Os risos na espiral: percursos literários hilstianos
Texto
(2) Joelma R odrigues da Silva . O S RISO S N A ES P IR AL : PERCURSO S LI T ERÁRI O S HI LST I AN O S . T e se a pre se nta da a o curso de Pós G ra dua çã o e m Le tra s da UF PE, como pa rte dos re quisitos pa ra obte nçã o do gra u de doutora e m Le tra s. Áre a de Conce ntra ção: T e oria Literá ria. O rie nta dor: Prof. Dr. Louriva l Hola nda . . Re cife 2009.
(3) Silva, Joelma Rodrigues da Os risos na espiral: percursos literários hilstianos / Joelma Rodrigues da Silva. Recife : O Autor, 2009. 218 folhas Tese (doutorado) Universidade Federal de Pernambuco. CAC. Teoria da Literatura, 2009. Inclui bibliografia. 1. Literatura brasileira. 2. Poesia brasileira. 3. Riso. l. Hilst, Hilda Crítica e interpretação. II.TÍtulo. 869.0(81) CDU(2.ed.) B869 CDD(20.ed.) . UFPE CAC200918.
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(6) À mi nha i nt ui ç ã o ..
(7) AG R AD EC IM ENT O S . Agra de ço a toda s à s a miga s, a migos, cole ga s, profe ssora s e profe ssore s, funcionária s e funcioná rios que , dire ta ou indire ta me nte , e stive ra m pre se nte s e torna ra m e ste e studo possí vel. De modo e spe cial sou agra de cida à Hilda Hilst por tudo o que a pre ndi e de sa pre ndi – e nsina me ntos ta ntos que só o fim de um ciclo pode re spe ita r. À Glí cia , Sofia , Rosâ ngela , Joélia , Rita , I ná cia e “Cria nça s”: um corte jo fe minino í mpa r que me e nsina a a ma r. À CAPES, por te r a cre ditado e fina ncia do minha pe squisa – de sde o me stra do: com a bolsa de estudos a pre ndi a disciplinar me e a cre dita r no tra balho. À ba nca e xa mina dora , pela le itura e te mpo de dica dos. Às profe ssora s Erme linda Fe rre ira , Virgí nia Le al e Luzilá G onçalve s: pelo ca rinho, compe tê ncia e compa nhe irismo. À Ana Ce cí lia , pelo cuidado, disponibilida de e a bstra ct. Ao . prof. . Lourival . Hola nda , pelas ma nhã s e ta rde s . a gra dá ve is e m se u universo particular de le tra s e silê ncios. Ao Re cife : minha cida de a brigo. Ao ma r: me u doce a migo!.
(8) RESU MO . Este tra balho te m como obje tivo re fle tir e discutir sobre a pre se nça do Riso, e nqua nto ca tegoria te órico lite rária , na obra da e scritora pa ulista Hilda Hilst. T oma da na simbologia de uma e spiral que e stá infinita me nte e m movime nto, a ca te goria multifa ce ta da do Riso tra nsforma se no plural provoca nte dos risos que pa sse ia m, re pre se nta tivame nte , por trê s te xtos de Hilda Hilst: O Caderno Rosa de Lori Lamby (1 9 9 0 ) , Contos . d’escárnio/textos grotescos ( 1 99 0 ) e Bufólicas ( 1 9 9 2 ) . Atra vé s de uma e sca la a sce nde nte que vai do riso ra cional e ingênuo dos se te ce ntista s, pa ssa pe lo riso á rido e cá ustico dos roma nos, a té che ga r a o riso á pice e burle sco que gargalha a o modo de Ra be la is, procura se de monstra r, ne ste e studo, que os risos compõe m uma pa rte funda me nta l na litera tura hilstia na . . PALAVR AS CHAVE: Risos, Lite ra tura , Filosofia , Pra z e r, Corpo, Liberda de ..
(9) AB ST RACT . T he purpose of the pre se nt disserta tion is to re fle ct upon, a nd discuss, the pre se nce of La ughte r a s a the ore tical a nd lite ra ry ca te gory in the work of the Bra zilia n write r, Hilda Hilst. Unde rstood within the symbolism of a constantly moving spiral, the multi fa cete d ca te gory of La ughte r tra nsforms itse lf into the provoca tive varie ty of la ughte rs which symbolically pa rade three of Hilst’s te xts: O Caderno Rosa de Lori Lamby (1 9 9 0 ), Contos . d’escárnio /textos grotescos ( 1 9 90 ) a nd Bufólicas ( 1 9 9 2 ) . T hrough a n a sce nding scale , which ra nge s from the ra tional a nd na ï ve la ughte r of the 1 8 th ce ntury a nd the arid a nd ca ustic la ughte r of the Roma ns, to the clima ctic a nd burle sque Ra be la isia n la ughter, we se e k to de monstra te in this study tha t the La ughter, in its ma ny ma nife stations, pla ys a funda me nta l role in Hilst’s lite rary work. . KEYW O RDS: La ughter, Lite ra ture , Philosophy, Ple a sure , Body, F re e dom.
(10) RESUMEN . Este tra ba jo tie ne como obje tivo re fle xionar y de ba tir la pre se ncia de la risa mie ntra s una ca te goría te órica lite ra ria , e l tra ba jo del e scritora . bra sile ña . Hilda Hilst. T e nie ndo el . simbolismo de una e spiral que e s infinita me nte e n movimie nto, la ca te goría de múltiple s fa ce ta s de la risa se convie rte e n plural, de provoca r la risa a hora , re pre se nta do por tre s te xtos de Hilda Hilst: . O caderno rosa de . Lori Lamby . (1 9 9 0) , . Contos . d’escárnio/textos grotescos ( 1 9 9 0) e Bufólicas ( 1 9 9 2 ) . Utiliza ndo una e scala que va ha sta la risa de inge nuo del siglo XVI I I , a tra vé s de la risa e n se co y cá ustico de los roma nos, ha sta el vé rtice y la risa alto el risible del modo de Rabelais, que e n e ste e studio de mue stra n que compone n la risa pa rte funda me nta l e n la lite ratura hilstia na . . . . PALABR AS CLAV E: Risa , Litera tura, Filosofí a , pla ce r, cue rpo, liberta d..
