• Nenhum resultado encontrado

Dos sujeitos de direitos, das políticas públicas e das gramáticas emocionais em situações de violência sexual contra mulheres com deficiência intelectual

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Dos sujeitos de direitos, das políticas públicas e das gramáticas emocionais em situações de violência sexual contra mulheres com deficiência intelectual"

Copied!
248
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

JULIAN SIMÕES CRUZ DE OLIVEIRA

D

OS SUJEITOS DE DIREITOS

,

DAS POLÍTICAS PÚBLICAS E DAS GRAMÁTICAS EMOCIONAIS EM SITUAÇÕES DE VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA MULHERES COM

D

EFICIÊNCIA

I

NTELECTUAL

CAMPINAS 2019

(2)

JULIANSIMÕESCRUZDEOLIVEIRA

DOS SUJEITOS DE DIREITOS, DAS POLÍTICAS PÚBLICAS E DAS GRAMÁTICAS EMOCIONAIS EM SITUAÇÕES DE VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA MULHERES COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

Tese apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais.

Orientadora: MARIA FILOMENA GREGORI

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO PRELIMINAR DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO JULIAN SIMÕES CRUZ DE OLIVEIRA E ORIETANDO PELA PROFESSORA DOUTORA MARIA FILOMENA GREGORI.

CAMPINAS 2019

(3)

Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas

Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Cecília Maria Jorge Nicolau - CRB 8/3387

Simões, Julian,

Si51d SimDos sujeitos de direitos, das políticas públicas e das gramáticas emocionais em situações de violência sexual contra mulheres com deficiência intelectual / Julian Simões Cruz de Oliveira. – Campinas, SP : [s.n.], 2019.

SimOrientador: Maria Filomena Gregori.

SimTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

Sim1. Brasil. [Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015]. 2. Deficiência intelectual. 3. Direitos sexuais. 4. Violência sexual. 5. Aborto. 6. Violência contra a mulher. 7. Políticas públicas. I. Gregori, Maria Filomena, 1959-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: De los derechos sexuales, de las políticas públicas y de las

gramáticas emocionales en situaciones de violencia sexual contra mujeres con discapacidad intelectual Palavras-chave em inglês: Intellectual disability Sexual rights Sexual violence Abortion

Violence against women Public policy

Área de concentração: Ciências Sociais Titulação: Doutor em Ciências Sociais Banca examinadora:

Maria Filomena Gregori [Orientador] Claudia Lee Williams Fonseca Cynthia Andersen Sarti

Carolina Branco de Castro Ferreira Guita Grin Debert

Data de defesa: 29-03-2019

Programa de Pós-Graduação: Ciências Sociais

Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a) - ORCID do autor: 0000-0002-3252-893X

- Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/8598752806235099

(4)

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa da Tese de Doutorado, composta pelas Professoras Doutoras a seguir descritas, em sessão pública realizada em 29 de março de 2019, considerou o candidato Julian Simões Cruz de Oliveira aprovado.

PROFª.DRª.MARIA FILOMENA GREGORI (ORIENTADORA)

PROFª.DRª.CAROLINA BRANCO DE CASTRO FERREIRA (UNICAMP)

PROFª.DRª.CLAUDIA LEE WILLIAMS FONSECA (UFRGS)

PROFª.DRª.CYNTHIA ANDERSEN SARTI (UNIFESP)

PROFª.DRª.GUITA GRIN DEBERT (UNICAMP)

A Ata de Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertações/Teses e na Secretaria do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

(5)

Para Maria Érbia Cássia Carnaúba

“De quinta para sexta sonhei com Maria.

No sonho ela me mandava uma mensagem por WhastApp dizendo que estava com saudade. O sonho foi tão real que, quando acordei na sexta de manhã, fui dar uma resposta a ela. Curiosamente notei que não havia mensagem, mas havia uma saudade infinita da Mary. Ontem nos falamos. Contei um pouco das coisas aqui em Barcelona e ela, radiante como sempre, vibrava com minhas experiências daqui. Mary me contou também das coisas em Barão, dos medos e das alegrias com a voz tranquila de sempre. Terminou o áudio dizendo que eu devia me cuidar (não ter medo e seguir resistindo) e que tinha mais um montão de coisas para me contar, mas que depois me contaria. Com um sorriso, respondi que aguardaria as notícias ansiosamente. Não deu tempo. Mas deu tempo de dizer que a amizade dela era importante, que a saudade era insistente e que ouvir sua voz aplacava um pouco essa danada dessa saudade. Deu tempo de viver um montão de experiências lindas, de chorar a morte de alguns amigos, de rir com a conquista de outros tantos, de dividir uma casa, de fazer viagens, de conhecer sua família, de ter utopias e de tê-la dentro do meu coração. Amo você, amiga!”

(6)

AGRADECIMENTOS

No dia 17 de agosto de 2017, como de costume, eu estava em uma das bibliotecas públicas de Barcelona cumprindo meus afazeres de pesquisa. Em dado momento, recebo uma mensagem de texto de uma amiga, Flavia Paniz, me perguntando como eu estava, já que ela havia lido sobre um atropelamento em massa que havia ocorrido na cidade catalã. Minutos depois, somos informados por uma das funcionárias que o atropelamento em questão era, em realidade, um atentado. Ela nos disse ainda que ficássemos calmos e que permanecêssemos nas dependências do prédio medieval até segunda ordem. Imediatamente comecei a vasculhar algumas informações sobre o acontecido. Nos minutos seguintes, recebo uma mensagem de Maria. Preocupada, ela passou todo o tempo em estive na biblioteca e, posteriormente, de caminho para minha casa, conversando e comigo.

Dez dias depois, recebi a ligação de Larissa Nadai, mas não consegui atender. Eu estava na lavanderia justo em frente de onde vivia. Ainda alerta pelo que havia passado dias atrás, me encaminhei em direção a porta de entrada do estabelecimento. Olhei para o céu e não vi e, tampouco, escutei helicópteros. Virei a cabeça para os dois lados da rua e notei que todas as pessoas caminhavam tranquilas. Também não ouvi sirenes policiais ou das ambulâncias. Assim, descartei a possibilidade de que mais pessoas pudessem ter morrido em um outro episódio como o que havia passado nas Ramblas. Já me encaminhando novamente para dentro da lavandeira, recebo uma mensagem de Larissa pedindo que eu retornasse à ligação assim que pudesse. Preocupado, respondi a ela dizendo que precisava de alguns minutos até que recolhesse minha roupa e chegasse em minha casa.

Minutos depois, já em contato com Larissa, ela me disse que Maria havia falecido em um acidente de carro naquela manhã. Paralisado, eu só conseguia me lembrar que, no dia anterior, “obrigado”, “saudade” e “te amo, amiga” foram algumas das últimas palavras que eu havia dito a ela. Também me lembrei de Marina. De modo muito semelhante, em novembro de 2011, na última mensagem que trocamos, eu também a agradecia por ter me escolhido para ser seu parceiro de aventuras na viagem que, infelizmente, nunca pudemos fazer. Maria e Marina foram sem dúvidas as pessoas que mais me ensinaram a dizer “te amo” e “obrigado”. Foram pessoas gentis,

(7)

acolhedoras, sensíveis, batalhadoras, que não esqueciam de reconhecer a importância das pessoas e, principalmente, de agradecer pelas oportunidades de trocar afetos. Sendo assim, agradeço as duas pela o amor e amizade que estão registrados em minha alma.

Agradeço a toda equipe médica do Ambulatório de Atendimento Especial do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher da Universidade Estadual de Campinas. Faço aqui um agradecimento sem nomes e descrições para manter o anonimato que adotei durante a escrita da tese. Ainda assim, é importante destacar a coragem e a dedicação da equipe em realizar um cuidadoso e eficiente acolhimento das inúmeras meninas e mulheres em situação de violência sexual que semanalmente, há mais de oito anos, iniciam acompanhamento no Serviço. Em momentos políticos tão conturbados como os atuais, o trabalho por elas realizado é ainda mais importante e necessário. Vale indicar que quaisquer descrições equivocadas ou interpretações errôneas são de minha inteira responsabilidade. Às meninas e mulheres que habitam as narrativas deste texto saibam que encontram em mim um aliado. Seguirei incansável lutando para que situações de violência sexual e de gênero deixem de existir.

