporados pela atual Lei das Águas quando diz que:

Em seu bojo estava contida boa parte dos princípios orientadores da atual política de recursos hídricos, quais sejam:

• o uso direto para necessidades essenciais à vida;

• a necessidade de concessão e/ou autorização para derivação de águas públicas;

• o conceito poluidor-pagador, que previa a responsabilização financeira e penal para atividades que contaminassem os mananciais hídricos.

Desse modo e tendo em vista que o Código de Águas já mencionava o caráter público da água e seu uso múltiplo com prioridade para o consumo humano, necessidade primordial à vida, as inovações ficam por conta dos incisos II, V e VI do artigo 1º da Lei das Águas, que respectivamente distingue a água como bem dotado de valor econômico, institui a gestão por bacia hidrográfica e determina a participação da sociedade na gestão hídrica (SOUSA JÚNIOR, 2004).

Ressalta-se ainda, que a referida Lei das Águas estabelece em vários dispositivos a cobrança pelo uso das águas, mas jamais o direito de venda, portanto, o Governo Federal e os Estaduais não podem se tornar comerciantes de água e sim, meros gestores desse recurso (MACHADO, 2002).

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Estabeleceu-se assim, um novo marco legal para a tutela das águas doces, cabendo à Lei das Águas, a instituição da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) e a criação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Singreh), implementados com a criação da lei nº 9.984/2000 que instituiu a Agência Nacional de Água (ANA), responsável por estabelecer regras de atuação, bem como, estruturação administrativa e fontes de recursos (VIEGAS, 2005). Assim,

O estado brasileiro revela no trato atual da questão hídrica, em verdade, uma atitude histórica em relação aos recursos naturais: sua consideração apenas pela perspectiva da utilização econômica, e não como um elemento que, devido ao seu caráter multissubjetivo, tem importância vital, ainda que dissociado de qualquer aproveitamento ou destinação econômica, o que demanda – acima de tudo – uma disciplina competente e integral. (AMORIM, 2015, p. 312).

Portanto, ressalta-se a importância da visão jurídica do acesso à água potável como recurso e direito fundamental, não só em função da sua essencialidade para a vida humana e animal e para a manutenção de todo o equilíbrio natural da biosfera, mas também, em função de questões vitais e estratégicas que decorrem da riqueza hídrica que o Brasil dispõe.

1.5 Competências na gestão das águas em âmbito nacional e estadual e a busca pela consolidação de um sistema democrático e participativo de tratamento das águas

Primeiramente é necessário salientar que a gestão das águas não deve ser confundida com a competência para legislar sobre águas. Conforme determinado pela Constituição Federal no artigo 21, XIX, já estudado anteriormente, compete à União instituir um Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e definir os critérios de outorga para os direitos de uso. O Regulamento determinado pelo artigo 21 e a divisão de atribuições entre União e Estados na gestão hídrica foi definido pela Lei Federal nº 9.433/97, chamada Lei das Águas. Reconhecida internacionalmente como uma das mais avançadas do mundo para o setor, foi em suma idealizada e praticamente copiada da Lei Gaúcha, lei nº 10.350/94, responsável por estabelecer ainda no ano de 1994, a Política Estadual de Recursos Hídricos do Rio Grande do Sul.

Determina a Lei das Águas, em seu artigo art. 1º, VI, que “A gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades.” (BRASIL, 2015d). Portanto, a descentralização recomendada e instaurada

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pela Lei das Águas é no domínio da gestão, pois a competência para legislar sobre águas é conforme o também já estudado art. 22, IV, da CF/88, matéria centralizada nas mãos da União, podendo, entretanto, conforme preceitua o parágrafo único do referido artigo, lei complementar autorizar que os Estados legislem sobre águas (MACHADO, 2002).

Em seu artigo 33, a Lei das Águas determina quem participará do Sistema Nacional de Gerenciamento, dispondo em seus incisos que participarão:

I – o Conselho Nacional de Recursos Hídricos; I-A. – a Agência Nacional de Águas;

II – os Conselhos de Recursos Hídricos dos Estados e do Distrito Federal; III – os Comitês de Bacia Hidrográfica;

IV – os órgãos dos poderes públicos federal, estaduais, do Distrito Federal e municipais cujas competências se relacionem com a gestão de recursos hídricos;

V – as Agências de Água; (BRASIL, 2015d).

Assim, além de efetivar a Política Nacional e o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, a legislação possibilitou por meio da criação desses entes, a participação popular na gestão dos recursos hídricos brasileiros, em especial dos Conselhos de Recursos Hídricos em níveis nacional, distrital e estaduais e dos Comitês de Bacias Hidrográficas, que estão no primeiro nível de administração dos recursos hídricos, e contam com a Agência de Águas para exercer de forma mais abrangente e efetiva suas competências (BLOG DO PLANALTO, 2015).

