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A PRÉ-HISTÓRIA DO CONCEITO DE INCONSCIENTE

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(1)

A

PRÉ.HISTÓRT¡ NO CONCEITO DE INCONSCIENTE

OSMYR GABBY JR

IJniversidade de São

Paub

U n iv er sidad e E st adua I d e C-amp i nas

1

Refe¡ido no texto daqui por diantc conro "Relatório". 2l.'rcud, S., Report on rny Studies in Paris arld Berlin, p. 11. 3Referido no texto daqui por diante como "Observações",

Cødernos de Histôria e FíIoxtfia da Ciênciø 7 (1984), pp. 43-65. 1. Introduçõo

O

objetivó

do

preænte estudo

é exibir o

solo teórico

em que nasceu

o

conceito de

inconiciente

na obra freudiana. Não se

trata

de examinar o

próprio

conceito, mas sim

del

c

pu3

no

Breuer), que se articula nosso trabalho de pesquisa.

2. Relação Hist eria-Hipno se

No

..RãlatOrio sobre meus Estudos em Paris

e Berlim"

0956 0886)

)r,

Freud apre'

casos.

ogramas

não

se aplicam aos mesmos objetos nem

reconem

aos

s

para realizar

suas investigações.

A

neuropatologia alemã visa técnicas anatômicas

-

as doenças orgánicas.

A

francesa pretende,

ponto de

vista

vai

levá-lo

a

defender

a

tese

da

histeria traumática

masculina (ver ;'Observações

sobte

um

Caso Grave

de

Hemianestesia

em um

Homem Histérico"

(1886) )3. Tal

fato

implica mostrar três coisas:

a) a pr:esença

tlo

estígmø

histérico

-

ou

seja" que os sintomas somáticr,s exibidos pelo paciente não se conformam a sintomas de origem orgânica;

b)

que a

história do

paciente

permite

detectar indícios de que, na origern dos seus sin-tomas,

hâum

traumn;

(2)

44

Osm¡,¡' Gabby Jr.

c)

que a

história familiar do

paciente apresenta evid€ncias suficientes para

inferir

que ele apresenta uma preclisposiçõo heredittinø à histeriaa.

São esses

três

conceitos

-

estigma

histérico,

trauma e predisposição hereditária

-que determinam

o primeiro

momento de nossa reconstrução. Para estudar a paisagem conceitual que eles formam, vamos recorrer ao verbete

"Histeria"

(1888).

Ele

está

articulado em

torno

de

uma única tese: a histeria é uma doença nervosa

cujo único

fundamento

reside

em

modificações fìsiológicas

que "poderiam

ser ex' pressas

por uma fórmula

que

levasse

em

conta

as condições

de

excitabilidade nas diferentes partes

do

sistema

neryoso"s, O

essencial desta tese reside

no

fato

de que a

expressão "modificações fisiológicas" não denota mudanças de caráter anatômico, mas desequilíbrios nas condições

de excitabilidade entre

as diferentes partes

do

sistema neryosou.

Entretanto,

a

fórmula

ainda não existe;porém, a crença na sua

posibilidade

funcio-na como dispositivo heurístico, ou seja, dirige a atenção do pesquisador Para a procura de invariantes funcionais. Estes, na medida em que

forem

descobertos, permitirão sis-tematizar o campo dos fenômenos neuróticos.

O distúrbio funcional

é

atribuído

à disposição hereditária, isto é, à hereditariedade que

cria

esta predisposição a apresentar "perturbações na atividade nervosa"?. Todos

os outros

fatores são considerados, neste momento, contingentes. Por conseguinte, o trauma aparece como um simples coadjuvante num elenco

muito

numeroso.

Por

outro

lado, não é menos verdade que ele possui uma certa especificidade.

Afinal

de contas,

o ttauma

aponta para uma

teoria

sintomática da histeria, para a relação en'

tre

histeria

e hipnose.

No

caso

da

lústeria traumática, um

tipo

particular

de histeria conceituada

por

Charcot, constata-se que a parte do

corpo

afetada pelo trauma torna-se

o

lugar de um sintoma histérico se

o

trauma

for

sufìcientemente intenso para des-pertar a predisposição hereditária que estava latente até o momento.

Como se relaciona a concepção de Charcot da histeria traumática

com

a crença de que há

um

distúrbio

funcional? Através da suposição de que as representações ligadas ao trauma trabalham com um acréscimo de excitação sobre o sistema nervoso. Ora,

su-por

este acréscimo,

produzido

pelas representações,

implica

crer qu€, neste caso, há uma ampliação da influência dos processos físicos. Para entendermos a articulação

en-tre

trauma

e

predisposição hereditária, vamos estudar

o instrumento

de investigação

utilizado

no estudo de histeria, ou seja, a hipnose.

Na segunda resenha que Freud faz de

um

texto

de Forel (1889), encontramos uma apreciação sobre as diversas teorias existentes sobre a hipnose. Contudo, nosso interes-se está voltado para a tese que se insinua no

texto

a

partir

da oposição que ele estabele-ce entre a concepção de Charcot e a de Bernheim, a saber, de que a hipnose é um fe-nômeno simultaneamente somático e psíquico.

4Freuc1,

S., Observation of a Severe Case of Henrianaesthesia in a Hysterical Male, p. 25-31. sl,¡eud, S., Hysteria, p,

4l

ólbid, p.

+t.

7tuíd, p.50.

(3)

A

Prë-Histôría

do

C,onceito de

Incortsciente

45

A

concepção

de

hipnose

como

isposição

especial

do

sistema

os estímulos

pr

tizador8.

EJses estímulos

à existencia

da

ol

conse-guinte,

non

para

a

produção

do

fenômeno

hipnótico.

Portanto,

apenas

iam

ser

hipnotizados,

sendo secundária a

influência

espe-clficad

bre esse processo. E secundária porque elas são equivalentes a uma outra classe de estímulos tais como fixação da atividade sensorial, golpes, aplica-ção de metais, etc. Portanto, o fenômeno

hipnótico

fica restrito exclusivamente à

esfe-ia

fisiológica, somática. Se uma representaçã'o

produz

algum

efeito

sobre

o

indivíduo

hipnotizado

isso se deve somente ao

fato

de que havia uma predisposição latente no sistema neryoso.

Iogo,

na conceþção de Charcot, a relação trauma-predisposiçâo his-térica resolve-se na crença de que apenas

o

segundo

fator

é fundamental, sendo o pri-meiro mero precipitador.

Bernheim sustenta

um ponto

de vista completamente contrário. Para ele, a hipnose resulta

de

sugestões dadas ao paciente pelo

hipnotizador.

O campo dos hipnotizáveis

é

ampliado

e

passa a englobar

toda

e qualquer pessoa que possa ser sugestionada. E a explicação desloca-se

do

campo da fisiologia para

o

da psicologia, uma vez que

"to-dos os fenômenos da hipnose são efeitos psíquicos, efeitos de representações que são provocadas no sujeito hipnotizado com ou sem

intenção"e'

Se fôssemos transpot esses ensinamentos para o estudo da

histeria

e procurássemos explicar a

relação

predisposiçâ'o histérica-trauma teríamos que afirmar que a histeria é

um

fenômeno psicológico provocado

por

representações

-

onde essa possibilidade se

concretiza devido a uma condição especial dada pela disposição histérica, deixando em aberto a questão sobre a sua natureza.

