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“Eu acredito é na rapaziada Que segue em frente e segura o rojão Eu ponho fé é na fé da moçada Que não foge da fera e enfrenta o leão Eu vou à luta com essa juventude Que não corre da raia a troco de nada Eu vou no bloco dessa mocidade Que não tá na saudade e constrói A manhã desejada” (Acredito na Rapaziada – Gonzaguinha)

Seria difícil e até mesmo incoerente não falar sobre a estranheza dos tempos em que estamos vivendo no âmbito da democracia e do mundo das ideias. Aqui o recorte temporal maio/junho de 2016 une-se aos sentimentos confusos vivenciados no segundo semestre de 2018 quando uma onda de projetos antagônicos ao sistema democrático de direito toma conta do cotidiano das instituições e das pessoas, por vezes influenciando-as.

Quando comecei a gestar a proposta de uma pesquisa que pudesse compreender o fenômeno das ocupações e sua relação com o protagonismo juvenil na perspectiva das aprendizagens democráticas, não imaginava o cenário político que se estabeleceria no país e o quanto seria necessária e oportuna esta pesquisa para defender as pautas de luta, resitência, protagonismo e democracia. Hoje, após analisar as narrativas dos jovens que participaram do movimento de ocupação, observo aquele contexto de 2016 e este atual em que nos encontramos a partir de um olhar mais criterioso sobre a história recente. Os acontecimentos, sobretudo no âmbito político, não são obras do acaso, mas, questões conjunturais dentro de alguns cenários que se estabalecem a partir de uma relação global-local.

Nocaso das ocupações, por exemplo, fatos como os que ocorreram em Wall Street em 2011, seguidos pela eclosão de outros protestos pelo mundo e as manifestações contrárias ao aumento da passagem do transporte público em 2013 e que ganharam as ruas das principais capitais do Brasil, foram uma sequência de fatos que contribuíram para o estabelecimento de um cenário político propício para que mais tarde, em 2016, surgissem as ocupações nas escolas, inicialmente em São Paulo e no Paraná e depois no Rio Grande do Sul. As bases de todos estes protestos, no entanto, alicerçavam-se na crítica à desigualdade social e econômica, à ganância, à corrupção e à grande influência do capital privado sobre os governos.

Paralelamente a estes protestos, as camadas mais conservadoras da sociedade também se organizavam, basicamente através de mídias sociais e com apoio e estímulo da grande mídia, para enfrentar o governo e sua inércia frente à oposição que se configurava mais forte e barrava as iniciativas políticas do executivo, além da crítica ferrenha aos escândalos de corrupção que vinham ocorrendo.

Este cenário criado entre os anos de 2011 e 2016 ocasionou uma polarização entre esquerda e direita no país e lançou as bases, tanto para o surgimento e o fortalecimento dos movimentos de esquerda – e aqui podemos observar os “ocupas”, quanto para o estabelecimento de um cenário propício ao impeachement da Presidente Dilma Roussef e o retorno de setores mais conservadores ao poder. Neste sentido, podemos considerar que o Movimento de Ocupação surge em um cenário político polarizado e de disputas de poder acirradas.

Quando iniciei o processo de elaboração desta pesquisa, não consegui imaginar e prever o quanto ela seria significativa na minha vida pessoal e profissional, e, também, o quanto seria oportuna para o momento político em questão. Não previa os contornos políticos, geográficos e educacionais, que ela ganharia. O processo foi acontecendo de forma artesanal, observando cada momento e cada detalhe para que o produto final pudesse demonstrar, de forma significativa, o momento especial em que os jovens estudantes nos deram uma verdadeira aula de democracia, cidadania e resistência. Durante o processo de desenvolvimento desta pesquisa, acompanhei aflito os “novos” rumos da política brasileira com sentimentos de angústia e até mesmo de desesperança diante do retrocesso que começava a eliminar direitos conquistados com muito suor e podem eliminar, por exemplo, as poucas conquistas do Movimento de Ocupação.

As entrevistas ocorreram em um momento crítico e contraditório, ou seja, no momento em que as urnas revelaram a vontade popular de que um projeto de poder , no meu entendimento, contrário à democracia começasse a ser colocado em prática. Assim, eu buscava compreender, com um olhar atento, o que esta fase representava para a sociedade brasileira e para a educação e buscava esperançar “freireanamente” a pesquisa com aquelas falas. O resultado foi positivo, afinal, as entrevistas foram um alento para aquela aflição, confirmando a hipótese de que o Movimento de Ocupação havia sido um instrumento protagonizado pelos jovens secundaristas na defesa da escola pública a partir dos ideais democráticos.

