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A mediação no Código de Processo Civil vigente: aplicação e vantagens do instituto no âmbito de conflitos familiares

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS

FACULDADE NACIONAL DE DIREITO

A MEDIAÇÃO NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL VIGENTE: APLICAÇÃO E VANTAGENS DO INSTITUTO NO AMBITO DE

CONFLITOS FAMILIARES

FREDERICO BARROS MAVVAD

Rio de Janeiro 2019/2º SEMESTRE

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FREDERICO BARROS MAVVAD

A MEDIAÇÃO NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL VIGENTE: APLICAÇÃO E VANTAGENS DO INSTITUTO NO AMBITO DE

CONFLITOS FAMILIARES

Monografia de final de curso, elaborada no âmbito da graduação em Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como pré-requisito para obtenção do grau de bacharel em Direito, sob a orientação do Professor BRUNO GARCIA REDONDO.

RIO DE JANEIRO 2019

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A MEDIAÇÃO NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL VIGENTE: APLICAÇÃO NO ÂMBITO DE CONFLITOS FAMILIARES E SUAS

VANTAGENS

Monografia de final de curso, elaborada no âmbito da graduação em Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como pré-requisito para obtenção do grau de bacharel em Direito, sob a orientação do Professor BRUNO GARCIA REDONDO.

. APROVADA EM: ________________________________ Prof. nome (Membro) __________________________________ Prof. nome (Membro) ________________________________ Prof. Bruno Garcia Redondo

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Primeiramente gostaria de agradecer à minha família que me deu todo o suporte necessário ao longo de toda a minha vida, possibilitando-me chegar até esse momento.

À minha namorada Tay, pelo companheirismo e paciência nesse período final da faculdade. Aos meus colegas de curso, que me acompanharam durante essa exaustiva, porém gratificante jornada.

A todos os meus professores do curso de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E por fim, agradeço meu orientador Bruno Redondo, por aceitar me direcionar neste presente trabalho.

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RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo a análise da prática da mediação como ferramenta hábil à solução de conflitos em âmbito familiar, bem como as diretrizes práticas para as partes envolvidas no processo, nos termos do Código de Processo Civil vigente. Buscar-se-á analisar o potencial da mediação como um método consensual de solução de conflitos a partir de técnicas que se diferem dos tradicionais processos judiciais. O trabalho em tela justifica-se por tratar-se de conflitos familiares que volvem situações delicadas tanto do ponto de vista jurídico, quanto do ponto de vista afetivo. O presente instrumento de solução extrajudicial de conflitos, qual seja a mediação, é composto por diferenciadas técnicas hábeis a solucionar questões familiares que serão trabalhadas ao longo da pesquisa. Serão apontadas as vantagens atinentes ao uso da mediação como solução dos litígios de seara familiar, evidenciando-se o diálogo e mútua compreensão entre as partes como uma possível ferramenta. Serão observadas as abordagens históricas dentro do direito de família, bem como a organização social humana e os modelos de justiça como um todo, além de análise, conceitual, principiológica do instituto, e da regulamentação e efetividade da mediação nos termos do Código de Processo Civil de 2015, explanando-se as etapas, procedimento e benefícios.

Palavras-chave: Direito de Família. Autocomposição de conflitos. Mediação. Código de

Processo Civil de 2015.

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This work has the purpose of analyze the mediation practice as a useful tool for solving family conflicts, as well as the practical guidelines for the parts involved in the process, under the current Civil Lawsuit Code terms. It will be sought to analyze the mediation potential as a consensual method of conflict resolution based on techniques that differ from the traditional judicial processes. The work on the screen is justified because these are family conflicts that surround delicate situations, from the legal point of view, as well from the affective. The present instrument of out-of-court settlement of disputes, regardless of mediation, is composed for different techniques that are able to solve family issues, that will be worked along the research. The advantages related to the use of mediation as a solution to family disputes will be pointed out, showing the dialogue and mutual understanding between the parts as a possible tool. Will be showed Historical approaches within family law, as well as human social organization and models of justice as a whole, as well as analysis, conceptual, principle of the institute, and the regulation and effectiveness of mediation under the terms of 2015's Civil Lawsuit Code, explaining the steps, procedure and benefits.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 8

1. A DINÂMICA DO ACESSO À JUSTIÇA ... 100

1.1 A MEDIAÇÃO COMO UM MEIO ADEQUADO DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS ... 112

1.1.1 Conceito e evolução ... 122

1.1.2 Os Princípios relacionados ... 17

1.1.3 O papel do mediador e os princípios a serem observados ... 19

1.1.4 As partes envolvidas e os benefícios da mediação ... 200

2. FAMÍLIA: SEU NOVO CONCEITO E NOVOS CONTORNOS ... 223

2.1 Conceito de família: A mudança a partir das transformações sociais ... 223

2.2 Princípios norteadores do direito de família ... 27

2.3 Conflitos familiares ... 334

3. APLICAÇÃO DA MEDIAÇÃO NOS CONFLITOS FAMILIARES E O CPC/15 ... 38

3.1 O PROCESSO DE MEDIAÇÃO FAMILIAR ... 38

3.1.1 Conceito e aplicação do instituto ... 38

3.1.2 Etapas da Mediação ... 38

3.2 ÂMBITO DE APLICAÇÃO DA MEDIAÇÃO NO DIREITO DE FAMÍLIA ... 39

3.2.1 Dissolução da entidade familiar ... 39

3.2.2 Alimentos ... 435

3.2.3 Guarda ... 46

3.3 A MEDIAÇÃO NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015 ... 48

3.3.1 Previsão legal ... 48

3.3.2 Da Audiência de Mediação ... 48

3.3.3 Da Citação ... 50

3.3.4 Dos Mediadores Legais ... 51

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 535

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho trata da mediação em âmbito de conflitos familiares, nos termos do código de processo civil de 2015, objetivando a verificação da viabilidade de sua aplicação, a identificação dos meios de solução nos conflitos existentes, bem como a especificação das atuais perspectivas acerca do conceito de família dentro do direito brasileiro e a abordagem desta mediação como instrumento hábil a solucionar conflitos que abrangem esta temática.

Observa-se que a mediação já é usada de forma eficaz em diversos países, tais como Argentina, França, Estados Unidos e Japão. Ao voltar os olhos para o Brasil, é possível verificar alguns aspectos atinentes à mediação desde a constituição de 1824, sendo, contudo, apenas em 2015, com a mudança no Código de Processo Civil, possível a observação do instituto em grande escala. Em vias gerais, a mediação consubstancia-se como uma nova tendência da sociedade moderna que busca maior celeridade processual, bem como mitigação de danos psicológicos às partes envolvidas e menor ônus financeiro.

Quando se entra no assunto “direito de família” é importante relembrar as mudanças significativas sofridas no próprio conceito de família. Atualmente, além das demandas já conhecidas, há novos desafios, como dissolução da entidade familiar, ações de guarda e alimentos. Essas ações na ampla maioria são demoradas, traumáticas, já que em muitos casos envolvem crianças menores de idade dependentes de seus genitores, e geram sérias consequências psicológicas e financeiras aos envolvidos.

Deste modo, ao aprofundar-se neste tema, observa-se como que a possível utilização do processo de mediação nos conflitos de âmbito familiar pode se apresentar como meio eficaz e útil a minimizar os transtornos processuais, de modo a dirimi-los pacificamente, por meio de diálogos, onde cada parte pontua suas questões, pontos de vista, além dos seus prejuízos morais e materiais. Tal método pode, muitas vezes, ser responsável pela restauração e manutenção de vínculos familiares. Assim, a presente pesquisa justifica-se pelo relevante interesse da sociedade civil, que cada vez mais lota as salas do judiciário na ânsia de solucionarem tais conflitos, bem como contribui para formações doutrinárias, a partir do método procedimental de pesquisa bibliográfica, onde constarão deduções a partir de análises construtoras do raciocínio lógico.