(11) SUMÁRIO . 1 . INT RO DUÇÃO . p. 1 0 . 2 . CAP ÍT UL O 1 : O riso de Lori . p. 1 5 . 2 . 1 – A lite ra tura libe rtina . p. 2 7 . 2 . 2 – Riso e é tica dos pra zere s . p. 4 1 . 2 . 2 . 1 – Cade rno rosa : muda nça de tom . p. 5 3 . 2 . 3 – Riso e inge nuida de . p. 5 7 . 3 . CAP ÍT UL O 2 : O s contos do riso . p. 7 6 . 3 . 1 – A rusticida de roma na . p. 8 3 . 3 . 2 – O riso e a sá tira . p. 1 0 6 . 3 . 3 – O riso e o grote sco . p. 1 1 5 . 3 . 3 . 1 – Repre se nta çã o e disfa rce . p. 1 1 9 . 3 . 3 . 2 – Crí tica à arte . p. 1 2 5 . 3 . 3 . 3 – Orgia smo . p. 1 2 9 . 4 . CAP ÍT UL O 3 : Rindo da s F a da s . p. 1 3 5 . 4 . 1 – A história do conto de fa da s . p. 1 4 6 . 4 . 2 – O riso pa rodí stico de Bufólicas . p. 1 5 8 . 4 . 2 . 1 – O reizinho ga y . p. 1 6 6 . 4 . 2 . 2 – A ra inha care ca . p. 1 7 2 . 4 . 2 . 3 – Drida , a ma ga pe rversa . p. 1 7 6 . 4 . 2 . 4 – A chapé u . p. 1 8 4 . 4 . 2 . 5 – O a nã o triste . p. 1 8 9 . 4 . 2 . 6 – A ca ntora grita nte . p. 1 9 2 . 4 . 2 . 7 – Filó, a fa dinha lé sbica . p. 1 9 6 . 4 . 3 – Última s conside ra çõe s . p. 2 0 2 . 5 . CO NCL USÃO . p. 2 0 5 . 6 . REF ERÊNCI AS B IBL IO G R ÁF IC AS . p. 2 1 0 . 7 . ANEXO S . p. 2 1 9.
(12) 10 . 1 . INT RO DUÇÃO . “A e spira l nã o te m come ço ne m fim”, diz O sma n Lins no livro . Avalovara. Sí mbolo cósmico do movime nto, a e spiral é a ima ge m do Riso na obra de Hilda Hilst; ou me lhor, dos risos que circula m toda a órbita de sua e scritura , se m pa ra r, se m ce ssa r, ine xtinguí vel. Da ficçã o a o tea tro, pa ssa ndo pela “alta dicçã o” de sua poe sia , há risos. Como uma gra nde corre nte e m me io à á gua s la rga s e profunda s, os risos pa sseiam pe los te xtos hilstianos numa e sca la contí nua e ince ssa nte , ciclicame nte , e m ritmos re pe tidos e fugidios, ma s ta mbé m pe rma ne nte s. O s risos e m Hilda Hilst nã o tê m te rmo, ma s ca minhos; e stã o e m todos os luga re s e de toda s as forma s: a le gre , sa rdônico, ra ncoroso, sa tí rico, morda z , irônico, triste , burle sco, bucólico, ingênuo, derrisório. Aqui ou alé m, compõe m um rico universo que ta lve z só consiga mos a lcança r por e ta pa s – e me smo a ssim, corre ndo o risco de ficar só no ra stro de le s. Ne sse se ntido, pe nso os risos hilstianos como e le me ntos e m movime nto que pa rte m de um ponto – a própria Lite ra tura , num consta nte . ca minhar . me ta lingüí stico . – . pa ra . se . de sloca re m . continua me nte pela história lite rária do todo e de si me smos; como numa e spira l, os qua dra nte s permite m que e sse s risos se e ncontre m e se ve ja m, se ndo se mpre outros e ma is risos. De forma fe cunda , porque a “e spiral é um sí mbolo de fe cundida de ”, os risos se re pe te m no ciclo natural da vida da s.
(13) 11 . obra s de Hilda Hilst, sendo e te rnos e m sua finitude ; e , e mbora orbita nte s, por oca siã o ainda de uma Crí tica Lite rá ria silenciosa , a pa re ce m inte rmite nte s: ainda nã o se torna ra m ma té ria de a nálise a bra nge nte como o sã o e rotismo, pornografia , obsce nida de , a mor, morte , de us. De ssa forma , pre te ndo torna r e sta tese um la mpe jo sobre os risos hilstia nos – pois se ria infrutí fe ro de minha pa rte que re r limita r os risos na obra de Hilda Hilst a pe na s e m trê s ca pí tulos; um e xe rcí cio que te nta rá a ponta r para a lguns ca minhos. Dentre a s possibilida de s, ima ginei que se e u conse guisse tra zer à tona uma e sca la de risos e m Hilda Hilst, a fim de de monstra r uma rota de sua s inte nsida de s, pode ria tra ça r um qua dro figura tivo a partir da T e oria do Riso. De ntro de ssa pe rspe ctiva, o e studo de G eorge s Minois no livro História do riso e do escárnio ( 2 0 03 ) tornou se ba silar pa ra e ste tra balho: e m prime iro lugar porque o a utor pa sse ia pela história do riso no ocidente de forma ba sta nte a bra nge nte : nã o só por coloca r se como uma te oria que a tra ve ssa o ca mpo da Lite ra tura , Filosofia , História e Sociologia , ma s ta mbé m por circular e ntre outra s ta nta s te oria s do Riso como e le me ntos de re fle xã o – dife re nte me nte de outros e studos, ta mbé m importa nte s, ma s com pe rcursos ma is limita dos: é o ca so da pe squisa re aliza da pela historia dora Ve re na Alberti no livro O riso . e o risível ( 2 0 0 2 ) , que se de té m sobre o Riso numa pe rspe ctiva filosófica ; e do e studo clá ssico de Mikhail Ba khtin, A cultura . popular na Idade M édia e no Renascimento ( 1 9 9 9 ) , que localiz a o.