Quanto a competência de cada ente, além de ser responsável por implementar a Política Nacional e o Plano Nacional de Recursos Hídricos, à União, cabe fiscalizar e regular a gestão hídrica no País, o que é feito através da atuação compartilhada entre o Ministério do Meio Ambiente e a Agência Nacional de Águas (ANA) (BLOG DO PLANALTO, 2015).

É responsabilidade da União ainda, gerenciar os Comitês de Bacias Federais ou Interestaduais. Atualmente, nos rios de domínio da União, existem nove Comitês de Bacias Hidrográficas Interestaduais4 criados e localizados nas Regiões Sudeste e Nordeste do País (COMITÊS DE BACIAS HIDROGRÁFICAS - CBH, 2015).

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São eles: CBH Piranhas Açu, CBH São Francisco, CBH Verde Grande, CBH Paranaíba, CBH Rio Grande, CBH Rio Doce, CBH Paraíba do Sul, CBH Piracicaba, Capivarí e Jundiaí e CBH Paranapanema (COMITÊS DE BACIAS HIDROGRÁFICAS - CBH, 2015).

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Aos Estados, cabe a responsabilidade pela gestão das águas em seu território e sob seu domínio, além, da elaboração de legislação específica para a área. Também dos Estados é o dever de organizar o Conselho Estadual de Recursos Hídricos e de garantir o funcionamento dos Comitês de Bacia dentro da sua região. Ao Distrito Federal, cabe a mesma competência dos Estados na gestão dos seus recursos hídricos (BLOG DO PLANALTO, 2015).

No país, todos os 26 Estados da Federação e o Distrito Federal possuem suas leis e Conselhos Estaduais de recursos hídricos. Atualmente, existem cerca de 190 Comitês de Bacias Hidrográficas Estaduais em atuação no Brasil (BLOG DO PLANALTO, 2015).

Sobre a competência dos municípios, como não possuem atribuições específicas na gestão hídrica, cabe a eles a responsabilidade de integrar as políticas locais de meio ambiente, saneamento básico e de uso e ocupação do solo com as políticas federal e estadual de recursos hídricos.

O Plano Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) que vigora atualmente foi aprovado no início de 2006 pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH). No plano são previstas ações até o ano de 2020 e sua aprovação envolveu a participação de mais de 10 mil membros da sociedade civil. Ainda, ao CNRH, cabe à regulamentação da Política Nacional de Águas, realizada em conjunto pelo Governo Federal, Estados, setores usuários de água e sociedade civil (BLOG DO PLANALTO, 2015).

Em âmbito estadual, a Lei Gaúcha seguindo em linhas gerais premissas constitucionais, instituiu a Política Estadual dos Recursos Hídricos. Com caráter aberto no que concerne à participação social, caracteriza e concede aos usuários e às entidades da sociedade civil, a maior parte do espaço de representação na gestão das águas, conforme se percebe do exposto a seguir:

Art. 13 - Cada Comitê será constituído por:

I - representantes dos usuários da água, cujo peso de representação deve refletir, tanto quanto possível, sua importância econômica na região e o seu impacto sobre os corpos de água;

II - representantes da população da bacia, seja diretamente provenientes dos poderes legislativos municipais ou estaduais, seja por indicação de organizações e entidades da sociedade civil;

III - representantes dos diversos órgãos da administração direta federal e estadual, atuantes na região e que estejam relacionados com os recursos

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hídricos, excetuados aqueles que detém competências relacionadas à outorga do uso da água ou licenciamento de atividades potencialmente poluidoras. Parágrafo único - Entende-se como usuários da água indivíduos, grupos, entidades públicas e privadas e coletividades que, em nome próprio ou no de terceiros, utilizam os recursos hídricos como:

a) insumo em processo produtivo ou para consumo final; b) receptor de resíduos;

c) meio de suporte de atividades de produção ou consumo (RIO GRANDE DO SUL, 2015, grifo nosso).

A Lei determina ainda, em seu art. 14, que deverá ser observada a distribuição de 40% dos votos para os representantes dos usuários de água e da população da bacia e 20% para os representantes dos órgãos da Administração Federal e Estadual, que conforme art. 15 e reforçando o já disposto no art. 13, III, participarão nas deliberações, mas, sem direito de voto quando exercerem atribuições relacionadas à outorga de uso da água ou licenciamento de atividades que possam causar poluição (RIO GRANDE DO SUL, 2015).