A

teoria insinuada pelo

texto

apresenta-se como um

tertium

entre a de Charcot e a

de Bernheim. Ela pretende entender a hipnose

como

resultado de auto-sugestão. Não se deve

\er

al,

contudo, uma

aproximação

com

Bernheim,

pois

acreditar

na

auto'

sugestão significa

suprimir o

conceito de sugestãot

0.

Este enunciado, aparentemente,

contraditório,

deve ser

interpretado

a

partir

do

"Prefácio

à Tradução de

Sugestion,

de Bernheim" (1888 (1888-91) ).

Segundo a concepção de Bernheim, acreditar que a hipnose se deva a uma sugestão é supor que nesse processo haja a

introdução

de uma representação consciente no cé'

rebro da

pessoa

hipnotizada

através

de uma influência

externa.

O

paciente aceita a

representação

como

se ela tivesse surgido esporìtaneamente em sua mente. Por

outro

lado,

a teoria de Charcot acredita numa predisposição

do

sistema neryoso, ou seja, na existência de deslocamentos produzidos

por

estímulos externos sem a participação da consciência nesse processo.

Entretanto,

o

texto

exibe

resultados experimentais

que

infirmam

ambas as teo-riasl I

.

Por

exemplo,

rnodificações

no sujeito

que se processam à revelia da cons'

8

lrreud, S., Review of August ForcI's Hypttotism, p.97 ,

ett i.l, p. 97.

rolbid, p. 99. r 1Ì,Teu.l,

(4)

46

Osmyr GabbY

Jr

ciência (aumento

da

excitabilidade

neuro-muscular

durante

o

estágio

de

letargia),

como

também

ocorrem

modificações produzidas

por

sugestões durante a hipnose de sujeitos normais.

A

teoria

proposta

por

Freud consiste em pensar que na hipnose atua

um único

fator'

-

a auto-sugestão

-

que se resume em processos psíquicos que se inse-rem entre

um estímulo

externo e a condição nervosa produzida pela própria atividade do sujeito, sendo que esses processos não estão sob o

domínio

completo da consciência,

A

tìm

de precisar o que

foi

afirmado, vamos

traduzir

nos termos dessa nova teoria os conceitos de sugestão (Bernheim) e de condições de excitabilidade (Charcot).

No

en-tanto,

para

que

isso ocorra, é necessário que haja uma modificação nesses conceitos,

o

que se efètua

com

a subordinação deles ao conceito de auto-sugestão. Por exemplo, é possível pensar que a sugestão atue como um estímulo para a auto-sugestão; todavia,

ela terá aqui

como

um novo traço

semântico, a característica de

ter o

seu campo de atuação

limitado

pelas condições de excitabilidade

do

sistema neryoso. Ora, esse

últi

mo

conceito também se alterou, pois ele apresenta agora uma relação com o conceito

de

sugestão que

não existia na

concepção

de

Charcot,

o

qual excluía

da hipnose o papel

da

representação em reginte

de

igttaklade

com

a disposição especial do sistema fìelvoso.

A

conseqüência da construção do conceito de auto-sugestão está na possibilidade de se aprender a hipnose como fenômeno simultaneamente somático e psíquico. Somáti-co, na medida em que depende, de maneira relevante, das condições de excitabilidade

do

sistema nervoso; psicológico,

porque

essas condições são determinadas, em certo grau,

pela

sugestão, entendida

aqui

como

um

elemento representativo

irredutível

ou

não

equivalertte a qualquer estímulo de

outra

ordem. O que nos leva a entender este conceito

como

sendo

um

conceito

misto, fisiológicopsicológico,

pois as condições de sua aplicaçâo dependem

tanto

de variáveis somáticas

(a

existência de uma disposição especial do sistema nervoso) como de variáveis psíquicas

(o

aspecto representacional da sugestão).

Freud

acredita,

no referido

texto,

que são as auto-suges das paralisias histéricas

e

que se

pode

caracterizar

a

histe auto-sugestões1

2.

Para precisar

tais

enunciados

e

resolver

trauma-predisposição

histérica, voltemos

ao

verbete

"Histeria" a {ìm de

estudar as

formas que ele propõe para a terapia.dessa neurose,

O

verbcte distingue três tarefas possíveis na terapia da histeria: tratamento da dis-posição histérica, da histeria aguda e dos sintomas histéricos.

A

primeira tarefa envolve medidas

de

caráter puramente

profilático:

nâo se pode

extinguir

a disposição para a

histeria, pois ela é hereditâria. Tampouco há esperanças

no

caso da histeria aguda. As maiores possibilidades de sucesso residem na terceira

forma

de tratamento, desde que seja satisfeito

um

dos seguintes requisitos: os sintomas presentes

ou

são o

produto

de

uma

excitação especial

ou o

resíduo

de uma histeria aguda

passada.

Em

qualquer um desses casos, é possível removêlos quando se consegue extinguir a excitaçâ'o espe-cial através da hipnose.

Aqui

se abrem duas possibilidades para

o

terapeuta: ele pode,

t 2 Ibid, p.

(5)

''

A hé-Histôria do

Ønceito

de Inconsciettte

'

47

rnediante a hipnose, sugerir que a excitação não existe mais ou pode recorrer ao méto-do de Breuer e procurar a causa excitante. Ambos os procedimentos só são

"inteligí-veis

se procurarmos as causas

da histeria

na

vida

repreæntativa

não

consciente"l 3.

O

que

justifica o

uso

da

hipnoæ

como sugestão? Uma certa combinaçÍio entre as

concepções de Charcot e as de Bernheim, conforme atesta o próprio verbete

"Histeria":

"o

tratamento psíquico

direto

dos

sintomas histéricos será

melhor

considerado um

dia, quando

o

entendimento

da

sugestão

tiver

penetrado mais nos círculos médicos (Bernheim-Nancy)"l a .

O ponto

de partida dessa terapia está na crença de que há uma relação significativa

entre

excitação especial, trauma e sintoma histérico.

No texto "Relatório",

afirma-se que Charcot "através da realização de um estudo

científico

do hipnotismo

(...)

chegou a

uma

espécie

de teoria da

sintomatologia

histérica"rs,

cuja comprovação empírica encontramos no

texto

"Observação", conforme

foi

estudado,

O trauma está ligado à gênese do sintoma histérico, mas, como bem ensina o verbete

"Histeria", "a

etiologia

do

status hystericus deve ser procurada exclusivamente na he-reditariedade, todos os outros fatores desempenham o papel de causas incidentais, cuja importância é geralmente exagerada na

prática"l

6. Contudo, o mesmo verbete assinala que

"muitos

sintomas histéricos, resistentes a

todo

tratamento, desaparecem esponta-neamente sob a influência de alguma excitação

moral ou

de

um

susto ou de uma ex-pectativa

(..,)

ou, finalmente, quando há uma irrupção de excitação no sistema nervoso após

um

ataque de convulsões"r 7.

É

evidente que os fatores apontados, com exceçÍio do

último,

são de natureza mista: em parte fisiológicos, em parte psíquicos.

A

inclusão

do

psicológico marca

uma

certa tensão conceitual

com

a

teoria

de

Charcot, que se

torna

mais pronunciada no verbete

"Hipnose" (1891),

onde encontramos a afirmação de que

"quando

os sintomas são de origem completamente psíquica, a hipnose preen-che todas as exigências de um tratamento causal"l E.

Outra

forma

de pensar-se que a representação atua no fenômeno histérico,

indepen-dcntemente

da

escola

de

Nancy,

é

encontrada

no

texto "Charcot" (1893).

