• Nenhum resultado encontrado

Por uma Leitura da paisagem : metodologia aplicada sobre o patrimônio rural de Campinas

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Por uma Leitura da paisagem : metodologia aplicada sobre o patrimônio rural de Campinas"

Copied!
219
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

Marcelo Gaudio Augusto

Por uma leitura da paisagem:

Metodologia aplicada sobre o patrimônio rural de Campinas

CAMPINAS 2019

(2)

Por uma leitura da paisagem:

Metodologia aplicada sobre o patrimônio rural de Campinas

Tese apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutor em História, na área de História da Arte.

Orientador: Prof. Dr. Marcos Tognon

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À

VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO(A) ALUNO(A) Marcelo Gaudio Augusto, E ORIENTADA PELO(A) Prof. Dr. Marcos Tognon

CAMPINAS 2019

(3)

Universidade Estadual de Campinas

Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Cecília Maria Jorge Nicolau - CRB 8/3387

Augusto, Marcelo Gaudio, 1983-

Au45p Por uma Leitura da paisagem : metodologia aplicada sobre o patrimônio rural de Campinas / Marcelo Gaudio Augusto. – Campinas, SP : [s.n.], 2019.

Orientador: Marcos Tognon.

Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

1. Paisagem - Proteção. 2. Arqueologia. 3. Fazendas - Campinas, SP. 4. Espaço urbano. 5. Semiótica. 6. Patrimônio cultural - Proteção - Campinas. I. Tognon, Marcos, 1966-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: For a landscape reading : methodology applied to Campinas rural heritage Palavras-chave em inglês: Landscape protection Archaeology Farms - Campinas, SP Urban space Semiotics

Protection of cultural property - Campinas, SP

Área de concentração: História da Arte

Titulação: Doutor em História Banca examinadora:

Marcos Tognon [Orientador] Aline Vieira de Carvalho Haroldo Gallo

Carlos Gustavo Nóbrega de Jesus Sílvia Maria do Espírito Santos Data de defesa: 25-09-2019

Programa de Pós-Graduação: História

Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a)

- ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0002-3371-1859 Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/6915479068656224

(4)

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Tese de Doutorado, composta pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 25 de setembro de 2019, considerou o candidato Marcelo Gaudio Augusto aprovado.

Prof(a) Dr(a) Prof. Dr. Marcos Tognon (presidente)

Prof(a) Dr(a) Profa. Dra. Aline Vieira de Carvalho

Prof(a) Dr(a) Prof. Dr. Haroldo Gallo

Prof(a) Dr(a) Dr. Carlos Gustavo Nóbrega de Jesus

Prof(a) Dr(a) Dra. Silvia Maria do Espírito Santo

A Ata de Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertações/Teses e na Secretaria do Programa de Pós-Graduação em História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

(5)

Dedico à Lívia, minha parceira nas aventuras da vida.

(6)

O doutorado, mestrado, graduação, os cursos que concluímos (ou não) são ciclos de aprendizagem institucionalizados e ao entregar e defender este doutorado eu encerro mais uma jornada. Ela teve seus percalços e suas alegrias sempre temperados com descobertas e com pessoas que, mesmo sem saber, contribuíram para a execução deste estudo. Aqui vou falar de algumas pessoas, instituições e momentos que foram fundamentais para a conclusão desta tese.

Antes de mais nada gostaria de agradecer à Unicamp, e especialmente ao IFCH, minha segunda (ou primeira) casa durante longos 16 anos, desde que comecei a cursar a graduação em história em 2003. Foi nesse instituto que me aprofundei nos estudos com o mestrado e o doutorado.

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001

Foram longos anos e com certeza não lembrarei de todas as pessoas que conheci e falei eloquentemente sobre minha tese e as questões políticas que me incomodam. Mas tiveram algumas que sempre permaneceram mais próximas, e me ajudaram mesmo quando não conversávamos especificamente sobre fazendas e paisagens.

Assim, gostaria de começar agradecendo ao meu professor e orientador Marcos Tognon. Um tutor que me acompanha desde a graduação, não apenas passando ou cobrando tarefas, mas conversando dos mais diferentes assuntos. Das viagens técnicas com a turma de arquitetura às reuniões que vez ou outra precisávamos marcar, o tema da tese era apenas um dos assuntos, dentre tantos outros tínhamos e isso nos aproximou como amigos.

Nos últimos anos comecei um blog sobre filmes e quadrinhos, onde desenvolvi algumas amizades e joguei bastante RPG e Jogos de Tabuleiro. Duas atividades aparentemente deslocadas no desenvolvimento da tese, mas que contribuíram para arejar minha cabeça das leituras e apresentar novas perspectivas para meus objetos. É engraçado pensar como elas surgem quando menos se espera.

Agradeço ao grupo de RPG que me acompanha desde a graduação. Obrigado Daniel, Diney, Elias, Gustavo, Gimli e Tonho. A turma do Aracnofã, Tapioca Mecânica e da Editora da Unicamp, nesse último a minha parceira de podcast Beatriz Guimarães.

(7)

que mesmo não nos encontrando todos os dias sempre nos falamos como se ainda morássemos juntos, outra dupla que terei como amigos para sempre. Sei que terei essas pessoas para o resto da vida.

Não posso deixar de agradecer aos meus pais que me apoiaram e continuam sempre ao meu lado, foram os primeiros que me ensinaram o que era cidadania, solidariedade, humanidade. Eles continuam me ensinando sobre a vida e tudo mais, com uma humildade ímpar, ao permanecerem sempre abertos a continuar aprendendo sobre o mundo, esse é o maior dos ensinamentos. A minha irmã, e o André, que também estão passando pela pós-graduação, mesmo em cursos diferentes temos necessidades e problemas parecidos e, ao conversarmos, trocamos experiências e conseguimos juntos encontrar soluções.

E por fim, quero agradecer a minha (agora esposa) Lívia. Assim como nos agradecimentos do mestrado eu a deixei por último, não por ser a menos importante, mas por ter tanto para falar, sobre ela para ela, que tenho que tomar cuidado para não escrever páginas e páginas. Obrigado, por me aguentar nas crises de não saber mais que caminho seguir na pesquisa; pelas viagens que sempre fazemos, experiências únicas conhecendo pessoas e culturas diferentes; pelo dia-a-dia, a rotina que sempre quebramos e seria insuportável se não estivéssemos juntos.

(8)

A paisagem já foi considerada o “espaço que abarca o olhar”, o palco das manifestações humanas e até mesmo elemento de transformação cultural. Mas qual seu significado? O que podemos extrair dela? Nesta tese proponho que a leitura da paisagem deve servir como um instrumento de construção de conhecimento capaz de olhar para o espaço de modo a resgatar memórias e evidenciar práticas culturais. Estratégia que possibilita a compreensão de transformações físicas e psicológicas de um espaço.

Assim, ao analisarmos uma paisagem não podemos apenas nos restringir a levantamentos somente qualitativo ou quantitativos, mas na busca por desenvolver esses dados e fenômenos mais profundamente. Decompô-los, para depois reconstruí-los e interpretá-los, de forma a possibilitar um entendimento mais amplo do objeto a partir de sua inter-relação com o meio que está inserido.

Para tal, apresentarei ao longo da tese uma metodologia que permite essa leitura da paisagem como uma ferramenta diferenciada capaz de auxiliar na percepção das mudanças e preservação do patrimônio. Método que se pretende como uma forma não intrusiva de análise dos diferentes tempos que compõe um espaço, um instrumento de estudo e preservação do patrimônio e da memória.

A análise da paisagem que proponho será apresentada ao longo dos capítulos e testada em três fazendas da cidade de Campinas: Jambeiro, Roseira e Mato Dentro. Cada uma delas apresenta uma trajetória histórica diferente até chegar ao atual estado de conservação e uso, conhecer esse caminho nos permite compreendê-las separadamente e de forma integrada. As relacionando com o desenvolvimento da própria cidade, e assim apontar os desafios e possibilidades para a preservação de tais espaços como patrimônios culturais. Desta forma, a metodologia que apresento permite construir o cenário paisagístico rural da cidade de Campinas.

Palavras chave: Arqueologia, Paisagem - Proteção, Fazendas - Campinas, SP, Semiótica, Espaço urbano, Patrimônio cultural - Proteção - Campinas.