(14) 12 . Riso a partir da contribuição do e scritor fra ncê s F rançois Ra bela is sobre a cultura ca rna vale sca cômica da I da de Mé dia ; e m se gundo lugar porque o Riso de ixa de se r ma té ria e spe cula tiva e ta xonômica – como fa ze m Vla dimir Propp e He nri Be rgson nos livros Comicidade e riso ( 19 9 2 ) e O riso: ensaio sobre a . significação da comicidade ( 2 0 0 1 ) , re spe ctiva me nte pa ra tornar se uma te oria histórico cultural e lite rá ria tã o importa nte qua nto ca te goria s do porte dos Mistérios, Me la ncolia , Sá tira , I ronia , Angústia, e ntre outra s. Assim, a pa rtir da teoria do Riso de G e orge s Minois, tra çarei uma re fle xã o e sca la r do Riso a tra vé s do e studo de trê s obra s de Hilda Hilst: O Caderno rosa de Lori Lamby e Cadernos d’escárnio/textos grotescos, a mbos publicados e m 1 9 9 0 ; e o livro de poe sia s intitula do Bufólicas, e dita do e m 1 9 9 2 . No prime iro capí tulo tenta rei analisa r o Riso ingê nuo e ra cional, ca racte rí stico de obra s como T eresa F ilósofa, com a utoria a nônima do sé culo XVI I I , cuja incursã o do riso sob uma pe rspe ctiva filosófica e libertina compõe o qua dro do riso e m O . caderno rosa de Lori Lamby. Simbolica me nte , o riso ingê nuo de Lori é um riso imbe rbe e iniciá tico da e spiral que , se gundo Je a n Che va lier e Alain G he e rbra nt no livro Dicionário de símbolos ( 2 0 0 8, p. 3 9 7 ) , “e voca a e voluçã o de uma força , de um e sta do”: isto é , não te m a inte nsida de cá ustica da segunda e scalada do riso e sua sombra burle sca sobre o riso comba tido pelos me die vais e constituí do e m Ra be lais. É um riso pe nsa do, ra cionaliza do que.
(15) 13 . a inda nã o absorveu o sa rca smo dos risos que se movime nta m nos qua drante s subse que nte s. No se gundo ca pí tulo te mos e m Contos d’escárnio/textos . grotescos o Riso rústico, á rido e único dos roma nos, que ultra pa ssa os alinha me ntos do riso gre go – e ste , de sde é poca s be m a rca ica s, distingue se e m “ge lân”, ou “riso simple s e sube nte ndido”; e “ka ta gelâ n”, “riso a gre ssivo e zombe te iro”. A pa rtir do sé culo V a . C. e o “os progre ssos do intele ctualismo” na G ré cia , há “uma de sconfia nça cla ra e m re la ção a o riso de se nfrea do”, se ndo ne ce ssá rio civilizá lo: o riso duro e a gre ssivo de Home ro dá luga r a o riso vela do, culto e urba no de Sócra te s ( e mbora a bufona ria continue a ser pa rte inte grante da s fe sta s re ligiosa s grega s) . O riso de De mócrito é cé tico, de Dióge ne s cí nico e de Lucia no de Sa mósa ta é ilimita do; Platã o, por sua ve z , nã o a ceita que a firme m ha ve r riso entre os de use s; e Aristótele s cria a fra se clá ssica sobre a qual toda s a s te oria s do riso se de bruça m: “o home m é o único a nima l que ri” ( MI NO I S, 2 0 0 3, p. 4 9 7 6 ) . Re pre se ntando o . riso rústico e único dos roma nos, . simboliza ria o riso que e stá no me io da e sca lada e spiral; que olha o mundo numa prospe ctiva e m que o riso a pa re ce como motiva dor dos e spa smos e da s ga rgalha s bufônica s dos gra nde s brinca nte s me die va is. Nos contos d’escárnio/textos grotescos te nta rei re fle tir sobre a quilo que considero uma re visita ção a o riso cá ustico dos roma nos a tra vé s do diálogo com o te xto clá ssico Satiricon, de Pe trônio – e scritor la tino do sé culo I d. C..
(16) 14 . Já no te rceiro ca pí tulo o obje tivo é che ga r à rota ma is a lta da e spiral: o riso á pice e m Hilda Hilst. Com a obra poé tica Bufólicas, procura rei tra zer à tona a s e sca la s ma is risí veis dos te xtos hilstia nos, onde o corpo grote sco vira o gra nde palco de ma mule ngos e títe re s que parodiam com os contos clá ssicos infantis. Aporte do riso ra belaisiano, o riso pa roxí stico de Ra belais é e scolhido sob uma pe rspe ctiva sincrônica , que pa ssí vel da ma ior intensida de do riso, costura a linha ma is a sce nde nte da e spiral hilstia na . Um riso á pice que pare ce e sta r ca da ve z ma is próximo da s a ve ntura s da pra ça pública e “tira da s dia bólica s” do palco da corte : bufã o, brinca de dize r ve rdades e nsurde ce dora s. Por fim, a o tra ta r o riso sob uma lógica própria , a sce nde nte e pa ra doxa l (e nã o dia crônica , porta nto) te nta rei se guir a inquie ta ção de Pe tra rca que conce be a história “como um proce sso cí clico no qua l re apa re ce m a lte rna da me nte , reite rando se , perí odos de a ba time nto e de ca dê ncia , e pe rí odos de e sple ndor” ( AG UI AR e SI LVA, 2 0 0 7 , p. 4 0 7) ; te ndo por re fe rê ncia o núcleo da e spiral, que é se u ponto de partida e orige m – a Litera tura , te nta rei fa zer com que os risos da nce m sobre os traça dos singulare s dos te xtos hilstia nos e nos conduza m a o unive rso se m fim de sua s te nta tiva s..