Nele, descreve-se

como

esse célebre neuropatologista francês

produziu

de maneira

artificial

paralisias

em

sujeitos histéricos, mediante a apresentação de estímulos em estado de hipnose.

E,

a

partir

desse experimento, conclui-se que Charcot provou que "essas para-lisias eram o resultado de representações que dominaram o cérebro do paciente em mo-mentos de disposição

especial"re. No

entanto, essa afirmação deve ser pesada contra as considera@es seguintes,

| 3l,reud, S., Hystcria, p. 56.

' a

rtrid , p. 56 -5 7.

| 5ltreurl, S., Report on nry Studies in Paris and Berlin, p'

ll

I ól,reud, S., Hysteria, p. 50'

I ?rbid, p. 56.

1 EFreutl,

S., Hypnosis, P. 113. I 9ltreud, S., Charcot, p. 22.

(6)

Ì

trauma-pred isposição histérica?

É

na

tentaiiva

de responder à questão acima que poderemos precisar o solo teórico

3. Relaçdo Trm nw- h' ed i spt t s iç

A

relação

trauma-predisposiç

pode

ser

estudada

pos-sibilidade que se abria para

o

tratamento da

histe

ver-bete

"Histeria"

como

no

"Hi

assinaladas as

vanta

nto'

O

uso desse método terapêutico, criado

por

Breuer, está fundamentado em certos pressupostos sobre

o

aparelho psíquico, as representações, os estados afetivos e sobre

48

Osmyr GabbY

Jr.

--'

2oFreud, S,, I{ystcrìa, p.57 2l f t id, p. 56. 22f.reud, S., Hypnosìs.

(7)

A

Pré-História

do

C-onceito de

Inconsciente

49

a

própria

histeria. Para ¡econstituí-los, vamos recorrer a uma coletánea de três textos conhecida

como

"Esboços para a 'Comunicação Preliminar' de 1893" (194G41 (1892) ), procurando salientar

inicialmente

apenas

os

aspectos

que

se relacionam diretamente com a concepção de Breuer.

O

manuscrito

(A),

"Carta

a Josef

Breuer",

é uma proposta, por parte de Freud, de

como

deveria ser apresentada

a

"Comunicação

Preliminar".

Segrlndo ele, ela devería constar de

uma

exposição dogmática das teorias que ambos haviam

constituído

para

explicar

o

fenômeno da histeria: os sintomas histé¡icos originam-se de uma tentativa por parte do organismo de uma soma de excitação que não

foi

liberada2 3.

Essa compreensâo das manifestações histéricas está apoiada em

dois

"teoremas"

e uma

"teoria"

sobre a orgatização da memória.

A

nzão

da

tentativa

de reação está

no

"teorema"da

constância: há uma tendência

no

organismo para manter constante a

soma de excitação. A, razão da persistência da excitação, isto é, o que dá especificidade histérica ao fenômeno, está

no

"teorema"

da dissociação da consciência: os conteúdos dos dois estados de consciência (consciência normal e consciência hipnóide) não estão associados entre si.

A

teoria sobre

a

organização da memória

explicita

a natureza das representações que formam o estado de consciência hipnóide, Portanto, torna-se neces-sário inventariar dois

tipos

de fatores: os que vão explicar o aumento da excitação e os que vão dar conta da ausência de sua liberação.

O

aparelho conceitual, assim

constituído,

não pode ser

atribuído

com precisão nem a Freud nem a Breuer.

No

entanto, é possivel, em vários casos,

partindo

do contexto

teórico

em que eles se situam, determinar que, para os mesmos termos, há interpreta-ções distintas. Por exemplo,

o

"teorema"

da dissociação afìrma apenas a

falta

de co-municação

entre dois

estados

da

mente; nada

afirma

sobre a sua gênese.

Contudo,

a

sua "demonstração", em cada

um

dos contextos teóricos,

permitirá

aprender urn

sen-tido

diferente para essa ausência de comunicabilidade.

O

manuscrito

(B),

denominado

"lII",

descreve a terapia da histeria como a remoção

do

resultado de uma representação que nâ'o

foi

ab-reagida,

ou

seja, como uma conse-qüência

do fato

de

não

ter

ocorrido

uma descarga da soma de excitação vinculada a

uma representação24.

Quando

um

evento

ocorre

no

estado

hipnótico,

a sua representação não é

ab-rea-gida

porque

não

existem

vínculos

associativos

com

as representações da consciência

normal,

o

que

impede

que

ela seja eliminada associativamente.

No

entanto, essa re-presentação deve descarregar a sua soma de excitação

(

de acordo com

o

teorema da constância).

A

conseqüência

é uma

descarga inadequada

da

excitação

produzindo

o sintoma. Pelo teorema da dissociação, a representação

do

evento,

por

não ser

acessí-vel

à

consciência normal, não pode ser recordada. Torna-se necessáric;, na concepção de Breuer,

hipnotizar

o

paciente para que ele possa

ter

acesso à representação e

corri-gi-la.

Isto

é

obtido

levandose

o

paciente a reviver

o

trauma

no

estado de hipnose, e

então, como

indicaremos mais adiante, obrigando-o a ab-reagir a essa impressão psí-quica.

23Freud,

S., Sketches for the Prclirninary C.ommunication of 1g93, p. 14g. 2arbid, p. l5o.

(8)

l

50

Osmyr

Gabbl,Jr

Naturalmente,

tal

repetição só pode ser simbólica,

ou

seja, apenas a

fala

pode tor-nar presente o que está ausente. Portanto, a

fala

aparece na histeria

tanto

no nível da gênese

de

certos sintomas

(foi

precisamente

por

que algo escapou ao

circuito

da fala

que

se

formou o

sintoma) como

da

terapia

(o repetir

so

se

to¡na

possível devido à

existência

da

fala

da histérica).

Entretanto,

a concepção de Breuer não consegue dar conta desta dupla presença da fala.

O último

tnanuscrito da sér'ie,

o

ma¡ruscrito

(C), "Sobre

a teoria dos Ataques

His-téricos",

desenvolve em maioles detalhes alguns dos conceitos que apareceram nos dois primeiros

textos.

Ele afirma que

o

ataque

histérico

origina-se de um trauma psíquico,

isto

é, ele é a repetição alucinada

do

evento ligado ao trauma. Trauma é

aqui

defini-do

como "qualquer

impressão psíquica que o sistema nervoso tem difìculdades para

e-liminar

através do pensamento associativo ou de uma reação motora adequada"2 s.

A

definição

acima já. permite suspeitar que uma das características

do

conceito d€ representação, enquanto

fator

presente

na

produção de sintomas histéricos, é de ser uma impressão psíquica sujeita a certas condições,

ou

seja, passível de ser um trauma psíquico.

Tal

conceito na sua acepção mais ampla não

inclui

somente o aspecto repre-sentativo

a representação de um evento), mas, também, o afetivo ( é a soma de exci-tação produzida pelo evento ou, pelo menos, associada à ocorrência do evento). Em su-ma,

o

couceito de representação não se esgota na idéia de algo estar

no

lugar de uma

outla

coisa; ele também é

dotado

de uma certa coloraçâ'o, de um certo

valor

afetivo que lhe é intrínseco.

Fodemos

aprofundar

o

conhecimento sobre as representações recorrendo à teoria sobre a organização da memória. Ela estabelece que:

a) a representação

tem

como refèrente o evento que causou o aparecimento do ataque histérico;

b) a representação está contida no segundo estado de consciência.