Aos funcionários do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, o IFCH, agradeço por todo apoio técnico. Em especial agradeço ao Reginaldo Alves do Nascimento, o primeiro secretário do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e a Beatriz Tiemi Suyama, atual secretária do Programa. Sempre solícitos, os dois resolveram todas as pendências burocráticas, assim como as “tretas” do sistema SIGA. Também agradeço a Luciana Camargo Bueno, a Lu do PAGU, pelo sorriso, pelas conversas rápidas, é verdade, mas sempre carinhosas. Por fim, a Karina Gama, a Karina da biblioteca do PAGU, pela solicitude e gentileza na busca e organização dos livros que quase sempre estavam ao lado de onde eu me encontrava.

Aos professores com quem troquei e aprendi sobre antropologia, sociologia, mas também sobre pesquisa, engajamento político e crítica social. Em especial agradeço a Ângela Araújo, Adriana Piscitelli, Christiano Tambascia, Heloisa Pontes, Mauro Almeida, Nádia Farage e Taniele Rui. A Regina Facchini, a Re, agradeço por todas as dicas, as leituras críticas e o empenho nas oportunidades em que discuti minha pesquisa no Seminário de Tese da área de Estudos de Gênero. A Isadora Lins França, a Isa, também estendo os mesmos agradecimentos que fiz a Regina, mas também é preciso

(8)

agradecer ao teto, o passeio por El Jardin del Turia e maravilhosa companhia (compartilhada com a sempre agradável e encantadora Natália Lago) em terras Valencianas.

À Professora Guita Grin Debert, por ter me acompanhado em todas as etapas de minhas pesquisas desde o mestrado. Seja como debatedora no Seminário de Tese, seja como professora nas disciplinas que cursei, seja como avaliadora nos exames de qualificação, sempre contribuiu e ampliou meus horizontes analíticos. À Professora Cynthia Sarti, por todos os incríveis comentários realizados no exame de qualificação, mas também por suas análises inspiradores dos textos que li e que ajudaram a construir algumas das reflexões que aqui apresento. À Professora Claudia Fonseca, que desde os tempos da graduação, me inspira com a versatilidade e perspicácia analítica e, principalmente, com generosidade de seus comentários. À Professora Carolina Ferreira, a Carol Branco, por inúmeras vezes (foram muitas ao longo do caminho) elaborar comentários e sugestões criativas, inovadoras e desafiadoras. À todas, finalmente, agradeço por aceitarem o convite para participarem de minha banca de doutoramento. À Bibia Gregori, minha orientadora, agradeço pelas conversas, por me acalmar em momentos difíceis, por todos os seus comentários nas várias versões dos textos que escrevi, por me encorajar nas investidas analíticas, por topar e incentivar minhas aventuras acadêmicas. Agradeço ainda o carinho, o acolhimento, as risadas, os almoços, a preocupação, o cuidado e os conselhos. À Juliana Farias agradeço pelos memes, pelas risadas, pelas cervejas e por topar caminhar e caminhar e caminhar por minhas lembranças barcelonesas. Ju, fizemos quase uma meia maratona naqueles dias catalães. À Carolina Parreiras por todo o carinho, atenção e cuidado. Pela casa dividida, pela falação, pelas risadas, por segurar a barra em momentos difíceis e por continuar sempre por perto, mesmo distante. À Heloisa Buarque de Almeida, agradeço por direta ou indiretamente, estar presente nesse processo. A todas três também agradeço por participarem como suplentes. À Professora Verena Stolcke, por carinhosamente ter me recebido em Barcelona, mas também pelos cafés, pela preocupação, pelas conversas, pelas indicações de texto, por me inserir em grupos de pesquisa catalães e pela inspiração acadêmica. Ao Grup de Recerca Antropolgia i Història de la construcció d’identitats socials i politiques da Universitat Autònoma de Barcelona (AHCISP/UAB) onde realizei meu estágio de pesquisa. Em especial, agradeço à Professora Montserrat

(9)

Ventura i Oller que me acolheu e fez todos os trâmites burocráticos logo que cheguei à UAB.

Ainda em Barcelona, agradeço à Cristina Arroyo, Juan Endara e Nuria Sala do Grup de Treball em Discapacitat i Antropologia do Institut Català d’Antropologia. Seguramente a qualidade das discussões por eles realizadas foram fundamentais para minhas análises. À Andrea García-Santesmases pela parceria de trabalho e também por me receber em sua casa nos primeiros dias em território catalão. À Marcela Roja pela tranquilidade, simplicidade e alegria. Dividir a casa com ela foi uma experiência encantadora. Ao Ángel Cánovas, o Chicooo, por dividir as descobertas barcelonesas, pela amizade serena e pela companhia da vida cotidiana. Ao Adam Oliveras, agradeço a gentileza, o carinho e o acolhimento em um dos momentos mais difíceis da minha vida. Agradeço também pela visita aqui no Brasil, pelas viagens e pela amizade bonita que construíamos. T’estimo, amic. À Priscila Maquea, pareceria das caminhas e das descobertas pelas ruas da, então, desconhecida Barcelona. Foram áudios trocados depois que você voltou ao Brasil dizendo que havia descoberto um lugar incrível que, seguramente, você teria adorado conhecer.

De volta ao Brasil, agradeço aos companheiros e companheiras que os Congressos, os Seminários, as Universidades e a UNICAMP trouxeram e mantiveram. À Iris Nery do Carmo, Michele Camargo, Anna Paula Araújo, Juliana Jodas, Everton Oliveira, Carla Camargo, Ariane Brilhante, Desirée Azevedo, Lucas Freire, Ana Carolina – a Ana –, Bárbara Castro, Vanessa Sander, Sthefanie Lima, Silvia Aguião, Igor Scaramuzzi – o Igão –, Roberto Efrem, Rafaela Etechebere, Luiza Hortelan, Paula Almeida, Fabiana Andrade, Lucas Mestrinelli, Lucybeth Arruda – a Lu –, Diego Amoedo, Patrícia Carvalho, Bruna Prado, Bruna Bumachar, Camila Midori, João Casimiro, Américo Ranzani, Karla Burdiles, Pedro Lopes – companheiro de tema de pesquisa –, Letícia Ferreira, Maria Grabriela Lugones, Maisa Fidalgo, Ana Laura Lobato, Rodolfo Reis, Sthefanie Lima e a mais um montão de pessoas queridas que estão descritas. Saibam que a memória desse que escreve os agradecimentos não é muito boa com nomes, mas é infinitamente melhor em registrar as lembranças e os bons momentos compartilhados.

Ao João Guilherme Ribeiro agradeço pela linda amizade que cruzou o atlântico, as estradas de Portugal e da Espanha e que cruzou os tempos e as temporalidades em horas de conversas por Skype. Amigo, lembrar de ti é sempre ter

(10)

certeza que almas iluminadas são fundamentais para que continuemos em frente. Ao Ignacio Michelini, agradeço por me ensinar sobre a delicadeza da amizade, sobre o respeito, sobre o carinho, mas principalmente por me mostrar Montevideo do alto. Ini, você tem razão, voar é incrível! À Stella Paterniani por sempre estar, mesmo quando estávamos a quilômetros de distância. Lembrar de ti é sempre ter o coração abraçado de amor. Ao Hugo Ciavatta, agradeço pelo humor peculiar, pelas indicações de filmes e, principalmente, pela companhia e amizade nesses anos todos.

À Flavia Paniz, agradeço pelas aventuras paulistanas, pelo brigadeiro e vinho desde os tempos baroneses, pelas risadas e por todo afeto e apoio sempre envolto em um enorme sorriso. Ao Jonatan Sacramento pela parceria acadêmica, pela noite de Natal ao som de Roberto Carlos, Joanna e Simone e por todo o carinho em terras brasileiras, portuguesas, francesas ou catalãs. À Mariana Pulhez, pelos áudiões de whatsapp, pela conversa franca, pela preocupação e por todo o carinho. À Catarina Casimiro Trindade, agradeço pelas amizades agregadas, pelo amor, pelo humor, pela alegria, pelos abraços, pelos bolos, por me fazer sentir da família, pelas viagens e por tantas outras coisas que eu enumeraria por mais duas ou três páginas. Cat, saber que sou seu amigo amansa o coração e dá uma alegria danada.

