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Práticas sócio-espaciais: protagonismo juvenil e participação democrática no Movimento de Ocupação das escolas estaduais de Rio Grande/RS.

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS Instituto de Ciências Humanas

Programa de Pós-Graduação em Geografia - Mestrado

Dissertação

Práticas sócio-espaciais: protagonismo juvenil e participação democrática no Movimento de Ocupação das escolas estaduais de Rio Grande/RS.

Diego Noda dos Santos

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Diego Noda dos Santos

Práticas sócio-espaciais: protagonismo juvenil e participação democrática no Movimento de Ocupação das escolas estaduais de Rio Grande/RS.

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Pelotas como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Geografia.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Lígia Cardoso Carlos

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Práticas sócio-espaciais: protagonismo juvenil e participação democrática no Movimento de Ocupação das escolas estaduais de Rio Grande/RS.

Dissertação aprovada, como requisito parcial, para obtenção do grau de Mestre em Geografia, Programa de Pós-Graduação em Geografia, Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de Pelotas.

Data da Defesa: 07 de junho de 2019 Banca examinadora:

Prof.ª Dr.ª Lígia Cardoso Carlos (Orientadora)

Doutora em educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos

Prof.ª Dr.ª Russel Teresinha Dutra da Rosa

Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Prof.ª Dr.ª Liz Cristiane Dias

Doutora em Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho

Prof. Dr. Dirlei de Azambuja Pereira

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Dedico esta dissertação:

Aos meus pais que me deram as bases do amor, do respeito e da dignidade; que me ajudaram e me permitiram sonhar e ser feliz.

Aos homens e mulheres que se encantam diariamente com o incrível ato de educar mesmo diante dos desafios que enfrentam diariamentepara transformar o mundo...

Aos meninos e meninas que nos apontaram os caminhos para transformar o luto em verbo, vocês são a “nossa linda juventude, página de um livro bom”, como um dia cantou Flávio Venturini no 14 Bis.

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Quero falar de uma coisa Adivinha onde ela anda Deve estar dentro do peito Ou caminha pelo ar. Pode estar aqui do lado Bem mais perto que pensamos A folha da juventude É o nome certo desse amor

Já podaram seus momentos Desviaram seu destino Seu sorriso de menino Quantas vezes se escondeu. Mas renova-se a esperança Nova aurora a cada dia E há de se cuidar do broto Pra que a vida nos dê

Flor, flor e fruto.

Coração de Estudante Há que se cuidar da vida Há de se cuidar do mundo Tomar conta da amizade Alegria e muito sonho Espalhados no caminho Verdes, planta e sentimento Folhas, coração Juventude e fé.

(Coração de Estudante - Milton Nascimento/Wagner Tiso Veiga)

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AGRADECIMENTOS

“Só enquanto eu respirar Vou me lembrar de você Só enquanto eu respirar Enquanto houver você do outro lado Aqui do outro eu consigo me orientar” (O Teatro Mágico) Ao bom Deus que me guia, agradeço pela vida, força e inspiração em todos os momentos de lutas, alegrias e dificuldades na caminhada.

À minha orientadora Prof.ª Dr.ª Lígia Cardoso Carlos meu especial agradecimento por sua dedicação no acompanhamento deste trabalho, pelo auxílio contínuo nos momentos de dúvidas e preocupações e por compartilhar comigo deste o sonho de tornar o mundo mais humano e mais fraterno. Ás professoras Russel Dutra da Rosa e Liz Cristiane Dias e ao professor Dirlei Pereira, pela leitura e contribuições feitas a este trabalho de mestrado.

Aos meus pais Jorge e Ângela, e à minha irmã Danielle pelos ensinamentos de vida, pelos valores de ética, dignidade e honestidade que sempre me transmitiram. Por serem meu alicerce e meus exemplos de vida. Por acreditarem em mim e por permanecerem a meu lado me auxiliando e aconselhando em todos os momentos da minha vida.

Ao Felipe Anderson pelo companheirismo e auxílio nos momentos de ansiedade. Obrigado pelo apoio com gestos e palavras que foram indispensáveis na concretização deste trabalho.

Aos meus amigos “Gigantes”! Vocês são um presente da vida guardado em um relicário. Obrigado por me encorajarem a seguir meus sonhos e objetivos pessoais e acadêmicos.

Aos companheiros e companheiras da Pastoral da Juventude e das Comunidades Eclesiais de Base que através das partilhas, sonhos e projetos de vida me ensinaram a acreditar em um “outro mundo possível”.

À Escola Estadual Capitão Luiz da Silva Ferreira que me fez educador. Aos mestres, colegas e alunos da Escola Estadual Alfredo Ferreira Rodrigues que fazem parte da minha história, da minha formação, do meu cotidiano e da minha utopia. Meu carinho, reconhecimento e eterna gratidão.

Aos jovens do Movimento de Ocupação gratidão pelos ensinamentos de coragem, luta e ousadia! Sejam Felizes!

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RESUMO

A dissertação trata do momento político vivenciado entre os meses de maio e junho de 2016 no que diz respeito ao movimento realizado pelos estudantes secundaristas o qual ganhou as escolas, as redes as ruas e as manchetes da época com a nomenclatura “#Ocupa” ou Movimento de Ocupação, mais especificamente no Município de Rio Grande/RS, recorte espacial utilizado na pesquisa. A questão central do trabalho fundamenta-se nas práticas sócio-espaciais que constituíram o movimento de ocupação a partir das narrativas dos jovens estudantes e como contribuíram no protagonismo estudantil e nas aprendizagens democráticas. A pesquisa de natureza qualitativa toma como método para geração de dados a entrevista narrativa dos estudantes que participaram do processo de ocupação em dez escolas do município citado. Essas memórias coletadas foram analisadas tendo como procedimento para o tratamento dos dados os processos da análise de conteúdo, a partir das análises de registro e de contexto. A dissertação fundamenta-se ainda nos conceitos de lugar, território e redes por fundamenta-serem concepções geográficas importantes na análise dos diferentes processos desenvolvidos nas escolas durante o período de tempo em que ocorreu o movimento, e também no período que sucedeu a ele. Como resultados a pesquisa revelou que as aprendizagens democráticas foram construídas a partir de um processo que envolveu o protagonismo juvenil, as atividades e pautas desenvolvidas e, sobretudo as conquistas no âmbito político pessoal.

Palavras Chave: Movimento de ocupação, Políticas sócio-espaciais, Protagonismo juvenil, Escola pública, Democracia.

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RESUMEN

La disertación trata del momento político vivido entre los meses de mayo y junio de 2016 en lo que se refiere al movimiento realizado por los estudiantes secundarios que ganó las escuelas, las redes las calles y los titulares de la época con la nomenclatura "#Ocupa" o Movimiento de Ocupación, más específicamente en el Municipio de Rio Grande / RS, recorte espacial utilizado en la investigación. La cuestión central del trabajo se fundamenta en las prácticas socio-espaciales que constituyeron el movimiento de ocupación a partir de las narrativas de los jóvenes estudiantes y cómo contribuyeron en el protagonismo estudiantil y en los aprendizajes democráticos. La investigación de naturaleza cualitativa toma como método para generación de datos la entrevista narrativa de los estudiantes que participaron del proceso de ocupación en diez escuelas del municipio citado. Estas memorias recolectadas fueron analizadas teniendo como procedimiento para el tratamiento de los datos los procesos del análisis de contenido, a partir de los análisis de registro y de contexto. La disertación se fundamenta aúnenlos conceptos de lugar, territorio y redes por ser concepciones geográficas importantes en el análisis de los diferentes procesos desarrollados en las escuelas durante el período de tiempo en que ocurrió el movimiento, y también en el período que le sucedió. Como resultados la investigación reveló que los aprendizajes democráticos fueron construidos a partir de un proceso que involucró el protagonismo juvenil, las actividades y pautas desarrolladas y, sobre todo las conquistas en el ámbito político personal.