A

natureza

do

evento

varia.

A

novidade

em

relação a Charcot está em ampliar a

noção de trauma para englobaroutros tipos de eventos. Como, por exemplo, uma série de acontecimentos que acabam por

constituir

uma

históriainfeliz;

ou, o que é

caracte-rístico

da concepção de Breuer, acontecimentos que ocorreram

no

segundo estado de consciência. Quando

isto

se

dá,

o

sistema nervoso

não tem

condições de

eliminar

a

impressão psíquica e ela passa a ser um trauma. o que indica que, para Breuer, a repre-sentaçao do evento estava desde o

início

no estado hipnóide.

A

conecção

entle

trauma e sintoma nem sempre é

muito

clara; existem casos onde há entre eles uma "relação

simbólica"26. No

texto

"Sobre o Mecanismo Psíquico dos Fenômenos Histéricos: Comunicação

Preliminar"

são mencionados, a

título

de exposi-ção,

um

caso onde uma neuralgia decone de uma

dor

mental, e

outro

em que a ánsia de vomitar deriva de um sentimento de desgosto moral, Ora, em tais ocorrências tem-se

25lbi,l, p. 154.

t6Br"r"r,

J.

&

Freud, S., On the Physicaì lVlechatrism

of

Hysterical Phenotnena: Perliminary Communication, P. 5.

(9)

t

A

Pré-Historia

do

hnceito

de

htconsciente 5l

a

nítida

impressão de que a linguagem está presenle na formação de certos sintomas; de que para a histérica a alteração de sentido da expressão

"dor

mental"

é contemporâ-nea da origem de uma neuralgia, um fenômeno de origem somática2 7.

Podemos perceber,

a

partir

das considerações feitas, que começa a ser resolvida a

questão sobre a relação entre trauma e predisposição histérica. O sintoma é produzido

porque

a impressão psíquica é recebída

num

estado de consciência alterado,

isto

é, a

eficâcia do trauma é possibilitada pela presença de um certo estado anterior à sua

ocor-rência. Contudo, não

há aqui

uma

tensão

conceitual

insuportável para

a teoria

de Breuer?

Ele

é

obrigado

a

acreditar

simultaneam€nte

que a histeria tem

um

fundamento somático (responsável

pelo

estigrna

histérico)

e que certos sintomas resultam de liga-ções entre representaliga-ções e certos estados de consciéncia de origem igualmente obscura. Mas o mais grave está na rejeição de qualquer ligação entre os dois estados de

consciên-cia, ou

seja, a suposição de que

o

estado

hipnóide

é

formado por

representações que

não

apresentam nenhuma conexâo

com

a consciência normal, Pois, ao mantê-la, está abandonando, certamente sem

o

saber,

a

possibilidade

de poder explicar porque

a

linguagem está presente na produção e na dissoluçâo dos sintomas histéricos de origem psíquica. Será exatamente

que surgirá a descoberta freudiana.

Ao

supor que essas

mesmas representações

foram conscientes, Freud

inicia o

movimento de abandono da tese da descontinuidade entre

normal

e patológico e abre caminho para poder dar conta do papel da linguagem nas neuroses.

4. Relação Normo l-Pato logico

A

teoria freudiana sobre a histeria está ligada à idéia de que a incomunicabilidade entre os estados de consciência decone de

um

processo de defesa. Contudo, ela não surgiu acabada,

pronta; ao

contrário, resulta

de um longo

desenvolvimento, cujas etapas

iniciais

podem ser recuperadas a

partir

de uma série de

textos

escritos

entre

1891 e

I 893.

Vamos

iniciar pelo

exame

de

"Um

Caso

de

Cura

pelo Hipnotismo"

(1892-93), onde Freud pretende

justificar

a

utilização

da sugestão hipnótica como procedimento terapêutico. Nesse

texto,

é possível reconstruir em embrião três concepções que serão posteriormente desenvolvidas e explicitadas. Consiste em sugerir que:

a) a diferença entre o patológico e o normal não é qualitativa (neste sentido, criarn um espaço

teórico

para o abandono da tese da descontinuidade);

b)

no

patológico estão isolados elementos que na normalidade se encontram agregados

e não são, portanto, visíveis (em outras palavras, o patológico apresenta-se como um campo privilegiado para entender o normal);

c)

certos quadros patológicos podem ser descritos a

partir

de uma certa oposiçâo entre representações

(logo,

é a oposição que serve para determinar, embora, a especifíci-dade de cada caso ainda deva ser procurada em

outro

lugar)2 E.

27tbid, p.5. 28Freucl,

(10)

ì

52

Ovnyr

GabbY Jr'

Antes de examinar essas concep@es, é preciso estudar o conceito de representação contrastante penosa, uma vez que a sua compreensão é indispensável para apreendê-las'

Scgundo

Freud,

certos

grupos

de

replesentações ligam-se

a um

estado

afetivo

de

.*i.ctutiva:

são

ou

intençOes ("representações de

que

virei a

fazer

isto ou aquilo")

ou

expectativas propriamente

ditas

("representações

de que

isto ou

aquilo ocorrerá

comigo"). O

estado

afetivo,

assim

criado, é,

por

sua

vez, função de

duas variáveis:

"o

g*u

de importância que o,resultado tem pata

mim"

e

"o

gtau de incerteza inerente

à

eipectativa

ão

resultado"2e.

Essa incerteza subjetiva

é

representada,

no

aparelho

psfquico,

por

uln

grupo

de

lepresentações

onde

algumas delas são representações contr astantes Pen osas.

A

concepção da existência de uma diferença nâo qualitativa entre o normal e o

pa-tológico

apaleÇe em embrião como conseqüência da conceituação que se faz da norma-lidade e dã neurose.

A

mente

no¡mal

é aquela onde a uuto-cot'tsciência seacha

fortale-oìda.

A

esse

respeito

utiliza a

expressão

"...

dem kràftigen

Selbstbewusstsein der Gesundheit"3o. Neste estado, as representações contrastantes penosas estão suprimidas

ou

inibidas;

ou

seja, estão afastadas de associação

com o

grupo de representações que

constitui

o

ego.

Portanto,

a pessoa normal é aquela que realiza uma supressão ou

inibi-ção eficaz

dJtais

representações; caso

isto

não

ocotra,

a auto-consciência estará

debi-íitrd^

.

esse grupo de representações será efetivo, Em suma, a diferença entre normali-dade e neu.ose

é

pensada em termos da

força

da auto-consciência

-

se ela é

alta

ou baixa, respectivamente.

O

presènkjogo

entre as representaçõesjá havia sido sugerido no verbete

"Histeria",

onde

ie

encontra

a

afirmação

de

que

"

...

ao

lado dos

sintomas físicos da histeria, observa-se

um

certo número de perturbações psíquicas

(...).

Estas são constituídas por mudanças

na

passagem

e na

associação

de

representações,

inibições da

atividade da

vontadè,

anrpliação e supressão de sentimentos, etc., que podem ser revuttidas como mudanças na

diitribuiçdo

normnl no

sistema

nervog

de quantidades eslaveis

de

exci'

çãourt.

Aqui,

a novidade está em

tornar o

estado

efetivo

(o

grau de excitaçâo repre-sentados

por

representações do

tipo

expectativa ou intenção) dependente de um

outro

tipo

de representação: a representação contlastaute que, por sua vez, é função do grau de auto-consciência da pessoa.

