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5. QUINTO CAPÍTULO: CONSTRUÇÃO DAS APRENDIZAGENS

5.6. Conquistas e aprendizagens democráticas

Com os dados, foi possível perceber que o protagonismo e as aprendizagens democráticas se tornam importantes elementos que ao longo dos meses de maio e junho de 2016 fundamentaram as ocupações em Rio Grande. No entanto, estes elementos não ficaram presos a um passado ou momento histórico recente, pelo contrário, continuam presentes naqueles que foram os sujeitos do movimento.

Diante das memórias presentes nas entrevistas, é possível perceber que as conquistas do movimento de ocupação ganham um caráter muito mais pessoal do que social ou coletivo. Em algumas escolas, foi uma espécie de ventania que passou, em outras algumas mudanças podem ser ainda identificadas e em outras é incentivado o esquecimento para não despertar a vontade de se fazer de novo. Contudo, no que diz respeito às conquistas de cunho pessoal, os relatos garantem que o movimento desempenhou um papel fundamental para a formação da consciência política e cidadã, como podemos observar:

“Dentro da ocupação foi o lugar que eu me descobri cantora, foi um dos lugares que eu cantei pela primeira vez para um público grande. Assim... foi essencial na minha construção enquanto ser humano, enquanto participante de uma sociedade, enquanto ser político, enquanto ser política. Eu me descobri bastante dentro da ocupação. Foi muito importante pra mim aquele momento.” (Dandara – Juvenal Muller)

“A questão da ocupação pra mim, mudou sobre a minha visão política. Eu soube mais sobre o que falar, me expressar e me expressar eu acho que foi o mais importante, (...) com a ocupação eu acabei aprendendo a me expressar (...) a visão política, comecei a procurar mais, procurei saber sobre os nossos direitos, o que a gente precisava o que a gente não precisava, o que podia o que não podia (...) a questão de saber lidar com pessoas diferentes (...) acho que aprendi muito sobre isso, me ajudou bastante. Foi onde eu reafirmei o que eu queria ser: professora!” (Simone – Augusto Duprat)

“Na verdade, a ocupação toda foi uma grande aula de cidadania e tudo mais. (...) Eu aprendi muito mais de cidadania em um mês do que eu aprendi em onze anos dentro da escola. Eu saí de dentro da ocupação com outra cabeça, eu procurei entender mais o que era a educação, procurei reivindicar dentro da escola, eu ganhei voz dentro da escola, eu comecei a me preocupar mais, comecei a debater assuntos mais importantes. O pessoal acha que política é tipo time de futebol “ah ganhou” e não é assim a gente tem que levar a sério e a partir da ocupação eu comecei a levar mais a sério isso. Foi uma grande aula de cidadania, coisas que eu levo pra vida hoje foi a ocupação que me ensinou!” (Lucas – Lília Neves)

Acredito que a fala mais marcante que trata sobre a questão das conquistas e aprendizagens tenha partido do estudante Marcos da Escola Mascarenhas de Moraes, quando se refere à contribuição que vai ficar a partir do Movimento de Ocupação:

“O que eu vejo e o que eu trouxe da ocupação, não foi a questão do que a gente conseguiu no papel, foi a questão do que a gente conseguiu para aquela geração que participou da ocupação (...) quem participou, quem tava na luta, quem percebeu a importância daquilo, vai ter muito mais o que levar pra vida, do que quem vai ficar com os ganhos que a gente teve, tipo o aumento dos 25 centavos na merenda.” (Marcos – Mascarenhas)

É possível que o reconhecimento das conquistas da escola enquanto instituição não tenham ocorrido de forma imediata após o término das ocupações, ou que as demandas levantadas pelos ocupantes sequer tenham ganhado espaço nas discussões das gestões escolares ou mesmo nas gestões da SEDUC ou da 18ª CRE, no entanto muitas conquistas na questão da infraestrutura escolar, por exemplo, podem ser atribuídas ao movimento. Ocorreram pequenas reformas, a merenda passou a ganhar um olhar mais cuidadoso por parte da gestão das escolas e, principalmente, algumas escolas passaram a contar com a organização de um Grêmio Estudantil. Um exemplo significativo, no que diz respeito aos ganhos deste movimento pode ser atribuído à Escola Alfredo Rodrigues. Lembremos do caso da comunidade que teve a escola demolida para dar lugar a duplicação da BR 392. Na época da ocupação esta era a principal pauta dos estudantes que reivindicavam melhores e mais seguras condições de estrutura física para estudar. Naquele período, maio e junho de 2016, foram a Porto Alegre e em reunião na SEDUC conseguiram ter acesso ao projeto da nova escola que foi desengavetado e passou a fazer parte da força tarefa do estado. Depois disso, com empenho também de alguns políticos locais e da direção da escola, a obra está em andamento com previsão de ser concluída até 2020. A organização e pauta destes estudantes colaborou significativamente para que a construção da escola passasse de sonho à realidade.