(17) 15 . 2 . CAPÍ T ULO 1 – O RISO DE L O RI . O gra nde de sa fio de ste prime iro capí tulo é fala r do riso de uma cria nça . Pa re ce qua se irônico dizer isso, ma s nã o é . Va mos a os fa tos: a os oito a nos de ida de , a pe que na Lori cujo pai é um e scritor que não consegue ve nde r, e, por isso, é induzido por se u e ditor ( de nome La la u) a e scre ve r pornogra fia infa ntil – come ça a re la ta r num ca de rno ( que cha ma de “ca de rno rosa ”) a s vivê ncia s se xua is de uma me nina : “e u tenho oito a nos. Eu vou conta r tudo do je ito que e u sei” ( HI LST , 2 0 05 , p.1 3 ) , cuja s ilustra çõe s e sta mpa da s logo na prime ira pá gina d O Caderno rosa de Lori Lamby ( 2 00 5 ) , da e dição Globo ( ve r a ne xo 1 ) , mostra m o re tra to de uma me nininha nua e de bra ços a be rtos: é a introduçã o para muita s “historinha s” de pra zer. A prime ira de sta s “historinha s” conta da che ga da de um “home m que nã o é tã o moço” e do ritual de pra zer e ntre e ste e a me nina ( que narra e m prime ira pe ssoa tudo que a conte ce à pe rsonage m) . T udo é e scrito num diário que Lori cha ma de Ca de rno Rosa : O home m que não é tã o moço pediu pa ra eu tira r a ca lcinha . Eu tire i. Aí e le pediu pa ra e u abrir a s pe rninha s e fica r de ita da e eu fiquei. E ntão e le come çou a pa ssa r a mã o na minha coxa que é muito fofinha e gorda , e pediu que e u abrisse a s minha s pe rninha s. Eu gosto muito quando pa ssa m a mã o na minha coxinha . Da í o home m disse pa ra e u fica r be m quietinha , que e le ia da r um be ijo na minha coisinha . E le come çou a me la mbe r como o me u ga to se la mbe , be m de vaga rinho, e ape rta va gosto o meu bumbum. Eu fique i be m quie tinha porque é uma de lícia e eu que ria que e le fica sse la mbendo o te mpo inte iro, ma s e le tirou aque la coisona de le, o.
(18) 16 . piupiu, e o piupiu e ra um piupiu bem gra nde , do ta manho de uma e spiga de milho, mais ou me nos ( H ILS T , 2 00 5, p. 14 ) . . A . since rida de . de . Lori . che ga . a . se r . constra nge dora ; . cotidiana me nte e la a nota e m se u ca de rno rosa ( um diá rio) a s nova s coisa s que a pre ndeu. Hilda Hilst usa e ste re ce nte gê ne ro lite rário, porta nto, para da r ve ra cida de a os fa tos na rrados; como justifica Ma urice Bla nchot no Livro por vir ( 2 00 5 ) , porque um diá rio de ve fala r da s coisa s ma is since ra s de algué m, se ndo um dos únicos lugare s onde de sma sca ra mo nos por nós me smos e nos deixa mos a conte ce r se m a s tra pa ça s que infligimos a o cotidiano: O s pensa mentos ma is re motos, ma is a be rra nte s, são ma ntidos no círculo da vida cotidia na e nã o de ve m fa lta r com a ve rdade. D isso de corre que a since rida de repre se nta , pa ra o diá rio, a e xigê ncia que e le de ve a tingir, ma s nã o de ve ultrapa ssa r ( BLAN C H O T , ibid. , p.2 70 ) . . O diá rio fa z pa rte do “gê nero confe ssional” e surge por volta de 1 8 00 como fruto de ssa e vidê ncia do eu, própria do Roma ntismo, e que se e xa ce rba rá no sé culo XX com a pre missa de que priva cida de e intimida de gera m importâ ncia e valor. She ila Dia s Ma ciel no artigo A literatura e os gêneros confessionais mostra que Apesa r de o início da e scrita confessiona l e sta r a tado ao sé culo XV III e sua afirmaçã o te r sido possíve l apenas no sé culo se guinte , seu apogeu dá se no início do sé culo XX . D urante o século XX toda a ga ma de lite ra tura íntima e , sobre tudo, de diá rios íntimos, tornou se produto de consumo e passou a se r dige rida por uma grande ma ssa de le itore s inte re ssados no se cre to. E ste s le itore s, com a petite de voye ur a cre dita m e ntra r na intimidade e deva ssa r se gredos inviolá ve is do autor..