Portanto,

o

histérico

é aquele que não

tem

uma

apro-priada

consciência

de si e

a

terapia

não pode

ser pensada

como

algo

que

amplia o

iampo

de sua consciência (sua enfermidade resulta presisamente do

fato

de ele nâ'o ter

suprimido ou inibido

certas tepresentações), mas, sim,

como aquilo

que realiza o que deveria ter sido

feito

pela auto-consciência caso ela se encontrasse fortalecida'

Para que a terapia possa ser pensada como ampliaçÍio da consciência (fortalecimento

da

auto-consciência não

implica

ampliação,

pois a primeira

supõe ausência de cons-ciência das representações contrastantes penosas), é preciso que a oposição entre

nor-mal

e patológico dê lugar à continuidade, isto é, que

tanto

o neurótico como o normal tenham algum grau de consciência dessas representações.

2erbid, p. 121.

30Aqui, o tradutor inglôs preferiu "rvith the powcrful self-confidence of l-realtli", p.

l2l

3l Freud, S., Hysteria. p. 49.

(11)

A hé-Histôria do

C,onceito de

Inconsciente

53

A

segunda

concepSo

mencionada acima

é

um

corolário da primeira. O fato

das representações contrastantes predominarem na neuros€, de serem a sua marca registra-da, toma.as visíveis,

o

que nõo ocofre na normalidade onde,

por

estarem suprimidas, ou inibidas, não são perceptíveis.

A

descrição das diversas neuroses, ægundo

a

terceira concepção, pode ser

feita

a

partir

do

tipo

de ligação que se estabelece entre as representações penosas e as inten-çñes e expectativas. Por exemplo, a fobia dos neurastênicos resulta de uma expectativa a

partir

de uma associaçâ'o entre representações penosas e certas sensações. Se no lugar

da

neurastenia estiver presente

um

estado nervoso simples,

um

estado de excitação, o sujeito terá tendência a ser pessimista.

Entretanto,

os casos mais into¡essantes são aqueles onde se trata de intenções e não de expectativas. Neles, se as representações contrastantes se ligam a uma intenção em

um hnico

ato de consciência, ocorre uma subtração do poder dessa íntenção, levando a uma "fraqueza da vontade", característica da neurætenia3 2.

Na histeria, como há uma dissociação da consciência, a auto-consciêncía está enfra-quecida e,

portanto,

nã'o só as repreæntações contrastantes estão afastadas das repre-sentações conscientes como a

fortian

das intenções. Contudo, elas continuam a

exis-tir

a

partir

de sua objetivaçâ'o no corpo do paciente. Como consequência, o sujeito de-seja algo que

o

seu

próprio

corpo impede; há, por assim dizer, uma "pewersão da

von'

tade",

originária da emergência de uma

"contra-vontade",

responsável pela atitude de estranheza que

o

histérico

tem

em relação aos seus próprios sintomas, como se fôssem emanados dã uma outra vontade que não a sua3 3.

É

indispenúvel levar em conta que não é o

fato

da representação contrastante

es-tar fora

do ego o que dá especificidade ao fenômeno histérico; o mesmo ocorre na nor-malidade. Na verdade, trata-se da existência simultânea de uma auto-consciência enfra-quecida e certas condições que possibilitam a objetivação da representagÍio contrastan-te no corpo da histérica.

Esse mecanismo de formação de sintomas histéricos é apresentado a

partir

do estu'

do

de

umcaso:

certa mãeincapaz de amamentar

o filho,

apesar de todos os esforços para

atingir

esse

objetivo.

A

situação de incapacidade ocorreu duas vezes e, em ambos os casos,

o

tratamento consistiu

em

zugestão

hipnótica, ou

seja, em fornecer, no

esta-do

de hipnose, sugestões

que

eliminavam certas representações penosas da

vida

psí-quica

da paciente: as representações contrastantes penosas.

Portanto,

nâ'o houve alar-gamento

do

campo

da

consciência.

Contudo,

a

corroboração para

a

presente teoria

não

decorre apenas desse caso; ela também provém de outros, onde

foi

possível "es-tabelecer

diretamente

o

funcionamento

de um

mecanismo

psíquico

semelhante de sintomas histéricos, através da investigação sob hipnose

do paciente"to. S.m

dúvida,

o

texto

se refere aqui ao método de Breuer.

A

paciente é descrita

cor,o

"histérica de ocasião",

o

que significa que "se deixa em aberto a questã'o se devemos pressupor ou não a presenèa na

família

dela de uma disposição

hereditária

pa:m aneurose"35. Essa 32Freud, S., A Case of Successfull Treatment by Hypnotism' p' 122

33Ibid, p. 122-3. 3albid, p. 123. 3stbio,p.

ll?-8.

(12)

T

54

Osmyr Gabby

Jr

observação

é

necessária paru

a constituição

da tese da continuidade. Se a disposição fosse hereditária, haveria aí uma diferença que

tornaria

impossível falar-se de

um

co-tínuo.

Contudo,

como

a tese de continuidade ná'o está ainda plenamente constituída,

o texto

oscila quando afìrma que a gravidez da paciente

foi

a causa

fortuita

que

produ-ziu

sintomas devjclo a uma disposição que estava latente na paciente. Ora, o que a gra-videz fez

foi

produzir um

estado de excitação que exauriu

o

sistema newoso.

No

en-tanto,

somos avisados de que a exaustão

foi

apenas parcial; ela atingiu somente o ego normal (as representações conscientes), o que

tornou

possível o

predominio

das repre-sentações penosas, que se objetivaram através

do corpo,

devido à

falta

de inibição ou supressão.

Voltando

ao verbete

"Histeria",

podemos entender as últimas observações como indicando que as representações contrastantes penosas passaram a trabalhar com

um

excesso de excitação após

o

estado de exaustão.

o

que mantém aberta a possibili-dade de se

afirmar

a tese da continuidade: basta supor que há uma tendência no orga-nismo para manter a soma de excitação constante e que aquilo que particulariza a

his-teria

é a dissociação da consciência. Ambas suposições tomaram possível

dotar

as re-presentações contrastantes

de

quantidades de excitação suficientes para que elas fos-sem objetivadas

no corpo.

[-ogo, a especificidade do fenômeno histérico estaria na dis-sociaçao da consciência, que enfraqueceria a auto-consciência e dotaria as representa-cões contrastantes de excitação suficiente para que deixasem de ser inibidas ou supri-midas e encontrassem

um

lugar

no

corpo. Para poder

afirmar

a tese da continuidade, seria necessário supor

que

a

dissociação

da

consciência fosse

função

de

fatores

ex-clusivamente quantitativos. Porém, ainda estamos longe de uma soluçâo como a suge-rida acima, embora

haja indícios da sua presença.

Encont¡amos

no

texto

duæ

posibilidades

para

o

desenvolvimento de representa-ções contrastantes penosas:

a) o conteúdo delas seria adequado à disposiçâo afetiva da neurose;

b) o solo da neu¡ose seria

propício

ao florescimento dessas representações3ó.

A

segunda possibilidade pode conduzir à concepção de Breuer,

tal

como ela

foi

exa-minada

no

capítulo anterior.

A

emergência dos estados hipnóides

tornaria propício

o desenvolvimento dessas representações, pois impediria a sua inibição ou supressão pela consciência uo¡mal. Aliás, qualquer representação que surge neste estado adquire o

es-tatuto

de se

tornar

traumática.