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9 do Estado está presente como um garantidor de direitos. No que tange a mediação há conceituação, bem como uma breve evolução histórica, os instrumentos norteadores de tal prática, além do papel, as particularidades do mediador, das partes e os principais benefícios da mediação. Avançando, o segundo capítulo apresentará o conceito contemporâneo de família, em especial, a análise do direito de família brasileiro, bem como os princípios fundantes deste direito e, por conseguinte, o entendimento das bases dos conflitos familiares. Já no terceiro capítulo será explanada a análise da mediação no âmbito dos conflitos familiares de acordo com o Código de Processo Civil vigente, bem como seu conceito, etapas e as situações de conflito em que a mediação pode ser aplicada, onde se destaca a dissolução da entidade familiar, a guarda e também alimentos. Avançando, serão estudados os aspectos principais da mediação no Código de Processo Civil de 2015, adentrando nas peculiaridades da previsão legal, tais como a citação, a sistemática da audiência de mediação, e os aspectos dos mediadores legais. Por derradeiro, constarão as considerações finais que fará uma abordagem geral conclusiva dos itens analisados.

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CAPÍTULO I - A DINÂMICA DO ACESSO À JUSTIÇA

O conceito de justiça sofreu significativas modificações ao longo dos anos. No início, falar em justiça era falar em defesa dos pobres. No entanto, a partir da revolução burguesa do século XVIII, houve uma maior abrangência no significado do acesso à justiça no qual, a partir da concepção do Direito Natural, se incluía o direito à justiça. Cabe mencionar que inicialmente não era função do Estado preocupar-se com o acesso à justiça, com este preocupando-se somente com infrações.

Com o novo modelo ampliativo das relações, as quais deixavam de ser individuais para se tornarem coletivas, houve o reconhecimento dos direitos humanos de forma mais ampla, como com a Declaração dos Direitos Humanos em 1948, onde a participação Estatal consolidou-se de maneira mais ativa.

Sendo assim, no decorrer dos anos, suscitaram-se diversas discussões acerca das formas de soluções de conflitos, dessa vez considerando a existência de formas estruturantes distintas das tradicionais. Em consonância, Mauro Cappelletti considera:

O “acesso” não é apenas um direito social fundamental, crescentemente reconhecido; ele é, também, necessariamente, o ponto central da moderna processualística. Se estado pressupõe um alargamento e aprofundamento dos objetivos e métodos da moderna ciência jurídica. (CAPPELLETTI, 1998, p. 5)

A real garantia do direito social básico de acesso à justiça se faz a partir da chamada “igualdade de armas” 1,na qual os envolvidos detenham igualdade mínima com relação a

oportunidades e possibilidades de um julgamento justo do mérito, configurando-se como um direito fundamental que constrói parte da dignidade humana.

Para melhor visualização do meio tradicional de acesso à justiça, observa-se:

1 A efetividade perfeita, no contexto de um dado direito substantivo, poderia ser expressa como a completa

“igualdade de armas” – a garantia de que a condução final depende apenas dos méritos jurídicos relativos das partes antagônicas, sem relação com diferenças que sejam estranhas ao Direito e que, no entanto, afetam a afirmação e reivindicação dos direitos. CAPELLETI, 1988, p. 9 in SPENGLER, 2012, p. 83 e 84.

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11 Figura 01: Meio tradicional de acesso à justiça

Fonte: COSI, Giovanni; FODDAI, Maria Antonietta, 2003, p.24, apud SPENGLER, 2010, p.35

Contudo, de acordo com entendimento de Spengler (2010), o acesso à justiça encontra três obstáculos em suas principais vias, sendo estas o valor da causa e morosidade processual; as possibilidades com relação a recursos financeiros, aptidões no reconhecimento de um direito e propositura de uma ação ou defesa, além da habitualidade dos litigantes dentro do sistema judiciário; e por fim, os problemas das partes relacionados aos interesses distintos, no qual não há, necessariamente, um estímulo ou recompensa que compense o ingresso judicial para o resguardar direitos.

Ainda conforme Spengler (2012, p.66), visando resolver o impasse do acesso à justiça criaram-se “ondas” revolucionárias ao redor do mundo. A primeira medida foi assistência judiciária para os menos favorecidas no ocidente; a segunda constituiu-se na representação de interesses difusos; já a terceira onda teve como base a ampliação da concepção de acesso à justiça com novos holofotes.

Desse modo, é perceptível que há uma busca incessante por resoluções de conflitos que não dependam de meios judiciais, privilegiando a celeridade processual, a oitiva igualitária das partes e, por fim, a resolução justa e satisfatória para os envolvidos.

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1.1.1 Conceito e evolução

O termo mediação tem origem do latim mediare, que significa intervir, mediar, ou seja, o ato de intervenção por meio de um terceiro. Na contemporaneidade, pode-se conceituar como: “técnica não estatal de solução de conflitos, pela qual um terceiro se coloca entre os contendores e tenta conduzi-los à solução autocomposta. [...]Trata-se de técnica para catalisar a autocomposição” (DIDIER, 2009, p.78)

Historicamente, pode-se observar a mediação desde os anos 3000 a.c. nas civilizações gregas, egípcias e Babilônia. Nesses locais não havia, por parte do estado, a responsabilidade de resolver e sanar os conflitos existentes, cabendo a população este encargo, o qual era solucionado usando acordos e elementos culturais.

Lembra-se ainda que a Igreja Católica teve papel importante na transformação do papel da mediação enquanto o Estado não detinha esta função, exercendo dominantemente a técnica entre seus seguidores no trato de conflitos familiares, criminais e disputa para com a nobreza. Em Roma, também, há indícios de mediação. Já no Oriente, mais precisamente na China, influenciadas pelas ideias de Confúcio, existia a visão dos homens resolvendo seus próprios conflitos priorizando a pacificação no processo, assim podendo observar claramente a utilização de meios conciliativos e mediativos destes conflitos.

Todavia, a idealização da mediação em seus moldes atuais é perceptível a partir do século XX, como se observa a seguir:

Figura 02: Mediação

Fonte: COSI, Giovanni; FODDAI, Maria Antonietta, 2003, p.24, apud SPENGLER, 2010, p.37.

Em termos contemporâneos de mediação, os estadunidenses lideraram a formação. Historicamente, houve um desenvolvimento da justiça comunitária em relação a conflitos

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13 trabalhistas neste país.

Os programas alternativos como American Arbitration Association (AAA), e o

Prossecutor’s Office de Ohio (1971) tem responsabilidade no início e estruturação da

mediação no país, contudo a sistematização só foi possível com a Pound Conference, de 1976 efetivamente. Também em 1976, Frank Sander, do corpo docente de Harvard, sistematizou e modernizou as técnicas de solução de conflitos.

Ele trouxe a visionária idéia, recentemente recepcionada no Brasil pela Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça, de que os tribunais estatais não poderiam ter apenas uma “porta” de recepção de demandas, relacionada ao litígio, mas sim que poderiam direcionar casos para uma variedade de outros processos de resolução de disputas, entre os quais a mediação, a conciliação e a arbitragem; esse evento é visto por muitos como o “Big Bang” da teoria e prática moderna da resolução de disputas. (FALEK, 2000, p.7)

Com base neste significativo avanço, o sistema dos Estados Unidos modificou-se profundamente, incluindo e incentivando a mediação através de políticas públicas de inclusão, que significou uma solução para a alta burocracia forense do país, sendo bem aceita nos âmbitos criminais, civis e familiares.