À Ana Elisa de Figueiredo Bersani, agradeço o teto compartilhado, pelas lindas conversas que tínhamos em frente as portas dos nossos quartos que de minutos viravam horas, pela amizade, por ter trazido o Bouki. À Lis Furlani Blanco pelo jeitão taurino, pelo amor, pelas viagens. Agradeço pelo carinho, pela preocupação, pela companhia e pelo cuidado, que poucos dias depois de Maria partir, acalmou meu coração apertado. Agradeço ainda pelas caronas no “versalão”, pelas conversas infinitas (ficamos praticamente dois inteiros falando copiosamente em uma de nossas viagens), por não saber encher o tanque do “puntinho” e pele leveza densa. Ao Rafael Nascimento César, agradeço pelo choro dividido, pelo afeto e amor, pela visita em terras desconhecidas, pela simplicidade, pelo gin tônica, pela amizade, por aguentar meu mau-humor e por saber ouvir. Agradeço também por me incluir em seus planos, por se preocupar e por me incentivar a amar.

Agradeço ao Nathanael Araújo pela conversa com bolo e bolo e bolo e café. Por ter me deixado ser seu “assistente de pesquisa”, pelas cervejas, pelas horas não dormidas e pelas horas faladas e pela troca bonita das experiências. À Cilmara Veiga, a

(11)

Cil, pelas “insígneas e brasões todos”, por todo amor, carinho, alegria e preocupação. Pelas jantas, pelos passeios, pelas conversas, pelas leituras, pela delicadeza do existir. Cil, gosto um tantão de ti que nem todos os brasões do mundo seriam suficientes para quantificar. À Mariana Petroni, agradeço pela ajuda com o castellano, pelo sorriso sincero, pela companhia alegre, pelo zelo e atenção e por ter nos presenteado com o pequeno Amaru. Ao Ernenek, agradeço pelo humor, pelas boas conversas, pela leveza e também por ter nos presenteado com o pequeno Amaru. À Natalia Corazza Padovani, agradeço pelo carinho, afeto e delicadeza, por escutar, dizer e por sempre sorrir, mesmo quando as situações difíceis insistem em retirar o sorriso de nossos rostos. À Larissa Nadai, a Lari, por simplesmente ser a Lari. Agradeço por todas as leituras, comentários e sugestões. Pelas comidas, pela hospedagem, pelas conversas infinitas, pela delicadeza dos detalhes, por não titubear em me ajudar e por me acolher. Agradeço pela generosidade, por segurar a barra enquanto, do outro lado da linha, eu chorava pela triste notícia que infelizmente teve que me dar. Lari, obrigado por estar e permanecer em minha vida e por me deixar estar e permanecer na sua. Te amo, amiga.

Ao Flavio de Figueiredo Moreira, agradeço pela linda e importante companhia dos últimos tempos. Agradeço pela compreensão, pelo carinho, pelo afeto, pela sinceridade, pela leveza e pelo amor que me ajudou a seguir e a querer compartilhar momentos de calmaria em tempos difíceis. Ao Bóris Fatigati, pela compreensão, pelo acolhimento, pelas conversas, pelo respeito, pela preocupação e pela amizade verdadeira e por fazer da nossa casa um lugar de aconchego e estilo ;) . Agradeço ao Francisco Sousa, o Chico, por resistir, por amar e pela já longa e duradoura amizade. Ao Rodrigo Sega por brilhar, por sofrer, por me preocupar, por se preocupar e pelo acalanto de uma boa amizade. À Yvonne Moran pelos abraços, por todas as conversas, pela coragem e por sempre me fazer lembrar sobre a importância do seguir. À Luna Nery, agradeço pela presença nas ausências, pelo exagero e pelo coração amoroso. À Lelia de Castro por ser intensa, por falar e por desaparecer. Agradeço o carinho e a disposição e também por seu enorme coração leonino. À Lara Ravazzi por não desistir, por surpreender e por sempre amar e demonstrar amor. Agradeço também a pequenina Olívia que foi um presente lindo não só para a Larinha, mas para todos nós. À Samara Kono, agradeço por descontrair, por aconselhar, por arriscar e por ter nos presenteado com a Cassinha.

(12)

Ao Sérgio Cardoso, não agradeço, demonstro gratidão, já que ele acha mais bonito. Assim, gratidão por me acompanhar desde os tempos do colégio, por direta ou indiretamente cuidar e demonstrar amor. Por dividir casa e por se responsabilizar por uma mudança que não era sua, pelo abraço confortável, pelas trocas verdadeiras e pela amizade respeitosa. Te amo, meu amigo! À Michele Escoura, agradeço por tantas coisas. Já dividimos casa, tristezas e também um montão de alegrias. Falamos sobre angústias, planos, dúvidas, assuntos da vida e de assuntos teóricos. Já conversamos por mais de 3 horas por Skype e sempre temos o que falar um com o outro independentemente do quanto já falamos um com o outro. Mi, muito obrigado por, fisicamente distante ou fisicamente perto, me deixar participar da sua vida. Te amo, minha amiga-irmã!

Aos meus pais, Arnaldo e Regina, agradeço pela incondicionalidade do amor. Desde que era pequeno aguentaram meu mau-humor, cuidaram da minha saúde e me incentivaram a sonhar. À minha irmã, Aline, agradeço por me receber sempre de braços, ouvidos e coração abertos. Por me ensinar a escutar, por me ensinar a respeitar e por me incentivar a amar. Ao Fê, agradeço o cuidado e a dedicação em fazer o possível para manter e assegurar a existência da minha irmã e do Manu. Também agradeço ao pequeno Manu, meu sobrinho. Como dizem, ele é física e emocionalmente parecido com o tio, em especial, nas caretas.

Por fim, agradeço ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela bolsa nos anos iniciais do doutoramento (nº 14104/2014-7). Agradeço também a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelas duas bolsas concedidas (processo nº 2015/19346-0 e processo nº 2016/16682-1). Sem o apoio financeiro dessas duas Fundações, nada do aqui apresento se tornaria possível.

(13)

“Nossa solidariedade proclama nossa inocência, assim como proclama nossa impotência. Nessa medida (a despeito de todas as nossas boas intenções), ela pode ser uma reação impertinente – senão imprópria. Pôr de parte a solidariedade que oferecemos aos outros, quando assediados por uma guerra ou por assassinatos políticos, a fim de refletirmos sobre o modo como os nossos privilégios se situam no mesmo mapa que o sofrimento deles e podem – de maneira que talvez preferíramos não imaginar – estar associados a esse sofrimento, assim como a riqueza de alguns pode supor a privação para outros, é uma tarefa para a qual as imagens dolorosas e pungentes fornecem apenas uma centelha inicial” (SONTAG, 2003, p.86).

(14)

RESUMO

A tese de doutoramento tem como objetivo investigar os efeitos decorridos da emergência das pessoas com deficiência, em especial as com deficiência intelectual, em sujeitos de direitos sexuais e reprodutivos. Busca também compreender os paradoxos e os dilemas envolvidos na ampliação dos direitos à sexualidade para uma população que é social e juridicamente tomada como vulnerável e incapaz. Por fim, busca compreender a gramática pela qual direitos e políticas públicas relativas à saúde sexual e reprodutiva, como também as políticas de enfrentamento ao abuso e a violência sexual, são formuladas e acessadas. Para tal realizei uma pesquisa etnográfica em duas frentes. Uma delas toma a Lei Brasileira de Inclusão de 2015, bem como outros diplomas legais a ela atrelados. A outra analisa quatro casos de interrupção legal de gestação realizados em uma política pública de atenção e cuidado às mulheres em situação de violência sexual. Desse modo, ao realizar esse empreendimento etnográfico, coloco em perspectiva modalidades de gestão médico-jurídicas sobre os direitos e as formas de exercício da sexualidade por meio de uma economia moral e gramáticas emocionais sustentada por noções de dor, sofrimento e vulnerabilização.

Palavras-chave: deficiência intelectual; direitos sexuais e reprodutivos; gênero; sexualidade; violência sexual.

(15)

ABSTRACT

The PhD thesis aims to investigate the effects of the emergence of persons with disabilities, especially those with intellectual disabilities, on subjects of sexual and reproductive rights. It also seeks to understand the paradoxes and dilemmas involved in extending the rights to sexuality for a population that is socially and legally regarded as vulnerable and incapable. Finally, it seeks to understand the grammar by which rights and public policies related to sexual and reproductive health, and also the policies to address sexual abuse and violence are formulated and accessed. For this I conducted an ethnographic research on two fronts. One of them takes the Brazilian Inclusion Law of 2015, as well as other legal acts linked to it. The other analyzes four cases of legal interruption of pregnancy carried out in a public policy of attention and care to women in situations of sexual violence. Thus, in undertaking this ethnographic endeavor, I put into perspective medical-legal management modalities on the rights and forms of sexuality through a moral economy and emotional grammars sustained by notions of pain, suffering and vulnerability.