Palabras clave: Movimiento de ocupacion, Políticas socio-espaciales, Protagonismo juvenil, Escuela pública, Democracia.

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LISTA DE SIGLAS

CEBs Comunidades Eclesiais de Base CEI Comando das Escolas Independents CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

CPERS Centro de Professores do Estado do Rio Grande do Sul CRE Coordenadoria Regional de Educação

E.E.E.M. Escola Estadual de Ensino Médio ENEM Exame Nacional do Ensino Médio

EUA Estados Unidos da América

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica MEC Ministério da Educação

MP Medida Provisória PJ Pastoral da Juventude PL Projeto de Lei

PSDB Partido da Social Democracia Brasileira RS Rio Grande do Sul

SAERS Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Rio Grande do Sul

SEDUC Secretaria da Educação

UBES União Brasileira dos Estudantes Secundaristas UGES União Gaúcha dos Estudantes Secundaristas

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

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LISTA DE FIGURAS

Figura 01 - Mapa da localização da área de estudo...34

Figura 02 - Mapa das escolas ocupadas no município de Rio Grande/RS...35

Figura 03: Salário Mensal dos trabalhadores formais em Rio Grande...37

Figura 04: Matrículas em Rio Grande...38

Figura 05: Cartazes das ocupações nas escolas estaduais de Rio Grande...42

Figura 06: Caminhada do Movimento de Ocupação nas ruas de Rio Grande...42

Figura 07: Cartazes das ocupações em Rio Grande/RS...43

Figura 08: Encerramento de caminhada na Escola Juvenal Muller, Rio Grande/2016...50

Figura 09: Rodas de conversa nas ocupações escolares em Rio Grande/RS...51

Figura 10: Caminhada dos estudantes secundaristas em Rio Grande/RS...52

Figura 11: Ocupação da E.E.E.M. Lemos Júnior, 2016...53

Figura 12: Prédio antigo da Escola Alfredo Ferreira Rodrigues...61

Figura 13: Demolição da Escola Alfredo Ferreira Rodrigues...61

Figura 14: O banco...66

Figura 15: Foto de capa...70

Figura 16: Ocupa Lília Neves...73

Figura 17: Ocupa Silva Gama ...77

Figura 18: Cartazes no portão da Escola Getúlio Vargas ...82

Figura 19: Ocupação no Lemos Júnior ...85

Figura 20: Roda de conversa na ocupação do Tellechea ...88

Figura 21: Protagonismo em caminhada ...90

Figura 22: Construção da Escola Alfredo Ferreira Rodrigues...108

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Procedimentos da entrevista narrativa ...24 Tabela 2: Demonstrativo de resultados de rendimento dos alunos da rede

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...14

1. PRIMEIRO CAPÍTULO: O SER E O CONSTITUIR-SE EDUCADOR...18

1.1. Intenções do processo de pesquisa...22

1.2. Caminhos e opções metodológicas...23

2. SEGUNDO CAPÍTULO: A GÊNESE DAS OCUPAÇÕES NO CONTEXTO MUNDIAL...27

2.1. O lugar e o território do movimento de ocupação...29

2.2. O conceito de redes: articulação no espaço geográfico...31

2.3. Caracterização da área de estudo: o lugar das ocupações...34

3. TERCEIRO CAPÍTULO: OCUPAR E RESISTIR: O LUTO TRANSFORMADO EM VERBO ...40

3.1. Protagonismo juvenil no movimento de ocupação...43

3.2. O protagonismo juvenil nas ocupações escolares de Rio Grande/RS...47

4. QUARTO CAPÍTULO: MEMÓRIAS DO MOVIMENTO DE OCUPAÇÃO NA PERSPECTIVA DE SEUS PROTAGONISTAS...55

4.1. Cantar a beleza de ser um eterno... apanhador de sonhos...56

4.2. Organização democrática estudantil...58

4.3. Uma escola no meio do caminho...60

4.4. No meio do portão havia um banco: ninguém solta a mão de ninguém...64

4.5. O telhado...69

4.6. O antes e o depois de um amadurecimento pessoal...72

4.7. Ocupação na maior praia do mundo...76

4.8. Ocupação no Getúlio: a luta que vem da periferia...79

4.9. A voz do aluno na ocupação...84

4.10. “Eu teria feito de novo!”...87

4.11. Somos protagonistas das nossas vidas...90

5. QUINTO CAPÍTULO: CONSTRUÇÃO DAS APRENDIZAGENS DEMOCRÁTICAS NO MOVIMENTO DE OCUPAÇÃO...95

5.1. A gênese e os desdobramentos do Movimento de ocupação...96

5.2. Pautas do Movimento...98

5.3. Protagonismo Juvenil...100

5.4. Atividades desenvolvidas nas ocupações...102

5.5. A questão da liderança...104

5.6. Conquistas e aprendizagens democráticas...106

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS...112

7. REFERÊNCIAS...116

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Introdução

“Amar e mudar as coisas me interessa mais (…).” Belchior Certa vez recebi um convite para fazer parte de uma organização eclesial de jovens que tinha como parte de sua metodologia de trabalho o protagonismo juvenil no contexto social e político. Mal sabia eu que essa inquietante paroxítona, o protagonismo, me acompanharia nos próximos anos me desafiando a pensar e estudar seu sentido conotativo, pois somente o denotativo não basta para explicar a amplitude desta palavra. Minha participação neste coletivo de jovens, chamado Pastoral da Juventude1, foi além dos primeiros encontros e, na medida em que me envolvia, outros questionamentos e aprendizagens surgiam. A identificação com a Pastoral da Juventude se dava, em um primeiro momento, com o fato de ser um espaço que falava a minha linguagem de jovem pobre do interior, possibilitando espaços de interlocução e considerando minha realidade social. Com o passar do tempo e estudando mais a fundo este coletivo, percebi que essa identificação acontecia, também, porque meu ponto de vista sobre as questões eclesiais e sócio-políticas comungavam com a Teologia da Libertação2. Na Pastoral da Juventude encontrei muitas possibilidades de entender os contextos juvenis de diferentes lugares, podendo experimentar as realidades a partir de várias visitas e encontros que aconteciam ao longo dos anos em diferentes lugares. Dizia-se muito por lá que “ser jovem é viver uma época que passa e lutar por transformações que ficam”. Há quem atribua esta frase a Che Guevara, mas, guardadas as circunstâncias em que

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A Pastoral da Juventude, começa nos anos 1970 a partir da Ação Católica Especializada (JAC, JEC, JOC, JUC). Estes grupos juvenis (JAC, JEC, JOC, JUC) atuaram significativamente nas chamadas reformas de base sugeridas pelo presidente João Goulart, que propunha uma reestruturação dos setores econômicos e sociais. No período de repressão política que sucedeu o golpe militar de 1964 estes grupos foram extintos. No final da década de 70 a Igreja Católica vivia um período de grandes expectativas, pois a Conferência de Medellín (1968) e a Conferência de Puebla (1979) trouxeram novos ares para a ação pastoral com a opção concreta pelos pobres e pelos jovens. Isso possibilitou o surgimento da Pastoral da Juventude, ampliando o trabalho que vinha sendo desenvolvido com a juventude, para a construção de uma proposta mais orgânica. A Pastoral da Juventude tem suas bases na Teologia da Libertação de Leonardo Boff e na Pedagogia do Oprimido de Freire. Disponível em http://www.pj.org.br/quem-somos/historia-da-pastoral-da-juventude/

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Corrente teológica nascida na América Latina, depois do Concílio Vaticano II (1962) e da Conferência de Medellín (1968), que parte da ideia de que as leituras bíblicas que envolvem a figura de Jesus Cristo exigem a opção preferencial pelos pobres a partir da libertação de injustas, condições econômicas, políticas ou sociais. Fortemente combatida nos pontificados de João Paulo II e Bento XVI e recentemente recebendo uma posição reconciliadora por parte do Papa Francisco, a Teologia da libertação surge em 1971, quando o Padre Gustavo Gutiérrez publicou um livro denominado “A Teologia da libertação”. No Brasil destacam-se nestes estudos Freio Betto e Leonardo Boff que também sofreram grandes sanções da Santa Sé por veicular estes pensamentos progressistas.