Como é sabido por todos, o conflito é uma condição inerente das relações humanas permeando a vida em sociedade desde sempre. Ele decorre de expectativas frustradas, bem como de valores e interesses contrariados. Em situações cujo conflito interessa ao direito e não pode ser resolvido inicialmente pelas partes conflitantes, o Estado tem o poder de resolvê-lo por meio de atividade jurisdicional na medida em que as partes acionem tal poder estatal. (VASCONCELLOS, 2008).

A ideia de um terceiro interventor a solucionar as controvérsias já se tornou um costume das pessoas. Trata-se do método denominado heterocompositivo, que se baseia num modelo adversarial de resolução, onde não existe propriamente uma negociação entre os conflitantes, acabando por gerar um enfraquecimento das relações, ao ser imposta uma decisão aos participantes. (AZEVEDO, 2004).

Devido à grande demanda judicial e a crise do poder judiciário, a autocomposição possui um papel importante de destaque, com pontua Spengler (2012, p.63), pois se trata de uma forma de defesa “inerente à natureza humana [...]é um excelente meio de solução de

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14 conflitos, ainda se (ou onde) a Justiça estatal for maravilhosamente administrada e realizada, com eficiência, presteza e rapidez.” Desse modo, seguindo esse raciocínio, pode-se considerar a mediação muito além de uma forma alternativa de solução de conflitos, atingido o patamar de um meio eficiente e adequado de solução das controvérsias, sendo que é um instrumento útil ao se observar a morosidade, e o alto custo dos processos judiciais.

O processo de heterocomposição pode ser observado de duas formas, quais sejam, a judicial e a arbitral. Nesta segunda, um terceiro de confiança das partes (embora equidistante) é por elas selecionado, para que decida a controvérsia do caso em questão. Vale lembrar que muito embora os árbitros não possuam poder estatal, suas decisões têm efeito vinculativo, uma vez que para o ordenamento jurídico a sentença arbitral possui eficácia de título executivo2. (TARTUCE, 2015, p. 55-56).

Nestes termos, observa-se como função do Poder Judiciário, o de garantir e defender os direitos individuais resolvendo controvérsias, divergências, conflitos e disputas que venham surgir na vida comunitária e social, possuindo tal função o respaldo da Constituição Federal. Nesse passo, os juízes são investidos da capacidade de julgar e decidir de acordo com o

ordenamento jurídico brasileiro, usando o processo como um instrumento útil para tal. (MARQUES FILHO, 2016).

Por outro lado, a mediação apresenta-se como um modelo de autocomposição que foca no interesse dos litigantes, o que confere às pessoas um maior empoderamento por serem autoridades capazes de solucionar seus próprios conflitos, em vias de empatia e comunicabilidade com seu par. Nos ensinamentos do ora Presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, José Aquino Flôres de Camargo:

As práticas autocompositivas ganharam espaço. Simplificam os caminhos que levam à Justiça e deixam para trás a imagem de um organismo estático, desenhando um valioso instrumento de aproximação dos cidadãos entre si e com o próprio Estado. A pergunta recorrente entre os magistrados deixou de ser apenas “como devo sentenciar em tempo hábil?”, mas, sobretudo, passou a ser “como devo abordar o conflito para que os interesses em disputa sejam satisfeitos de modo mais eficiente e no menor prazo?”. Com a mediação

2 “Art. 515. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos previstos neste

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15 surge um novo modelo de Justiça, exigindo criatividade e amplo envolvimento de seus protagonistas. (2016, p. 9).

Conforme explicita o advogado e mediador Ademir Buitoni, muito embora não ignore a dogmática jurídica, ele considera que a mediação acaba por colocar em plano secundário tal dogmática, na medida em que busca entender e decodificar todo o conteúdo manifesto e latente do conflito. Se de um lado a dogmática jurídica exige pontos de partida inquestionáveis e certezas latentes, por outro a mediação não trabalha com preceitos já preestabelecidos tampouco com uniformidades, hegemonia de um fato ou de outro, mas, sim, com a promoção das diferenças, respeitando a totalidade dos fatos e suas complexidades. Conforme seu entendimento:

A Mediação parece ser uma resposta mais completa à problemática dos complexos conflitos atuais da sociedade pós-moderna, da sociedade da informática, da sociedade do espetáculo, da sociedade da nova era, da sociedade das comunicações de massa e outras denominações que se possam dar ao momento em que vivemos, neste começo de século XXI. (BUITONI, 2007, [s. p.]).

De acordo com a celebrada Fernanda Tartuce, a mediação apresenta-se como um mecanismo de abordagem consensual de controvérsias onde, uma terceira pessoa isenta e capacitada tecnicamente, atua com o fim de promover e facilitar a comunicação entre as partes envolvidas, para que elas possam encontrar meios adequados e produtivos de lidar com o objeto do litígio. Uma das mais importantes técnicas dentro da mediação, o modo interrogativo, objetiva, de maneira imparcial, a promoção da reflexão dos litigantes sobre os pontos de maior relevância dentro da controvérsia de modo hábil à viabilização e restauração produtiva do diálogo (TARTUCE, [s. d.]). Ainda nesse sentido, Carlos Eduardo de Vasconcellos nos ensina que:

A mediação é um meio geralmente não hierarquizado de solução de disputas em que duas ou mais pessoas, com a colaboração de um terceiro [...], expõem o problema, são escutadas e questionadas, dialogam construtivamente e procuram identificar os interesses comuns, opções e, eventualmente, firmar um acordo. (2008, p. 26).

Muito embora seja claro o conceito de mediação, diversas vezes encontramos incorreções acerca de seu significado, sendo que, volta e meia, seu conceito é confundido com o conceito de conciliação, recebendo tratamento errôneo como se fossem iguais fossem. A diferença primordial entre estes dois institutos baseia-se no fato de que, enquanto a conciliação objetiva um acordo final, a mediação almeja autonomia entre as partes

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16 conflitantes, de modo que elas possam decidir livremente o rumo de suas vidas, não sendo imprescindível se chegar a um consenso. Para melhor compreensão, observemos os ensinamentos de Lilia Salles:

A diferença entre a mediação e a conciliação reside no conteúdo de cada instituto. Na conciliação, o objetivo é o acordo, ou seja, as partes, mesmo adversárias, devem chegar a um acordo para evitar um processo judicial. Na mediação as partes não devem ser entendidas como adversárias e o acordo é conseqüência [sic] da real comunicação entre as partes. Na conciliação, o mediador sugere, interfere, aconselha. Na mediação, o mediador facilita a comunicação, sem induzir as partes ao acordo. (SALES, 2004).

Portanto, a mediação trata de um trabalho sobre o reconhecimento e reabilitação do outro, um lugar de alteridade, onde o respeito mútuo é reencontrado. A mediação opera o chamado fenômeno de “conversão” dos estados de espírito, no momento em que um escuta o outro, suas vivências e sofrimentos, decaindo a raiva e possibilitando a restauração da confiança. (GANANCIA, 2001).