Keywords: intellectual disability; sexual and reproductive rights; gender; sexuality; sexual violence.

(16)

RESUMEN

Esta tesis doctoral tiene como objetivo investigar los efectos derivados de la emergencia de las personas con discapacidad, en especial las con discapacidad intelectual, en sujetos de derechos sexuales y reproductivos. También busca comprender las paradojas y los dilemas involucrados en la ampliación de los derechos a la sexualidad para una población que es social y jurídicamente aprehendida como vulnerable e incapaz. Por último, tiene como objetivo comprender la gramática por la que se formulan y se acceden a los derechos y a las políticas públicas relativas a la salud sexual y reproductiva, así como a las políticas de enfrentamiento al abuso y la violencia sexual. Para ello realicé una investigación etnográfica en dos frentes. Una de ellas toma la Ley Brasileña de Inclusión de 2015, así como otros diplomas legales a ella acoplados. La otra analiza cuatro casos de interrupción legal del embarazo realizados en una política pública de atención y cuidado a las mujeres en situación de violencia sexual. De ese modo, al realizar ese emprendimiento etnográfico, coloco en perspectiva modalidades de gestión médico-jurídicas de los derechos y de las formas de ejercicio de la sexualidad por medio de una economía moral y gramáticas emocionales sostenida por nociones de dolor, sufrimiento y vulnerabilidad.

Palabras clave: discapacidad intelectual; derechos sexuales y reproductivos; género; sexualidad; violencia sexual.

(17)

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Página Oficial do Planalto com as alterações na redação Código Civil – link:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm ... 34

Figura 2 - Primeira página do Diário Oficial que publicou a LBI ... 101 Figura 3 - Décima página do Diário Oficial que publicou a LBI ... 110 Figura 4 - Parte Preliminar da Lei Complementar nº 95 retirada do DOU de 26/02/1998

... 128

Figura 5 – Parte normativa da Lei Complementar nº 95 - retirada do DOU de 26/02/1998

... 129

Figura 6 – Parte Final da Lei Complementar nº 95 - retirada do DOU de 26/02/1998 129 Figura 7 - Modelo de estrutura da organização da lei ... 130

(18)

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - "Capacidades e Incapacidades" ... 234

Tabela 2 - "Casamento" ... 235

Tabela 3 - "Curatela e Interdição" ... 236

Tabela 4 - "Curatela, Tutela e Tomada de Decisão Apoiada" ... 239

Tabela 5 - "Crimes Sexuais" ... 241

Tabela 6 - "Definições de Deficiência I" ... 245

(19)

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABA – Associação Brasileira de Antropologia ABPC – Associação Brasileira de Paralisia Cerebral

AHCIPS - Antropologia I Història de la Construcció de les Identitats Socials i Polítiques APAE – Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais

BEPE – Bolsa de Estágio de Pesquisa no Exterior BPC – Benefício de Prestação Continuada

CAISM – Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher CC – Código Civil

CDS – Center of Disability Studies

CDPcD – Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência CEM – Código de Ética Médica

CF – Constituição Federal

CFM – Conselho Federal de Medicina

CID – Classificação Internacional das Doenças

CIF – Classificação Internacional de Incapacidade, Funcionalidade e Saúde CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CP – Código Penal

CPC – Código de Processo Civil CPP – Código de Processo Penal CVI – Centro de Vida Independente DDM – Delegacia de Defesa da Mulher DIU – Dispositivo Intrauterino

DOU – Diário Oficial da União

DPPD – Delegacia de Polícia da Pessoa com Deficiência DST – Doenças Sexualmente Transmissíveis

EC – Emenda Constitucional

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo FCM – Faculdade de Ciências Médicas

(20)

ICA – Institut Català d’Antropologia

IFCH – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas LBI – Lei Brasileira de Inclusão

LOAS – Lei Orgânica de Assistência Social MJ – Ministério da Justiça

MS – Ministério da Saúde

MVI – Movimento de Vida Independiente OMS – Organização Mundial da Saúde ONU – Organização das Nações Unidas ONG – Organização não governamental OVI – Oficina de Vida Independiente PA – Pronto Atendimento

PAGU – Núcleo de Estudos de Gênero

PAISM – Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher PC – Paralisia Cerebral

PPGCS – Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais RU – Restaurante Universitário

SDH/PR – Secretaria de Direitos Humanos/Presidência da República SAME – Serviço Médico e de Estatística

SINAN – Sistema de Informação de Agravos e Notificação do Ministério da Saúde SISNOV – Sistema de Notificação da Violência

STF – Superior Tribuna Federal TEA – Transtorno do Espectro Autista

TEPT – Transtorno de Estresse Pós-Traumático UAB – Universitat Autònoma de Barcelona

UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo

UPIAS – Union of the Physically Impaired Against Segregation USP – Universidade de São Paulo

(21)

SUMÁRIO

Notas Iniciais

Das Frentes da Pesquisa, das técnicas de escrita e da organização dos capítulos ... 23

As frentes da pesquisa e seus entrelaçamentos ... 25

As técnicas, as convenções da escrita e a organização dos capítulos ... 38

Capítulo 1 Das tramas, das cores de uma política pública e do materializar situações de abuso e violência sexual a partir da escuta ... 42

Seguindo a linha vermelha ou das cores e das tramas de uma Política Pública de enfrentamento à violência sexual ... 44

A escuta participante ou sobre ouvir situações de violência sexual ... 57

Formas, conteúdos e economias morais dos Prontuários Médicos e das Fichas de Avaliação Psiquiátrica. ... 72

Capítulo 2 Das formas jurídicas, dos efeitos e dos direitos. A Lei Brasileira de Inclusão e o Ordenamento jurídico brasileiro ... 86

A emergência de um novo paradigma sobre a deficiência e seus efeitos ... 89

Das tramas jurídicas impostas à LBI e a nova figura jurídica da Tomada de decisão Apoiada ... 97

Das verdades e das formas jurídicas. Sobre estrutura, elementos, hierarquia e a forma-lei. ... 116

Capítulo 3 Das gramáticas emocionais. A emergência da vítima como uma das técnicas de gestão médico-jurídicas ... 137

Sobre afetos, narrativas de violência sexual e pedidos de abortamento legal ... 139

Monica ... 141

(22)

Laura ... 148 Maria ... 152 Categorias justapostas ou uma tecnologia de gestão médico-jurídica. Sobre

deficiência intelectual, incapacidade e vulnerabilidade ... 157 Direitos sexuais e reprodutivos e suas gramáticas emocionais. ... 175

Notas de Arremate

Sobre vitimização, deficiência, não deficiência e descapacitação ... 192 Referências

Livros, teses, artigos, leis, relatórios e diretirizes ... 201 Anexo A ... 223 Anexo B ... 234

(23)

NOTAS INICIAIS

DAS FRENTES DA PESQUISA, DAS TÉCNICAS DE ESCRITA E DA ORGANIZAÇÃO DOS CAPÍTULOS *

* *

Junho de 2014

Em meio ao burburinho pós-almoço, esperávamos a chegada da palestrante que nos contaria um pouco sobre suas experiências de vida. O grande mezanino da Defensoria Pública do Estado de São Paulo tinha, seguramente, mais de 45 pessoas ocupando as cadeiras por lá distribuídas. Enquanto conversávamos virei a cabeça a fim de reconhecer o lugar e logo noto que na porta, do lado esquerdo em que me localizava, desponta a figura de uma mulher acompanhada de uma das coordenadoras do Seminário sobre Direitos Sexuais e Reprodutivos das Mulheres com Deficiência1.

Imediatamente direcionei meus olhos para a programação que se encontrava em minhas mãos e rapidamente deduzi que a mulher em questão era Jobis Guerra2,

militante dos direitos das pessoas com deficiência e, em especial, dos direitos de pessoas com deficiência visual. O título de sua palestra já dava indícios de que os assuntos a serem tratados não seriam nada leves.