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Foram onze escolas estaduais ocupadas no Município de Rio Grande, as quais são representadas pelos jovens estudantes entrevistados. Cada uma delas tinha em sua organização grupos que coordenavam, mas que não se entendiam como lideranças, pois nos relatos aparecem várias argumentações defendendo que tudo era feito com base na coletividade. Em alguns momentos, desenvolvendo-se, inclusive, um coletivo mais ampliado de escolas que se reunia para avaliar o movimento e estabelecer estratégias de mobilização em conjunto. É interessante perceber que na maioria dos casos eram jovens que buscavam o direito a ter voz e participação efetiva no espaço escolar para fazer dele o seu lugar. Jovens de vários bairros da cidade, grande parte localizados na periferia, vinculados ou não a movimentos sociais ou grupos juvenis religiosos e que viram no movimento de ocupação uma forma de participar na construção da mudança que almejavam para a escola pública, defendendo-a e exigindo sua qualificação. Jovens que hoje têm, na sua grande maioria, opções de vida que dialogam com a defesa dos direitos, da justiça e da democracia. Jovens que ingressaram na universidade ou que continuam no movimento estudantil secundarista e que hoje fazem de suas vidas uma notável prática daquilo que foi construído nas ocupações: diálogo, defesa dos direitos essenciais, coletividade e participação democrática.

Estamos vivendo um período bastante complexo para a recente história da democracia brasileira, como já foi mencionado. Os direitos conquistados com luta e sacrifício nas gerações de 60, 70 e 80 do século XX são confundidos com privilégios. A tecnologia das mídias, que deveria nos aproximar e nos ajudar a ser mais autônomos, acabou se tornando um instrumento para veicular notícias falsas, onde a opinião se torna verdade, ou pós-verdade, e é capaz de mudar o rumo da situação política, onde as minorias são cada vez mais marginalizadas e a disseminação do ódio cresce e toma conta da sociedade. Tudo isso gera reflexões e me faz pensar sobre qual o futuro que nos espera, tomando como base a perspectiva democrática e a liberdade de pensamento. Será que estamos em meio a uma repressão disfarçada de democracia? Qual será o futuro político do Brasil e o que está em jogo no campo democrático? São questões que a conjuntura nos aponta e que serão respondidas ao longo deste tempo e espaço em que nos encontramos. No entanto, o exemplo de resistência dado pelos jovens secundaristas nos serve de esperança na busca de uma sociedade mais justa, mais igualitária, mais humana e mais fraterna.

Considerando estes aspectos, pude me enxergar enquanto educador, olhar minha trajetória profissional e perceber o quanto ainda é preciso caminhar e lutar por uma escola acolhedora e inclusiva, tanto para os estudantes quanto para os trabalhadores da educação. Na minha práxis esta investigação foi fundamental para entender que a escola é, na maioria das vezes, uma moeda de troca que sofre com as concepções ideológicas vigentes. Sintetizando, entendo que a maior aprendizagem democrática que o Movimento de Ocupação deixou para o município de Rio Grande foi a demonstração de que a escola é um local público que deve ser gerenciado com responsabilidade pelos governos, na busca pela qualidade socialmente referenciada dos processos de ensinar e aprender, na valorização dos educadores e funcionários para que educação possa ser vista como elemento fundamental na construção de uma sociedade justa e igualitária, possibilitando melhores condições de vida e dignidade para todos e todas. De agora em diante e cada vez mais, “ninguém solta a mão de ninguém” − conforme escrevi na canção que compus durante a pesquisa (anexo 3). Que a esperança inquieta dos jovens protagonistas desta pesquisa nos motive a continuar o caminho!

Canção óbvia!

Escolhi a sombra desta árvore para repousar do muito que farei, enquanto esperarei por ti. Quem espera na pura espera vive um tempo de espera vã. Por isto, enquanto te espero trabalharei os campos e conversarei com os homens. Suarei meu corpo, que o sol queimará, minhas mãos ficarão calejadas, meus pés aprenderão o mistério dos caminhos, meus ouvidos ouvirão mais, meus olhos verão o que antes não viam, enquanto esperarei por ti. Não te esperarei na pura espera porque o meu tempo de espera é um tempo de quefazer. Desconfiarei daqueles que virão dizer-me, em voz baixa e precavidos: É perigoso agir É perigoso falar É perigoso andar É perigoso, esperar, na forma em que esperas, porque esses recusam a alegria de tua chegada. Desconfiarei também daqueles que virão dizer-me, com palavras fáceis, que já chegaste, porque esses, ao anunciar-te ingenuamente, antes te denunciam. Estarei preparando a tua chegada como o jardineiro prepara o jardim para a rosa que se abrirá na primavera.

(Paulo Freire Brasil 1921-1997- A Canção Óbvia foi escrita em Genéve, em março de 1971 In: Freire, P. Pedagogia da Indignação. São Paulo: UNESP, 2000.).

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