(19) 17 . O s diá rios conte mpla m a s na rra tiva s própria s à mode rnida de , e se se dime nta m como gê ne ro lite rá rio na cha ma da pós mode rnida de porque procura m da r conta de sse eu no me io da ma ssa , da cida de impe ssoa l e te cnológica , de sse s suje itos a bstra í dos e m se us cotidianos pe lo tra balho. Como le gí tima re pre se nta nte da litera tura pós mode rnista , pode mos re monta r a tra je tória lite rá ria de Hilda Hilst à cha ma da “ge ra çã o de 4 5 ”, que , se gundo Alfre do Bosi na História concisa da Literatura Brasileira ( 2 0 0 1 ), foi ma rca da pela pre se nça de a lguns poe ta s a madure cidos durante a II G ue rra Mundia l e nte nde ra m isola r os cuida dos mé tricos e a dicção nobre da sua própria poe sia e le vando os a crité rio bastante pa ra se contra pore m à lite ra tura de 2 2 : a ssim na sce u a ge ra ção de 45 ( BO S I, 20 01 , p. 46 4 ) . . “Cuida do”, “Dicçã o” e “Crité rio”, trê s substa ntivos importa nte s na litera tura hilstiana : ta nto e m poe sia (porçã o ma is re speitada pe la crí tica lite rá ria ) , qua nto e m prosa ( me smo na s obra s le ga da s a o obsce no) , há um sé rio compromisso com a lingua ge m. Na s . obra s . e m . e studo . ne ste . tra balho . a cadê mico . . re pre se nta nte s da cha ma da te tra logia obsce na de Hilda Hilst ( na prosa : . O . Caderno . Rosa . de . Lori . Lamby, . 1 9 9 0 ; . Contos . d´ escárnio/textos grotescos, 1 9 90 ; Cartas de um sedutor, 1 9 9 1 ; na poe sia : Bufólicas, 1 9 9 2 ) o de sa fio da linguage m é o me smo: muda a dime nsã o. O tra to com a s pa la vra s e a s re miniscência s com outros te xtos próprios – como é o ca so da se gunda pa rte da última ficçã o e scrita por Hilda Hilst, intitula da Estar Sendo. T er . Sido ( 1 9 9 7 ) , onde apa re ce m me mória s dos pe rsona ge ns de outros.
(20) 18 . livros da poe ta , “de modo que ficçã o se torna , a o me smo te mpo, a e vidência da unida de do conjunto da obra de Hilda” ( PÉCO RA, 2 0 0 6 , p.0 9 ) , nã o pre scinde m do cuida do com a lingua ge m e se u e mba te com os te ma s ma is ca ros à s gra nde s na rra tiva s, tais como Morte , Amor, Loucura , De us; a o invé s disso, Hilda Hilst re toma e ssa s que stõe s e a s trata com humor, de boche e riso tí picos da s cha ma da s ficçõe s pós mode rna s. Hilda Hilst nã o só concretiza o a nse io pela re construção da pa la vra e se us signos (da í a re ferê ncia de A. Bosi a um “ne o simbolismo” à ge ra çã o de 4 5) na dé ca da de 1 95 0 ( ne ste se ntido a nse ios pós mode rnista s) , como se a bre a os novos anseios lite rá rios na sce nte s e pouco a pouco ge ra dos na Amé rica La tina e m obra s como Rayuela ( 1 9 6 3) , de Julio Cortá z a r, e Avalovara ( 1 9 7 3 ), de O sma n Lins, e que se conve ncionou cha ma r pós mode rnida de no ca mpo da litera tura , qua ndo fala mos de pós mode rnismo re fe rimo nos tanto ao pe ríodo que suce de a o Mode rnismo ( movime nto lite rário) , qua nto à quele que rompe com a lguns pa ra digma s próprios da Mode rnida de; na ve rda de , e sse s conce itos a caba m torna ndo se sinônimos: “pós mode rnismo se e nte nde . ba sica me nte . como . o . e stilo . e sté tico . que . ve m se . de se nvolve ndo na se gunda me ta de do sé culo a tual [sé culo XX], a inda que , por ve ze s, o termo a pa re ça como sinônimo de pós mode rnida de” ( PRO ENÇA F I LHO , 1 9 95 , p. 1 2 ). Assim, se gundo Linda Hutche on no livro Poética do pós . modernismo ( 1 9 8 8 ), e m prime iro lugar, nã o pode mos de ixa r de lado.
(21) 19 . a re fe rência do “mode rnismo” qua ndo que re mos tra ta r do “pós mode rnismo”: . “o . pós mode rnismo . indica . sua . contra ditória . de pe ndência e m re la çã o a o mode rnismo, que o pre ce de u historica me nte e , lite ralme nte , o possibilitou” ( HUT CHEO N, ibid., p. 4 3 ) ; e m se gundo luga r, ele nã o pode se r de scrito como fe nôme no interna cional, já que “é ba sica me nte e urope u e ( norte – e sul ) a me rica no” (op. cit. , p. 2 0 ). Domí cio Proe nça Filho e m Pós M odernismo e Literatura ( 1 9 9 5 ) . fa z . uma . sí nte se . da s . ca ra cterí stica s . comume nte s . ide ntifica da s nos te xtos conside rados pós mode rnos: ludismo e xa rce ba do, utiliz a çã o consta nte da inte rte xtua lida de , mistura e stilí stica, pre se nça ma rca nte da me ta lingua ge m, uso a le górico “de tipo hipe r re al e me toní mico”, e scrita de um te xto ca da ve z ma is fra gme ntá rio, a uto consciente e a uto re fle xivo. De modo ge ral, o te xto considera do pós mode rno te nta se r historica mente conscie nte, híbrido e a brange nte . A curiosidade histórica e socia l a pa re nte mente ine sgotá ve l e uma postura provisória e pa ra doxa l (um pouco irônica , e mbora com e nvolvime nto) substitue m a postura profética e pre scritiva dos gra nde s me stre s do mode rnismo ( H U T C H E O N , ibid. , p. 52 ) . . A ficçã o pós mode rnista movime nta se pa ra de sloca r e pe rturba r se us novos leitore s, “força ndo os a e xa mina r seus próprios va lore s e cre nça s, e m ve z de sa tisfa zê los ou mostra r lhe s compla cê ncia” ( op. cit., p. 6 9 ) . Da í a importâ ncia do gê ne ro confe ssional para e ste tipo de litera tura, que , pelo e xa me da s e xpe riê ncia s pe ssoais, fome nta da s e forta le cida s pela ve ra cida de.