(9)

The landscape was once considered the “space that embraces the eye”, the stage of human manifestations and even an element of cultural transformation. But what is its meaning? What can we extract from it? In this thesis I propose that the reading of the landscape should serve as an instrument of knowledge construction capable of looking at space in order to retrieve memories and highlight cultural practices. Strategy that enables the understanding of physical and psychological transformations of a space.

Thus, in analyzing a landscape, we can not only restrict ourselves to only qualitative or quantitative surveys, but to seek to develop these data and phenomena more deeply. Decompose them, then reconstruct and interpret them, in order to allow a broader understanding of the object from its interrelationship with the environment that is inserted.

To this end, I will present throughout the thesis a methodology that allows this reading of the landscape as a different tool capable of assisting in the perception of changes and preservation of heritage. This method is intended as a non-intrusive form of analysis of the different times that makes up a space, an instrument of study and preservation of heritage and memory.

The landscape analysis I propose will be presented throughout the chapters and tested on three farms in the city of Campinas: Jambeiro, Roseira and Mato Dentro. Each of them presents a different historical trajectory until reaching the current state of conservation and use, knowing this path allows us to understand them separately and in an integrated way. Relating them with the development of the city itself, and thus pointing out the challenges and possibilities for the preservation of such spaces as cultural heritage. Thus, the methodology I present allows to build the rural landscape scenery of the city of Campinas.

Keywords: Archeology, Landscape Protection, Farms - Campinas, SP, Semiotics, Urban Space, Protection of cultural property - Campinas, SP.

(10)

INTRODUÇÃO ... 11

CAPÍTULO 1 - DEBATES ACERCA DA PAISAGEM ... 23

A TRAJETÓRIA DO CONCEITO PAISAGEM ... 23

ESPAÇO E LUGAR ... 53

A PAISAGEM NA ARQUEOLOGIA ... 58

CAPÍTULO 2 – A SEMIÓTICA DA PAISAGEM... 64

OS PRIMEIROS PASSOS DA SEMIÓTICA ... 65

AS MUDANÇAS NA DÉCADA DE 1970 ... 71

A ARQUEOLOGIA DA PAISAGEM EM FORMAÇÃO ... 73

ARQUEOLOGIA DA PAISAGEM INTEGRADA ... 78

CAPÍTULO 3 – CAMPINAS E A PAISAGEM RURAL ... 89

OS PRIMEIROS PASSOS PARA OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO ... 89

CAMPINAS: DA FREGUESIA À CIDADE ... 90

CAMPINAS NO SÉCULO XXI ... 107

CONDEPACC ... 119

CAPÍTULO 4 - A DESCONSTRUÇÃO DOS ESPAÇOS ... 126

AS FAZENDAS ... 127

SENTIDO DOS ESPAÇOS, AS VISUALIDADES E AS COMUNICAÇÕES ... 181

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 197 BIBLIOGRAFIA ... 202 DOCUMENTOS... 202 JORNAIS ... 206 LIVROS E ARTIGOS ... 208 REFERÊNCIA ... 219 VERBETES ENCICLOPÉDICOS ... 219

(11)

Introdução

Como muitos doutorados, este também surgiu de questionamentos e incômodos que apareceram ao longo da pesquisa e redação da dissertação do mestrado. Naquele momento, eu estudava as ruínas de uma antiga fazenda de Campinas, a Fazenda Jambeiro. Um dos últimos remanescentes do passado rural oitocentista campineiro que, embora tenha sido um dos primeiros tombamentos1 feitos pelo órgão de proteção ao

patrimônio da cidade, o Conselho de Proteção do Patrimônio Cultura de Campinas (CONDEPACC), o local foi abandonado e vem sofrendo um gradativo desaparecimento em decorrência do agravado estado de arruinamento.2

Naquela época, a pesquisa se restringiu aos campos da observação e estudo da arquitetura remanescente e documentação histórica no cartório. Havia grande escassez documental, mas o problema foi contornado por meio de levantamento bibliográfico, produção e análise de plantas e imagens de satélite, além da busca pela compreensão do desenvolvimento sobre a fazenda por meio de suas ausências e repetidas redundâncias encontradas, tanto na documentação oficial, como nas matérias em jornais da cidade. Desta forma, as lacunas se tornaram muito mais impactantes e fundamentais para que eu conseguisse recuperar a narrativa do abandono e levantar os motivos para ter se procedido desta forma.

A dissertação de mestrado havia tomado principalmente dois rumos, o levantamento histórico que me possibilitou entender o objeto e contribuiu para fundamentar o questionamento da forma como o tombamento da Fazenda Jambeiro foi apresentado; e um exercício de Arquitetura comparada, que me permitiu traçar paralelos e compreender as relações sócio culturais expressas pelos edifícios remanescentes com outras propriedades cafeeiras, examinando suas tipologias e contestando afirmações em relação a autoria do projeto da sede da Fazenda Jambeiro.

A arqueologia teve, naquele momento, apenas uma breve função na elaboração da dissertação, pois embora eu não tenha feito nenhuma escavação física, a

1 Processo de Tombamento n° 007/89 - Fazenda Jambeiro de 2 de junho de 1989.

2 AUGUSTO, Marcelo Gaudio. Fazenda Jambeiro: redescobrindo um patrimônio abandonado. 2013.

Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP

(12)

decapagem3 fundamentou minha pesquisa documental e arquitetônica. Além disso, a Arqueologia foi a pedra fundamental para meu último capítulo onde eu apresento um projeto de requalificação do patrimônio. Por fim, com objetivo de manter as características de ruína, apresentei um plano de ação no qual o local pudesse ser transformado em um parque arqueológico, desta forma teríamos um aproveitamento do espaço remanescente funcional, com possibilidade de formar um centro voltado a explicar as transformações da cidade e da zona rural de Campinas.

Ao fim do mestrado, novas ideias me provocavam a pensar a paisagem como um objeto, um campo de múltiplas possibilidades de análise à espera de uma chave de interpretação. Eu já havia trabalhado com a noção de território, estratégia que havia utilizado para compreender as transformações urbanas da cidade de Campinas, e consequentemente a trajetória histórica que contribuiu para compreender como se desenvolveu a situação do abandono e degradação do objeto de estudo do mestrado. Assim, bastou encontrar os autores certos que me permitissem a enxergar o objeto de forma mais ampla.

Em nenhum momento eu pensei meu objeto como descolado das relações sócio culturais presentes no território em que ele se encontra. No entanto, a forma como tal desenvolvimento se procedeu e as transformações pela qual a Fazenda Jambeiro passou em relação à cidade não se processava de forma clara. Para que o antagonismo entre o urbano e o rural fosse eliminada completamente, eu precisava compreender muito mais que o território de forma cartesiana, minhas respostas se encontrariam na interrelação destes ambientes muitas vezes tomados como opostos, eu precisava entender as relações sugeridas pela observação da paisagem.

Uma questão que sempre norteou minha pesquisa foi descobrir como conservar um patrimônio ameaçado frente a sua contínua destruição, como observamos ocorrendo nas cidades brasileiras. Fenômeno que, em grande parte dos casos, é proporcionada pelo avanço da urbanização e especulação imobiliária desregrada, focada apenas no parcelamento e ampla construção sobre o território. Visto desta forma, tenho para mim que a situação se apresenta de forma bem clara: se não descobrimos o valor contemporâneo das paisagens, urbanas ou rurais, pode-se ter como certo que não haverá

3 Na arqueologia temos a decapagem como uma das etapas centrais da escavação na qual são retiradas finas

camadas do solo para que os objetos fiquem aparentes pouco a pouco, desta forma é possível entender o sítio como um todo, pois a posição dos artefatos se destaca e torna-se possível relacioná-los entre si.

(13)

preservação, pois infelizmente a pressão dos valores econômicos sempre acaba se sobressaindo.

Mas quais as paisagens que devem ser protegidas? A constituição de 1988 já nos dá uma pista, são aquelas dotadas das características apontadas no artigo n°116: as “portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”.4 Lugares de manifestações culturais materiais e imateriais que ainda participam do cotidiano ou que sua memória se encontra momentaneamente perdida, mas que sem a devida atenção tendem a ser descaracterizadas e por fim destruídas.