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possa ter sido falada ou escrita, o sentido aqui é analisar a profundidade deste pensamento que expressa um pouco da vontade absurda (e um bom absurdo) que todo/a jovem tem de mudar o mundo.

Quando nos deparamos com a necessidade de conceituar o termo “juventude” algumas palavras são utilizadas nos dicionários formais e informais para designar uma época da vida que está, entre outras coisas, ligada à ideia de energia, vigor, ou mesmo um estado de espírito que caracteriza a pessoa em qualquer idade de acordo com seu comportamento dinâmico. No entanto, é preciso acrescentar a essa discussão, o protagonismo, também vinculado na sociologia com a ideia de “ator social”, conforme Souza (2006):

De maneira geral, a expressão ator social refere-se, hoje em dia, àquele que trabalha pela consecução de objetivos pessoais numa dada conjuntura social e, por extensão, àquele que trabalha pela resolução de seus próprios problemas e daqueles que afetam a coletividade. (SOUZA, 2006, p.63).

Diante desse conceito, ainda segundo Souza (2006) é possível definir metaforicamente o jovem protagonista como um ator principal do que seria o elenco de uma sociedade civil com seus desafios e lutas diárias em espaços que, na maioria das vezes, são politicamente desiguais e incoerentes. Para melhor esclarecer esta discussão, Costa (2001) apresenta fundamentos do protagonismo juvenil, afirmando:

O termo Protagonismo Juvenil, enquanto modalidade de ação educativa é a criação de espaços e condições capazes de possibilitar aos jovens envolverem-se em atividades direcionadas à solução de problemas reais, atuando como fonte de iniciativa, liberdade e compromisso. [...] O cerne do protagonismo, portanto, é a participação ativa e construtiva do jovem na vida da escola, da comunidade ou da sociedade mais ampla (COSTA, 2001, p.179).

Ainda, neste contexto, outros subsídios de estudo, desenvolvidos por organizações que historicamente trabalham com temas juvenis ligados à organização social e política, nos ajudam a, também, definir esta palavra tão cara a este trabalho, permitindo entender que, só é protagonista quem sabe contar a sua história, conforme é apresentado no Marco Referencial da Pastoral da Juventude (CNBB, 1998). Ainda, que o jovem protagonista é agente libertador que se torna sujeito da história, de acordo com seu meio.

Contudo, surge o desafio de discutir protagonismo juvenil a partir de um dos espaços mais importantes nesta fase da vida, a escola. É no espaço escolar que a sociedade deposita a responsabilidade de contribuir significativamente na vida das

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crianças e jovens para a construção de um futuro mais igualitário, mais humano e mais fraterno. Diante de tamanha responsabilidade alguns questionamentos são oportunos: Como está a escola na atualidade? Será mesmo que o papel da escola é este? Quais os desafios da escola na contemporaneidade, em que há tanta disputa entre o giz e tecnologia? Os estudantes conseguem ser protagonistas neste espaço? É possível que tais questões não sejam respondidas em sua magnitude, no entanto, o grande desafio deste trabalho é a busca por significações pertinentes à escola pública na atualidade, na qual surgem protagonismos.

Auxiliando este olhar acerca do protagonismo, como base conceitual de discussão deste trabalho, acrescenta-se os conceitos de lugar, território e redes, estando o lugar relacionado com a dimensão cultural-simbólica, o território com a dimensão política e as redes como um sistema dinâmico que, segundo Souza (2013, p. 167), “articulam e ligam entre si diferentes pontos no espaço geográfico (...)”.

Nesta perspectiva, o grande desafio deste trabalho foi entender o que ficou e o que se aprendeu nas escolas estaduais a partir do Movimento de Ocupação e da participação afetiva e efetiva da juventude neste processo. São utilizadas como base de reflexão a compreensão dos estudantes sobre as manifestações estudantis que surgiram nas escolas estaduais do Rio Grande do Sul no recorte espacial do município do Rio Grande, no sul do Estado, onde os estudantes organizaram-se em movimentos de ocupações dos espaços escolares entre maio e junho de 2016 com o propósito de questionar, dentre outras coisas, a responsabilidade do Estado em assegurar uma educação pública e de qualidade à sociedade gaúcha.

O Movimento de Ocupação se estendeu pelo Rio Grande do Sul, mas as primeiras ocupações deste período começaram no estado de São Paulo. As ocupações tiveram o apoio da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas – UBES e em nosso estado da União Gaúcha dos Estudantes Secundaristas – UGES. No entanto, vale ressaltar que em várias escolas, as quais não tinham grêmios estudantis ou coletivos organizados, o movimento aconteceu de livre e espontânea iniciativa dos/as estudantes.

Neste sentido, a participação dos estudantes nos processos escolares é uma das tarefas mais significativas da prática educativo-crítica para propiciar aos educandos condições de ensaiarem em suas relações maneiras de se assumirem como sujeitos e protagonistas de suas histórias (FREIRE, 1996). Tendo como base a ideia de que o protagonismo dos/as estudantes, sobretudo na educação pública,

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pressupõe uma relação dinâmica entre formação, conhecimento, participação, responsabilização e criatividade e, levando em conta que o desenvolvimento permanente faz parte da condição de sujeito, é possível ainda criar formas de entender qual a contribuição das educadoras e educadores na formação de uma consciência crítica que possibilite aos estudantes protagonizarem ensaios e ações que despertem a valorização e a participação democrática.

No Rio Grande do Sul o movimento de ocupação começou antes de ser deflagrada a greve do magistério estadual 3 surgindo como apoio, paralelo e independente, e foi se ampliando definindo pautas próprias e tomando uma configuração política para o momento em questão. As vivências, experiências e a participação democrática dos jovens estudantes neste processo desencadeado com a ocupação das escolas estaduais configura a questão central deste trabalho.

Neste contexto, o trabalho se desenvolve tendo no primeiro capítulo as motivações sobre o ser e o constituir-se educador, além do contexto metodológico, no qual a investigação teve suas bases. A seguir, no segundo capítulo, é apresentada a gênese do movimento de ocupação, e os conceitos de território, lugar e redes que dão a sustentação teórica para o diálogo geográfico estabelecido através do tema. O terceiro capítulo trás o protagonismo para a discussão, no sentido de como colaborou para o contexto das ocupações, tanto na organização do movimento, quanto nas escolas do recorte espacial, Rio Grande, no qual este trabalho se propõe a dialogar. O quarto capítulo foi estruturado a partir das memórias dos jovens estudantes que participaram do Movimento de Ocupação nas escolas estaduais de Rio Grande, trata-se de uma organização dos fragmentos das entrevistas realizadas, que contam a trajetória dos estudantes de dez escolas que tiveram o processo de ocupação, e por fim, o quinto capítulo trará sobre a análise dos dados coletados nas entrevistas, buscando traçar uma relação entre o protagonismo e construção das aprendizagens democráticas no Movimento de Ocupação.

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Segundo os dados das pautas de greves disponíveis no site do CPERS, os professores da rede pública estadual do Rio Grande do Sul decidiram entrar em greve em assembleia geral realizada em Porto Alegre no dia 13 de maio de 2016 pedindo reajuste salarial de 13,01%, referente a 2015, e 11,36%, em relação a 2016, implantação do piso nacional do magistério, além da principal pauta que se tratava da defesa da escola pública que vem sofrendo com grande sucateamento nos últimos anos.