(22) 20 . distinta da s me mória s, biogra fia s e re la tos diários, consubsta ncia se na pre ocupa çã o com o eu – agora nã o ma is totaliza nte e fe cha do na s narra tiva s e m que pa re cia m de sve nda dos: pre ço de um . longo . proce sso . de . individua çã o, . de smistifica ção, . e stra nha me nto e diversida de . De ssa ma ne ira , quando Hilda Hilst lança mã o do diá rio como tra nsporte do riso de Lori, ela nã o só se cone cta a o código lite rá rio de sua é poca (proce sso a utore fle xivo dos suje itos pós mode rnos), como re sga ta , na s memórias de T e re sa F ilósofa ( obra e m diá logo com O Caderno Rosa de Lori Lamby ), a funçã o pre cí pua do gê nero confe ssional, ou se ja , a de “e xtra va sa me nto do e u”. Como be m de finiu Ma ssa ud Moisé s ( 19 9 9 , p.5 0 ), “o diá rio constitui o re gistro dia a dia de uma vida , quer dos e ve ntos, quer da s sua s ma rca s na se nsibilida de ”, que Lori ma rca de a ve ntura s quimé rica s na me nina re sga ta da dos e scritos do pai e re vivida na pue ril obsce nida de da re ce nte e scritora ; se u obje tivo, como ve re mos, se rá cumprido: dar continuida de a o proce sso e xiste ncia lme nte liberta dor da pala vra a tra vé s do riso. O riso é o me io, o tra nsporte que nã o só a lime nta , como modifica os ra biscos re je itados pelo pa i de Lori, numa é tica própria dos pra ze re s. Ética que nã o se pre ocupa com o plágio, ma s com o proce sso de a prendiz a ge m que é se dutor como a voz da le ndá ria Lorelei ( fala rei a diante ) . O riso desfa z a a pa rente narra tiva de pornogra fia infa ntil, fa zendo o leitor pe rce ber que o le do e nga no do iní cio da ficçã o, onde tudo pare ce se r uma “de sla va da” pe dofilia,.
(23) 21 . na ve rda de, é riso, é e scá rnio a o uso dos pra ze re s, é re cria ção lite rá ria , é libe rda de para pe nsa r. . O caderno rosa de Lori Lamby é uma re toma da do riso ingênuo ca ra cte rí stico do sé culo XVI I I que re pre se nta , ante s de qua lque r coisa , uma gra ve que bra na disposiçã o pa ra rir. Deixa ndo de lado os vinhos e a s ba ca nte s da Antiguida de , o riso se te ce ntista a bra ça o a r ma joritaria me nte sombrio da I da de Mé dia , onde é ma is a conselhá vel chorar que rir ( e mbora disso se e scape na s fe sta s do ca rna val). A trinda de sa nta e todopode rosa a firma da pe la I gre ja , se m qua lque r a spe cto cômico, “puro e spí rito, se m corpo e se m se xo, o trio divino, imutá ve l, e stá ete rna me nte a bsorvido e m sua a utoconte mpla çã o” ( MI NO I S, 2 0 03 , p.1 1 1 ) . O conte xto sócio cultura l de sse riso, e ntreta nto, pa sseia por ca mpos mina dos: se a I da de Mé dia é o pe ríodo de domina çã o re ligiosa , é ta mbé m de conte sta çã o da a ristocra cia (que nã o que ria ma is pe rde r sua s te rra s pa ra a I greja ) , de a lguns re pre se nta nte s do cle ro (com a Re forma Prote sta nte e ncabe ça da por Ma rtin Lute ro) , da Re ale z a ( que queria fortale cer o Esta do Na ciona l Absolutista) , da ide ologia a ntropocentrista ( com o Huma nismo e Re na scime nto) e do povo ( que podia rir) . O riso nã o é , e m mome nto a lgum de sua história , um obje to ine rte e uniforme . Se mpre a ssombra do pe la s ga rga lha da s de Ra belais, no sé culo XVI , volta e me ia que r e sca pa r dos rigore s de se u te mpo. T a nto, que ge ra alguma s contrové rsia s: G e orge s Minois e m sua T e oria do Riso, a partir do livro História do riso e do escárnio ( 20 0 3 ) ,.
(24) 22 . que stiona , por e xe mplo, a una nimidade do riso ra belaisiano como fruto da cultura popula r me die val: R iso, ao contrá rio do que afirma Mikha ïl Ba khtine , não é ve rdade ira me nte popula r: R abe la is se rve se do popula r pa ra dive rtir uma e lite cultivada e a burgue sada, que e ntra e m sua ficçã o pa ra de sca rre ga r as te nsõe s pe lo riso ( MIN O IS , ibid. , p. 45 5 ) . . Ba khtin . n A . cultura . popular . na . Idade . M édia . e . no . Renascimento ( 1 9 9 9) , por sua ve z, re ba te ca tegorica me nte e sta a firma tiva : “Ra belais nã o e ra a pre cia do a pe na s pelos huma nista s, na corte e nos e stra tos ma is a ltos da burgue sia urba na , ma s ta mbé m e ntre a s gra nde s ma ssa s popula re s” ( BAKHT I N, 1 9 9 9 , p. 5 1 ) ; . a ma do, . re speita do . e . compre e ndido . por . se us . conte mporâ ne os, ra tifica Ba khtin: E le s se ntia m de ma ne ira a guda a re la ção da s ima gens de R abe la is com a s forma s dos e spe tá culos popula re s, o ca rá te r fe stivo espe cífico de ssa s ima gens, profunda mente impre gnadas pe lo a mbie nte do ca rna va l (op. cit. , p.5 3 ) . . Burle sco e bufônico no sé culo XVI , o riso come ça a a rre fe ce r se no sé culo se guinte ; alvo de proibiçõe s e e squadrinha me ntos, torna se me nos a le gre e ma is inconve niente : rela ciona ndo se , cada ve z ma is, à ba gunça , confusão, de sorde m, ca os. F oi pre ciso, porta nto, polir a s rela çõe s, tornála s ma is a propria da s à nova socie da de que se a pre se nta ao mundo: clá ssica , mode rna , ra cional, cie ntí fica . O riso rústico – coisa pa ra bá rba ros e todo tipo de ge nte oriunda de uma I da de sombria – pre cisou ser substituído, ou.