Durante a minha pesquisa e elaboração da metodologia de análise da paisagem vários desafios surgiram, dentre eles um se destaca por não depender do pesquisador, a manutenção do objeto em estudo. O método se pretende então como uma forma não intrusiva de análise da paisagem por meio de um estudo estratigráfico5 dos diferentes tempos que compõe um espaço, assim se mostra como uma ferramenta de estudo e preservação do patrimônio e da memória. No entanto, o patrimônio vive o desafio diário de continuar existindo frente o abandono e o avanço desordenado da cidade resultante da especulação imobiliária.

Embora a análise da paisagem possa ser adaptada para outros objetos, os meus estudos focam na investigação de remanescentes arquitetônicos de antigas fazendas que permanecem em meio a “selva” da transformação urbana. O tal chamado “progresso” que esmaga tudo o que não encontra potencial de lucro. Assim, minha pesquisa foi desenvolvida na cidade de Campinas, um município de grande porte do estado de São Paulo que recentemente elaborou, apresentou e aprovou um novo Plano Diretor6. Embora tal documento tenha como objetivo guiar o desenvolvimento da cidade pelos próximos anos, apresento ao longo da tese questionamentos sobre os caminhos que foram propostos para atingir tal objetivo.

4 Constituição Federal de 1988. Art. 216 in

https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/CON1988_05.10.1988/art_216_.asp

5 Um conceito emprestado da geologia na qual o solo é estudado a partir da sobreposição de camadas, suas

diferenças indicam os processos e eventos que formaram o substrato daquele local. Na arqueologia essa caracterização de camadas possibilita compreender as transformações de uma sociedade ou o objeto em estudo a partir da localização dos artefatos encontrados numa escavação. FUNARI, Pedro Paulo Abreu. Arqueologia. 2. ed. São Paulo, SP: Contexto, 2006, c2003.

(14)

Assim, analisei e levantei os problemas da nova carta para o futuro da cidade e a perversidade em que foi desenvolvida, com diretrizes e novos zoneamentos que parecem sempre favorecer a especulação imobiliária urbana e sua expansão sobre as áreas rurais. Evidencio propostas políticas que possuem grande potencial para abandono e sistemático apagamento do passado, com áreas que mudam sua função social e possibilitam a gentrificação do espaço.

No compasso desta análise, ressalto a importância de órgãos como o CONDEPACC, criado com objetivo de estudar e preservar os bens culturais da cidade, mas que parece estar sempre “correndo para apagar incêndios”, estes nem sempre metafóricos. E assim, para compreender melhor essa relação de desenvolvimento que considero intimamente ligada ao crescimento urbano do município, apresento brevemente a trajetória histórica na cidade de Campinas, especialmente suas realizações em relação aos patrimônios de origem rural, fruto de um entendimento sobre o conceito de paisagem aplicada pelo órgão.

Ao longo dessa trajetória de estudo do patrimônio, em especial sobre as paisagens rurais,7 identifiquei certas carências nas abordagens atuais. A preservação do

patrimônio exige uma metodologia mais sistemática, no entanto encontramos muito pouco esforço nesse sentido. A paisagem que é tema de debate desde os primeiros momentos do SPHAN, ainda em 1937, teve suas metodologias pouco desenvolvidas, e o desenvolvimento e atualização são necessários para a identificação e desejada preservação.

O bem cultural, que por muito tempo foi tratado de forma vaga e que geralmente tendia apenas para a esfera ambiental, apresentou uma interessante trajetória de amadurecimento a partir da constituição de 1988. Ganhando forma com as seguidas recomendações de preservação da paisagem pela UNESCO, ainda que de maneira bastante abrangente e genérica em relação a identificação, conservação e gestão. Esse campo apresentou um interessante avanço com a criação da Chancela da Paisagem, ainda

7 As definições de urbano e rural que assumo ao longo desta tese toma por base a distinção dos dois

ambientes a partir das formas de produção, organização do espaço e relações sociais. Embora entenda o fenômeno urbano como algo dinâmico e amplo, para efeitos práticos tenho:

- o Urbano, regiões com atividades industriais e de serviços;

- o Rural, regiões com atividades agrícolas;

Desta forma, nesta tese, a Paisagem Rural se refere aos locais que sustentam atividades agrícolas ou que guardam remanescentes históricos e culturais de ambientes que já desenvolveram atividades agrárias.

(15)

assim a falta de clareza em relação à identificação e aplicabilidade do instrumento e entraves e conflitos políticos internos e externos ao IPHAN dificultaram sua implantação e consolidação como ferramenta de preservação.

Ao longo da tese apresento diversas teorias de análise que embasam essas políticas de investigação e preservação, mas elas se mostram insuficientes para compreender as transformações pelo qual o ambiente rural contemporâneo vem passando. Desta forma, as ações de preservação da paisagem mostram-se inconsistentes devido a vários fatores relacionados aos órgãos de preservação do patrimônio, dentre os quais podemos pontuar conflitos políticos, como também deficiências nas ferramentas de estudo para tal objeto.

Penso que precisamos criar uma forma de leitura não intrusiva que não se baste apenas no levantamento qualitativo ou quantitativo. Mas que prossiga no aprimoramento do estudo de tais dados, partindo da redução da percepção dos fenômenos observados aos níveis mais básicos e elementares antes de elaborar teorias e debates com os dados obtidos. E assim construir a memória do objeto espaço, observando o impacto da urbanização sobre o patrimônio a ser preservado.

Na busca por mecanismos e métodos de análise que contribuíssem na identificação e posterior preservação da paisagem, procurei por autores que apresentassem um olhar mais amplo e conjuntural da paisagem como objeto. Na maturação das teorias e debates elaborei uma metodologia de investigação da paisagem, esta deve ser observada como um produto sociocultural formado pelas relações materiais e imateriais com o meio físico, social e simbólico.

Desta forma, defendo nessa tese a leitura da paisagem como um instrumento de construção de conhecimento capaz de olhar para o espaço de modo a resgatar memórias e evidenciar práticas culturais, compreendendo suas transformações físicas e psicológicas. E para desenvolver tal afirmação, apresento uma metodologia que permite fazer essa leitura da paisagem como uma ferramenta diferenciada que pode auxiliar na percepção das mudanças e preservação do patrimônio.

Para demonstrá-la tenho como objetivo:

1) Levantar questionamentos sobre as atuais práticas de preservação da paisagem rural nas esferas nacional e

(16)

municipal, evidenciando a carência de recursos para sua preservação.

2) Apontar o impacto da urbanização e da especulação imobiliária na preservação do patrimônio rural, em especial na cidade de Campinas.

3) Apresentar uma metodologia que permita uma melhor compreensão das paisagens rurais. Tal metodologia busca fornecer mais subsídios que contribuam para a gestão do patrimônio.

4) Construir um cenário paisagístico rural da cidade de Campinas.

No entanto, o método que proponho não é definitivo para garantir a preservação, como já mencionei ele é um instrumento de análise que permite compreender a paisagem e suas interações culturais, sociais e ambientais. Essa leitura possibilita a evidenciação, o resgate e até o monitoramento, mas a preservação depende de outros movimentos, que podem ser fomentados a partir de políticas públicas ou não, mas é certo que a preservação depende da apropriação do espaço.

Ao longo do desenvolvimento desta tese estudei as fazendas Jambeiro, Roseira e Mato Dentro, e essa análise que venho apresentar possibilitou elaborar conclusões acerca da trajetória das apropriações e usos destes espaços. Quando comparamos tais propriedades podemos perceber que cada uma delas apresentou um desenvolvimento diferente em relação a sua função, mas principalmente que, nos últimos anos, os diferentes estados de conservação refletem caminhos das políticas públicas diferentes e que o mero selo de tombamento não garante a preservação. Então quem guarda o patrimônio?

“de nada adianta conservar aquilo sobre o que não se tem memória. E para que se haja memória de alguma coisa é preciso que haja recordação, sentido que abrange o conhecimento e a apropriação de algo que se tem sentimento (...). Conservação sem apropriação de

(17)

sentimento é conservação vazia e inútil. É conservação nostálgica que não forma os liames da identidade.” 8

A preservação não acontece simplesmente no fim do estudo do objeto, é preciso entendermos o que estamos preservando, para que e para quem. Precisamos perceber a cidade como um bem cultural na qual os problemas do patrimônio cultural se encontram num conflito constante entre a ordenação urbana, sempre em transformação, e a conservação de um patrimônio.