No mesmo sentido, a Lei Federal das Águas traz em seu art. 39, a composição dos Colegiados dos Comitês de Bacia Hidrográfica, determinado que:

Art. 39. Os Comitês de Bacia Hidrográfica são compostos por representantes:

I - da União;

II - dos Estados e do Distrito Federal cujos territórios se situem, ainda que parcialmente, em suas respectivas áreas de atuação;

III - dos Municípios situados, no todo ou em parte, em sua área de atuação; IV - dos usuários das águas de sua área de atuação;

V - das entidades civis de recursos hídricos com atuação comprovada na bacia (BRASIL, 2015d, grifo nosso).

Essa formação de Comitês de Bacia Hidrográfica, como se percebe, foi instituída nos moldes do que a Lei Gaúcha já previa e também como forma a atender o disposto no acima reproduzido art. 1º, VI da Lei Federal, que exige como fundamento da Política Nacional dos Recursos Hídricos a gestão descentralizada e participativa do Poder Público, dos usuários e das comunidades.

Porém, de forma a garantir maior efetividade a essa previsão, o artigo 39 da Lei Federal acima transcrito, foi regulamentado pela Resolução 5/2000 do CNRH, que dispõe acerca do espaço de representação garantido a cada um dos entes na gestão das águas. Assim, determina a Resolução em seu art. 8º que:

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Art. 8º Deverá constar nos regimentos dos Comitês de Bacias Hidrográficas, o seguinte:

I - número de votos dos representantes dos poderes executivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, obedecido o limite de quarenta por cento do total de votos;

II - número de representantes de entidades civis, proporcional à população residente no território de cada Estado e do Distrito Federal, cujos territórios se situem, ainda que parcialmente, em suas respectivas áreas de atuação, com pelo menos, vinte por cento do total 3 de votos, garantida a participação de pelo menos um representante por Estado e do Distrito Federal;

III – número de representantes dos usuários dos recursos hídricos, obedecido quarenta por cento do total de votos; e

IV - o mandato dos representantes e critérios de renovação ou substituição

(CONSELHO NACIONAL DE RECUROS HÍDRICOS - CNRH, 2015).

Tal disposição acompanhou novamente o que a Lei Gaúcha de forma semelhante já havia previsto, garantindo ao Poder Público (União, Estados e Municípios) e a sociedade civil, limites máximos e mínimos de participação, tendo os usuários espaço garantido de 40% nos Comitês Federais.

Tudo isso quer dizer que a legislação federal transferiu para os Comitês de Bacia Hidrográfica o empenho de negociação dos espaços representativos, flexibilizando a participação social. Eis aí um importante instrumento de gestão e gerenciamento dos recursos hídricos no sistema brasileiro, pois que deve ser implantado através da ampla participação da comunidade por meio da criação de Comitês de Bacia Hidrográfica, que junto com as demais instituições mencionadas no art. 33 da Lei das Águas, irão fazer o gerenciamento efetivo, democrático e participativo dos mananciais aquáticos no âmbito de sua área de atuação, em cada bacia hidrográfica ou grupo de bacias (SOUSA JÚNIOR, 2004).

A Lei Gaúcha5, igualmente prevê no seu art. 3º, III, que os benefícios e os custos para utilização da água devem ser repartidos considerando a complexidade dos interesses e suas possibilidades locais, com a participação dos indivíduos e das comunidades ribeirinhas. Tal previsão é reforçada pelos incisos I e II do seu art. 4º, que determina como diretrizes

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Art. 3º - A Política Estadual de Recursos Hídricos reger-se-á pelos seguintes princípios:

III - os benefícios e os custos da utilização da água devem ser equitativamente repartidas através de uma gestão estatal que reflita a complexidade de interesses e as possibilidades regionais, mediante o estabelecimento de instâncias de participação dos indivíduos e das comunidades afetadas; [...] Art. 4º - São diretrizes específicas da Política Estadual de Recursos Hídricos:

I – descentralização da ação do Estado por regiões e bacias hidrográficas;

II – participação comunitária através da criação de Comitês de Gerenciamento de Bacias Hidrográficas congregando usuários de água, representantes políticos e de entidades atuantes na respectiva bacia;(RIO GRANDE DO SUL, 2015).

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específicas da Política Nacional de Recursos Hídricos a descentralização da ação do Estado por região e por bacias hidrográficas e a ampla participação da sociedade por meio da criação dos Comitês de Gerenciamento de Bacia Hidrográfica em cada região. Essa descentralização por região é por que o estado do Rio Grande do Sul divide-se em três grandes Regiões Hidrográficas: Região Uruguai, Região Litoral e Região Guaíba.