No

entanto,

o

texto

se dirige preferencialmente para a

primeira posibilidade

quando afìrma:

"Não

é por acaso que o

delírio

histérico de frei-ras durante as epidemias da Idade Média tomaram a forma de blasfêmias violentas e de um linguajar erótico desenfreado,,." e, mais adiante, "talvez a condição histérica

posa

ser

protluzida

a

partir

de uma supresão trabalhosa"3?

(o texto

tem

aqui, como refe-rência, palavras obcenas, representações ligadas a comportamentos anti-sociais).

o

que pode explicar porque não se recorre à concepção de Breuer; ou seja, a posibilidacle (b)

implica

a existência prévia da duplicidade dos estados de consciência. Por outro lado, a possibilidade

(a)

admite qr¡e essa duplicidade só se

constituia posteriori,o

que abre

36rbia,p,

t2t-2.

31

tbid,., p. 126.

(13)

A

Pré-História

do

Conceito de

Inconsciente

55

caminho para nâ-o se aceitar a tese da descontinuidade;

indício

substanciado pela

tenta-tiva

do

texto

de não

limitar

tal mecanismo à histeria, mas estendê-lo também à cropo-lalia.

Dessa forma, o

tipo

de terapia

utilizado

nos permite afirmar que inexiste por parte

do

paciente qualquer tentativa de

suprimir ou impedir

certas representações contras-tantes: elas permanecem objetivadas

no

seu corpo.

No

momento em que são negadas

por

uma afirmação

do

terapeuta, que antes

colocou o

paciente sob estado

hipnótico,

desaparecem como se voltassem para

o

seu

"reino

de sombras" (Schatten-Reich),para

utilizar

uma expressÍio de Freud3 E.

No caso preænte, há a incapacidade de amamentar que se objetiva no corpo através de uma representaçâ'o contrastante penosa, referente à incerteza subjetiva ligada à in-tenção de amamentar. Portanto, há

um conflito

entre a intenção de amamentar

(cons-ciente)

e a representação contrastante penosa (nâ'o

consciente):

ele é não consciente e nâ'o dá nenhuma especifìcidade à histeria, Aliás, esse

conflito

também é encontrado entre os normais.

Entretanto,

aqui, certa disposição, cuja natureza o

texto

não conse-gue elucidar satisfatoriamenle, faz com que a representação contrastante penosa

traba-lhe

com

um

acréscimo

de

excitação. Como conseqüência, ela não permanece

no

seu

reino de

sombras (metáfora que talvez sugira

o

carâter sistemático dessas

representa-Ses);

ela objetiva-se

no

corpo da histérica, ou seja, ela se expressa, mas de uma forma que escapa à compreenção de todos, inclusive da própria paciente. Apenas o médico sa-be que,

por

trás

do

sintoma somático, está uma representação:o sintoma é uma repre-sentaçã'o

que

só se deixa desvendar pelo médico. As ordens dadas sob hipnoæ visam

a

suprimi-la; elas executam

o

trabalho que deveria

ter

sido

feito

pelo próprio

sujeito caso não existisse a disposição. O paralelo traçado com a coprolafia visa

tão

somente

mostrar

que

é no

campo da sexuaüdade que as representações cont¡astantes penosas florescem

com

mais

vigor.

Entretanto, Freud

ainda nâ'o pensa

a

consciência como

diferente

do

ego; para ele,

o

não-consciente é

o

reino das sombras,

pronto

a emergir

tão

logo haja

um

enfraquecimento

da

consciência.

De

qualquer maneita, tais repre-sentações também nâ'o se esgotam

no

seu aspecto de estar

no

lugar de alguma coisa; elas possuem uma certa coloração, são representações afetivas.

Se

a linguagem está presente

na

remoção

de

sintomas

(a

cura

é feita

através de sugestões dadas

pelo médico), não

se

claramente como também participa da

fo¡-mação

de

sintomas. Para

isto,

seria preciso

mostrar que ela

organiza as representa-ções contrastantes.

5. Re laç õo L in gtag em- R ep re se n taçõ es

A

fim

de

estudar

a

relação linguagem-representação

e

explicar a dupla

presença da linguagem, vamos

recorrer ao

texto

"Alguns

Pontos para

o

Estudo Cùmparativo das Paralisias

Motoras

Orgânicas e Histéricas"

(1893

(1888-1893)). Nele aparecem

suges-tões

interessantes

que

servirão,

pelo

menos, para encaminhar

uma

resposta

a

essas questões.

Aqui,

como

afirmamos

antes,

Freud

procura diferencia¡

os

sintomas

.L

(14)

r

56

Osmyr Gabby Jr,

orgánicos

dos

de

origem

histérica,

no

tocante

às paralisias.

Antes de

examinar seu tema

central,

o

tipo

de lesão

que

se encontra numa paralisia histérica, é necessário

percorrer

algumas das considerações

feitas

sobre

o

fenômeno

histérico

e

o

aparelho

mental. Vamos

iniciar

pela

crença

de que toda

impresslo psíquica, constituída

a

partir

de

um

evento, é dotada de

um

certo

valor afetivo,

de uma carga afetiva, Uma

vez formada

a

impressão,

o

ego procura

liberar

esse

valor afetivo

através

de

uma reação

motora ou

de uma atividade asociativa. Se ele nõo pode ou

nlo

qtter se

libertar

desse acréscimo, a impressão

pasa

a

constituir um

trauma e

se

torna

causa

de

um certo

tipo

de sintoma histérico que adquire caráter de permanência3 e.

O texto

também supõe

que

haja

uma afinidade

associativa entre a concepçÍio do órgão

ou

função

e o

trauma. Por

concepção

do

órgã'o ou função deve-se entender a

"teoria"

que a

linguagem

natural

fornece sobre

um

órgão

ou

função

do

corpo. Por

exemplo,

a

concepção

de

braço

dada

pela

linguagem

natural

nâ'o coincide

com

a

fornecida pela ciência da

anatomia.

A

afinidade associativa estabelecida

na

histeria é dotada de grande

valor afetivo

(não houve liberação do valor afetivo vinculado à im-pressão psíquica)

e

ê, não consciente;

ou

seja,

a

vinculação estabelecida

não

é

aces-sível às

associações formadas pelas representações conscientes.

O

texto

considera que, entre essas representações, há

um conjunto

que defìne para

o

sujeito o seu saber

prático

sobre o

próprio

corpo4o. Vemos,

portanto,

que

o texto

está insinuando a te-se de que a paralisia histérica decorre da perda de

contato

entre representações sobre

o

corpo

(conscientes e dadas pela linguagem) e aquela que se

vinculou

de

forma

nâ'o

colrsciente com o trauma psíquico.

Ora, Freud

possuia uma concepção sobre

o

aparelho da

fala.

Ele a desenvolvera no

lexto

"Sobre

a

Afasia"

(1891). Nesta obra, são criticadas as concepções sobre a afa-sia baseadas na idéia de localização.

No

seu lugar, Freud propõe uma teoria

"estrutu-ralista", isto

é, a de que os centros da fala reagem como

um

todo a lesões parciais, as

quais provocam perturbações funcionais. Contudo,

tal

crença não

sigrifica

que ele

es-teja endossando uma concepção puramente

funcional

da afasia. Segundo

ele,

é preci-so determinar, em cada caso,

o

que está ligado a uma lesão e

o

que está ligado a uma perturbação funcional.

As representações não estão contidas uma a uma em células isoladas do cortex.