Essa reflexão vem de diferentes leituras, mas em especial destaco o pesquisador Ulpiano Bezerra de Meneses que compreende as cidades se manifesta em três dimensões: como artefato, fabricado segundo padrões sociais de forma, função ou sentido; dentro de um campo de forças, um espaço definido entre constantes conflitos de natureza territorial, econômica, política, social ou cultural; e a partir de representação, pois as práticas dão forma, função, sentido e clareza ao espaço. Assim, temos que qualquer projeto de intervenção deve se voltar para o habitante.9

No desenvolvimento da metodologia que apresentarei nos capítulos a seguir, tive duas grandes influências, leituras feitas ao longo da dissertação, mas que me permitiram trabalhar outros aspectos no decorrer da tese. Foram doutorados que estudavam fazendas sob a perspectiva da arqueologia: Paulo Zanettini e sua análise sobre a casa bandeirista, sedes de fazendas que foram construídas ao redor da vila de Piratininga no decorrer dos séculos XVII e XVIII; 10 e Wagner Bornal, que defendeu uma pesquisa

sobre as ruínas de uma antiga fazenda de São Vicente do final do século XVI.11 Ambos são arqueólogos que apresentaram estudos com abordagens diferentes para seus objetos, mas ao compará-las encontramos uma interessante complementariedade. A visão de historiador de Zanettini buscava cruzar diferentes documentos a fim de contextualizar seu objeto para depois entendê-lo. Bornal, por sua vez, tomou emprestado da geografia uma

8 GALLO, Haroldo. Arqueologia, Arquitetura e Cidade: a preservação ente a identidade e a

autenticidade in Patrimônio: Atualizando o Debate. IPHAN. 2006. p.98

9 MENESES, Ulpiano Bezerra de. Cidade, práticas museológicas e qualificação cultural” in: Anais do

2oCongresso Latino Americano sobre a Cultura Arquitetônica e Urbanística. Porto Alegre: Unidade Ed. SMC, 1997.

10 ZANETTINI, Paulo Eduardo. Maloqueiros e seus Palácios de Barro: o cotidiano doméstico na casa

bandeirista. Tese (doutorado). São Paulo. MAE / USP. 2005

11 BORNAL, Wagner Gomes. Sítio histórico São Francisco: um estudo sob a ótica da arqueologia da

(18)

visão mais ampla de território e passou a compreender sua fazenda a partir de questões como a leitura da paisagem por meio de suas “cicatrizes”.

A partir destes trabalhos e com minha experiência no mestrado, senti a necessidade de elaborar um método de análise que buscasse entender as propriedades rurais históricas não apenas na época de sua maior produtividade, como também suas transformações até o momento atual. Então, por maior familiaridade com o desenvolvimento territorial em Campinas, escolhi algumas fazendas nessa cidade que, embora todas estejam relativamente próximas, cada uma se encontra atualmente em uma condição diversa e específica, tais condições que me permitiram testar o método a ser apresentado nos capítulos a seguir de forma bem distinta, abarcando situações que vão de ruínas à propriedades ativas, localizadas tanto em área rural como dentro da concentração urbana.

Claro que não alcanço as especificidades de todas as probabilidades que poderíamos encontrar, no entanto, estas fazendas cumprem o papel de experimentação de diferentes possibilidades, de forma a explorar o método e que ele possa ser replicado para outros lugares.

A princípio, busquei metodologias já formalizadas e consagradas na análise de paisagem, participei de escavações e prospecções arqueológicas. Meu objetivo foi compreender esse objeto que eu pretendia avaliar não só por meio da teoria, mas vivenciando-o, avaliando como os profissionais que pensam o espaço assim o fazem. Experiências que são difíceis de mensurar, mas que me ajudaram a compreender melhor o território e as relações do ser humano com o meio ambiente.

Todo esse processo me permitiu chegar ao tema da tese que prevê a leitura da paisagem como um instrumento de construção de conhecimento, e a metodologia de análise de fazendas históricas a partir da paisagem. Mas como elaborar algo que envolva tantos elementos e disciplinas? História, geografia, arqueologia, arte. Todas são importantes e tem sua parcela na preparação desta forma de compreensão da paisagem. Investiguei a trajetória dos próprios termos para mostrar a construção da minha forma de perceber o ambiente. Assim, paisagem, rural e urbano foram os termos principais para formar esse método de análise.

Durante a pesquisa sobre metodologias de estudos arqueológicos que utilizam a paisagem como ferramenta de análise passei por vários autores da geografia,

(19)

arqueologia e diversas outras disciplinas. No entanto, sempre me incomodou que poucos autores encaravam a paisagem como algo além do meramente descritivo ou quantitativo. Como demonstro no primeiro capítulo da tese, a paisagem percorreu uma longa trajetória de debates para figurar como uma das peças fundamentais de compreensão da identidade de lugares e populações. Por isso examinei os autores em busca de elementos dentro de seus estudos que contribuíssem na descoberta, ou redescoberta, dos traços identitários deixados pelas populações no ambiente em que vivem.12

Dentre as diferentes teses pesquisadas, o autor o qual identifiquei elementos de análise mais interessantes foi o arqueólogo espanhol Felipe Criado-Boado.13 Sua análise de paisagem foi a menos determinista que averiguei, pois ele trabalha de forma mais aprofundada diferentes aspectos do objeto observado na busca dos mais elementares componentes possíveis. O arqueólogo utiliza os elementos não apenas como base para descrição da paisagem, mas os examina de forma a construir um cenário interpretativo mais amplo.

Especialista na paisagem galega, a pesquisa de Criado-Boado parte da decomposição dos elementos da paisagem em estudo com objetivo de expor os mecanismos responsáveis pela produção do espaço domesticado, e considera tal espaço como fruto de um sistema de poder. Desvendar estes mecanismos permite compreender as dimensões simbólicas do objeto, um espaço que é ao mesmo tempo reflexo do sistema em que se encontra, modificado pela ação humana, como também se torna agente da transformação, e assim interfere e influência nas ações da sociedade. Desta forma, observamos que se trata de uma abordagem mais ampla do que a encontrada na linha da Arqueologia Histórica não apenas em questão de escala ou na forma como os elementos são interrelacionados, mas na preocupação em observar as interrelações do cenário social com o ambiental.

12 CLAVAL, P. A geografia cultural. 3 ed. Florianópolis: Ed. UFSC, 2007. HOLZER, Werther. Um

estudo Fenomenológico da paisagem e do lugar: a crônica dos viajantes no Brasil do século XVI. Tese de doutorado. USP/SP. 1998. MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia: pequena história crítica. 20ª Ed. São Paulo. Annablume, 2005. PEDRAS Lúcia Ricotta v. A paisagem em Alexander von Humboldt: o modo descritivo dos quadros da natureza. REVISTA USP, São Paulo, n.46, p. 97-114, junho/agosto 2000. SAUER, Carl O. A morfologia da paisagem. In: CORRÊA, Roberto Lobato; ROSENDAHL, Zeny (orgs.). Paisagem, tempo e cultura. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1998 [1925]. SCHAMA. S. Landscape and Memory. London. Fontana Press. 1995. SCHIER Raul Alfredo. Trajetórias do conceito de paisagem na geografia. R. RA’E GA, Curitiba, n. 7, 2003. Editora UFPR

13 CRIADO-BOADO, Felipe. Del terreno al espacio: planteamentos y perspectivas para La

Arqueología del Paisaje. Capa 6. Grupo de Investigación em Arqueología del Paisaje, Universidad de Santiago de Compostela, 1999.

(20)

Neste estudo, a partir de uma aprofundada análise da metodologia de Criado-Boado, busco ampliar suas possibilidades interpretativas ao confrontá-lo com outros autores de outras disciplinas. Para além do levantamento dos mínimos elementos possíveis identificados em uma paisagem, tomo esses dados e os examino sob a perspectiva da semiótica de Charles Sanders Peirce,14 pesquisador da virada do século XIX para o XX que revolucionou o estudo das relações de significantes e significados dos fenômenos culturais. Foi por meio da leitura dos estudos de Peirce que encontrei uma chave interpretativa para a metodologia de Criado-Boado.