Diante disso, Wilson Cabral de Sousa Júnior (2004, p. 61-62), salienta que:

Aqui se nota um entendimento do legislador de que o usuário (no sentido formal dado pela lei, como o detentor da outorga pelo uso da água) é a peça-chave do sistema. Esse entendimento denota um caráter regulatório do sistema de gestão adotado, uma vez que as negociações serão estabelecidas tendo como foco não o poder público (modelo gerencial) mas os usuários de água.

É importante salientar que as primeiras tentativas de descentralização de atividades de gestão hídrica aconteceram no ano de 1976, mediante acordos de iniciativa do Ministério de Minas e Energia (MME), consideradas como fase embrionária dos atuais Comitês de Bacia Hidrográfica. Interesses de caráter político permearam tais iniciativas, contribuindo na extinção gradual dos Comitês especiais criados na época (SOUZA JÚNIOR, 2004).

Entretanto, isento de motivações políticas e com forte enraizamento sociocomunitário, o marco da participação social na gestão hídrica no Brasil, se deu noestado do Rio Grande do Sul em 1988 com a criação dos Comitês do rio dos Sinos e do rio Gravataí, ambos afluentes do Rio Guaíba, que teve um Comitê especial extinto. Na ocasião, as comunidades de ambas sub-bacias reuniram-se em conjunto com os setores usuários da água e municípios, e através do apoio do Estado, fundaram os Comitês de Bacia Hidrográfica com o objetivo de promover a melhoria da qualidade dos recursos hídricos e do meio ambiente na área de suas bacias. Esse foi o primeiro caso registrado pela literatura no que se refere ao surgimento dos Comitês de Bacia Hidrográfica, sem iniciativa exclusiva do Poder Público (SOUZA JÚNIOR, 2004).

Feitas tais considerações, percebe-se que tanto a Lei Federal quanto a Lei Gaúcha, garantem que o gerenciamento efetivo das águas se dará por participação descentralizada e igualitária do Poder Público estatal, dos usuários das águas (indústrias, agricultores e criadores) e da população em geral que utiliza o recurso para o abastecimento humano.

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Sendo feito por bacia hidrográfica e não por limites geopolíticos, o gerenciamento dos recursos hídricos que deverá contar com a participação ativa da sociedade civil organizada em equilíbrio de forças com o Poder Público, poderá garantir de fato que a política de recursos hídricos seja construída de acordo com a real vontade da população e da comunidade local, atribuindo valor ao bem quando usado como insumo de processos produtivos e garantindo livre acesso quando a água for usada apenas como recurso natural vital.

Esse modelo de gestão democrática, descentralizada e participativa adotado pelo ordenamento brasileiro e também gaúcho parece estar muito próximo de um sistema ideal, mas claro que como qualquer outro, possui seus defeitos. Ainda assim, é mais avançado do que muitos outros sistemas desenhados por países desenvolvidos. Como assevera Souza Júnior (2004, p. 152-153), a opção brasileira por um modelo democrático de “gestão de recursos hídricos, no aspecto restrito à participação social, representa um avanço, conquanto outros países desenvolvidos possuem estruturas bastante centralizadas de gestão.”

No Sistema Estadual de Recursos Hídricos do Rio Grande do Sul, considerado um dos mais adiantados do Brasil, o grande entrave que existe ainda atualmente, está na vontade política de governantes que, ao deixarem de implementar por completo o sistema como preconizado em lei, permitem que a água continue sendo livremente explorada e comercializada pelos setores que a utilizam como insumo de processos produtivos, sem impor qualquer tipo de controle ou precificação, tanto no estado quanto no país.

Nesse completo Sistema de Gerenciamento das Águas, para que a Lei Gaúcha possa ser integralmente cumprida, é preciso que todos os organismos previstos nela de fato existam. Conforme determina seu art. 5º, são eles: o Conselho de Recursos Hídricos, o Departamento de Recursos Hídricos, os Comitês de Gerenciamento de Bacia Hidrográfica e as Agências de Região Hidrográfica (RIO GRANDE DO SUL, 2015).

O Conselho de Recursos Hídricos – CRH constitui órgão deliberativo superior do sistema e responsável por resolver os conflitos de água em última instância. Além de emitir resoluções e normatizações acerca da política estadual e das políticas de governo para os recursos hídricos o órgão é responsável pela definição e gestão do uso dos recursos financeiros do Fundo de Recursos Hídricos do Rio Grande do Sul – FRH-RS, principalmente provenientes da cobrança pelo uso das águas interestaduais e até estaduais para a geração de

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