Sus-tentar

semelhante afirmação seria,

no fundo,

apoiar a tese psicologista segundo a qual do

fato

de podermos individualizar uma representação se segue que podemos também encontrar e isolar o seu correlato fisiológico. Para Freud, "perceber é associar

imediata-mente"4l .

As funções da fala encontram-se estruturadas de acordo com uma certa hie-rarquia, de

tal

forma que o aprendido inicialmente permaneça mais tempo do que

aqui

lo

que

foi

aprendido posteriormente.

É

preciso diferenciar, para poder aprender devi-damente a função da fala, os aspectos psicológicos dos aspectos anatômicos.

39 Freud,

S.,

Some

points

for a

Comparative Study

of

Organic and Hysterical Motor

Paralyses, p.171-2.

ao Itid,, p. l70. 41 f,reud,

(15)

sentido

funcional),

mas a

partir

de uma dimensão que poderíamos chamar de semân-tica.

retiradas da vida social. Por exemplo,

".

.

conta-se uma

história

cômr.la de

um

indi-víduo

leal que nâ'o lavava as mãos porque elas

tinham

sido tocadas pelo seu soberano",

A

razão de seu comportamento está

no fato

de que a

"

('

.

' )

relação que se estabe'

A hé-Hístôrio do

C.onceito de

Inconsciente

-

57

42 F¡eud,

S.,

Some points

fo¡

a

Comparative Study

of

Organic and Hysterical Motor

Paralyses, p, 169. a3 tbid., p. 170

(16)

Ì

58

Osmyr Gabby Jr,

leceu

entre

esta

mão

e

a concepção de soberano pareceu

tão importante

para a vida psíquica

do

indivíduo que ele

se recusava

a deixar

a mão entrar em qualquer outra relação". Mecanismo semelhante também ocorreria quando

"(.

.

.)

quebramos o copo

no

qual

brindamos

à

saúde

de

recém-casados"44, Nesses casos, te¡r¡se

que

"a

cota

de afeto que atribuímos à primeira

associação de

um

objeto, cria

uma repugnáncia a deixá-la entrar numa nova associação com

outro

objeto

e, consequentemente, torna a representação desse objeto inacessível à associação'ot.

Podemos perceber

que

o

mecanismo responsável pela perda da funçã'o de nomear encontra suas analogias na

vida cotidiana.

Também

nela, a

existência de certos

sen-tidos

apreendidos pela comunidade lingüística

permite

a ocorrência de certos

desloca-mentos

semânticos,

isto é,

o

estabelecimento

de

novas associações

entre

objetos.

Quando

o

súdito

não

lava mais

a mão porque

ela

foi

tocada

pelo

soberano, estão pressupostas,

pelo

menos

em um certo nível,

determinadas significações

que

são trocadas

entre os

súditos e entre os súditos e

o

soberano.

Em

outras palavras,

o

não

lavar a

mão

("a

repugnância a deixá-la entrar numa nova associação

com

outro

obje-to")

é

atravessado

por um

conjunto de

práticas

sociohistóricas.

Se

o

súdito

é

ridi-cularizado, é por levar um pouco longe demais sua lealdade ao rei.

Na histeria, devido à

existência

de dois

estados, perde'se

a

relação

entre

o

subs'

t¡ato

material

e

a

concepção:

o

histérico

nâ'o percebe

que a

paralisia

do

membro afetado

tomou

o lugar da palavra na relação

com

a concepção

do

membro. Portanto,

diferentemente

da

normalidade,

perda

da

capacidade

de

comunicar-se

com

o

outro (a

relação estabelecida

não é partilhada

pela comunidade

de

falantes),

o

que acarreta, como conseqüência, a impossibilidade de compreender a si mesmo; o sintoma é tão

ininteligível

para o

outro

como o é para o

próprio

histérico. Aliás, é precisamente

por

não

ser

entendido pelo

outro

que

algo se

toma

incompreensível para

o

sujeito,

Contudo,

o

texto nÍio

consegue relacionar

o

papel que ele

confere à linguagem com uma tese positiva da continuidade entre normal e neurótico.

Ao

contrário, parece recuar,

quando afuma:

"M.

Charcot

foi

o

primeiro a nos

ensinar

que

para explicar

a

neurose histérica, devemos aplicar a psicologia"a6. Enunciado que, para ser

enten-dido,

exige

o

exame

do

texto "Charcot" (1893),

onde

é novamente enfatizada a

tese

de

que

a

especificidade da

histeria

está

na

divisão

dos

estados

de

consciência. Contudo, devemos estar atentos para

o

fato

de que a concepção de Charcot,

tal

como ela apareceu nos

textos

examinados até este ponto, nâ'o é psicológica e sim fisiológica;

ou

seja,

a

questão está em compreender em

que sentido

está sendo usado

o

termo 'psicológico'.

A

particularidade

do texto "Charcot"

está

em

pensar

a

tese

da

divisão

da

cons'

ciência

como

o

melhor

caminho

para

a

compreensão

do

fenômeno

histérico.

Para chegar a essa conclusão, que poderia ser atingida

por

um "observador bastante

impar-cial"47,

Freud

parte de uma

obsewação. Pode-se

constatar que há

uma diferença

aa lbid,, p. l?0, as lbid., p.

l7Gl.

aó bia., p.

l7t.

47 l.-reud, S., Charcot, p. 20.

(17)

A

hé-História do

C,onceito de

Incvnsciente

59

de comportamento entre as pessoas histéricas e normais, interessante para a elucidação

do que

ocorre com

as primeiras.

As

pessoas

normais

são capazes

de relatar qual

a

impressão

pslquica que

as levou a expressar

um

estado

afetivo

penoso,

fato

que não

ocorre

com as histéricas. Estas comportam-se como se não conhecessem os processos pslquicos responsáveis pelas suas manifestações. Portanto, nâ'o se

trata

aPenas de um desconhecimento

de

certos processos psíquicos, mas

da

perda simultânea da capaci-dade

de

comunicar

o

seu

rezultado.

Todo

evento

psíquico que

ocorre

no

interior

do

meu corpo é privado;

contudo,

mesmo nâ'o conhecendo o processo psíquico que o gerou, posso

tomar

o

seu resultado

público

quando,

por

exemplo, ofereço ao

outro

um relato.

É

evidente

que

este

relato

pode

despertar

uma

série de representações subjetivas

no

ouvinte, mas sempre estará presente

o

seu sentido: ele sempre é inter-zubjetivo.

O texto

explica

esa

dupla

perda

a

partir da

crença de que na histeria existe um estado especial da mente,

na

qual

as impressões psíquicas

não

estão associadas com

a

consciência

normal.

Explicaçâo

que,

devidamente

qualificada,

tomaria

possível entender

como uma

recordaçâ'o

pode

expressar seu estado

afetivo

através

do

corpo, sem

que

o

ego saiba sobre

a

sua existência

ou

seja capaz de

intervir

para impedi-la.

Tal tipo

de

explicação, ainda

que

de

acordo

com

o

texto,

não deve ser considerado

muito

estranho:

a

distinção

entre

estados

de

consciência também está presente na diferença psicológica que se estabelece entre sonho e

vigília. Além

disso, ela também permite

interpretar

a tese da posse pelo demônio na Idade Média como um fenômeno histérico de dissociação da consciência.

Portanto, foram

colocadas

juntas

a linguagem

dos

sonhos

e a

das possuídas. Em ambos

o

casos, trata-se de discursos

que

escapam

ao entendimento dos "normais";

estes partilham um mesmo universo discursivo.