(25) 23 . me lhor, de struí do; de outra forma , o riso de ve ria se r re sulta do da inteligê ncia e pe rspicá cia huma na s; rir se á com os olhos, boca, na riz ou fa ce : nã o ma is com o corpo todo. O ca rna va l, sí mbolo do riso popula r, se rá dividido e m dois tipos: o carna val a ristocrá tico ( fe sta priva da sob a forma de baile de má sca ra s) e o ca rna val urba no ( fra gme nta do e ntre uma e lite urba na e o povo com se us ta mborins) ( MI NO I S, ibid. , p. 9 2) . O riso seisce ntista, de ssa forma , pe rse guirá a me ta que será a mpla me nte de fe ndida no sé culo se guinte : o riso ra cionaliza do dos libe rtinos. O riso ra cional, e mine nte me nte iluminista , dos livre s pe nsa dore s como Volta ire , Diderot, Hobbe s, te rá dua s fre nte s de comba te : 1 ) de struir: a o te nta r dizima r qua lque r ve stí gio do riso ca rna vale sco ( já e m de ca dê ncia no sé culo XVI I ) , substituindolhe pe lo cá lido e mode ra do riso e stra té gico e intelige nte , va za nte nos sa lõe s de fe sta s e e spa ços de convivê ncia socia l; 2 ) e zomba r: z omba m se dos ma nua is e pre ce itos e cle siá sticos, à moda de um Voltaire pa ra que m “z omba r do mundo é a única ma ne ira de supe rar o a bsurdo” ( op. cit. , p. 4 3 0) ; como ta mbé m, do ve stuá rio, da lingua ge m, dos pre ce itos, do a nacronismo, e “te m a pa rte ma is fá cil contra a s igre ja s do sé culo XVI I I , que de cidira m, com a Contra Reforma , re je ita r o riso” ( op. cit. , p. 44 8 ) ; e m suma , o riso sa tiriza por sua inte le ctualidade . O riso ra cionaliza do e ingê nuo, tí pico dos roma nce s libertinos – re visita do a qui por Hilda Hilst – e stá pre se nte e m muitos re ca ntos de O Caderno Rosa de Lori Lamby. Ama dure cido pouco a.
(26) 24 . pouco com a pe rsona ge m que ( re ) e scre ve o roma nce re je ita do pelo pa i, o riso ingê nuo vai derrubando ba rreira s contra pré conceitos e de te rmina çõe s dos a dultos. F ala ndo por diminutivos e simbologia s – com a linguage m ca ra cte rí stica da criança ( “pe rninha s”, “fofinha ”, “coxinha ”, “quie tinha ”, “coisinha ”) – Lori, uma me nina de oito a nos, va i de sconstruindo os e stigma s e proibiçõe s e nvolve ndo o corpo e se u mundo de pra zere s. Exe mplo: o órgã o se xua l ma sculino, gra nde e e re to, tra nsforma se numa e spiga de milho: E u fique i be m quie tinha porque é uma de lícia e e u que ria que e le ficasse la mbendo o te mpo inte iro, ma s e le tirou aque la coisona de le , o piupiu, e o piupiu e ra um piupiu be m gra nde , do ta manho de uma e spiga de milho, ma is ou me nos ( H ILS T , 2 0 05 , p. 14 ) . . Lori, que ri inoce nte me nte da ba nda lheira se m ta ma nho, é , a nte s de tudo, a e xpre ssã o da e ngenhosida de de Hilda Hilst que trouxe pa ra o palco do riso uma pe rsona ge m libe rtina e m ple no sé culo XX: prime iro, por ser uma cria nça – ta lve z a única possibilida de de inocê ncia e m nossos dia s; segundo, por tra ze r uma te má tica tã o ca ra a os nossos te mpos: o pra ze r, figurado sob a ousa dia da a utora que nos riscos do ca minho, pe rgunta , a final, “o que pode rá ha ver de ma is fuga z que o insta nte do pra ze r”? ( PAES, 1 9 9 0 , p.1 4 ) . Ao le itor, a e xigência de uma compre e nsã o que se me scla e m dua s via s: o e nte ndime nto da importâ ncia e da funçã o do riso na na rra tiva hilstiana . Pa ra fala r do riso de Lori, e ntre ta nto, conside ro importa nte re toma r a litera tura libe rtina do sé culo XVI I I como pa rte funda me nta l do diálogo e ntre e sta obra conte mporâ ne a e o te xto.