Cumpre salientar a importância da inclusão social possibilitada por meio da mediação, uma vez que é vantajosa a participação da comunidade na administração da justiça, além de ensejar mais celeridade e maior correspondência para com a realidade social da população. Além disso, traz mais credibilidade às instituições do judiciário estimulando a corresponsabilidade entre seus membros. Observemos novamente as palavras de Fernanda Tartuce:

A forma dialética da mediação tira o envolvimento no conflito da situação de inércia e afasta qualquer pretensão ao paternalismo do Estado, que passa a estimular que as partes busquem alcançar por si próprias a composição efetiva dos conflitos e colaborem para o alcance da paz social. (TARTUCE 2015, p. 223)

Assim, através da mediação, uma porta de transformação da população se abre fazendo com que ela se torne apta a se autorreger, a partir das técnicas de autoconhecimento, sendo perceptível o fato de que as pessoas se tornam mais emancipadas e detentoras de maior autonomia crítica a partir do diálogo. Reconhecer a importância da mediação, não faz com que seja ignorada a necessidade objetiva de normas do ordenamento jurídico. Assim, observa-se:

No nosso entendimento, a partir da experiência na prática da mediação, [...] ressaltamos a coexistência de dois eixos: um eixo relacionado à aplicação de

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17 uma regra jurídica para resolução do conflito, e outro sustentado no exercício da liberdade como forma de resistência aos processos saber-poder, pela invenção de novos modos de subjetivação. (ANDRADE, 2006, p. 10).

Diante do exposto, conclui-se que a mediação e os procedimentos de autocomposição enquanto forma eficaz na resolução de conflitos não retira do poder judiciário sua efetividade e não obsta ou anula sua função na resolução de conflitos.

Sendo assim, a mediação deve ser vista como fortalecedor do poder judiciário, pois consegue garantir a efetividade dos direitos humanos e humanização da justiça.

1.1.2 Os Princípios relacionados

Como a maioria dos institutos do direito, a mediação também há de ser pautada por princípios, a ser desenvolvido de forma ética e de forma a estimular que as pessoas resolvam seus conflitos da melhor maneira possível, ainda que por meio da autocomposição.

Nesses termos, o projeto de lei número 94 de 2002, que visa institucionalizar e disciplinar a mediação como forma de prevenção e solução consensual de conflitos, define os seguintes princípios:

Art. 14. No desempenho de suas funções, o mediador deverá proceder com imparcialidade, independência, aptidão, diligência e confidencialidade, salvo, no último caso, por expressa convenção das partes.

Já no ano de 2010, a Resolução Nº 125, veio dispor sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário, no seu Anexo III - Código de Ética de Conciliadores e Mediadores Judiciais:

Art. 1º - São princípios fundamentais que regem a atuação de conciliadores e mediadores judiciais: confidencialidade, decisão informada, competência, imparcialidade, independência e autonomia, respeito à ordem pública e às leis vigentes, empoderamento e validação.

Por fim, no ano de 2015, o Código de Processo Civil em vigor define que:

Art. 166. A conciliação e a mediação são informadas pelos princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada. Ainda nesta senda, como meio de solução de controvérsias, a Lei 13.140/15 discorre sobre a mediação entre particulares, determinando que:

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18 Art. 2o A mediação será orientada pelos seguintes princípios:

I - imparcialidade do mediador; II - isonomia entre as partes; III - oralidade;

IV - informalidade;

V - autonomia da vontade das partes; VI - busca do consenso;

VII - confidencialidade; VIII - boa-fé

Cumpre salientar a conceituação destes princípios.

O princípio da imparcialidade do mediador visa assegurar que a decisão venha ser tomada sem nenhum tipo de favoritismo e sem deixar que valores pessoais do mediador influenciem ou gerem alguma interferência.

O princípio da isonomia entre as partes tem por objetivo assegurar que estas detenham mesmas condições e mesmos direitos sem nenhuma interferência e distinções de ordem social, racial, de gênero ou econômica.

O princípio da oralidade, por sua vez, dispõe que as partes possuam direito de dialogar e debater quaisquer questões que julgarem necessárias relativas ao litígio, objetivando uma solução, vez que o principal instrumento da mediação é o diálogo/debate entre as partes.

O princípio da informalidade prevê que, em se tratando de mediação, os aspectos formais comuns à prática judiciária não devem possuir rigorosa aplicação, uma vez que se preza a clareza, simplicidade e coerência tanto da linguagem quanto dos atos.

No tocante ao princípio da autonomia da vontade, observa-se que cabe às partes, e somente a elas, a decisão da controvérsia que gerou a mediação, sendo que esta poderá ser encerrada a qualquer momento, livremente, sem nenhum tipo de influência ou imposição por parte de quem realiza a mediação.

Outro princípio é o da busca do consenso por meio do diálogo entre as partes, onde cumpre ao mediador explicar os fatos relacionados ao litígio e seu correlato legal objetivando, assim, uma solução que agrade todas as partes.

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19 O princípio da confidencialidade garante que o sigilo deve ser respeitado durante toda a mediação, a menos que exista expressa autorização do contrário, observando ainda as leis vigentes atinentes, bem como a ordem pública.

Por derradeiro, o princípio da boa fé, amplamente presente no Direito, dispõe que a postura dos envolvidos deve ser integra, ética, transparente e honesta, de modo que a clareza dos fatos colabore com a solução do caso.

1.1.3 O papel do mediador e os princípios a serem observados

Além das partes em litígio, o mediador é o terceiro elemento da mediação. Ele deve ser imparcial e neutro, conforme explana o artigo 149 do Código de Processo Civil, onde este agente é considerado como auxiliar da justiça. Tem como função o auxílio das partes em conflito, facilitando o diálogo e a comunicação e objetivando uma solução que visa, dentro do possível, o reestabelecimento do vínculo entre os envolvidos.

De acordo com a Lei 13.140/15, para que uma pessoa seja mediadora, deverá possuir a confiança das partes, além de ter capacitação para tanto, independente desta pessoa ser integrante de conselhos, entidades de classe ou associações, sem necessidade, também, de inscrever-se nos citados órgãos para que seja considerado mediador extrajudicial.3

Além disso, para exercer a função de mediador judicial faz-se necessário possuir graduação há dois anos, no mínimo, em curso de ensino superior de instituições reconhecidas pelo Ministério da Educação e que possuam, também, capacitação específica para mediadores, reconhecida pelos órgãos competentes.4

Isso posto, após o preenchimento dos requisitos supracitados o candidato a mediador terá que realizar inscrição junto ao cadastro dos tribunais, seja ele Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal, sendo estes responsáveis pelo registro destes profissionais ora

3 Lei 13.140/2015 Subceção II – Dos Mediadores Extrajudiciais

Art. 9 Poderá funcionar como mediador extrajudicial qualquer pessoa capaz que tenha a confiança das partes e seja capacitada para fazer mediação, independentemente de integrar qualquer tipo de conselho, entidade de classe ou associação, ou nele inscrever-se.

4Lei 13.140/15 Subseção III - Dos Mediadores Judiciais

Art. 11. Poderá atuar como mediador judicial a pessoa capaz, graduada há pelo menos dois anos em curso de ensino superior de instituição reconhecida pelo Ministério da Educação e que tenha obtido capacitação em escola ou instituição de formação de mediadores, reconhecida pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados - ENFAM ou pelos tribunais, observados os requisitos mínimos estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça em conjunto com o Ministério da Justiça.

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20 habilitados.

Após a realização do registro o nome do mediador integrará a lista da comarca, seção, ou subseção judiciária onde atuará.É possível, também, que o tribunal opte pela elaboração de um quadro próprio de mediadores e conciliadores através de concurso público.

No que se refere à remuneração dos mediadores, o CPC/2015 dispõe que o tribunal fixará a tabela remuneratória em consonância com as diretrizes estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça, a menos que seja caso de quadro próprio de mediadores.

Para o melhor desempenho do trabalho do mediador, faz-se imprescindível a observação dos princípios norteadores citados acima, os quais se encontram enumerados de forma exemplificativa no Manual de Mediação do CNJ.