Alguns dias depois, já em minha casa, ouvi novamente a gravação do relato feito por Jobis. ‘Boa tarde! Alguns pequenos combinados’, dizia a palestrante com uma voz suave. ‘Eu acredito que a gente teria assuntos mais brandos, mais fáceis. O que a

gente vai conversar aqui hoje não é agradável, não é simples, não é fácil, mas é necessário. Então, o pacto que eu proponho é que... muitas vezes quando você se propõe a falar desse tipo de coisa as pessoas acham que você está mentindo. Então, eu não vim aqui para mentir’, enfatizava veementemente Jobis. A narrativa começou quando ela

tinha oito anos de idade. A essa época Jobis encontrava-se matriculada em uma Escola

1 Nota publicada no Boletim Informativo do Núcleo Especializado de Direitos dos Idosos e da Pessoa com

Deficiência (NEDIPED) em junho de 2014 Disponível em:

https://www.defensoria.sp.def.br/dpesp/Repositorio/40/Documentos/BOLETIM%20INFORMATIVO%20 DO%20NEDIPED%20JUNHO%202014.pdf. Acessado em 16 de maio de 2017.

2 Jobis Guerra é o nome adotado por Joyce Guerra Jobis. Optei por não modificar a identidade dela, uma

vez que sua militância é bastante conhecida nos mais diversos espaços. Além do mais, a conferência era de acesso público e foi transmitida pela webtv da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.

(24)

para cegos3. ‘É preciso pontuar que as escolas para cegos não eram como são as escolas

hoje. Eram institutos nos quais os cegos do interior ficavam internados em regime de internato integral’, diz a palestrante. Ela passou a nos explicar que a escola era composta

apenas por meninas – cerca de vinte e quatro – e que apenas uma pequena parcela delas voltava para casa todos os dias. Por sorte, nos informa Jobis, ela era uma dessas garotas.

Certo dia, uma das outras meninas que também não ficava na escola, foi dormir na casa de Jobis e a indagou: ‘Olha, a tua mãe te bate?’, e Jobis respondeu ‘ah!

de vez em quando’. ‘Mas ela bate atrás ou na frente?’, perguntou sua amiga. ‘Não, ela bate atrás! eu não entendi assim..., como assim?’, perguntou Jobis. ‘Não, porque minha mãe manda eu tirar a calcinha e me bate na frente! E depois ela faz eu colocar o dedo e chupar o meu dedo e colocar na boca’ respondeu a garota. Prosseguindo a conversa a

amiga de Jobis ainda confessou que ela e suas outras três irmãs precisavam ‘chupar na

frente umas as outras’. Assim que a garota foi embora, Jobis disse ter contado o ocorrido

para sua mãe. Esta, por sua vez, apenas pediu para que ela se afastasse da tal garota, já que ela ‘era uma mentirosa’. Recomendação essa que foi acatada.

‘Infelizmente... vinte e tantos anos depois eu estou aqui para dizer que ela não estava mentindo’, confessou Jobis. ‘Eu sabia de tudo isso, só que eu não contava mais para a minha mãe. Porque naquela mesma época eu comecei a ser abusada pelo meu irmão’ nos narra Jobis, bastante emocionada. ‘Eu percebi’, prossegue ela, ‘que não adiantava contar. Num mundo supostamente normal, essas coisas não acontecem. O problema é que esse mundo normal não existe! Ele é uma ilusão!’. Os segundos de

silêncio, respirações fortes e vozes embargadas que se seguiram aumentavam o clima pesado que pairou na sala da defensoria e novamente, em minha casa, quando ouvia a gravação que eu havia feito durante o evento. Nos minutos seguintes, ela relatou sobre descrédito imposto às suas afirmativas, visto que ela era uma menina de nove anos de idade e, além de tudo, cega4. ‘Eu vivi essa situação por quatro anos. Parou quando eu

3 Tal como acontece com o conceito de deficiência intelectual, as disputas e tensões sobre as definições

sobre cegueira, baixa visão e deficiência visual são acirradas. Aqui faço o uso da categoria “cegos” tal como Guerra utiliza em sua narrativa. Para uma discussão mais aprofundada ver Marcon (2012a) e Cavalheiro (2012).

4 Um levantamento feito pelo Centro de Referência a Vítima de violência afirma que 2/3 dos casos de

violência sexual registrados na cidade de São Paulo no ano de 2016 foram em vulneráveis. No entanto, a promotora Dalka Ferrari afirma a dificuldade encontrada para realização das denúncias, diz ela: “quase

(25)

ameacei ele de morte. Escondi um caco de vidro e eu agredi ele e ele levou um tantão de pontos. Aí parou!’ afirmou a ativista.

Bastante incomodado resolvi pausar a gravação. ‘Abuso sexual’,

‘deficiência’, ‘direito’, ‘dor’, ‘estupro’, ‘sofrimento’, ‘violência’ e ‘vulnerabilidade’

compunham o léxico repetido e enfatizado pela palestrante. As palavras chamavam atenção para uma experiência, que infelizmente, não é uma situação pessoal vivida apenas por Jobis. Naquele mesmo Seminário outras experiências semelhantes foram relatadas, mas sem a mesma riqueza de detalhes. Durante todo o encontro, casos eram lidos a partir de documentos oficiais da polícia ou contados por profissionais da área. Outros tantos eram narrados em função de situações ouvidas ou vividas por algumas das mulheres que lá estavam presentes. Eram experiências que, de algum modo, atavam deficiência, direitos, dor, sofrimento e violência. Por fim, eram experiências que sublinhavam que corpos específicos eram mais suscetíveis a esta relação assimétrica de poder que outros

* * *

As frentes da pesquisa e seus entrelaçamentos

O fragmento5 que acabo de descrever se passou poucos meses depois que

eu havia ingressado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCS) da

sempre o laudo de corpo de delito vem negativo, porque não há conjunção carnal. E muitas famílias colocam isso como uma absolvição [do abusador]. Há uma dificuldade de pessoas próximas de acreditar que aquele crime aconteceu. Em geral, duvidam porque acham que aquele homem tem um comportamento normal. E, quando o laudo vem negativo, mesmo que a criança nunca tenha falado de penetração, passam a duvidar dela”. Disponível em:https://goo.gl/aM2Lhk. Acessado em 16 de maio de 2017.

5 Esta tese toma o fragmento como um elemento vital. Segundo Veena Das (2007), é necessário que nos

afastemos da noção de fragmento como sendo um conjunto de partes diferentes advindas de um todo coeso e organizado. Adotar a noção de fragmentação implica justamente reforçar a impossibilidade de uma totalidade e, por consequência, desmontar a artificialidade de uma perspectiva de coerência que insistentemente buscamos em todas as relações e mundos sociais ao quais habitamos. Dessa maneira, inspirado em Lugones (2012), sustento que os fragmentos não são relações miméticas entre minha escuta participante e minhas notas de campo. São elaborações analíticas que, a um só tempo, descrevem alguns elementos da experiência vivida – seja da minha experiência, seja da experiência de minhas interlocutoras de pesquisa, seja a experiência que emerge de nossa relação – e produzem desconexões inerentes ao ato de testemunhar que demonstram a impossibilidade de mensurar a totalidade dessas mesmas experiências. Exatamente por isso, todos os capítulos dessa tese iniciam com um fragmento. O objetivo é

(26)

UNICAMP para realizar uma investigação de doutoramento. A essa época eu ainda estava bastante influenciado pelas análises realizadas em minha dissertação de mestrado que, entre outros pontos, se centrava no entrelaçamento entre deficiência intelectual, gênero e sexualidade6. Com essa nova pesquisa, eu tinha como intento

seguir uma pista surgida, mas não devidamente trabalhada, durante a elaboração do texto final de minha dissertação. Refiro-me ao modo bastante singular de como certa noção de masculinidade e feminilidade se convertia em importante componente de (quase) normalização e vulnerabilização, respectivamente, de corpos assignados com deficiência intelectual.

Conforme afirmei naquele momento, as alunas e os alunos que frequentavam a APAE de Vila de Santa Rita7 eram divididos em três grupos a depender

do “grau de comprometimento intelectual” (p.98)8. O grupo dos assexuados era

composto por mulheres adultas e as crianças de ambos os sexos. Já o grupo dos hipersexualizados era composto por homens adultos e, por fim, o que chamei de grupo dos potencialmente mais sexualizados era composto por adolescentes, homens adultos e mulheres adultas considerados de menor comprometimento intelectual (SIMÕES, 2014, pp. 98-100)9. Tendo em vista essas considerações, pareceu-me

explicitar o ardil e a desconexão existente entre o que eu ouvia e lia na pesquisa de campo e as práticas médicas e jurídicas que constituíam esta pesquisa de campo.