(27) 25 . clá ssico de T eresa F ilósofa, de vido: a o tom a utobiográ fico da na rra tiva , a disposiçã o pa ra o pra ze r, o te or filosófico da s re fle xõe s, . a s . pe rsona ge ns na rradora s . se re m . ninfe ta s, . a . disponibilida de pa ra a pre nder. No ca so e spe cí fico de Teresa . F ilósofa cuja a utoria se cre ta é a tribuí da a o ma rquê s d´ Arge ns, o se nhor Je a n Ba ptiste de Boye r ( 1 70 4 1 7 71 ) , te xto clá ssico do sé culo XVI I I , a s a proxima çõe s com o Caderno Rosa 1 , ma is que outros da me sma ge ra çã o, dã o se sob a lguns pa ta ma re s: o uso dos pra z e re s , a filosofia e o riso ingênuo. De ssa ma ne ira , o roma nce libe rtino ( e T eresa F ilósofa, e m pa rticula r) se rve a qui como inspira çã o à quilo que W olfgang I ser cha mou n O ato da Leitura ( 19 9 9 ) de “re pertório” e “e stra té gia s” do te xto, cujo fim é de spe rta r a criativida de e disponibilida de do le itor e m inte rpre tar e re criar o te xto que leu: Atra vé s de seu repe rtório e de sua s estra tégia s, o te xto lite rá rio propicia uma seqüê ncia de “situa çõe s”, ou, la nça ndo mã o de nossa te rminologia , uma se qüência de e sque ma s que possue m o ca ráte r de a spe ctos daque le fa to que no texto não ma is se ve rba liza . ( .. . ) se us sina is ficciona is, e stabiliz a dos pe lo conse nso, indica m que o que é dito de ve se r e nca ra do como se de signa sse a lgo ( IS E R , ibid. , p. 65 66 ) . . Ne ste ca so, a o re alizarmos a le itura do Caderno Rosa , ve mos que há uma “se qüê ncia de e sque ma s” que nos le va m a busca r os “sinais ficcionais”, os ra stros que Hilda Hilst de ixa pelo ca minho. Re conhe ce ndo o e xcurso de outros, optei pela totalida de que “se concre tiz a na me dida e m que o le itor ocupa a posiçã o pre via me nte . 1 . Passarei a chamar O Caderno Rosa de Lori Lamby, aqui em análise, de O Caderno Rosa..
(28) 26 . e sboça da , cria re pre se nta çõe s e constitui o se ntido do te xto” ( op. cit. , p. 6 6) , e que , na s pa la vra s de Alcir Pé cora , re pre se nta O . Caderno Rosa de Lori Lamby porque re sga ta o ponto de vista da pe rsona ge m inocente que, paula tina mente , va i sendo inicia da nos pra ze re s do e spírito e da ca rne . ( . . . ) à ma ne ira dos e scritos libe rtinos, Lori é inicia da pe los pa is, ( ... ) ingê nua, é ta mbé m na tura lmente disposta pa ra a ba nda lhe ira ( 2 0 05 , p.0 9 ) . . Entre ta nto, é importa nte re ssalta r que o “e rotismo de Hilda Hilst, e mbora filia ndo se a o e rotismo libe rtino é difere nte do dos gra nde s livros e róticos” ( MUZ ART , 1 9 9 4 , p. 36 5 ) , porque alé m de re sga tar lite raria me nte a tra diçã o libertina do sé culo XVI I I , tra nspõe a proposta da pe rsona ge m inocente (há pouco re ferida por Alcir Pé cora ) para che gar a o riso ingênuo ( que ta mbé m e ncontra mos no roma nce libe rtino). Lori, a pe sa r de se r uma pe rsonage m libe rtina , ultra pa ssa e ssa dime nsã o. Ela nã o e sta gna o próprio proce sso que , de line a do no riso, a rma se da a çã o ingênua sobre o mundo, à ma ne ira de Te re sa : ma s com uma solução be m difere nte de sta . Sua figura çã o simboliz a , me smo, a originalida de do pe nsa me nto libe rtino de Hilda Hilst, pois, “a o me smo te mpo e m que se liga e streitame nte à tra diçã o e rótica , dela difere ncia se ; ( . .. ) , fa zendo rir, le va a pe nsa r” ( MUZ ART , 1 99 4 , p. 3 6 6 ) ..
(29) 27 . 2 . 1 – A LI T ERAT URA LI BERT I NA . O s prime iros libertinos surge m no sé culo XVI sé culo que a briga Ra belais e Are tino e tê m por obje tivo promove r uma “de sorde m re ligiosa” junto à nova fa se sociocultural que surgia no ve lho mundo. De pois de sé culos de e xclusiva domina çã o ide ológica , e spiritual e filosófica da I gre ja Ca tólica , e ra pre ciso re spirar novos are s, te cer nova s linha s. A ida de mode rna , e m sua a ssimila çã o a ntropológica , te m e sse obje tivo, ou se ja , conquistar novos mundos e civiliz á lo. De a cordo com o sociólogo Norbert Elia s e m O processo . civilizador ( 1 9 9 4 , p. 1 9 7) , o proce sso de civiliza çã o é , a cima de tudo, o inte rcurso do controle social, a utocontrole me nta l, monopoliza çã o da força fí sica – por isso o e nqua dra me nto da s puniçõe s dos crime s e a tos de violência com norma s sociais ca da ve z ma is rí gida s e se u a fa sta me nto do e spe tá culo e m pra ça pública . É ta mbé m e sta bilida de dos órgã os centrais da socie dade : F ouca ult, na M icrofísica do poder ( 197 9 ) , nos le mbra , por e xe mplo, que o pode r do siste ma hospitala r, impla nta do na Europa no final do sé culo XVI I I , é de te rmina nte na construçã o dos controle s sa nitá rio e me nta l; e da e xistência social como e xpre ssã o de controle : com o aume nto da divisã o de funçõe s, ma iore s são os e spa ços socia is por onde se este nde re de , integra ndo se e m unida de s funciona is ou instituciona is – ma is a mea ça da se torna a e xistê ncia socia l do indivíduo que dá e xpre ssão a impulsos e e moçõe s e spontâneos, e ma ior a vanta ge m socia l.
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