1.1.4 As partes envolvidas e os benefícios da mediação

Conforme já foi mencionado, a mediação tem por objetivo a efetiva participação dos envolvidos na busca de soluções para o litígio, o que caracteriza a autocomposição, sendo responsáveis pelas suas decisões e, também, pela reestruturação dos laços afetivos.

Nos termos do Regulamento Modelo de Mediação da CONIMA (Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem), os litigantes deverão participar pessoalmente ou, não sendo possível, por meio de um representante com procuração, podendo ser acompanhados por técnicos, advogados ou pessoas que julgarem úteis ao processo5.

A partir do momento que restar bem sucedida a mediação, será produzido um acordo onde constará o comprometimento entre as partes litigantes, podendo ter força executiva caso seja escrita e homologada judicialmente, ou se for reduzido a termo constando a assinatura das partes e de testemunhas, configurando neste caso status de título judicial. O não cumprimento desses requisitos impedirá a execução judicial.6

5 CAPÍTULOII- REPRESENTAÇÃO E ASSESSORAMENTO

Art. 4º – As partes deverão participar do Processo pessoalmente. Na impossibilidade comprovada de fazê-lo,

podem se fazer representar por uma outra pessoa com procuração que outorgue poderes de decisão.

As partes podem se fazer acompanhar por advogados e outros assessores técnicos e por pessoas de sua confiança ou escolha, desde que estas presenças sejam convencionadas entre as partes e consideradas pelo Mediador úteis e pertinentes ao necessário equilíbrio do processo.

6 CPC - Art. 515. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos previstos

(22)

21 São diversos benefícios para quem realiza a mediação, sendo que o empoderamento apresenta-se como um dos principais. “Em inglês empowerment significa a busca pela restauração do senso de valor e poder da parte para que esta esteja apta a melhor dirimir futuros conflitos.” MANUAL DE MEDIAÇÃO CNJ, 2016. Isso representa futuramente, uma maior capacitação e autoestima para solucionar os problemas vindouros.

Além do empoderamento, outro importante benefício possibilitado é o diálogo, onde as partes conseguem visualizar aspectos diferentes dos próprios, através do mediador, além da já mencionada celeridade e menor custo frente ao judiciário.

O manual de mediação do Conselho Nacional de Justiça apresenta diretrizes importantes. Senão, vejamos:

[...] a experiência, aliada a pesquisas metodologicamente adequadas, tem demonstrado que o que torna um procedimento efetivo depende das necessidades das partes em conflito, dos valores sociais ligados às questões em debate e, principalmente, da qualidade dos programas.Uma recente pesquisa constatou que não houve vantagens significativas para a mediação quando comparada ao processo heterocompositivo judicial e concluiu que esses resultados insatisfatórios decorreram de programas que não foram adequadamente desenvolvidos para atender os objetivos específicos que os usuários de tal processo buscavam.” (MANUAL DE MEDIAÇÃO CNJ, 2016, p.149)

Desta feita, uma mediação bem sucedida requer técnicas adequadas e domínio técnico do mediador, além de abordagens oportunas e efetiva participação das partes litigantes de modo a garantir a efetividade procedimental necessária para que os fins sejam alcançados

(23)

22

CAPÍTULO II - FAMÍLIA: SEU NOVO CONCEITO E NOVOS CONTORNOS

2.1 Conceito de família: A mudança a partir das transformações sociais

A percepção do que é considerada uma família sofreu diversas modificações na medida em que a sociedade avançou. Muitos doutrinadores brasileiros expõem diferentes entendimentos acerca dessa temática, como Maria Berenice Dias (2011, p.27) que vem definir o conceito de família como sendo uma “Construção cultural”, uma vez que, segundo ela o conceito “[...] dispõe de estruturação psíquica na qual todos ocupam um lugar, possuem uma função, tendo o lugar de pai, lugar de mãe, lugar de filho, sem, entretanto, estarem necessariamente ligados biologicamente”.

Já outra renomada doutrinadora, Maria Helena Diniz (2010), dispõe sobre três acepções de família: No sentido amplíssimo, lato e no sentido restrito. Por sentido amplíssimo entende-se família como o núcleo abrangido por todos os indivíduos que estão ligados por laços de consanguinidade ou da afinidade. Já a concepção lato, refere-se aos cônjuges ou companheiros, bem como seus filhos, além dos parentes em linha reta ou em linha colateral, e os afins. Pela percepção restrita, tem-se a família conforme explana a Constituição Federal, mais especificamente o art. 226, e seus parágrafos 1ágrafos 1º e 2º, onde a percepção de família é entendida como a união pelo laço do matrimônio e pelo laço da filiação, sendo assim, exclusivamente, o casal e a prole (DINIZ, 2011).

Carlos Roberto Gonçalves, por sua vez, apresenta um sentido lato sensu e abrange: “[...] todas as pessoas ligadas por vínculo de sangue e que procedem, portanto, de um tronco ancestral comum, bem como unidas pela afinidade e pela adoção. Compreendem os cônjuges e companheiros, os parentes e os afins.” (GONÇALVES, 2011).

Outrossim, nas palavras de Paulo Nader (2006, p. 3):

[...] a família consiste em uma instituição social, composta por mais de uma pessoa física, que se irmanam no propósito de desenvolver, entre si, a solidariedade nos planos assistencial e da convivência ou simplesmente descendem uma da outra ou de um tronco comum.

Muito embora os autores mencionados acima definam o instituto da família de modo peculiar, pode-se perceber uma certa convergência à medida que a família é vista como a formação por pessoas conectadas por meio de um vínculo que não é necessariamente o

(24)

23 vínculo biológico.

Em paralelo, nos termos da explicação de Vianna et al. (1999, p.15), pode-se considerar que vivemos um período da chamada “judicialização das relações familiares”, estando firmada sob o avanço de uma regulamentação das relações no seio familiar, através de uma “[...] regulação da sociabilidade e das práticas sociais, inclusive daquelas tidas, tradicionalmente, como de natureza estritamente privada e, portanto, impermeáveis ao Estado.”.

O problema relatado acima é preocupante por consubstanciar-se em uma forma inadequada de se lidar com angústias internas e conflitos. Desse modo, acaba-se colocando a judicialização processual como o fenômeno ideológico onde se busca, de certa forma, a segurança que não é mais encontrada no núcleo familiar. Noutras palavras, ocorre a chamada psicanalização do direito, como sendo uma inflação do lugar propício às subjetividades e aos próprios afetos. Conforme entendimento de Goeninga e Simão (2016, [s. p.]), isto gera “[...] um Poder Judiciário afogado em demandas em que se buscam resultados objetivos para conflitos que pertencem mais à ordem da subjetividade”. Assim sendo, pode-se perceber que o judiciário encontra-se com excessivo número de conflitos não solucionáveis por se tratar, muitas vezes, de questões amplamente subjetivas.

A família, no Brasil, é respaldada por dispositivos da Constituição Federal de 1988 (CRFB/88), bem como pela Lei do Código Civil do ano de 2002, onde são encontrados diferentes tipos de abordagens (BRASIL, 1988, 2002).

Ainda em relação à CRFB/88, vale a pena observar que ela inovou ao reconhecer como sendo entidade familiar a união estável entre homem e mulher, na medida em que iguala o homem e a mulher na sociedade conjugal, inovando também ao coibir quaisquer tipos de distinções de direitos, de tratamento ou de qualificação entre os filhos nascidos na constância do casamento e os fora dele, bem como aqueles adotados. (WALD, 2002, p. 24-25).