6 A pesquisa foi realizada durante o primeiro semestre de 2012 em um Associação de Pais e Amigos dos

Excepcionais de Vila de Santa Rita. Durante o trabalho de campo, acompanhei o cotidiano da Associação e as oficinas de educação sexual oferecida aos alunos que lá estavam matriculados. Para mais ver: Simões (2014).

7 A fim de preservar a identidade das minhas interlocutoras de pesquisa, optei por mudar os nomes de

alguns lugares, bem como das pessoas. Quando mantiver os nomes originais, como no caso de Jobis, indicarei em nota tal procedimento.

8 “Essa separação entre ‘assexuados’, ‘hipersexualizados’ e ‘potencialmente mais sexualizados’ está

intimamente ligada ao que os professores dizem ser o ‘grau de comprometimento intelectual’ dos alunos. Quanto maior o ‘comprometimento intelectual’ é atribuído ao aluno, maior a chance deste ser categorizado como assexuado ou hipersexualizado. Quanto menor o ‘grau de comprometimento intelectual’, maior a chance de este ser considerado como potencialmente mais sexualizados, portanto capacitados a participar dos encontros de educação sexual” (SIMÕES, 2014, p.98-99).

9 Vale destacar que essa distinção e organização quanto ao comprometimento intelectual e ao efeito a

ser produzido na sexualidade das alunas e dos alunos levou em conta apenas a concepção das professoras e dos professores da APAE. No entanto, devo destacar que havia uma outra forma de distinção realizada pelas próprias alunas e pelos próprios alunos. Segundo tais formas de distinção, gênero e deficiência intelectual se articulavam de maneira a pôr em evidência os critérios de elegibilidade para se estabelecer vínculos afetivos e/ou sexuais. Além disso, tais classificações nada tinham a ver com os critérios de grau de comprometimento intelectual operado pelos professores. Não cabe aqui retomar detidamente esses argumentos da dissertação. Entretanto, cabe salientar que essa distinção organizada pelas alunas e pelos alunos também continha uma espécie de caminho à normalização. Para mais ver: Simões (2014, 2015).

(27)

intrigante o modo como as relações sexuais ganhavam contornos diferenciados quando homens adultos as realizavam e quando mulheres adultas as concretizavam.

Isso ficou evidente a partir da aproximação de uma situação na qual os eixos de diferenciação gênero e geração se tornavam decisivos para o entendimento de uma relação sexual como sendo ou não abuso e, por corolário, crime sexual. Era o caso de Antonio10, um dos alunos da Associação de Pais e Amigos, que me intrigava.

Em seu Prontuário havia registros de que ele matinha relações sexuais com sua namorada sem deficiência intelectual e que o rapaz tinha, à época, 23 anos. Tais relações sexuais mantidas por ele sempre foram vistas pelos familiares, mas também pelos professores e demais profissionais da Associação, como uma forma de amenizar sua condição de pessoa com deficiência intelectual e, em última instância, como um modo de afirmar e reiterar sua masculinidade. Curioso com tais formulações, indaguei a Diretora da Associação se a mesma postura se daria no caso envolvendo uma mulher. Enfática ela me diz: ‘essas coisas são mais complicadas para mulheres, crianças e

adolescentes, né? São muito mais vulneráveis que os rapazes’.

Ou seja, em algumas situações as relações sexuais com pessoas com deficiência intelectual poderiam ser consideradas crimes contra a dignidade sexual e em outras não. Este fato me pareceu ainda mais instigante quando, confrontado aos tratados sobre direitos sexuais e reprodutivos aos quais o Brasil é signatário11. Todos

afirmavam a liberdade de escolha de parceiros sexuais, bem como as formas seguras que deviam ser proporcionadas pelo Estado objetivando garantir esse exercício à sexualidade. Daí minha escolha por mirar como horizonte de investigação as disputas

10 Segundo a classificação dos professores da APAE de Vila de Santa Rita, Antonio encontrava-se na turma

de alunos considerada com “menos comprometimento intelectual”. Tal fato indica, como vimos, que ele também era visto como um dos alunos “potencialmente mais sexualizados”. A esse grupo eram destinados os encontros de educação sexual que, entre outros, tinha por objetivo disciplinar a sexualidade de maneira mais adequada. Para uma discussão mais aprofundada sobre o tema ver o Capítulo 2 de minha dissertação de mestrado (SIMÕES, 2014).

11 Apenas para indicar alguns: Convenção Para Eliminar Todas as Formas de Discriminação Contra a

Mulher – CEDAW de 1979, III Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento – Cairo de 1994, Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará de 1994, IV Conferência Mundial sobre a Mulher – Beijing de 1995, Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência de 2007.

(28)

e os efeitos de definições sobre crime, deficiência intelectual e sexualidade no âmbito sócio jurídico12.

Com intuito de deslindar tal pista, o caminho por mim traçado me levou a instâncias estatais ligadas à polícia e a justiça. Foi assim que cheguei a Defensoria Pública do Estado para a conferência supracitada, como também estabeleci os primeiros contatos com a Delegacia de Polícia da Pessoa com Deficiência (DPPD)13. No

entanto, fui barrado pelo tempo dos papéis oficiais, dos trâmites burocráticos (VEIGA, 2015) e da agenda repleta de compromissos dos e das responsáveis pelos dois Serviços de enfrentamento à violência contra a pessoa com deficiência no âmbito jurídico. Por mais de um semestre me senti como um pião de brinquedo rodando insistentemente no mesmo lugar. Ainda assim, acumulei uma série de boletins, diretrizes, informativos e manuais que eram disponibilizados pelos sites oficiais de tais instâncias estatais. Também acumulei algumas cenas e notas de campo oriundas das várias conferências e seminários nas quais passei a circular.

Entre o tempo dos trâmites burocráticos e o acúmulo de papéis, paralelamente, segui buscando estratégias de inserção em diferentes frentes onde eu pudesse realizar minha investigação. Isso não resultou afirmar que deixei de acumular papéis e de frequentar Conferências e Seminários ou mesmo de prestar atenção ao que era articulado e divulgado pelas instancias ligadas à polícia. Nem significou que meus objetivos iniciais de pesquisa foram reconfigurados diante de uma dessas técnicas móveis de acesso através de balcões, papéis e conversas informais (LUGONES, 2012). Por fim, também não implicou recontar, aqui, de forma anedótica os caminhos pelos quais a pesquisa seguiu e, tampouco, sublinhar como esses novos caminhos guardam pouca ou nenhuma ligação com os antigos.

12 Utilizo âmbito sócio jurídico para me referir ao repertório que é mobilizado pelas e nas relações sociais

que organizam práticas de controle social, mas que não são necessariamente específicas da prática jurídica. No capítulo 2 da tese, usarei termos como campo jurídico, prática jurídica para demarcar uma modalidade de regulação em que os operadores do direito utilizam, discutem e formulam tais categorias seguindo uma lógica de sistematização de um campo do saber, ou seja, o campo jurídico.

13 A DPPD foi criada pelo Decreto Estadual de São Paulo nº 60.026/2014 em parceria com a Secretaria dos

Direitos da Pessoa com Deficiência e a Secretaria de Segurança Pública do Estado. Segundo seu texto de apresentação a Delegacia, “tem por objetivos prevenir e investigar crime contra a pessoa com deficiência, além de receber, concentrar e difundir dados sobre violência contra este público e criar procedimentos de orientação para o atendimento de pessoas com deficiência em outras delegacias do estado”. Disponível em: http://violenciaedeficiencia.sedpcd.sp.gov.br/paginas/adelegacia.html. Acessado em 17 de maio de 2017.

(29)

Ao contrário do que comumente se faz em pesquisa antropológica quando de uma recusa ou restrição, inspirei-me nos argumentos de Nadai (2018) sobre o não acesso como forma de acesso14. Tal inspiração me ajudou a construir uma estratégia

de análise que busca interconectar as distintas frentes da pesquisa e cujo desvelo está nos modos pelos quais políticas de atenção, cuidado e reparação são gestadas. Diferentemente da pesquisadora, concretamente eu não tive negado meu acesso à Delegacia da Pessoa com Deficiência ou mesmo à Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Digo isso por duas razões: 1) na ausência de respostas optei por não tentar novos contatos, tampouco cavar outra forma de acessar os referidos serviços dessas instancias estatais; 2) tampouco posso dizer que fui impedido de frequentar conferências e seminários, ainda que, é preciso sublinhar, todas as conversas com as responsáveis por ambos os serviços não resultava em uma extensão de contato, mas sim em novas ausências de respostas. Todavia, foram essas espécies de negações de acesso que me fizeram compreender o que acabou por se converter em importante elemento analítico a ser defendido por esta tese.