Seguindo esse caminho estabelecido pela união das teorias destes dois autores, identifiquei outros cientistas que contribuíram de forma similar mais recentemente com o debate. O antropólogo Tim Ingold apresenta uma teoria da percepção do ambiente, onde defende a necessidade de uma minuciosa descrição da realidade observada para qualquer processo investigativo.15

Os pesquisadores Durk Gorter, Adam Jaworski e Crispin Thurlow demonstram uma aplicação da teoria da semiótica de Peirce na análise de paisagem. O trio defende a tese de que aquilo que entendemos por território e paisagem cultural são consequências da interação do sujeito como o meio social do qual o componente material é um objeto de representação e seus referentes existem tanto na mente do observador, quanto na realidade ao qual ele se insere.16

E assim, esta tese de doutorado foi estruturada em quatro capítulos, dos quais começo repassando e construindo os termos importantes para compreensão da metodologia de análise da paisagem rural arqueológica. O primeiro capítulo foi destinado à revisão teórica sobre o conceito de paisagem, momento em que examino sua trajetória desde a elaboração teórica na geografia até as definições mais recentes utilizadas em instituições como o IPHAN ou a UNESCO. Neste capítulo aproveito para discutir também como o conceito de paisagem foi utilizado dentro dos debates teóricos na disciplina da arqueologia.

14 FABBRICHESI LEO, Rossella. Introduzione a Peirce. 1. ed. Roma: Laterza, 1993.

15 INGOLD, Tim. The perception of the environment: essays on livelihood, dwelling & skill. London;

New York, NY: Routledge, 2000

16 GORTER, Durk; ADAM, Jaworski; THURLOW, Crispin. El signo paisagem cultural desde los

horizontes de la antropologia semiótica. Revista de Antropologia Ibero-Americana. Vol.11 número 1. Universidad de La Sabana. Madrid. 2016.

(21)

No segundo capítulo apresento as ferramentas que possibilitam uma leitura da paisagem para além do elemento meramente contemplativo. Trata-se do que passei a chamar por Arqueologia da Paisagem Integrada, a construção de uma nova metodologia elaborada a partir das diretrizes de observação apontadas por Felipe Criado-Boado em conjunto com o olhar semiótico de Charles Sanders Peirce. Identifico que ambos partem da necessidade de reduzir a percepção de um fenômeno ao nível mais básico e elementar antes de elaborar suas teorias, para assim diminuir o risco de interpretações precipitadas que levam a conclusões errôneas. Demonstrarei que não basta simplesmente projetar leituras tecnicistas, mas devemos examiná-las e elaborar uma visão diacrônica dos objetos e sincrônica de todos os processos ocorridos no território

No capítulo seguinte apresentei um breve panorama histórico da cidade de Campinas, sob o ponto de vista do mundo rural. A escolha de Campinas se deve não apenas pela proximidade, mas por se tratar de uma metrópole com características urbanas complexas e múltiplas na qual selecionei algumas propriedades com peculiaridades diversas, cenário que me permitiu testar as possibilidades interpretativas apresentadas na metodologia de análise que foram aplicadas e demonstradas no capítulo seguinte. Também levanto alguns questionamentos sobre o atual Plano Diretor de Campinas, depois de uma demora de mais de três anos de elaboração, temo uma versão final que se revela trágica para a cidade. Nesta parte começo a pontuar alguns elementos importantes que devem ser observados nas distintas propriedades e que serão trabalhados pela metodologia da arqueologia da paisagem.

O quarto capítulo se divide em dois segmentos que correspondem à aplicação do método da Arqueologia da Paisagem Integrada explicado ao longo do segundo capítulo. A princípio apresento uma análise formal que procura desconstruir a paisagem observada e pontua descritivamente a morfologia, a fisiografia e o comportamento dos espaços em relação à visualidade e sua visualização. Para em seguida, reconstruí-lo ao reorganizar física e temporalmente as paisagens levantando seus sentidos e os potenciais de estudo arqueológico no território atual. Para testar essa análise foram escolhidas três fazendas no município de Campinas com características físicas, simbólicas e territoriais diferentes: a Fazenda Jambeiro, objeto do meu mestrado e que atualmente é uma ruina tombada como patrimônio; a Fazenda Mato Dentro, também protegida por uma instituição de tombamento, no local funciona o Parque Ecológico; e a Fazenda Roseira, edifícios remanescentes localizados na região sul da cidade onde funciona uma Casa de

(22)

Cultura sob gestão compartilhada da Associação do Jongo Dito Ribeiro e da secretaria Municipal de Cultura.

Ainda no quarto capítulo da tese, apresento as tabelas de MCH e MCI que vão me permitir enxergar as propriedades extraídas de cada uma das fazendas e compará-las. Em seguida desenvolvo a conclusão das análises à luz dos termos e eventos discutidos ao longo dos capítulos anteriores. A fragmentação dos dados levantados no início deste mesmo capítulo possibilita identificar semelhanças e diferenças entre as propriedades estudadas e reconstruir suas paisagens compreendendo melhor as interações dos agentes sociais que tanto transformaram, como foram transformados pelo meio. Além disso, tal metodologia também funciona como uma prática de estudo da paisagem não intrusivo, explorando diferentes tempos que formam um espaço sem intervenção física, e assim, contribuindo para a preservação do patrimônio e da memória.

Encerrando a tese eu apresento minhas considerações finais à luz de novos documentos que surgiram nos momentos finais de escrita da tese. Uma consulta pública sobre os rumos da Chancela da Paisagem, averta pelo IPHAN em julho de 2019 e a publicação do Plano de Manejo da APA em agosto de 2019, que lançou as diretrizes para a gestão das Áreas de Preservação Ambiental do novo Plano Diretor da cidade de Campinas.

(23)

Capítulo 1 - Debates Acerca da Paisagem

A conceituação da Paisagem já percorreu um longo caminho e se apresenta com características amplas, servindo de objeto de pesquisa para diversas disciplinas como a geografia, arqueologia ou história. Mas a compreensão do espaço extrapola os limites da visão quando ela passa a considerar o elemento cronológico e as inúmeras variáveis de transformação que o local a ser estudado sofreu. Nesse primeiro capítulo, pretendo mostrar a trajetória de uso do termo paisagem de forma a levantar elementos importantes que me permitam reconstruí-lo pela perspectiva do estudo histórico e histórico-arqueológico, desta forma criar possibilidades no viés do entendimento da cultura rural arqueológica.

Extensamente debatido pela geografia, a paisagem é bastante utilizada em pesquisas na Arqueologia Pré-colonial e Etnográfica. Entretanto, observamos poucos estudos os quais a paisagem foi extensamente analisada quando os objetos são sítios históricos. Carência que se sobressai especialmente em pesquisa nas áreas rurais, onde a aplicação de uma metodologia que tenha paisagem como objeto se torna imprescindível para a compreensão do espaço. Pretendo então, apresentar elementos que ajudem na compreensão desse lugar de convívio e trabalho agrário a partir da análise destas paisagens que passaram por transformações e atualmente se localizam tanto no campo, como já assimiladas pela malha urbana.

A trajetória do conceito Paisagem

O termo paisagem surgiu na pesquisa acadêmica no final do século XIX no momento de criação da disciplina geografia. Desde essa época a paisagem já era considerada muito mais que apenas “o espaço que abarca o olhar”17. Mas qual era seu real

alcance?