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PRIMEIRO CAPÍTULO

1. O Ser e o constituir-se educador.

Não, não tenho caminho novo. O que tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou) a caminhar cantando como convém a mim e aos que vão comigo. Pois já não vou mais sozinho. (A vida verdadeira – Thiago de Mello) Poucos meses após iniciar a caminhada na pós-graduação fui convidado a participar de um evento4que tinha como eixo de trabalho a democracia e a prática escolar. Pois bem, inscrição feita e expectativas não muito grandiosas. Porém, algo me chamava atenção naquele vai e vem de pessoas interessadas em discutir a tão falada “educação”, algo me despertava a curiosidade e a vontade de estar ali naquele auditório lotado de olhares atentos e outros nem tanto. Em uma das manhãs do evento, inverno frio do sul gaúcho, um tal de José Pacheco a nós foi apresentado. Aquele frágil senhor de linguajar e expressões clássicos de Portugal começara a falar sobre suas experiências com a criação e as contribuições da Escola da Ponte na busca de uma escola democrática. Assim era o tema de sua fala. Eis que suas primeiras palavras desencadearam em mim a busca por uma reflexão do ser e do constituir-se um educador. Dizia ele que “todos nós aqui vamos à educação por amor ou por vingança”.5

Eu fiz questão de anotar esta frase. Com base na afirmação, o palestrante explicava que no seu caso foi por vingança. Fiquei

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Projeto registrado como extensão interinstitucional na UFPEL, mais conhecido como Encontros do Poder Escolar. O projeto é voltado para a formação continuada de professores, e sua 13ª edição foi realizada em Pelotas/RS de 17 a 20 de julho. Criado para valorizar os profissionais do ensino e colaborar com a sua formação, o evento é um dos mais tradicionais da região Sul do estado na área e conhecido por trazer profissionais de grande experiência para discutir a educação em suas conferências e mesas temáticas.

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PACHECO, José. Contribuições da Escola da Ponte na busca de uma escola mais democrática. Pelotas, UFPEL, 2017. (Comunicação Oral)

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então me perguntando, desde esse dia, o que me faz ir à educação, ou melhor, o que me faz levantar todos os dias, faça chuva ou faça sol, para lecionar. Penso que um pouco desses questionamentos podem ser respondidos com minha trajetória e opções de vida que foram se desenhando ao longo do tempo e me constituindo professor. Trajetória marcada, como já mencionei, pela participação em grupos juvenis comprometidos com a causa dos pobres e com o protagonismo pensado a partir da ideia de construção de um projeto de vida com base em opções político-sociais progressistas, além, é claro, da participação sindical nos espaços de luta pela escola pública de qualidade e por condições mais justas de trabalho. De certa forma minhas concepções de classe e minhas opções de vida me encaminharam para a docência como ferramenta de transformação social particular e também coletiva, ou seja, uma forma de contribuir significativamente na vida das pessoas para que elas também possam, a partir do pensamento crítico, construir melhores condições de vida.

Busco então em Tardif (2006) alternativas para argumentar sobre isso, pois em suas análises ele procura compreender também esta dimensão da formação e do saber docente. Nos ajuda a compreender que o saber dos professores não pode ser separado de outras dimensões do ensino, muito menos de outras realidades sociais, organizacionais e humanas onde os professores encontram-se inseridos. O autor defende que o saber está relacionado com a identidade e com a experiência de vida, ou seja, a história, quando afirma que:

Na realidade, no âmbito dos ofícios e profissões, não creio que se possa falar do saber sem relacioná-lo com os condicionantes e com o contexto do trabalho: o saber é sempre o saber de alguém que trabalha alguma coisa no intuito de realizar um objetivo qualquer. Além disso, o saber não é uma coisa que flutua no espaço: o saber dos professores é o saber deles e está relacionado com a pessoa e a identidade deles, com a sua experiência de vida e com a sua história profissional, com as suas relações com os alunos em sala de aula e com os outros atores escolares na escola, etc. (TARDIF, 2006, p.11)

Sempre tive gosto pelo trabalho com pessoas e sempre acreditei que o conhecimento é produto de uma troca de saberes que ocorrem por meio das relações sociais que acontecem ao longo da vida. Por acreditar nessa troca que se completa quando existe crença no outro, me tornei educador, motivado também pelo sentimento de que é possível contribuir na vida dessas pessoas com um pouco daquilo que tenho, além de receber em troca a experiência de suas realidades, o que enriquece meu aprendizado enquanto pessoa.

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Voltando a fala do professor Pacheco em sua palestra, como mencionei antes, creio que também o fiz por vingança, pois muitas pessoas diziam que outros e quaisquer caminhos seriam melhores e mais rentáveis do que “ser professor”. Optei então por me lançar contra essa corrente negativista e acreditei ser a licenciatura meu porto seguro. Neste sentido, creio que assim como Pacheco, também foi inicialmente por vingança, e ao longo da caminhada por justiça.

Ao ingressar na escola, enquanto professor de Geografia, me constitui como um questionador dos modelos postos e impostos ao espaço escolar. Estes modelos a que me refiro estão basicamente ligados à forma como a educação é vista pela maioria dos governos e, até mesmo, por alguns gestores de escola que sustentam uma educação bancária e desconectada da realidade de seus educandos, tornando-os, com esta forma de ensino, potenciais repetidores de lições e prováveis cidadãos condenados a ser “massa de manobra” como nos ilustra Freire (1997), quando afirma:

(...) Eis ai a concepção “bancária” da educação, em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los. (...) Na visão “bancária” da educação o saber é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações instrumentais da ideologia da opressão – a absolutização da ignorância, que constitui o que chamamos de alienação da ignorância, segundo a qual esta se encontra sempre no outro. (FREIRE, 1997, p.80-81).

E ainda:

Na educação “bancária” que estamos criticando, para a qual a educação é o tato de depositar, de transferir, de transmitir valores e conhecimentos, não se verifica nem pode verificar-se esta superação. Pelo contrário, refletindo a sociedade opressora, sendo dimensão da “cultura do silêncio”, a “educação” “bancária” mantém e estimula a contradição. (FREIRE, 1997, p.82).

Quanto a minha trajetória profissional, iniciei meu trabalho em uma escola caracterizada como “Escola do Campo”6

, por estar situada no interior de São José do Norte. Lá tive contato com o tão questionado Ensino Médio Politécnico7,

6

Segundo o Decreto n° 7.352, Escola do Campo é aquela situada em área rural (IBGE) ou em área urbana, desde que atenda predominantemente a populações do campo. A Política de Educação do Campo destina-se à ampliação e qualificação da oferta de educação básica e superior às populações do meio rural, e é desenvolvida pela União em regime de colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, de acordo com as diretrizes e metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação. Disponível em http://www.educacao.rs.gov.br/escolas-do-campo Acesso em 06/09/2018

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O Ensino Médio Politécnico articulava as disciplinas a partir das áreas do conhecimento (Ciências Humanas, Ciências da Natureza, Linguagens e Matemática). Ajudava a compor este o quadro o Seminário Integrado onde os alunos desenvolvem atividades de pesquisa, colocando em prática os conhecimentos teóricos. O Ensino Médio Politécnico começou a ser implantado em 2012 e foi finalizado em 2016. Disponível em <http://servicos.educacao.rs.gov.br/pse/html/projetos> acesso em 06/08/2018.

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participando, inclusive, de várias formações que se dedicaram a discutir a implementação dessa reestruturação curricular de ensino, como o “Pacto Nacional pelo fortalecimento do Ensino Médio”8. Da mesma forma, participei dos seminários

de Educação do Campo apresentando trabalhos desenvolvidos com os educandos da escola. Ainda nessa escola, tive contato com a modalidade de ensino chamada de “Ciclos de Formação Humana”9

, que propõe a perspectiva da avaliação emancipatória a partir da articulação entre as áreas do conhecimento.