Como discutirei nos capítulos 1 e 2 esse caminho pregresso que me levou ao Ambulatório de Atendimento Especial15 do CAISM e aos ordenamentos jurídicos,

ajuda a descortinar as tramas institucionais (GREGORI, 2000) e as modalidades de gestão médico-jurídicas16 da emergência de pessoas com deficiência como sujeitos de

14 Diante da negativa de acesso aos laudos de corpo de delito e ao cotidiano do Instituto Médico Legal de

Campinas, a pesquisadora não reconfigurou seus objetivos de pesquisa. Antes, tomou como tarefa a análise acurada do não acesso como forma de acesso ao IML e suas tramas. “Ou seja, diante da impossibilidade de cruzar as portas institucionais do Núcleo de Perícias do IML de Campinas, passei a dar atenção a outras formas pelas quais eu poderia entrever o IML. Deixei-me ser remetida, redirecionada e surpreendida por aquilo que sistematicamente eu buscava agarrar e circunscrever a um endereço, a um prédio, a um arquivo, a um crime” (NADAI, 2018, p.13). Mais adiante, a autora sintetiza a importância de tomar a negação “como um tipo particular de técnica que incita a ver determinadas informações, termos, relações e funções da instituição. Nesse sentido, a negação não é um empecilho ou um contratempo a ser superado. Ao contrário, os papéis por mim protocolados e os dizeres impressos em formas de ‘Ofícios’ desvelam os riscos perenes que o ato de autorizar engendra e perpetua para o cotidiano de gestão impostos às instâncias estatais” (NADAI, 2018, p. 41).

15 Ambulatório de Atendimento Especial é o nome oficial do Serviço oferecido pelo Centro de Atenção

Integral à Saúde da Mulher da UNICAMP às mulheres em situação de violência sexual. No capítulo 1 apresentarei uma discussão mais detalhada sobre o Ambulatório. Aqui vale indicar que, assim como a equipe médica, utilizo ‘Ambulatório’, ‘Ambulatório de Violência Sexual’ para me referir ao Serviço oferecido pelo Centro de Atenção.

16 Tomo como inspiração a analítica do poder desenvolvida em especial por duas investigações. A primeira

é a de Lugones (2012) que busca compreender os exercícios de poder envolvendo “menores” e seus guardadores. Para tanto, a autora realiza uma detalhada pesquisa do cotidiano de Juizados Provencionales de Menores em Córdoba, Argentina. Já a investigação de Nadai (2018), busca desvelar o

(30)

direitos sexuais e reprodutivos. Com as pistas seguidas a partir do caso de Antonio, por exemplo, consegui perceber as possíveis contradições existentes entre o que era prescrito pelo Código Civil (CC) de 2002 e pela Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência da ONU de 2007 (CDPcD) através da figura da curatela17 e aquilo que era vivido pelos assignados legalmente como pessoas com

deficiência intelectual.

Porém, estas eram percepções que, apesar de bastante acertadas, necessitavam quantitativa e qualitativamente de experiências vividas capazes de fundamentar o que eu intuía. Foi assim que, em meados de 2015, passei a dar atenção a um dado até então invisível a mim. Se o caso de Antonio demonstrava que vida sexual poderia ocorrer sem problemas judiciais, Jobis e a Diretora da APAE advertiam que crianças e mulheres exigiam outros cuidados e atenção. Um componente de violência sexual parecia implícito ao modo como tais corpos experienciavam a sexualidade. A partir de uma dose generosa de coincidência, mas também de engajamento de pesquisador, fui convidado a conhecer o Ambulatório de Atendimento Especial do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (CAISM) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Tal Ambulatório faz parte de uma política pública de atenção, cuidado e enfrentamento à violência sexual da cidade de Campinas18. Mais tarde viria

a descobrir que o Programa Iluminar e o CAISM foram experiências de práticas médicas indispensáveis para a concepção do Plano Nacional de enfrentamento à violência contras as mulheres (PEDROSA & DINIZ & MOURA, 2016).

O serviço oferecido pelo Ambulatório de Atendimento Especial não é obrigatório, nem compulsório, uma vez que cabe as mulheres ou responsáveis

que ela chamou de modalidades de gestão médico-periciais que, segundo a autora, “atravessam e articulam o IML a outras instâncias administrativas e universitárias” (p.16).

17 Curatela, instituto da curatela ou instituto jurídico da curatela é o termo designado para se referir ao

procedimento jurídico ao qual pessoas com deficiência intelectual – e os demais sujeitos como veremos mais adiante nesse texto – estão sujeitados a partir do procedimento de Interdição. De acordo com o que discutirei no capítulo 2, a LBI de 2015 altera o alcance do instituto jurídico da curatela, uma vez que cria uma nova figura jurídica denominada tomada de decisão apoiada. Todas essas modificações reordenam a Teoria de Incapacidades do Código Civil brasileiro. Por isso, como será discutido no capítulo 3, centrar-me na categoria de curatela foi estratégico para compreender as disputas e tensões envolvidas na emergência de pessoas com deficiência como sujeitos de sexualidade.

18 Apresentarei mais detidamente minha entrada no capítulo 1 onde também detalharei os meandros da

construção do Serviço a partir do Programa Iluminar – Campinas, do Ambulatório de Atendimento Especial do CAISM, assim como seu fluxo de funcionamento e organização.

(31)

decidirem se desejam ou não o acompanhamento a elas oferecido. Ele tem caráter interdisciplinar e é composto por cincos especialidades – enfermaria, ginecologia, psicologia, psiquiatria e serviço social. Durante um ano e meio, às quintas-feiras pela tarde, participei das discussões de 112 casos de violência sexual, dos quais 09 eram contra mulheres com deficiência intelectual. Como assinalarei no capítulo 1 ao discutir o fluxo de atendimento do Serviço, as meninas e mulheres chegam ao Ambulatório somente após narrarem o episódio de violência sexual à equipe do Atendimento de Emergência do Centro de Atenção da UNICAMP. Como o atendimento é ininterrupto, as

‘pacientes’ que chegam ao serviço não precisam esperar até a quinta-feira de cada

semana para ser atendida. Basta comparecer à emergência e relatar o episódio de violência para ter acesso aos procedimentos imediatos de profilaxia.

Durante o tempo em que estive no Ambulatório, participei das discussões e das reuniões a parit da especialidade da psiquiatria. Consoante a tal cotidiano, como demonstrarei no primeiro capítulo, desenvolvi uma estratégia de materializar mulheres, situações de violência sexual e pedidos de interrupção legal de gestação a partir da escuta participante (FORSEY, 2010). Dessa maneira, semanalmente eu escutava os médicos residentes da psiquiatria relatarem as histórias de violência que haviam sido narradas por meninas e mulheres no atendimento imediato do Hospital das Clínicas da Universidade19. Nas consultas subsequentes, eles traziam o quadro emocional, as

queixas e mais elementos do episódio de violência e da história de vida que não havia ficado claro. Não era incomum que lentamente descobríssemos que as situações vividas por essas mulheres eram ainda mais complexas do que as enunciadas nos primeiros encontros anotados nas fichas dos Prontuários. Com base nas categorias do ambulatório, organizei algumas variáveis para ajudar a sistematizar os casos.

Do ponto de vista legal, os episódios de violência contra mulheres e crianças são de notificação obrigatória ao Sistema de Informação de Agravos e Notificação do Ministério da Saúde (SINAN). Tal fato implica que as meninas e mulheres com deficiência tem suas especificidades subsumidas nas categorias mais gerais de ‘mulheres’ e

19 Gostaria de chamar atenção para um ponto que será retomado no Capítulo 1. Em razão do acordo ético

que a equipe do Ambulatório e eu estabelecemos, em nenhuma ocasião eu tive acesso aos Prontuários Médicos ou mesmo as meninas e mulheres que eram atendidas no Ambulatório de Atendimento Especial. Exatamente por isso, eu priorizei a técnica da escuta e elaborei minha inserção singular no campo a partir do que chamei de regime de silêncio. Voltarei a isso adiante.