Ainda neste prisma, cumpre trazer à baila os ensinamentos de Humberto Theodoro Júnior in verbis:

(25)

24 tutela da família. Não aboliu o casamento como forma ideal de regulamentação, mas também não marginalizou a família natural como realidade social digna de tutela jurídica. Assim, a família que realiza a função de célula provém do casamento, como a que resulta da “união estável entre o homem e a mulher” (art. 226, §3º), assim como a que se estabelece entre “qualquer dos pais e seus descendentes”, pouco importando a existência, ou não, de casamento entre os genitores (art. 226, §4º). (1987 apud GOMES, 1998, p. 34).

A nossa Carta Magna significou um grande avanço em institutos que antes eram respaldados tão somente pelo estatuto da mulher casada e pela Lei do Divórcio, tendo ainda acolhido várias transformações sociais familiares do país, de modo a reconhecer a igualdade dos cônjuges, bem como dos filhos, classificando, assim, a família como “a base da sociedade” (BRASIL, 1988).

Vejamos o conceito elucidado por Conrado Paulino Rosa (2012, p. 34):

O conceito de família, até então extremamente taxativo, passou a apresentar um conceito plural. As mudanças foram tão paradigmáticas que, tal como um divisor de águas, podemos dividir o Direito de Família em antes e depois do Advento da Constituição Federal.

Ante o exposto, é perceptível que para a compreensão da estrutura familiar, é imprescindível o entendimento de nossa sociedade, seus conceitos, sua evolução, além de conjugar, de modo interdisciplinar, a família, com outras áreas, incluindo, por óbvio o Direito.

Após diversas modificações culturais e comportamentais ao longo dos anos, faz-se necessário redefinir alguns conceitos antes tidos como corretos. Vejamos:

É certo e incontroverso, nesse passo, que a família caracteriza uma realidade presente, antecedendo, sucedendo e transcendendo o fenômeno exclusivamente biológico (compreensão setorial), para buscar uma dimensão mais ampla, fundada na busca da realização pessoal de seus membros. Funda-se, portanto, a família pós-moderna em sua feição jurídica e sociológica, no afeto, na ética, na solidariedade recíproca entre

os seus membros e na preservação da dignidade deles. Esses são os

referenciais da família contemporânea. (FARIAS, 2015, p. 06)

É importante perceber que, muito embora diversas evoluções tenham ocorrido no âmbito do direito de família, o afeto é e sempre será responsável pela mantença dos laços. Nota-se que a percepção do Direito de Família Contemporâneo é resultado de um amplo processo de transformação dentro do direito civil onde a proteção central agora é a pessoa e não mais o patrimônio a partir da incorporação de valores fundamentais ao texto

(26)

25 constitucional. (LENZA, 2009, p. 19).

Essa transformação possibilitou uma forte interação entre a lei civil e a norma constitucional, permitindo uma maior incidência dos direitos e garantias fundamentais nas relações entre particulares. Esta interdisciplinaridade pode ser observada sob a ótica unitária do ordenamento jurídico brasileiro encontrando fortes raízes na obra de Perlingieri, que sustenta a ideia da Constituição como fundadora da ordem jurídica. (TARTUCE, 2011, p. 52).

Dessa forma, nota-se que a Constituição Federal de 1988 incorporou disciplinas que antes somente constavam em leis infraconstitucionais proporcionando maior cuidado a valores civis, como o valor familiar. Assim, a CRFB/88 ao adotar uma nova ordem de valores privilegiou a dignidade da pessoa humana, expandindo outros horizontes ao direito de família, uma verdadeira revolução. (GONÇALVES, 2011, p. 33).

Diante do exposto, constata-se que a transformação social acaba por transformar o direito. Deste modo, nota-se que a família, tida como núcleo fundamental e porta de inserção do homem na sociedade modificou-se profundamente ao observarmos seu antigo conceito. É visível que esta evolução ocorreu em decorrência do afeto e da solidariedade como norteador do comportamento social do homem. (RODRIGUES, 2009).

Nas palavras da ilustre jurista Maria Berenice Dias (2016, p.228) “A família adquiriu função instrumental para a melhor realização dos interesses afetivos e existenciais de seus componentes” podendo ser de várias formas.

Conforme considerações do Conselho Nacional de Justiça, diferentes tipos de família devem ser considerados. Nas palavras de Caniço et al. (2010): a família díade é aquela composta exclusivamente pelo casal, sem existência de descendentes, excluindo-se, também, os filhos de relacionamentos anteriores; a família simples ou nuclear, que é aquela formada por pai, mãe e filhos; a família extensa ou alargada, que apresenta-se como aquela que inclui três ou quatro gerações, sendo ou não consanguíneas; existe também a chamada família recomposta, reconstituída, binuclear, combinada ou recombinada, que vem a ser a família reconstituída após a dissolução da conjugalidade ou divórcio; já a família monoparental é aquela gerida, exclusivamente, pelo pai ou pela mãe e sua prole; a chamada família de coabitação é aquela em que existe convivência de pessoas de quaisquer sexo dentro do mesmo lar sem possuírem laços conjugais ou familiares; a família grávida, que

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26 basta a existência da gravidez; a família homoafetiva, reconhecida após anos de luta, composta por sujeitos do mesmo sexo; a chamada família com dependente que se baseia na dependência de algum elemento aos cuidados de outro elemento; e, por derradeiro, a família múltipla, que é aquela em que uma pessoa pertence a duas ou mais núcleos familiares distintos no mesmo tempo, com pessoas distintas, podendo, inclusive, possuir descendentes em ambas famílias.

De modo geral, conceitua-se como sendo família contemporânea a chamada eudemonista, onde o vínculo compositor dos laços é o afeto, objetivando a procura pela felicidade pessoal, a partir de um convívio e da emancipação dos membros que formam tal núcleo. Nesse sentido convém colecionar o que se segue:

É o que se convencionou chamar de família eudemonista, caracterizada pela busca da felicidade pessoal e solidária de cada um de seus membros. Trata- se de um novo modelo familiar, enfatizando a absorção do deslocamento do eixo fundamental do Direito das Famílias da instituição para a proteção especial da pessoa humana e de sua realização existencial dentro da sociedade. (FARIAS, 2015, p.12).

Assim, a percepção da família como uma instituição nos moldes da igreja e de pensadores como Max Weber, dá lugar a uma concepção transformadora onde os integrantes transformam-se em sujeitos de direito haja vista o novo desenho social.

2.2 Princípios norteadores do direito de família

Conforme explanado anteriormente, a percepção de família passou por diversas reestruturações ao longo dos anos. Ao debruçar-se sobre o Código Civil de 1916, observa-se que a estruturação da família observa-se dava em função do casamento. Nesobserva-se período, o Direito de Família subdividia-se em direito matrimonial, onde as questões referentes ao casamento eram tratadas, direito parental, onde continham disposições acerca dos parentes e seus vários graus, e o assistencial, que se referia ao chamado poder pátrio. Assim, nota-se que o Direito de família apresentava-se como:

[...] complexo de normas e princípios que regulam a celebração do casamento, sua validade e os efeitos que dele resultam, as relações pessoais e econômicas da sociedade conjugal, a dissolução desta, as relações entre pais e filhos, o vínculo de parentesco e os institutos complementares da tutela, curatela e da ausência. (BEVILÁQUA, in FARIAS, 2015, p.13)

(28)

27 Contudo, com o passar dos anos, fruto de diversas modificações sociais, passou a ser entendido como:

[...] conjunto de normas-princípios e normas-regras jurídicas que regulam as relações decorrentes do vínculo afetivo, mesmo sem casamento, tendentes à promoção da personalidade humana, através de efeitos pessoais, patrimoniais e assistenciais. (FARIAS, 2015, p.13)

As normas disciplinadoras do direito de família têm abrangência de nível pessoal, bem como patrimonial e social, uma vez que discorre sobre o direito matrimonial, convivencial, além do parental e assistencial, nos termos dos ensinamentos de (FARIAS, 2015, p.14).