Fui assim me constituindo um profissional da educação e, ao mesmo tempo, aprendendo a lidar com as várias mudanças impostas de maneira verticalizada, na maioria das vezes sem discussão com a comunidade e sempre voltada a atender o interesse político envolvido no momento. Esta caminhada inicial me aproximou de alguns colegas que me convidaram a fazer parte do Sindicato dos Professores da Rede Pública Estadual do RS, o CPERS. Logo me escolheram como conselheiro da escola e depois de um tempo me tornei membro da diretoria do 6º Núcleo do Sindicato, localizado no Município de Rio Grande. Neste período iniciaram as ocupações das escolas e a greve dos professores estaduais. A partir de então minha pretensão de iniciar um processo de estudos na Pós-graduação começou a tomar uma forma mais consistente, pois pude acompanhar várias ações do movimento, inclusive na escola da localidade onde moro. A mesma onde concluí o ensino fundamental e hoje desenvolvo meu trabalho como educador.

Diante de tantos momentos vivenciados neste período que passa a fazer e a ser parte da minha vida, do meu imaginário e das minhas indagações, surgem dois questionamentos que direcionam este processo de pesquisa: Como se configurou o movimento de ocupação das escolas em Rio Grande - RS, a partir de seus protagonistas? Em que medida este protagonismo oportunizou aprendizagens democráticas?

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O Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio foi regulamentado pela Portaria Ministerial Nº 1.140, em 22 de novembro de 2013. Através dele, o Ministério da Educação e as secretarias estaduais e distrital de educação assumiam o compromisso pela valorização da formação continuada dos professores e coordenadores pedagógicos do ensino médio público, nas áreas rurais e urbanas. Disponível em http://portal.mec.gov.br/secretaria-de-educacao-basica/programas-e-acoes?id=20189 Acesso 06/08/18

9

A ideia construída pela Secretaria de Educação do RS (SEDUC) organizava o currículo em três ciclos de formação, cada um com três anos ininterruptos. No total, o currículo contém nove anos, com um período de transição do sistema de ensino das séries para os ciclos, mantidos os 200 dias letivos e às 800 horas/aula. Disponível em <https://estado.rs.gov.br/curriculo-das-escolas-do-campo-sera-por-ciclos-de-formacao >

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Assim são os caminhos da vida, cheios de surpresas, estradas curvilíneas, mas também com muitas possibilidades. Retomando mais uma vez a fala do Professor Pacheco, quando disse que as pessoas escolhem a educação ou por amor ou por vingança, é possível concordar com esta fala diante do caminho percorrido até a escolha da temática deste trabalho. No entanto, me atreveria a acrescentar a palavra “esperança”. Esta, juntamente com as outras duas citadas pelo professor, poderia fechar um belo trio, e então seria possível afirmar que as pessoas escolhem a educação ou por amor ou por vingança, que foi se transformando em justiça, ou por esperança. Da mesma forma como nos ensinaram os estudantes secundaristas das escolas estaduais gaúchas, não basta vestir o preto, é preciso trocar a cor da camiseta pelo verde para transformar o Luto em verbo.

1.1. Intenções do processo de pesquisa.

O Movimento de Ocupação das escolas estaduais, independentemente do estado que tenha se estabelecido, tinha como opção clara a defesa da escola pública e sua educação de qualidade. Em prévias análises é possível também perceber que pretendia fazer do espaço escolar um novo território para redefinir como lugar.

Neste sentido o objetivo geral da pesquisa está alicerçado na ideia de analisar as práticas sócio-espaciais que constituíram o movimento de ocupação a partir das narrativas dos estudantes e como contribuíram no protagonismo e nas aprendizagens democráticas.

Os objetivos específicos do trabalho são:

 Entender o momento político e educacional em questão e suas relações com o estabelecimento do Movimento de Ocupação;

 Identificar a gênese do Movimento Ocupação e seus desdobramentos no âmbito do município de Rio Grande, a partir das narrativas de seus participantes;

 Perceber os desdobramentos sociais, políticos e pessoais dos estudantes a partir do Movimento de Ocupação, considerando os conceitos de lugar, território e rede.

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23

 Conhecer quais atividades e propostas foram desenvolvidas no processo de ocupação.

1.2. Caminhos e opções metodológicas.

Nos itens a seguir serão apresentados o percurso e as opções que foram tomadas na construção do trabalho no que se refere à metodologia, ou seja, inserção no campo de pesquisa e coleta das informações com o público entrevistado. Trata-se de um caminho que foi sendo construído antes mesmo da pretensão de se tornar uma pesquisa de mestrado. Vincula-se a uma vida docente, um sonho, uma utopia e uma esperança concretizada nos atos e efeitos de um movimento juvenil.

A opção de desenvolver o trabalho dá-se no âmbito da pesquisa qualitativa, tomando como método para geração de dados a entrevista narrativa (JOVCHELOVITCH & BAUER, 2002) e tendo como procedimento para o tratamento dos dados os processos da análise de conteúdo (BAUER, 2002; FRANCO, 2003). São sujeitos da pesquisa jovens estudantes das escolas que tiveram processo de ocupação na área de abrangência da 18ª CRE, mais especificamente no município de Rio Grande. Diante da dificuldade de encontrar estudantes que haviam participado do movimento, pois muitos já não se encontravam mais nas escolas, a comunicação foi realizada inicialmente a partir de uma lista de contatos, que estava junto à diretoria do 6º núcleo do CPERS em Rio Grande, a qual servia na época das ocupações para comunicação com alguns estudantes no sentido de realizar as doações de alimentos e materiais de higiene para as escolas que estavam no processo de ocupação. A partir das primeiras entrevistas os/as próprios/as jovens indicavam outros/as jovens que haviam participado nas mais diferentes escolas.

A narrativa como forma de investigação está relacionada, segundo JOVCHELOVITCH & BAUER, 2002, com a crescente consciência do papel que o contar histórias desempenha na constituição dos fenômenos sociais. Desta forma, entrevista narrativa é uma técnica específica de coleta de dados que resgatam discursos, histórias de vida ou histórias sociais.

Todo conhecimento, de certa forma, se distribui a partir do contar, falar e interpretar os discursos, deste modo, parece que nós seres „‟pensantes”

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usufruímos destas características próprias para ressignificar os fatos e suas interpretações, aliviar as angústias e esvaziar a mente de acontecimentos cotidianos e que fazem parte da vida social. Diante disso é possível perceber a narrativa como parte fundamental das relações sociais e humanas, algo que, de certa medida, vai ao encontro da proposta deste trabalho que trata justamente destas relações que foram estabelecidas durante as ocupações nas escolas. Deste modo observa-se a importância das falas dos protagonistas – assim serão chamados os e as jovens que estiveram à frente do Movimento de Ocupação. Sobre a descrição da entrevista narrativa entendemos que:

O esquema de narração substitui o esquema pergunta-resposta que define a maioria das situações de entrevista. O pressuposto subjacente é que a perspectiva do entrevistado se revela melhor nas histórias onde o informante está usando sua própria linguagem espontânea na narração dos acontecimentos. (JOVCHELOVITCH & BAUER, 2002, p.95)

Ainda sobre os procedimentos da entrevista narrativa é possível identificar quatro fases: a iniciação, a narração central, a fase das perguntas e a fala conclusiva. Tais procedimentos auxiliam na provocação dos atores da pesquisa no sentido de dar uma sequência à conversa, ou seja, dar uma significação à história a partir dos acontecimentos ocorridos, conforme ilustra a tabela a seguir:

Tabela 01 – Procedimentos da entrevista narrativa

Fases Regras

Preparação Exploração do campo

Formulação de questões que surgem a partir do tema 1. Iniciação Formulação do tópico inicial para narração

Emprego de auxílios visuais 2. Narração Final Não interromper

Somente encorajamento não verbal para continuar a narração Esperar para os sinais de finalização

3. Fase de perguntas Somente “Que aconteceu depois”?

Não dar opiniões ou fazer perguntas sobre atitudes e contradições Não fazer perguntas do tipo “por que”?