(32)

‘crianças’. Dessa forma, a fim de matizar essas diferenças, resolvi dividir os casos entre:

1) Mulheres sem deficiência maiores de 14 anos; 2) Meninas sem deficiência menores de 14 anos que já menstruaram; 3) Mulheres com deficiência intelectual maiores de 14 anos e 4) Meninas com deficiência intelectual menores de 14 anos que já menstruaram20. A partir dessas quatro formas de diferenciação dos casos, adotei a

divisão realizada pelo próprio ambulatório para referir-se às situações de violência sexual. Isso quer dizer que em cada uma das categorias mencionadas acima, temos: a)

‘Casos Novos’; b) ‘Consultas de Retorno’ e c) ‘Revisão Legal’21.

São exatamente esses últimos casos, ou seja, os abortamentos legais, o que se converte em paradigmático aos interesses nesta tese. As narrativas e os casos escolhidos explicitam os limites da ‘figura jurídica da curatela’, assim como os dilemas e paradoxos que envolvem a ampliação dos direitos à sexualidade para uma população socialmente tomada como vulnerável e incapaz22. Além do mais, pela forma como o

Programa Iluminar se organiza, frequentar o Ambulatório do CAISM me possibilitou acessar situações que seguramente não seriam notificados pelas ‘vítimas’ à polícia. Isso porque a subnotificação policial é um fenômeno muito recorrente (FACURI, 2012), sobretudo nos casos envolvendo mulheres adultas com deficiência intelectual. Como afirmam, Brigagão & Lima e Silva (2005), os Centros de Saúde, e não mais a Delegacia de Polícia, passavam a ser o primeiro ponto de acolhida às pessoas em situação de abuso e violência sexual.

20 Vale aqui um adendo. Quando a violência sexual é contra uma criança com deficiência intelectual, o

rumo sócio jurídico tomado é o de violação contra os direitos da criança e do adolescente. Isso se justifica pelo fato de que a legislação para essa parcela da população é mais avançada. De qualquer maneira, não descartei a possiblidade de problematizar o fato de que duas figuras jurídicas diferentes são justapostas na figura de ‘crianças violadas sexualmente’. Veremos essa discussão no capítulo 3.

21 É verdade que os ‘Casos Novos’ se convertem em ‘Consultas Retornos’, assim como um caso de ‘Revisão

Legal’ se converte em ‘Caso Novo’ e em ‘Consulta de Retorno’. Explico, um ‘caso novo’ é todo caso em

que as meninas e mulheres foram encaminhadas pelo atendimento de emergência ao ambulatório. Assim, elas não foram atendidas por nenhuma das especialidades. As ‘consultas de retorno’ são todas aquelas em que as ‘pacientes’ já passaram pela primeira consulta nas especialidades e agora retornam para prosseguir o acompanhamento. Por fim o caso de ‘Revisão Legal’ é aquele em que há um pedido de

‘interrupção legal de gestação’. Esses casos se convertem em ‘casos novos’ para a psiquiatria após o

procedimento de interrupção ser realizado, uma vez que as meninas e mulheres passam a ser acompanhadas pelos residentes dessa especialidade. Seguindo essa lógica, esses ‘Casos Novos’ também se convertem em ‘Consultas de Retorno’ após o primeiro atendimento pelos médicos residentes.

22 No capítulo 3 da tese veremos como esses dilemas e paradoxos ganham forma a partir da justaposição

(33)

É interessante atentar para o fato que realizei essas divisões das situações de violência sexual tendo em conta uma espécie de presença oculta da Lei e do ordenamento jurídico na prática médica. As constantes enunciações do que deviria ser garantido por lei e os termos que eram narrados, mas também preenchidos nas fichas que compõem o Prontuário Médico, me faziam pensar que era importante voltar aos ‘diplomas legais’. Dessa maneira, o Ambulatório se converteu num dispositivo social privilegiado. Nele se articulam vários níveis de regulações médicas e de regulações sócio jurídicas sobre direitos sexuais e reprodutivos de mulheres com ou sem deficiência. Foi acompanhando o serviço ambulatorial que, no caso específico de mulheres com deficiência intelectual, se fez possível compreender as técnicas de gestão jurídicas, a partir da figura da ‘curatela’, que se espraiavam para a prática médica. Essas técnicas, por mim nominada de dispositivo de descapacitação, eram explicitadas a partir dos casos de interrupção de gestação realizados por mulheres com e sem deficiência intelectual.

Tendo isso em mente, assumi como tarefa da pesquisa compreender com minúcia parte dos elementos que fundamentam a prática jurídica. Desse modo, construí essa frente de pesquisa me centrando incialmente nas contradições e ambivalências operadas pela Lei Brasileira de Inclusão (LBI), conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, promulgada em julho de 2015 e que entrou em vigor em janeiro de 2016. Em conformidade com o que explicitarei no segundo e terceiro capítulos, a LBI operou importantes mudanças no modo de se regular os direitos e os deveres desses novos sujeitos de direitos. Conforme lia a LBI, constantemente eu era levado de um ordenamento a outro devido às inúmeras reformulações textuais ou as supressões e acréscimos de conteúdo que a Lei de Inclusão operava nos textos legais com os quais esta mantinha vínculo23.

Penso que aqui seja necessária uma pequena explicação sobre essa frente de pesquisa. Como será descrito no capítulo 2, alguns ‘diplomas legais’ do sistema jurídico brasileiro compõem o material etnografado. São quatro ordenamentos jurídicos a serem analisados – dois na forma Lei e dois na forma Decreto-Lei – que estão publicados em documentos oficiais do Governo Federal Brasileiro – Diário Oficial da

23 Refiro-me principalmente no acréscimo de uma nova figura jurídica na Teoria de Incapacidades do

(34)

União (DOU). Estes Diários por mim utilizados estão disponíveis no site da Imprensa Nacional24 em formato pdf. Por padrão, até 1º de dezembro de 2017 a publicação de

um ato legislativo, executivo ou da presidência da república no Diário Oficial da União, ocorria no próximo dia útil da promulgação de tais atos. A partir desta data, o Diário Oficial deixou de ser impresso em papel. No entanto, continua sendo a referência inquestionável de veiculação das oficialidades do Governo Federal. A diferença é que atualmente está disponível apenas no referido site da Imprensa Nacional.

É bem verdade que há versões de todos os referidos ordenamentos no site oficial do Planalto Legislativo do Brasil25. Estas foram utilizadas para consulta dos textos

que estão em vigência atualmente, uma vez que as versões disponibilizadas indicam o texto original, bem como as alterações realizadas por novas leis (Figura 1).

Figura 1 - Página Oficial do Planalto com as alterações na redação Código Civil – link: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm

24 Ver: http://portal.imprensanacional.gov.br/.

25 A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência pode ser acessada no seguinte endereço:

https://goo.gl/osi5gx. Acessado em 13 de maio de 2017; O Código Civil, a Constituição Federal e o Código Penal podem ser acessados nos seguintes endereços respectivamente:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm;

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm;

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848.htm. Todos acessados em 13 de maio de 2017.

Referências

Documentos relacionados

A conduta adotada pelo legislador internacional para que as pessoas.. com deficiência usufruam dos seus direitos e liberdades, foi justamente empregando maior condição de

Então eu acho que é um ponto muito bom e como Johileny mencionou, nós realmente sempre precisamos pensar sobre deficiência cruzada, o que significa pessoas com todos os tipos

Requer o envio de Requerimento de Informação ao Ministério da Saúde, pela Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência sobre a atenção

Com esse novo conceito baseado na relação entre deficiência, incapacidade e desvantagem, foi introduzida uma dimensão sociopolítica, fazendo com que surja uma “nova

Vidotto disse que inicialmente esta Comissão foi formada para atender os direitos dos advogados com deficiência e que nesta gestão foram ampliados os trabalhos para atender e

Item 2., trata-se de um projeto de parceria com a FIESP juntamente com as Prefeituras das Subsecções do Estado de São Paulo, no que tange a promoção de cursos de capacitação para

privilegiada, sentindo falta das pessoas com deficiência de baixa renda, da periferia, que provavelmente não tiveram acesso à informação sobre tal evento ou problemas com

Frederico disse que esteve na 20ª reunião dos advogados do Brasil em Natal-RN representando tanto esta Comissão quanto a Comissão Nacional das Pessoas com Deficiência e que