“As premissas históricas do conceito de paisagem, para a geografia, surgem por volta do século XV no renascimento, momento em que o

17 HOLZER, Werther. Um estudo Fenomenológico da paisagem e do lugar: a crônica dos viajantes no

(24)

homem, ao mesmo tempo em que começa a distanciar-se da natureza, adquire técnica suficiente para vê-la como algo passível de ser apropriado e transformado”. A partir deste momento a paisagem começa a ter um significado diferenciado, deixando de ser apenas uma referência espacial ou um objeto de observação. Ela se coloca num contexto cultural e discursivo, primeiramente nos discursos das artes e pouco depois nas abordagens científicas.”18

Autores como David Bruno e Julian Thomas19, Denis Cosgrove20, Simon Schama21, Werther Holzer22 traçam sua origem a partir da inserção do termo no dicionário Oxford, este liga a paisagem a um gênero de pintura.23 Seguindo esse raciocínio, o que conhecemos popularmente por paisagem era, até o século XVI, representações abstratas e muito estilizadas de vistas naturais. A produção de ambientes abertos com detalhes mais realistas apareceria apenas na Escola do Danúbio com Lucas Cranach (1472-1553) ou Albercht Altderfer (1480 - 1538).24 Assim, pode-se afirmar que o termo paisagem seria uma criação renascentista.25

Etimologicamente os autores sugerem duas raízes possíveis, uma germânica e outra latina. Na primeira o termo paisagem, landscape em inglês, encontraria sua origem na palavra landschaft que compreende uma unidade humana de ocupação,26 englobaria

18 MENDONÇA e VENTURI (1998, p. 65) in SCHIER Raul Alfredo. Trajetórias do conceito de

paisagem na geografia. Revista eletrônica RA’EGA: Espaço Geográfico em Análise, n. 7. Editora UFPR. Curitiba. 2003. p. 79-85.

19 DAVID, Bruno e THOMAS, Julian. Landscape Archaeology: Introduction in DAVID, Bruno e

THOMAS, Julian (org.) Handbook of Landscape Archaeology. Walnut Creek, California. Left Coast Press. 2010. p27

20 COSGROVE, Denis E. The Geometry of Landscape: practical and speculative arts in sixteenth-century

Venetian lands territories in The Iconograph of Landscape. Cambridge. Cambridge University Press. 1998.

21 SCHAMA. Simon. Landscape and Memory. London. Fontana Press. 1995. 22 HOLZER, Werther. Op.Cit. p.51

23 Dicionário Oxford. Verbete Landscape (paisagem).

https://en.oxforddictionaries.com/definition/landscape último acesso 31 de janeiro de 2018.

24 HODGE, A.N. A História da Arte - Da pintura de Giotto até os dias de hoje. Belo Horizonte. Editora

CEDIC. 2009 p.36

25 HOLZER, Werther. Op.Cit. p.52

(25)

assim toda uma localidade e suas complexidades morfológicas.27 Por outro lado, a origem latina se refere a palavra francesa pays, referindo-se a características genéricas físicas e culturais de determinada região.28 A paisagem desta forma englobaria tanto a parte natural como humana, se transformando assim, em um produto histórico.

No entanto, para entender a transformação do termo, seus significados e ressignificados, deve-se compreender o próprio desenvolvimento da disciplina da geografia. Ao nos aprofundarmos nos usos que o termo teve nesse campo de estudo, percebemos seu papel na compreensão da forma como se desenvolve a distribuição populacional no território. Advindas de formulações propostas por Kant que sintetizou o conhecimento sobre o ser humano no plano espacial, em oposição ao cronológico.29

A partir disso, podemos levantar uma série de teóricos que passaram a lapidar e reinterpretar a paisagem. Alexander Von Humboldt (1789-1859) e Karl Ritter (1779-1859), considerados pais da disciplina da geografia, vão traçar caminhos diferentes que contribuiriam para a formação do campo na união dos dois estudos. Humboldt publica em alemão e francês, no ano de 1808, o livro Quadros da Natureza (Ansichten der Nature

/ Tableaux de la Nature), onde mostra a evolução das paisagens visitadas durante uma

missão artística. Uma mistura de arte e ciência que evidencia a experiência espacial, recortes pictóricos que evocam sobretudo o mundo visualizado pelos viajantes.30

Karl Ritter, por sua vez, produz um conhecimento muito mais enciclopédico em Geografia Comparada. Foram 19 volumes lançados principalmente ao longo do segundo quartel do século XIX, entre 1816 – 1859. Nessa série, o autor se preocupou em levantar e organizar uma cadeia de dados sobre diferentes países e regiões do mundo, complementando as informações com o trabalho de Humboldt e suas descrições e análises regionais. A sistematização dos dados tinha como objetivo possibilitar ao autor traçar um panorama geral aplicável a diferentes lugares.31

27 HOLZER, Werther. Op.Cit. p.52 28 Idem p.53

29 MORAES, A. C. R. Geografia: pequena história crítica. 20 ed. São Paulo: Annamblume, 2005.

30 PEDRAS Lúcia Ricotta v. A paisagem em Alexander von Humboldt: o modo descritivo dos quadros

da natureza. REVISTA USP, São Paulo, n.46, p. 97-114, junho/agosto 2000

31 SCHIER Raul Alfredo. Trajetórias do conceito de paisagem na geografia R. RA’E GA, Curitiba, n. 7,

(26)

Em 1882, Friedrich Ratzel (1844 – 1904) publicou o livro Antropogeografia e acabou por inaugurar uma nova linha de pesquisa na disciplina, a Geografia Humana. Nesta, o termo paisagem era encarado de forma genérica e muitas vezes acabou se confundido com a ideia de localidade.32 Seu objeto de estudo é a humanidade e sua relação com o meio em que vive, assim, mesmo que não de forma nominal, a paisagem passou a ser estudada a partir da mobilidade espacial e a relação com as tecnologias utilizadas para tal.33

Seguindo para o século XX, em 1907, Otto Schulüter (1872 – 1959) publicou um texto que colocava a paisagem como objeto de investigação da Geografia Humana, pois essa seria modelada pela interação entre o homem e o meio.34 August Meitzen (1822 – 1910) se interessava por elaborar panoramas dos cenários culturais, e assim reiterou a importância da paisagem para o entendimento da movimentação das populações e das expressões étnicas.35

Essa trajetória da disciplina da Geografia na Alemanha foi se complementar com os estudos franceses feitos por Vidal de La Blache (1845-1918). O autor criticava a forma como Ratzel minimizava a ação do Homem perante o meio natural, colocando-o em patamar equivalente à natureza. La Blache tinha grande preocupação em explorar essa interação de forma a evidenciar a organização social do trabalho.36 Seus estudos valorizaram as paisagens francesas ao ressaltar os elementos sociais e ideológicos como responsáveis pela formação da cultura local, suas formulações contribuíram para a reconstrução da história dos lugares.37

Influenciado pelo pensamento alemão e francês, Carl Sauer (1889-1975), levou aos Estados Unidos a corrente teórica da Geografia Humana e passou a estudar as transformações do ambiente por meio de sua interação com o Homem. Em 1925, publicou A Morfologia da Paisagem (The Morfology of Landscape), essa obra, que fundamenta a

32 Idem

33 MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia: pequena história crítica. 20ª Ed. São Paulo. Annablume,

2005. p.69

34 CLAVAL, P. A geografia cultural. 3 ed. Florianópolis: Ed. UFSC, 2007

35 CÂNDIDO, Pietro de A.; ANDRADE, Artur L.; ESPORTE, Sérgio H. C.; RUI, Felipe de P.; ALVES,

Flamarion D. A Percepção da Paisagem Rural dos Moradores do Bairro Santa Clara, ALFENAS-MG. Unifal. 2012

36 Idem.

37 LINKE, Vanessa. Paisagens dos Sítios de Pintura Rupestre da Região de Diamantina – MG. UFMG.

(27)

corrente Culturalista da Geografia, tem como peculiaridade se ater às questões mais visuais da paisagem. Sauer defende que a cultura se comportaria como um “conjunto de práticas compartilhadas, comuns a um grupo humano em particular, que foram apreendidas através das gerações.”38 de forma que a humanidade passaria a ser moldado por ela. Sauer separou o natural do cultural e colocou a humanidade como sujeito modificador da natureza.39 Essa abordagem, embora rompesse com o determinismo ambiental que povoava os estudos da época, recebeu diversas críticas por passar a interpretar os dados de forma a criar um determinismo cultural, mesmo assim tal ideia se manteria por um longo período na disciplina.