Essas normas que garantem os direitos norteadores de família são amparadas por fundamentos jurídico-constitucionais aptos a defini-los e ampara-los. Nesse sentido, percebe-se o quão juntos caminham a sociedade e o direito, de modo a harmonizar, e possibilitar plena igualdade entre os sujeitos, de modo a tolher desigualdades entre homens e mulheres, bem como banir qualquer tipo de diferenciação entre os filhos.

Nesse sentido, cumpre salientar que a tutela da família é abarcada por diversos princípios, sendo tratada de modo diferente a julgar pelo autor, não sendo possível se chegar a um consenso dentro da própria doutrina de um número exato de princípios, até mesmo pelo fato da existência de diversos princípios constitucionais implícitos e explícitos que circundam o tema.

Conforme explana Dias (2011), tanto a doutrina quanto a jurisprudência vem reconhecendo diversos princípios constitucionais implícitos, sendo mister salientar que não existe hierarquia entre os princípios constitucionais implícitos e os explícitos. De fato não é fácil a tarefa de enumerar ou nominar todos os princípios que norteiam o direito de família, isso porque alguns não estão propriamente escritos na letra da lei, possuindo, contudo, fundamentação ética emanada da própria necessidade de vida e convívio social.

Assim sendo, ao considerarmos o entendimento oriundo da CRFB/88 de proteção ao ser humano, superior à proteção dos bens, bem como da plena igualdade entre as pessoas, podemos definir como maior importância o princípio da Dignidade da Pessoa humana, o princípio da liberdade, princípio da igualdade, princípio da afetividade, além de Solidariedade familiar e princípio do pluralismo das entidades familiares.

(29)

28 Passemos ao entendimento destes princípios:

Em relação ao princípio da dignidade da pessoa humana, cumpre informar o entendimento de Rodrigo da Cunha Pereira, onde seu aspecto de imprescindibilidade é muito bem observado:

Na organização jurídica contemporânea da família não é mais possível prescindir de normas que não estejam assentadas ou não levem em consideração a dignidade da pessoa humana. Embora esta noção tenha se tornado princípio expresso somente com a Constituição da República de 1988, a sua conceituação já havia sido dada no século XVIII por Kant e é ela que nos dá ainda o suporte para sua compreensão mais profunda. A dignidade é também um princípio ético que paira, norteia e pressupõe vários outros princípios, já que não é possível pensar em ser humano sem dignidade. (2004, p. 67).

A CRFB/88, no seio do seu art. 1º, inciso III, evidencia o principio da dignidade da pessoa humana com basilar à formação social e política do Brasil, bem como das relações familiares. Ainda nessa seara, o art. 222, § 7º, explana sua importância, como se vê in

verbis:

Art.226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...]

§7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre definição do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte das instituições oficiais e privadas [...]. (BRASIL, 1988).

Ainda em sede Constitucional, o art. 227 apresenta os deveres familiares, restando claro diversos direitos bem como deveres, inclusive o direito da dignidade, conforme se pode observar:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988).

Quando se fala em direito de família, não estamos falando unicamente em direitos que o Estado tem por obrigação cumprir, mas, sim, toda a sociedade bem como todos os membros do núcleo familiar. Como fora observado, a dignidade humana serve de base para

(30)

29 todos os demais princípios existentes, uma vez que se preocupa com os valores de justiça social e os direitos humanos de modo geral, de modo a permitir o desenvolvimento social, além da esfera pessoal.

No que diz respeito ao princípio da liberdade deve-se observar que sua análise há de ser feita consonantemente com o princípio da igualdade, vez que a liberdade necessita de tratamento isonômico dentro da família, o que acaba por redimensionar a conceituação moderna de família. Isso se deve ao fato de que, em respeito ao princípio da liberdade é garantido o direito de se construir uma relação saudável, estável, bem como casar e separar, ou seja, o direito de buscar a melhor maneira de se alcançar uma união que respeita as afetividades. De maneira acertada, Dias (2011) diz que “[...] em face do primado da liberdade, é assegurado o direito de constituir uma relação conjugal, uma união estável hétero ou homossexual”.

Ao se falar em princípio da liberdade nota-se que diversos dispositivos legais o compõe, sendo que o disposto no Código Civil vigente em seu art. 1.513 apresenta-se como principal, ao afirmar ser defeso a qualquer pessoa, seja de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida que fora instituída pela família (BRASIL, 2002). Disso, depreende-se o fato de ser livre a decisão do casal em planejar sua família sendo que o Estado deve resguardar e assegurar a assistência à família, de modo a resguardar cada um de seus integrantes, criando, assim, meios hábeis a inibir a violência dentro destas relações7.

Já no que se refere ao princípio da igualdade em seara familiar, a observação da proporcionalidade se faz essencial ao se analisar o vínculo entre os membros, devendo inexistir qualquer tipo de privilégio de um em detrimento do outro indivíduo. Nas palavras de Pereira (2011, p. 105), isso acontece, in verbis:

A partir do momento em que a mulher se coloca na relação amorosa e conjugal como sujeito e não mais na condição de assujeitada, isto repercute no ordenamento jurídico com a quebra do princípio da indissolubilidade do casamento e exige um novo contrato social-conjugal e um eterno renovar dos pactos amorosos, implícitos ou explícitos. Os casamentos, como quaisquer outras relações conjugais, só se manterão por uma contínua renovação da parceria, já que agora o pacto amoroso pressupõe condições de igualdade e não mais de subordinação como era até há pouco tempo.

7 “Art. 227, § 8º. A lei estabelecerá: I - o estatuto da juventude, destinado a regular os direitos dos jovens; II -

o plano nacional de juventude, de duração decenal, visando à articulação das várias esferas do poder público para a execução de políticas públicas.” (BRASIL, 1988).

(31)

30 Podemos observar na CRFB/88 um, bom exemplo do princípio da igualdade concernente ao Direito de Família, qual seja a igualdade de deveres e direitos a ser observada por ambos os cônjuges, de modo a caminharem conjuntamente em direção à sociedade conjugal de modo a colaborarem mutuamente (BRASIL, 1988)8. Tal situação

evidencia a necessária quebra do modelo patriarcal arcaico, onde o homem era tido como provedor e diretor da sua prole, dando espaço, neste momento, para um modelo decisório de comum acordo.

Conforme coleciona Pereira (2004), a guarda compartilhada pode ser observada como uma consequência do princípio em comento, vez que neste instituto os filhos não têm que se separar de seus pais quando finda a sociedade conjugal, já que o que se finda é tão somente a sociedade conjugal, não se estendendo tal fim à sociedade parental. Assim, os pais continuarão participando das decisões, rotina e cotidiano que digam respeito aos filhos.

Além disso, o princípio fora consagrado quando a Carta Magna no seio do seu art. 227, § 7º, coíbe a distinção entre filhos de diferentes casamentos ou frutos de adoção.

Em relação ao princípio da afetividade deve-se pontuar, de antemão, que ainda que o termo afeto não encontre propriamente assento dentro do texto constitucional não há dúvidas quanto a sua importância dentro das relações familiares. Desse modo, Gagliano e Pamplona Filho (2012, p. 89) elucidam o fato de que “todo o moderno Direito de Família gira em torno do princípio da afetividade”.

Nos ensinamentos de Lucas Abreu Barroso, o princípio da afetividade “logrou primazia sobre os aspectos de caráter patrimonial e biológico que envolviam o modelo anterior de família, redefinindo os contornos de diversos dos seus institutos jurídicos” (BARROSO, 2010). Podemos citar a título exemplificativo a adoção e também a paternidade.