4. Fala conclusiva Parar de gravar

São permitidas perguntas do tipo “por que”?

Fazer anotações imediatamente depois da entrevista Fonte: Adaptada de JOVCHELOVITCH & BAUER, 2002, p.97

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Importante ressaltar que os procedimentos elencados forneceram uma postura vigilante no desenrolar das entrevistas, visto que, a imersão no campo de pesquisa dada pela trajetória de vida pessoal e profissional do pesquisador oportunizaram uma narrativa que tornou o processo muito mais próximo de uma conversa entre pares.

A sistematização destas entrevistas seguiu o processo da análise de conteúdo das mensagens, que para Franco (2003) acontecem na perspectiva da sondagem de dados coletados considerando as Unidades de Análise, a saber: Unidades de Registro e Unidades de Contexto.

As Unidades de Registro são definidas por alguns tipos, características, campos e limitações como, por exemplo: a palavra que pode ser oral ou escrita e carregada de simbologias e definições; o tema que envolve além de aspectos ideológicos, os emocionais e afetivos – e por isso considerado o mais útil dentro desta unidade; o/a personagem que se refere às pessoas que dão corpo e sentido à pesquisa e que são indispensáveis para a contextualização dos dados; e o item que é importante para a definição das particularidades implícitas no assunto tratado.

Ainda segundo Franco (2003) as Unidades de Contexto podem ser consideradas o “pano de fundo” que dá significado às Unidades de Análise, pois podem ser obtidas com base em dados que caracterizam os/as informantes, ou seja, condições de vida, grupos sociais nos quais estão inseridos/as e outros aspectos da vida dessas pessoas. Com base nesta caracterização entendemos que:

A unidade de contexto é a parte mais ampla do conteúdo a ser analisado, porém é indispensável para a necessária análise e interpretação dos textos a serem decodificados (tanto do ponto de vista do emissor, quanto do receptor) e, principalmente, para que se possa estabelecer a necessária diferenciação resultante dos conceitos de “significado” e de “sentido” os quais devem ser consistentemente respeitados, quando da análise e interpretação das mensagens disponíveis. (FRANCO, 2003, p.40)

E ainda:

Incorporando as Unidades de Registro, as Unidades de Contexto, podem ser explicitadas via confecções de tabelas de Caracterização (sempre acompanhadas de suas devidas análises); podem ser relatadas sob formas de histórias de vida, de depoimentos pessoais, de um conjunto de palavras, de um parágrafo ou mesmo de algumas sentenças. O importante é ressaltar que qualquer que seja a forma de explicitação, fique claro o contexto a partir do qual as informações foram elaboradas, concretamente vivenciadas e transformadas em mensagens personalizadas, socialmente construídas e expressas via linguagem (oral, verba ou simbólica) que permitam identificar o contexto específico de vivência, no bojo do qual foram construídas,

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inicialmente, e, com certeza, passíveis de transformações e reconstruções. (FRANCO, 2003, p. 42).

Dentro desta perspectiva, o contexto trata de um aspecto indispensável e necessário para compreender as várias situações em que se encontravam as escolas no período em que as ocupações escolares ganharam destaque. Permitem contextualizar as mensagens no sentido de interpretá-las levando em conta as características dos grupos ou dos sujeitos, da pesquisa.

Assim foram realizadas 11 entrevistas narrativas com alunos de 10 escolas das 11 ocupadas no município. Observo que duas dessas entrevistas referem-se a uma mesma escola e que, em uma das escolas ocupadas, não foi possível realizar a entrevista dada a dificuldade de localizar os estudantes.

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27

SEGUNDO CAPÍTULO

2. A gênese das ocupações no contexto mundial.

“Quem não luta pelos seus direitos não é digno deles! Ocupar e resistir!” (frase dos cartazes da ocupação)

Os protestos fazem parte da história dos povos e nações ao redor do mundo, servindo para colocar em destaque situações ou fatos que podem estar em discordância com os direitos de uma parte ou da maioria da sociedade. Os protestos, na sua maioria, são atos públicos ou individuais que expressam, geralmente, descontentamento ou discordância em relação a alguma coisa. No caso das ocupações, trata-se de uma onda de reivindicações feitas através de movimentos sociais que tem como pano de fundo a crise social, econômica e financeira que se estende desde 2008. A crise que assolou o mundo deixou um rastro de fome, desemprego e uma grande ausência de políticas públicas para sanar as carências das sociedades mundo a fora. Este fenômeno que surge em 2011, conforme apresenta Carneiro (2012, p. 7), foi uma “eclosão simultânea e contagiosa de movimentos sociais de protesto com reivindicações peculiares em cada região, mas com formas de luta muito assemelhadas e consciência de solidariedade mútua.” Ainda segundo Carneiro (2012, p. 8), “Em todos os países houve uma mesma forma de ação: ocupações de praças, uso de redes de comunicação alternativas e articulações políticas que recusavam o espaço institucional.”

Neste período algumas comparações foram feitas entre o novo fenômeno, e outros mais antigos, como por exemplo a “Primavera dos Povos”.10

Os movimentos que ocorreram na América Latina, sobretudo no âmbito estudantil, empenharam-se na luta por uma educação pública e gratuita, sendo capaz de mobilizar setores da juventude e de excluídos sociais alvos de intensas e

10

Trata-se de uma série de movimentos que ocorreram por toda a Europa em 1848, mesmo ano em que Karl Marx e Fredrich Engels lançaram o Manifesto do Partido Comunista. As Revoluções de 1948 ou Primavera dos Povos faziam uma forte oposição ao modelo monárquico e, também, reivindicavam soluções para a crise social, econômica e financeira da época, causada por instabilidades políticas na França.

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sistemáticas repressões, sejam elas na esfera material ou intelectual, quando privadas do direito à educação de qualidade. Carneiro (2012) complementa:

Houve algo de dionisíaco nos acontecimentos de 2011: uma onda de catarse política protagonizada especialmente pela nova geração, que sentiu esse processo como um despertar coletivo propagado não só pela mídia tradicional da TV ou do rádio, mas por uma difusão nova, nas redes sociais da internet, em particular o Twitter, tomando uma forma de disseminação viral, um boca a boca eletrônico com mensagens replicadas a milhares de outros emissores. (CARNEIRO, 2012, p. 9)

Outro marco dos protestos iniciados em 2011 foi a ocupação de Wall Street11 iniciada no dia 17 de setembro de 2011. As bases do protesto, no entanto, alicerçavam-se na crítica à desigualdade social e econômica, à ganância, à corrupção e à grande influência de empresas sobre o governo, particularmente do setor de serviços e finanças, conforme nos diz Peschanski (2012):

O movimento global dos “ocupas” – acampamentos de estudantes e trabalhadores em áreas públicas de centenas de cidades em todo o mundo – iniciado no segundo semestre de 2011, tem entre suas principais bandeiras a crítica à desigualdade econômica. (PESCHANSKI, 2012, p. 26)

Em um contexto global de crescente taxa de desemprego, tornando a maior parte da população vulnerável economicamente, os protestos de Wall Street criam seu slogan: "Nós somos os 99%", referindo-se à parcela da população negativamente afetada pela desigualdade de distribuição de renda e riqueza nos EUA. Para atingir seus objetivos foi realizada uma ocupação permanente, onde os protestos chegaram a reunir 15 mil pessoas. Sobre essa desigualdade econômica, Peschanski (2012) acrescenta:

A desigualdade econômica mina sistematicamente o funcionamento democrático. Isso ocorre devido a pelo menos dois mecanismos. Primeiro, os ricos têm acesso mais fácil aos tomadores de decisão e capacidade de influenciá-los, de modo legal ou ilegal. Segundo, há um viés nas arenas políticas para atender aos interesses da parcela da população que controla os fluxos de investimento. Isso porque, se não há investimentos, o mercado de trabalho se fragiliza, prejudicando os trabalhadores (menos emprego) e onerando o Estado (menos arrecadação de impostos e mais repasses a políticas sociais). Mesmo em sistemas democráticos, propostas políticas que não atendem aos interesses dos ricos são muitas vezes deixadas de lado, por mais que gerem benefícios reais à sociedade. (PESCHANSKI, 2012, p. 30)

Em todos estes movimentos dos “ocupas”, inclusive Wall Street, é possível salientar o papel das redes sociais na organização das manifestações. Embora

11

A Wall Street é uma rua considerada o coração histórico do atual Distrito Financeiro da cidade de Nova Iorque, onde se localiza a bolsa de valores de Nova Iorque, considerada a mais importante do mundo.

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existam casos em que estas novas tecnologias acabam sendo empecilhos aos processos democráticos disseminando notícias duvidosas, observa-se que as redes desempenharam verdadeiros exemplos de globalização a favor das minorias e contribuindo para estruturar sua coletividade. O movimento explícito que enfrenta o poder do dinheiro representado pelo grande centro financeiro de Nova York, toma o espaço público convertendo-o em “espaço político de iguais, um lugar de discussão aberta e debate sobre o que esse poder está fazendo e as melhores formas de se opor ao seu alcance.” (Harvey, 2012, p.60). Está estratégia, se podemos assim configurar os “ocupas”, alastrou-se por todo o mundo mostrando que o poder do coletivo no espaço público continua sendo a melhor forma de oposição quando outros meios, ditos democráticos, estão bloqueados por uma política de corrupção e de monopólio financeiro. Os “ocupas” colocaram na agenda política a discussão de alternativas aos regimes econômicos desiguais, proporcionando aprendizagens democráticas de interesse da população, sobretudo a mais excluída.

2.1. O lugar e o território do Movimento de Ocupação.

“Pra acalmar o coração Lá o mundo tem razão Terra de heróis, lares de mãe Paraíso se mudou para lá Por cima das casas, cal Frutas em qualquer quintal Peitos fartos, filhos fortes Sonhos semeando o mundo real” (Vilarejo - Marisa Monte)

Quem nunca se deparou com aquela memória que faz relembrar um acontecimento vivido e que traz aquela sensação de saudade ou de pertencimento, ou, até mesmo, alguns cheiros ou elementos visuais? Será que eles podem remeter nossa memória ao pensamento de algum lugar? É possível então dizer que o conceito de lugar está ligado ao nosso cotidiano, nossas memórias ou a espaços que possam nos dar a ideia de pertencimento ou apreço? E se fôssemos além? Poderíamos dizer que espaços constituídos pela conjuntura dos modelos econômicos vigentes como o trânsito, os locais de trabalho e as precárias condições de moradia são lugares? A escola é um lugar? A escola com ocupação é um lugar?

Trago a seguir alguns elementos que ajudarão a compreender um pouco mais sobre o conceito que pode ter vários significados em diversos campos do

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conhecimento, mas que, neste caso, ganha uma definição geográfica. Trata-se da concepção de lugar no âmbito das Ocupações Escolares.

Outro aspecto a ser abordado é a diferenciação que precisa ser feita entre lugar e território, pois não são conceitos equivalentes. Identificar em que medida os conceitos de lugar e território podem auxiliar as análises sobre o Movimento de Ocupação realizado nas escolas estaduais de Rio Grande/RS, é o desafio que se tem pela frente. Para esta abordagem será feito um diálogo entre autores que discutem em suas análises aspectos da pesquisa sócio-espacial e da Geografia do poder, a saber, respectivamente: Santos (2005, 2012, 2013), Souza (2010, 2013) e Raffestin (1993).

Se tomarmos às mãos alguns dicionários, veremos que as definições da palavra lugar abordam: limites, questões geométricas, imagens e até mesmo espaço e território. Neste sentido, aqui trataremos deste conceito ressaltando sua importância para a pesquisa sócio-espacial a partir da ideia de espaço vivido e percebido conforme nos aponta Souza (2013). Para isso, o autor faz uma distinção clara entre lugar e território indicando quais dimensões estão presentes dentro destes conceitos:

Pois bem: no caso do conceito de lugar, não é a dimensão do poder que está em primeiro plano ou que é aquela mais imediatamente perceptível, diferentemente do que se passa com o conceito de território, mas sim a dimensão cultural-simbólica e, a partir daí, as questões envolvendo as identidades, a intersubjetividade e as trocas simbólicas (...) o lugar está para a dimensão cultural-simbólica assim como o território está para a dimensão política. (SOUZA, 2013, p.117)

Milton Santos faz uma interpretação do lugar como “condição e suporte das relações globais” (SANTOS, 2005, p.156), às vezes concebido como mercadoria e, também, como expressão de uma individualidade. De acordo com ele, no surgimento do meio técnico-científico-informacional, o lugar emerge como uma combinação particular dos modos de produção, reflexo da divisão do trabalho. Na ordem local/global se constitui também uma razão global e uma razão local, que em “cada lugar se superpõem e, num processo dialético, tanto se associam quanto se contrariam” (SANTOS, 2005, p. 166). Deste modo, para dialogarmos com Milton Santos, o local surge com as carências e necessidades específicas de cada escola ocupada no município, mas em sintonia com a complexa situação vivenciada no âmbito estadual, caracterizando o aspecto global.

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Assim, cada lugar constitui uma existência corpórea e uma existência que se relaciona com o mundo globalizado. Há, no mesmo lugar, o que ele chama de “acontecer hierárquico” resultante das ordens e informações provenientes de outros centros de poder que geram verticalidades e, ao mesmo tempo, o “acontecer solidário” resultante da realização de tarefas comuns produtoras de relações comunicacionais advindas do cotidiano partilhado que geram horizontalidades. Nesse sentido, Santos considera que o lugar é “globalmente ativo” e que “mais importante que a consciência do lugar é a consciência do mundo obtida através do lugar” (SANTOS, 2012, p.161-162). Essa consciência pode ser, no lugar, possibilidade de autonomia, de construção de um projeto de futuro que seja diferente do hegemônico. Retomando Souza (2013):

A expressão denotativa de “lugar” é polissêmica, ou seja, possui uma variedade de significados, no entanto, o conceito de lugar para a Geografia, por exemplo, é alvo de um debate mais específico, ganhando novos contornos a partir da década de 1970 “como um espaço percebido e vivido, dotado de significados e, e com base no qual desenvolvem-se e extraem-se os “sentidos de lugar” e as imagens de lugar.” (Souza, 2013, p. 116)

Se o lugar está relacionado com a dimensão cultural-simbólica e o território com a dimensão política, podemos vincular esta afirmação à ideia de poder que Raffestin (1993) traz em suas análises quando escreve sobre o território. Segundo ele o território é material ainda que possa não ser perene. É passível de delimitação e precisa do poder e das pessoas. Podemos desta forma, afirmar que foi o que ocorreu nas ocupações, onde se formaram territórios com objetivos comuns e coletivos para uma tentativa de inverter uma determinada lógica do poder que entrava nas escolas através de ações e mudanças curriculares de cunho duvidoso e, por vezes, oportunista.