No final da década de 1920, Alfred Hettner (1859-1941), que fora aluno de Ratzel, se animou com as teorias levantadas por Sauer. Mas ao contrário de Carl Sauer, que direcionava sua teoria para um excesso nos elementos culturais em detrimento de outros fatores, como observamos no posicionamento do meio físico em segundo plano, Hettner passou a estudar a paisagem a partir da distribuição geográfica das populações, ressaltando na grande importância das relações entre os seres humanos e o meio ambiente. Foi Hettner também que propôs uma divisão da disciplina da Geografia em três grandes esferas de estudo:

“a geografia geral (dividida em várias disciplinas como geomorfologia, geografia climática, geografia dos solos, geografia econômica, etc.), a geografia nomotética e a geografia idiográfica, os dois últimos fazendo parte da geografia regional. A perspectiva nomotética trabalha os assuntos em forma comparativa, estabelecendo uma tipologia de paisagem conforme determinados critérios, enquanto a perspectiva idiográfica focaliza no conjunto específico de uma única paisagem, buscando entender como ela se organiza internamente. Para Hettner, a geografia deveria ser ao mesmo tempo física e humana”40

38 SAUER, Carl O. A morfologia da paisagem. In: CORRÊA, Roberto Lobato; ROSENDAHL, Zeny

(orgs.). Paisagem, tempo e cultura. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1998 [1925] p. 42

39 Idem

40 SCHIER Raul Alfredo. Trajetórias do conceito de paisagem na geografia R. RA’E GA, Curitiba, n. 7,

(28)

As teorias da psicologia, muito em voga nos anos 20 e 30, também influenciaram a Geografia, principalmente nas discussões sobre paisagem. Os filósofos alemães Edmund Husserl (1859-1938) e Martin Heidegger (1889 – 1976) romperam com o positivismo e se tornaram expoentes do estudo fenomenológico. “A vertente da “Geopsyche” (Helpach), contudo, mostrou pouco efeito de médio prazo no discurso, porque muitos dos seus expoentes ficaram ligados ao fascismo”. Tal corrente teórica seria retomada apenas mais recentemente nos estudos da paisagem que procuram unir elementos psicológicos com o ambiente.41

Em 1939, o geógrafo alemão Carl Troll passou a utilizar fotografias aéreas em suas pesquisas e assim desenvolveu a “Landschaftsökologie” (ecologia da paisagem). Esse novo método possibilitou para o pesquisador uma nova forma de percepção do entorno, de forma a ampliar a capacidade de delinear relações humanas com o ambiente. Foi a primeira vez que um pesquisador empregou um campo de visibilidade “externo” ao objeto. Sua pesquisa explorava a interação entre o meio-ambiente e a sociedade a partir de dados hidrológicos, biológicos e econômicos, criando uma classificação própria da paisagem que contribuiu para os estudos climáticos. O desenvolvimento dessa linha teórica colaborou, na década de 1960, para a criação de uma corrente teórica na Alemanha na qual a paisagem seria a síntese de diversos elementos ecológicos, ressaltando os fatores físicos.

Na mesma época, nos EUA, Richard Hartshorne (1889 – 1992) estava substituindo o termo paisagem por região. O pesquisador entendia que o termo região poderia unir em seu significado a interação dos elementos físicos e humanos. Essa ressignificação do termo contribuiu para o desenvolvimento de um método de comparação espacial entre diferentes localidades.42

A década de 1970 apresentou correntes de pensamento diversas, desde os estruturalistas que evitavam usar a paisagem como objeto de análise, até linhas que trabalhavam com a sugestão do elemento simbólico ressaltando sua importância na composição da cultura de um lugar, essa representada pela interação do Homem e a Natureza.43 Georges Bertrand, por exemplo, aponta em um artigo a imprecisão e o pouco

41 Idem

42 HARTSHORNE, apud GOMES, 1996, p. 240

43 COSGROVE, D. E. Social formation and symbolic landscape. Madison: the University of Winsconsin

(29)

uso que o termo paisagem recorria na época. Esse autor se coloca contra a ideia de que a paisagem serve apenas para ordenar elementos geográficos, situação que aponta como uma forma para tornar o debate estático. Seguindo um caminho contrário, define-a como uma porção do espaço onde, fatores físicos, biológicos e antrópicos se complementam de forma dinâmica e estão em constante adaptação.44

É nessa mesma época, mais especificamente em 1972, que a discussão sobre Paisagens Culturais e Naturais passou a ser pauta na Convenção do Patrimônio Mundial da Unesco. Mas a questão da paisagem já tinha sido mencionada de modo genérico no debate patrimonial desde a primeira Carta de Athenas, no ano de 1931, momento em que se levantou a necessidade de olhar para o entorno do patrimônio a ser preservado com mais atenção.

A conferência recomenda respeitar, na construção dos edifícios, o caráter e a fisionomia das cidades, sobretudo na vizinhança dos monumentos antigos, cuja proximidade deve ser objeto de cuidados especiais.45

Essa recomendação passou a considerar importante a preservação não apenas do monumento como também da área do entorno, mas essa perspectiva resultou em ruídos que consideravam a paisagem apenas como uma moldura para valorizar o monumento. A fim de aprofundar no debate sobre a necessidade de valorização do entorno, em 1964, observamos a inserção do termo ambiência na Carta de Veneza,46 esse novo termo levava em conta características sociais e culturais não apenas do monumento, mas de toda área próxima.

44 Tradução: Olga Cruz. Curitiba, n. 8, p. 141-152, 2004. Editora UFPR. Trabalho publicado, originalmente,

na “Revue Geógraphique des Pyrénées et du Sud-Ouest”, Toulouse, v. 39 n. 3, p. 249-272, 1968, sob título: Paysage et geographie physique globale. Esquisse méthodologique. Publicado no Brasil no Caderno de Ciências da Terra. Instituto de Geografia da Universidade de São Paulo, n. 13, 1972

45 Carta de Atenas (1931).

www.portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Carta%20de%20Atenas%201931.pdf último acesso 31 de janeiro de 2018.

46 Carta de Veneza (1964).

www.portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Carta%20de%20Veneza%201964.pdf último acesso 31 de janeiro de 2018.

(30)

Entende-se por “ambiência” dos conjuntos históricos ou tradicionais, o quadro natural ou constituído que influi na percepção estática ou dinâmica desses conjuntos, ou a eles se vincula de maneira imediata no espaço, ou por laços sociais, econômicos ou culturais.47

Porém essa ideia de ambiência também infere que a paisagem se caracteriza apenas como uma moldura para aquilo considerado realmente importante de ser preservado, sem valor patrimonial se analisado de maneira isolada.48 Assim, o texto da convenção se mostrou um tanto anacrônico, pois ao querer responder a demanda de dois grupos diferentes,49 os defensores dos sítios históricos e os movimentos de proteção ao meio ambiente, a redação final acabou resgatando uma dicotomia estabelecida pela geografia alemã do início do século XX. Assim, a inscrição de bens patrimoniais passou a estabelecer categorias separadas para patrimônios culturais ou naturais.50 Tal

compreensão foi problemática desde o início, levando a necessidade criar uma categoria mista que compreendesse bens com características culturais e naturais. A ideia mais próxima que conjugava ambas esferas, era a de considerar que o patrimônio cultural também poderia ser considerado como "locais de interesse" que compreendesse as "obras do homem ou obras conjugadas do homem e da natureza.”51

Em novembro de 1977 o Conselho da Europa52 pela primeira vez dedicou uma reunião exclusiva para debater sobre o risco do desaparecimento da paisagem rural europeia frente o crescimento da agricultura industrializada. Com a reunião intitulada O

47 Recomendação de Nairóbi (1976).

http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Declaracao%20de%20Nairobi%201982.pdf último acesso 07 de setembro de 2019.

48 VASCONCELOS, M. As fragilidades e potencialidades da chancela da paisagem cultural brasileira.

Revista CPC, n. 13, 1 abr. 2012. p.57

49 SANTILLI, Juliana. Paisagens Culturais (2010).

https://uc.socioambiental.org/%C3%A1reas-de-patrimonio-cultural/paisagens-culturais último acesso 26 de janeiro de 2018.

50 Dicionário do Patrimônio Cultural do IPHAN. Verbete Paisagem Cultural.

http://portal.iphan.gov.br/dicionarioPatrimonioCultural/detalhes/82/paisagem-cultural último acesso 26 de janeiro de 2018

51 Convenção do Patrimônio Mundial da Unesco (1972). http://whc.unesco.org/en/basictexts último

acesso 26 de janeiro de 2018

52 O Conselho da Europa é uma organização internacional fundada a 5 de Maio de 1949. Os seus propósitos

são a defesa dos direitos humanos, o desenvolvimento democrático e a estabilidade político-social na Europa.