Sobre o termo afeto, vejamos:

O termo affectiosocietatis, muito utilizado no direito empresarial, também pode ser utilizado no direito das famílias, como forma de expor a ideia da

8 “Art. 226, § 5º. Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo

(32)

31 afeição entre duas pessoas para formar uma nova sociedade: a família. O afeto não é somente um laço que envolve os integrantes de uma família. Também tem um viés externo, entre as famílias, pondo humanidade em cada família. (DIAS, 2016, p. 84)

Ainda nessa senda, como bem explica Rodrigo da Cunha Pereira (2004, p. 119), o afeto se perfaz num elo existente nas diversas relações familiares, tendo de ser reconhecida pelo Estado:

Diante da hermenêutica do texto constitucional e, sobretudo, da aplicação do princípio da pluralidade das formas de família, sem o qual estar-se-ia dando um lugar de indignidade aos sujeitos da relação que se pretende seja família, tornou-se imperioso o tratamento tutelar a todo grupamento que, pelo elo do afeto, apresente-se como família, já que ela não é um fato da natureza, mas da cultura, repita-se. Por tratamento tutelar entenda-se o reconhecimento pelo Estado de que tais grupamentos não são ilegítimos e, portanto, não estarão excluídos do laço social.

Se um dia a entidade familiar fora calcada numa relação de domínio e poderio dos pais para com os filhos, hoje, é possível se afirmar que o afeto apresenta-se como núcleo do âmbito familiar (TARTUCE, 2015, p. 324). Isso porque várias alterações sociais caminharam no sentido de conceber os relacionamentos do ponto de vista afetivo, mesmo que ainda exista, de certa forma, uma grande tensão entre afeto e poder, e é justamente por isso a necessidade do ordenamento jurídico dispensar a tensão especial a tais valores subjetivos e completos. (HIRONAKA, 2003).

Diante disto, nota-se que o supracitado princípio além de estar intimamente ligado à pluralidade das formas de família está também fortemente relacionado à dignidade da pessoa humana, uma vez que grande parte da doutrina entende a afetividade como capaz de diminuir a hierarquia familiar e estabelecer diferenciadas características a essas relações. Além disso, existe um forte elo com o princípio da liberdade, a exemplo do reconhecimento das relações homoafetivas.

Salienta-se que tal princípio também não se encontra explicitado na Constituição Brasileira, muito embora seja imprescindível muito mais a prática cotidiana do que a própria teoria, uma vez que se presta muito mais à atenção dada a cada caso concreto, perpassando diferentes constituições familiares. Nesse sentido, Paulo Lôbo (2012, p. 22) enuncia:

A família, ao converter-se em espaço de realização da afetividade humana, marca o deslocamento da função econômica-política- religiosa-procracional para essa nova função. Essas linhas de tendências

(33)

32 enquadram-se no fenômeno jurídico-social denominado repersonalização das relações civis, que valoriza o interesse da pessoa humana mais do que suas relações patrimoniais. É a recusa da coisificação ou reificação da pessoa, para ressaltar sua dignidade. A família é o espaço por excelência da repersonalização do direito.

Acerca do princípio da solidariedade é mister perceber sua íntima ligação com o princípio da dignidade da pessoa humana e com o princípio da afetividade, estando reconhecido na Constituição Brasileira vigente, no art. 3º, inc. I9, dentro da ideia da busca e

construção de uma sociedade livre, justa e solidária (BRASIL, 1988). De tal sorte, este princípio repercute bastante na relação familiar de modo a possibilitar uma reconstrução desta base por meio democrático e corresponsável. Vejamos os ensinamentos a seguir:

A solidariedade, como categoria ética e moral que se projetou para o mundo jurídico, significa um vínculo de sentimento racionalmente guiado, limitado e autodeterminado que compele à oferta de ajuda, apoiando-se em uma mínima similitude de certos interesses e objetivos, de forma a manter a diferença entre os parceiros na solidariedade. (LÔBO, 2011, p. 62)

O interesse do Estado na efetividade do princípio da solidariedade deve ser observado, isso porque a partir do momento que a família se auxilia mutuamente, a responsabilidade do Estado acaba por se tornar subsidiária.

No que diz respeito ao princípio do pluralismo das entidades familiares, cumpre mencionar que a CRFB/88 traz, explicitamente, o casamento, união estável e família monoparental como formas de construção da entidade familiar. Contudo, implicitamente pode-se observar a existência de entidades familiares outras.10

Sendo assim, podemos entender a abrangência do conceito de família como aqueles cujas formas estão elencadas no art. 226 da CRFB/88 bem como aquelas que são fundadas no afeto, o que evidencia a existência de outros arranjos familiares já consolidados em jurisprudências. (BRASIL, 1988).

Diante de todo o exposto, perpassada a análise dos princípios constitucionais do Direito de Família não restam dúvidas quanto a influência da Constituição Federal

9 Art. 3º, inc. I. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária.” (BRASIL, 1988).

10 Em 2011, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgarem a Ação Direta de

Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, reconheceram, pela primeira vez, a união estável para casais do mesmo sexo

(34)

33 Brasileira nas relações familiares, quer seja sob o prospecto social, quer seja sob o prospecto jurídico, colaborando cada vez mais com a pluralidade e abandonando, ainda que em passos curtos, as influências do patriarcado.

2.3 Conflitos familiares

Como já mencionado e sabido por todos, o conflito é algo inerente ao ser humano em seu convívio em sociedade e até mesmo no seu núcleo familiar. A família, uma entidade com base no afeto e composta por diferentes subjetividades, não fica de fora de situações conflituosas.

Assim, podemos observar os conflitos sob a ótica subjetiva, quando se dão em esfera intrapessoal ou em esfera intersubjetiva ocorrendo em esfera interpessoal. Conforme preconiza Vasconcelos (2008, p. 20) os conflitos interpessoais volvem valores, interesses, além de sentimentos, sendo compostos por três elementos, quais sejam: relação interpessoal, o problema objetivo e, trama ou processo. Ao se falar desta relação pressupõe-se a existência de duas pessoas dentro de um relacionamento; já o problema objetivo pressupõe-se refere à razão concreta do conflito, ou seja, qual foi o motivo gerador deste conflito; por trama ou processo entende-se o percurso, bem como a maneira que aconteceu, onde, porque e as consequências disso, além de todas as situações oriundas do dissenso entre as partes.

Este mesmo autor, citado anteriormente, divide o conflito sob quatro vertentes, a saber: conflito de valores, que são os referentes a preceitos morais; conflito de informação, aquele em que há uma falha na informação; os conflitos estruturais, que são aqueles em que a base conflituosa compreende razões de cunho político e econômico; e, por último, os conflitos de interesse que, de modo geral, versam acerca de bens e de interesses comuns.

Muita instabilidade e disputa familiar foram ocasionadas por um constante processo de transformação do conceito de família, bem como dos papéis ora preestabelecidos. Neste ínterim, as mulheres conquistaram igualdade e direitos. Dentre muita coisa a ser mudada, a cobrança da manutenção de vínculo familiar que recai sobre a mulher é uma delas. Assim, podemos perceber o quanto as mudanças repercutem nos conflitos. Senão vejamos:

Numa família, entretanto, solidariedade e conflitos coexistem. Toda a família funciona como uma unidade social contraditória em que os recursos, os direitos, as obrigações e os interesses competitivos se fundem. Além dos conflitos por divergência de opiniões, de ideias, de crenças ou de poder, ocorrem os conflitos decorrentes da disputa pelos afetos. Sua

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