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Figura 22: Construção da Escola Alfredo Ferreira Rodrigues

Fonte: Página da escola26

No âmbito das aprendizagens democráticas podemos considerar vários indicadores presentes nas entrevistas. Cada escola ocupada teve sua singularidade, no entanto, todas tiveram a oportunidade de experimentar processos potencializadores nos quais os “ocupas” foram protagonistas. Deste modo, segue uma forma de expressar visualmente o processo que foi construído pelo movimento de ocupação nas escolas estaduais:

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Figura 23: O processo do Movimento de Ocupação

O movimento de ocupação que se organiza através das redes abstratas, criou um território no município de Rio Grande e tomou como lugar a escola a partir das ações desenvolvidas por seus protagonistas, os estudantes, que através da participação democrática, ou seja, a luta e a defesa pela escola pública como ação política, fortaleceram a autonomia necessária para desenvolver as aprendizagens democráticas.

Romper a lógica do capital, imposta pelos governos que entendem a educação como gasto quando deveriam pensar como investimento, talvez não fosse o cerne do movimento empreitado pelos estudantes secundaristas, mas, podemos assim traduzir algumas pautas levantadas em seus discursos conforme apontado nas entrevistas. Tratava-se, principalmente, da discussão sobre os valores repassados para a merenda das escolas e sobre os prédios provisórios e sem estrutura básica que foram erguidos para substituir as salas de aula inexistentes.

Nas narrativas foram destacadas pelos estudantes questões centrais de suas pautas durante as ocupações, como: valorização salarial dos professores e funcionários, reformas estruturais e obras inacabadas nas escolas, mobiliário precário ou inexistente, utensílios básicos em falta nas cozinhas e, ainda, questões

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que podiam ser individuais ou coletivas conforme a organização do movimento deliberava nos encontros de avaliação e articulação.

Diante disso, surge uma inquietação: A escola pública seria então, um território imposto através do poder para um grupo específico – o mais pobre e necessitado – com o intuito de, assim, formá-lo precariamente para que outros – os mais ricos – pudessem estabelecer condições intelectuais para ter e decidir?

É possível que os estudantes secundaristas, em âmbito nacional, tenham se organizado em movimentos de ocupação para também discutir estas questões, mesmo que de maneira intrínseca, nas entrelinhas do processo, pois a estruturação da organização escolar, desde o período colonial no Brasil, pressupõe uma ação política de manutenção do poder nas mãos da elite e daqueles que possuem mais acesso às decisões. A expressão “estar para” em nossa língua indica “ação”, portanto, compreendendo que lugar e território são duas dimensões intimamente ligadas ao processo vivenciado nas escolas estaduais podemos afirmar, com base nestas análises, que o lugar está para a dimensão simbólica e percebida assim como o território está para a dimensão da política e do poder. Além disso, surge também conforme nos apresenta Souza (2013) o “território em rede” e sua articulação no espaço geográfico.

Os estudantes a partir de suas ações desencadearam diálogos que deram materialidade ao lugar, tornando-o vivido e percebido diante da sociedade que assistia os acontecimentos através dos meios de comunicação. A partir do momento em que o Movimento de Ocupação passa a exercer um contra poder de resistência, começa a ser definido um tipo de territorialidade que Souza (2013), chamaria de “territorialidade alternativa”, pois se coloca em condição de enfrentamento com o poder do Estado, o então responsável pela gestão das escolas e institutos de ensino médio.

Segundo esta análise, é possível afirmar que as escolas estaduais aqui mencionadas são o lugar do Movimento de Ocupação no município de Rio Grande, pois os sentimentos e imagens produzidos e reproduzidos nas interações entre os estudantes e em seus discursos são a materialização do que Souza (2013) chama de espaço vivido e percebido, ou, também, territórios utilizados para defender as identidades a partir da dimensão cultural simbólica. Explica o autor:

Na prática, lugares são, menos ou mais claramente, e menos ou mais fortemente, quase sempre territórios. Isso tem a ver com o fato de que as identidades sócio-espaciais se associam, sempre, relações de poder espacializadas, em que se nota a finalidade de defender as identidades e um modo de vida. (SOUZA, 2013, p. 123)

Parece possível associar a ideia de que o Movimento de Ocupação pretendia criar um novo território, ou seja, uma escola onde a participação dos estudantes na construção do saber fosse efetiva. Além, é claro, da mudança estrutural que estavam propondo no que diz respeito às mudanças políticas que o governo deveria fazer para garantir uma escola de qualidade tanto nos aspectos físicos (reformas, melhorias), quanto humanos (valorização salarial, recursos humanos) para redefinir como lugar o espaço escolar que estava (e talvez ainda esteja) na mão de uma política de desgaste, sucateamento e falta de investimento humano e intelectual.

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