2.2. O conceito de redes: articulação no espaço geográfico

Quando mencionada, a palavra “rede” lembra-me o material que recolhe do mar os peixes, confeccionada por fios de espessuras diversas, de acordo com o tipo de pescado, mas, sobretudo feita artesanalmente com um sistema de linhas ou fios e nós. Esta figura concreta que ilustra meu pensamento quando a palavra é mencionada deve-se, provavelmente, à minha proximidade com o mar, contudo, outras definições se aplicam para esta palavra, como por exemplo, as redes de

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abastecimento de água e energia elétrica, redes viárias, ferroviárias, rede de esgotos, de telecomunicações, ou mesmo redes de contatos. O fato é que todos estes símbolos concretos ilustram o entendimento sobre o que é uma rede, na ideia das chamadas “redes técnicas”. No entanto, no contexto deste trabalho, serão abordadas as redes abstratas e seus desdobramentos na articulação de informações no espaço geográfico, na perspectiva de Souza (2013, p. 167) quando diz que: “Abstratamente, um conjunto estruturado de ligações ou de fluxos, em que os “fios” entre os nós são chamados de arcos e os “nós” são, muito simplesmente, chamados de nós, com tudo isso compondo uma trama integrada, é uma rede”. Ainda segundo o autor, as redes podem, portanto, ser consideradas geográficas quando são interconectadas por certo número de ligações, as quais podem ser definidas como fluxos. Esses fluxos podem ser: de passageiros, de informação, de energia e ainda podem articular e ligar diferentes pontos no espaço geográfico, o qual pode ser definido como o espaço onde interagem ser humano e natureza em uma condição de transformação através da organização social, técnica e econômica. Embora as chamadas “redes técnicas” ganhem maior destaque, estudos vinculados à pesquisa sócio-espacial tratam do tema em diferentes perspectivas, como por exemplo, o uso das redes no contexto das ciências da sociedade. Diante disso, Souza (2013) explica esse contexto e faz uma crítica ao uso “desespacializado” no que diz respeito ao que chama de “redes sociais”:

Uma trincheira particularmente interessante de aplicação do conceito de redes, pelas ciências da sociedade, é aquela que busca capturar aspectos fundamentais da dinâmica e do modo de estruturação de protestos e ativismos sociais com o auxílio desse conceito. Porém, é uma pena que, enquanto alguns desses trabalhos, via de regra assinados por sociólogos de formação, lidam sem dar o devido crédito ou explicitar qualquer diálogo, nitidamente com temas esquadrinhados pelos geógrafos (...), outros, ainda por cima, chegam ao cúmulo de, na esteira de uma interpretação ligeira e estereotipada da globalização e seus efeitos, “desespacializam” as redes sociais.” (SOUZA, 2013, P. 169)

Ainda, nesta esfera abstrata, há o papel das “redes ocultas ou submersas”. As redes submersas são aquelas que não se tornam visíveis, pois necessitam estar longe da mídia por se tratar de uma ação que pretende organizar, por exemplo, um protesto no qual se descoberto poderia ser rapidamente impedido de acontecer. Não podemos dizer que são redes clandestinas, comparando com outras formas ilícitas de organização, mas sim que se configuram como uma organização que se fortalece por estar longe do poder dominante e assim dar voz aos que pretendem lutar por

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seus direitos, deixando, portanto, de ser oculta e passando a ser visível. Neste contexto, podemos considerar que o Movimento de Ocupação em sua gênese e, também, em seus desdobramentos mundo a fora, chegou às nossas escolas estaduais e se estabeleceu a partir de um sistema de redes ocultas ou submersas. Nesta perspectiva, Souza (2013) acrescenta:

A ignorância em relação a tais redes ou o desinteresse para com elas recorrentemente faz com que muitos estudiosos acadêmicos sejam volta e meia surpreendidos pela eclosão e pela rápida difusão de protestos, ondas de protestos e movimentos, que enganadoramente parecem “surgir do nada” e suscitam, às vezes, interpretações intelectualmente indigentes a propósito de uma mítica e mal definida “espontaneidade”. Sem dúvida, como brilhantemente tantas vezes argumentou o filósofo Cornelius Castoriadis. A história é um processo radical de criação, sendo, por conseguinte, radicalmente aberto à contingência, ao inesperado (...). Nem por isso, contudo, é desculpável, o tipo de perplexidade derivado da contumaz negligência para com as “redes submersas”. (SOUZA, 2013, P. 160)

Um exemplo claro que pode ser utilizado para ilustrar as redes abstratas, a partir das redes técnicas seria utilizar os sistemas de nós e arcos (fios) como explicação deste contexto. Tomando como exemplo Souza (2013), onde uma rede de abastecimento de água possui as unidades consumidoras como sendo os nós e as tubulações como sendo os arcos, e aplicando no contexto das escolas ocupadas, podemos entender que: os nós seriam as escolas que estavam sendo ocupadas, e os arcos os estudantes envolvidos no processo, articulando entre si um fluxo de informações, que culminavam nas manifestações, atos, plenárias, mantendo assim, a organização do movimento em nível local e regional e configurando o território do Movimento de ocupação.

Neste sentido, mesmo que pareça difícil, como sugere Raffestin (1993) associar o conceito de rede ao conceito de território, Souza (2013) indica que é possível em algumas circunstâncias combinar os dois conceitos, chamando de “território em rede” o poder organizado em rede, como ocorreu nas ocupações. Nesta perspectiva, o território que pode ser concreto, delimitado ou construído a partir de relações abstratas ou subjetivas, é criado a partir das relações sociais que se reposicionam com a força das redes, criadas, neste caso, a partir das novas tecnologias da comunicação e da informação. Cabe ressaltar, por fim, que mesmo com todas as conexões virtuais e em rede que colaboram para a articulação dos atos e protestos coletivos, nada substitui a interação entre as pessoas que se

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colocam de forma presencial nos espaços públicos como forma concreta de manifestação democrática.

2.3. Caracterização da área de estudo: o lugar das ocupações.

Tendo em vista o que foi abordado sobre o conceito de lugar, surge como segundo passo a ser contemplado neste processo, o mapeamento das escolas ocupadas pelos estudantes, sobretudo no interior do estado, mais especificamente no município de Rio Grande, área de abrangência da 18ª Coordenadoria de Educação.

Figura 01 - Mapa da localização da área de estudo

Fonte: Cicconet, 2019.

Rio Grande foi o segundo município do Estado com maior número de ocupações, perdendo apenas para Porto Alegre segundo dados disponíveis nos

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informativos do Centro de Professores do Rio Grande do Sul (CPERS) 12 e, também, em outros veículos de comunicação13. As ocupações ocorreram em escolas localizadas na parte central do município, nos bairros e também em um distrito, conforme indicará o mapa a seguir:

Figura 02 - Mapa das escolas ocupadas no município de Rio Grande/RS

Fonte: Cicconet, 2019.

Os alunos em vários momentos se comunicavam através de mídias sociais para tomarem decisões sobre fazer assembleias, caminhadas de apoio ao magistério, entre outras atividades. Mesmo distantes geograficamente houve

12

Disponível em < http://cpers.com.br/cresce-ocupacoes-de-escolas-por-estudantes-em-diversas-regioes-do-estado-em-defesa-da-educacao/>Acesso 31/08/2018

13

Disponível em: <http://www.correiodopovo.com.br/Noticias/Ensino/2016/5/587277/Alunos-ocupam-seis-escolas-do-Sul-do-Estado> Acesso em 31/08/2018 <https://educacao.uol.com.br/noticias/2016/05/16/no-rs-alunos-ocupam-13-escolas-professores-estao-em-greve.htm> Acesso em 31/08/2018 < http://biblioo.info/greve-dos-professores/> Acesso em 31/08/2018 <http://www2.al.rs.gov.br/noticias/ExibeNoticia/tabid/5374/IdMateria/304817/language/pt-BR/Default.aspx> Acesso em 31/08/2018

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