(31)

apelo de Granada - a arquitetura rural no ordenamento do território, observamos um

debate sobre possibilidades de permitir o desenvolvimento econômico das comunidades em conjunto com a preservação.

A Arquitectura rural e a sua paisagem estão ameaçadas de extinção. Por um lado, encontram-se ameaçadas pelo desenvolvimento industrial da agricultura que provoca reconstituições das parcelas de terreno excessivamente severas, não se contentando com as antigas construções e, por outro lado temos o abandono, total ou parcial, das regiões cuja exploração agrícola já não é considerada rentável.53

Foram elaboradas diretrizes que inicialmente se dividiram entre os âmbitos material e imaterial. Pensou-se como adaptar antigas construções a novas funções, sem descaracterizá-los; em seguida promover o ensino e a prática das atividades tradicionais, uma das preocupações debatidas era sobre o perigo do desaparecimento cultural da população que, devido a principalmente problemas financeiros, saem do campo para a cidade.54

Esse panorama se desenvolveu e no início dos anos de 1980, quando novos elementos foram considerados na compreensão da paisagem. Fenômenos materiais, sociais, intelectuais e simbólicos foram agregados em uma nova corrente teórica que ampliou os estudos da Geografia Cultural. Nesse momento, a compreensão sobre a paisagem mudou e passou a ser entendida como uma articulação do meio natural e humano.55 O ecólogo Eugene Odum (1913 – 2002), lançou em 1953 um livro que virou referência para o estudo dos ecossistemas, Fundamentos de Ecologia, nele a biologia passou interpretar a paisagem incorporando o fator civilização como responsável por alterar o equilíbrio de determinados locais e ressaltava os elementos mais funcionais. Tais teorias seriam retomadas na década de 1980 por geógrafos que enxergavam as relações dos ecossistemas como parte da percepção da paisagem.56

53 O apelo de Granada - a arquitetura rural no ordenamento do território. Conselho da Europa, 1976

In Cadernos de Sociomuseologia Nº 15 - 1999

54 Idem.

55 CORRÊA, R. L. A dimensão cultural do espaço: alguns temas. Espaço e Cultura. Rio de Janeiro:

UERJ, vol.1, n°1, 1995.

(32)

A representação da paisagem em textos escritos, artísticos e técnicos foi um novo direcionamento ocorrido na década de 1990 segundo Linda McDowell. Nesse sentido temos a retomada de correntes mais ligadas à geografia do que das influências do materialismo cultural que guiava as pesquisas naquele momento.57

Uma importante estratégia metodológica que começou a ser discutida nos EUA a partir da década de 1970, dentre os quais o pesquisador Milton Singer se destaca, foi a aplicação das teorias de Semiótica de Charles Sanders Peirce para a compreensão da dimensão da paisagem. Tais ideias fazem uma aproximação teórica que possibilitam novas inferências a partir de uma ótica que estimula maior dinamização das relações sociais do homem com o território. A relação triádica signo-objeto-representante reconhece as complexidades da consciência humana e se contrapõe ao modelo teórico estruturalista baseado em dualidades aplicado amplamente a partir de Claude Levi-Strauss, este fundamentado na semiologia de Ferdinand Saussure.58 Essa nova concepção foi desenvolvida nas décadas seguintes de 1980 e 1990 principalmente nas figuras de Richard Parmentier59 e Clifford Geertz.60

Foi a partir do desenvolvimento da corrente teórica conhecida por Antropologia Simbólica e Interpretativa61 que observamos o conceito de paisagem sendo

ampliado de forma a abarcar além dos elementos físicos, as expressões simbólicas que estruturam a ordem conceitual.62

"As noções de paisagem cultural e território derivam de sua inserção social e de sua expressão material como objeto de representação

57 McDOWELL, Linda. A transformação da geografia cultural. In GREGORY, D; MARTIN, R;

SMITH, G. (Orgs.). Geografia humana – sociedade, espaço e ciência social. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996 in SCHIER Raul Alfredo. Trajetórias do conceito de paisagem na geografia R. RA’E GA, Curitiba, n. 7, p. 79-85, 2003. Editora UFPR

58 GORTER, Durk; ADAM, Jaworski; THURLOW, Crispin. El signo paisagem cultural desde los

horizontes de la antropologia semiótica. Revista de Antropologia Ibero-Americana. Vol.11 número 1. Universidad de La Sabana. Madrid. 2016. p.110

59 PARMENTIER, Richard. Signs in Society. Studies in Semiotic Anthropology. Bloomington: Indiana

University Press. 1994

60 GEERTZ, Clifford. Conocimiento Local. Barcelona: Paidós. 1994; La interpretación de las culturas.

Barcelona: Gedisa. 1996; El antropólogo como autor. Barcelona: Paidós. 1997

61 McDOWELL, Linda. Op.Cit.

(33)

cognitiva, cujos referentes existem tanto na mente do observador como na realidade exterior a sua mente"63

Com base nessa discussão, o antropólogo Tim Ingold elaborou uma teoria da percepção do ambiente no qual o processo investigativo deve sempre se basear na descrição da realidade observada. É na percepção e descrição minuciosa da paisagem cultural que as relações ambientais e humanas podem ser descobertas e estudadas.64 Temos o Tempo, o Espaço e o Ser Social como facetas que compõe o ser humano, relações que entram em consonância com Ingold que centra suas pesquisas na ideia do habitar. A paisagem, por sua vez, se tornou uma rede de sítios relacionados que são revelados e incorporados à memória mediante interações e atividades habituais das pessoas.65 Assim, temos que a rede de significados culturais aos quais a paisagem integra torna-se responsável pela formação da memória.

Apenas em 1992, que a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio

Ambiente e Desenvolvimento adotou um novo termo para a proteção dos patrimônios

cultural e natural. Com base na linha de Geografia Humana, proposta pelos estudos do geógrafo Carl Sauer, o novo termo valorizaria as inter-relações entre o homem e o meio ambiente, os patrimônios cultural e natural, por trata-los como elementos indissociáveis. O novo termo seria paisagem cultural.66

Para uma compreensão mais ampla dos objetos a serem estudados e preservados, a paisagem foi dividida em três categorias: as intencionalmente desenhadas ou criadas, parques, praças e jardins que são arquitetonicamente pensados; as organicamente desenvolvidas, que podem ter encontrado sua forma final ou ainda estarem em processo de transformação; e as paisagens culturais associadas, na qual seus valores

63 Idem. p.118 64 Ibidem

65 GORDILLO, Inés. La noción de paisaje en arqueología. Formas de estudio y aportes al patrimonio.

Jangwa Pana. 2014. p.28 último acesso em 18 de julho de 2019: https://www.researchgate.net/publication/305323812_La_nocion_de_paisaje_en_arqueologia_Formas_de _estudio_y_aportes_al_patrimonio

Referências

Documentos relacionados

Sua localização nessas instituições revela certa hesitação típica das áreas interdisciplinares quanto ao seu enquadramento no interior de fronteiras consagradas

Assim, Furtado e Caio Prado Júnior aproximam-se bastante não apenas nos seus conceitos centrais e na sua problemática básica que é a transição para a economia

We investigate a coupled device composed of three ring resonators and we show that the TCMT model predicts a dark state that is in contrast with experimental observations, TMM and

Estratégia do apoio matricial: a experiência de duas equipes do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) da cidade de São Paulo, Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, v. A

Figura 27) e do Aperto (Figura 28), a fim de identificar oportunidades de melhoria no processo. Vale ressaltar que a produção observada foi realizada por batelada,

Os fluxos integrados de Ca 2+ carrea- dos pela ATPase de Ca 2+ do RS (SERCA), trocador Na + /Ca 2+ (NCX) e transportadores lentos (tomados como a ação conjunta do

A abordagem multidisciplinar na atenção à saúde bucal, particularmente nos primeiros anos de vida, alicerça a importância da assistência humanizada à criança, impactando

As relações sociais de sexo e a divisão sexual do trabalho são termos indissociáveis que, epistemologicamente, formam um sistema; a divisão sexual do trabalho tem o status