Segundo Freud, a presente concepção da

histeria

deriva de Charcot, e, em especial,

do

estudo

feito

sobre as paralisias histéricas de origem traumática. Ele mostrou que

"

. .

.

e$sas paralisias eram

o

resultado de representações que dominavam

o

cérebro

do

paciente em momentos de disposição especial"aE.

Contudo,

"(.

.

.)

a abordagem exclusivamente nosográfica

adotada

pela

Escola

de

Salpêtrière

não

era

adequada para um objeto puramente 'psicológico' "4 e . Pois ela se

limitou

a:

a)

reconhecer a existência de fenômenoshistéricos;

b)

descrevê-los;

c)

demonstrar que eles eram regulares e uniformess 0.

As

limitações

apontadas

levaram Charcot

a tratar a

histeria como

um

membro

da "família

neuropática", como

uma degeneração, cuja

forma

etiológica estava

resu-mida na

hereditariedade; onde

todos

os outros fatores seriam "meros agentes

provo-cadores",

causas ocasionais,

deixando,

assim,

de criar um

espaço pbra

a

aquisição

de

doenças nervosas. Curiosamente,

o

texto

recorre

à

escola de

Nancy,

ou

seja, a Bemheim que

"(.

.

.

)

construiu a teoria

do hipnotismo

sobre

um

fundamento

psico

aE rbid.,p.22. ae rbid.,p.22. so lbid., p. 2o-l

(18)

Ï

60

Osmyr Gabby

Jr

lógico

mais abrangente

e lez

da

sugestão

o

ponto

central

para

a

hipnose"sl.

Além clisso, Charcot þavia negado

à

hipnose qualquer

valor

enquanto método terapêutico. Podemos desfazer

a

aparente ambiguidade dos

textos

ante à teoria de Charcot se

Ievarmos em conta que a colìcepção freudiana

utiliza

as observações feitas pelo mestre

fra¡cês,

mas não

no

contexto

em

que foram

obtidas, Elas são interpretadas a

partir

de uma nova concepção que visa, antes de mais nada, dar conta dessa descoberta fun-damental

do

campo terapêutico: a presença da linguagem na remoção e na produçâo

dos

sintomas

histéricos.

O tipo

de

explicaçã'o

dado

pela escola

de

Salpêtrière não satisfaz

porque,

ao redtlzir todos os

fatores

causais

à

hereditariedade,

rompe

com

qualqueipossibilidade

de se pensar, na cura, a presença da palavra,

e,porconseqüên-partir

de

um

conjunto

de

obsewações realizadas

pelo

mestre francês. Os resultados

òbtidos

por

Breuer, indicavam a

dificuldade em que

se

incorreria

se se fosse aderir a

uma

concepção puramerrte fisiológica da histeria. Contudo, a alternativa dada pela escola

de Nancy

era insatisfatória

por

nalo

repor

adequadamente,

como

veremos' o universal

(a

sugestão

no

lugar da

predisposição

histérica).

Com

o objetivo

de tornar

tais

questões mais especÍfìcas

e

estudar

a

relação teoria-universal, vamos recorrel ao

texto "Sobre o

Mecanismo Psíquico dos Fenômenos Histéricos:

Uma

Conferência" ( l 8e3).

6. Relaçao Teo ria- Un iversal

No início

dessa conferência,

há uma

série

de

elogios

ao

investigador francês pelas suas descobertas

no

campo

da

histeria

e

em

especial afirma-se Qu€,

",

entfe

os numeÌosos trabalhos

de

Charcot, nenhum,

no

meu

modo

de ver,

tem

um valOr mais

alto do

que

aquele que nos ensina a entender as paralisias traumáticas que aparecem

na histeria; e,

desde que é precisamente deste trabalho que o nosso surge como uma

continuação,

espelo

que

vocês

me

permitam

expor

esse assunto

em

detalhes mais uma vez"52,

O "nosso"

que

aparece na citação acima se ¡efere ao trabalho

conjunto

de Freud

e

Breuet, publicado

na

"Comunicação

Preliminar".

O

objetivo ali

é demonstrar que existe identidade de mecanismo entre a histeria traumática de Charcot e o mecanismo descoberto

por

Breuer

na

histeria não traumática,

a paftir do

caso

de Anna

O. A

função de identidade

ploposta

é a de

poder

generulizar para

o

segundo

tipo

de

meca-sr

Ibid,, p.22-3.

(19)

A hë-Histöria do

Cnnceito de

Inconsciente

6l

nismo a concepção contida

no

primeiro, ou seja, o papel que o trauma desempenha na produção de sintomas

Contudo,

como

uma

trauma, e

mesmo na

interpretaç

da

hister

te

consta-tável quando se

segue

monstraç

elo

texto.

Inicialmente, ele afirma:

"consideremos

o

CaSo

de uma

Pessoa sujeita a

um

trauma, sem

ter

estado previamente doente

e,

talvez, sem

tef

mesmo qualquer tara hereditá-ria" s 3 . Um

leitor

que estivesse acompanhando os comentários feitos pelos textos sobre a

concepção

servaf que, se não há predisposição hereditária, não

pode

haver

de uma

pessoa se

tornar

histérica.

Entretanto,

o

texto

ignora

s descrever as condições que devem ser satisfeitas

ciente desta espécie em profunda hipnose e lhe dá um leve golpe sobre o braço. O bra' ço cai; está paralisado e exibe precisamente os mesmos sintomas que ocorrem

n^

paÍa'

lisia traumática

espontánea.

O

golpe também pode ser

substituído

pol

uma sugestão

verbal direta: 'Veja!

Seu braço está paralisado!' Neste caso, também a paralisia exibe

as mesmas características" s 5.

A

longa resposta dada revela que:

a)

a hipnose só pode se¡ realizada sobre pacientes

quejá

são histéricos;

b)

umá

injúria

física

(o

leve golpe sobre

o

braço) apresenta os mesmos efeitos que uma sugestão verbal na produção de um sintoma;

plausível supor

que uma

representação dessa espécie

foi

responúvel pelo desenvolvi'

mento da

paralisia também

no

caso

da

paralisia

traumática

espontánea.

E,

de fato,

muitos

pacientes

relatam

que

no

momento

do

trauma realmente Sent'ram que

o

seu braço esìava sendo esmagado. Se

isto

é assim, o trauma poderia realmente ser comple' s3 lbid., p. 28.

salbid., p. 28.

s s lbid, p. 28.

(20)

62

Osmyr Gabby

Jr.

"

tamente equivalente à sugestão verbal. Mas, para completar a analogia, é necesário um

terceiro

fator.

Para

que a

representação

"

'seu braço está paralisado' fosse capaz de

produzir

uma paralisia no paciente,

foi

necessário que ele estivesse num estado especial de consciência durante o trauma;

(...)

e Charcot está inclinado a considerar como equi-valentes aquele estado

afetivo e

o

estado

artificialmente induzido

pela hipnose"sT.

O

trecho acima parte da pressuposição de que é

posível

considerar como equivalen-tes

o

trauma e a sugestão verbal. A

justifìcativa

dessa equivalência decorre da constata-çâ'o de que pacientes, vítimas de paralisias espontâneas, no momento em que

vivencia-ram

o

trauma, tiveram a representação de que

'o

braço estava sendo esmagado'. Ora, se isto é verdade, o que é efetivo não é o evento traumático, mas, sim, a sua representa-ção.

O texto

deveria

concluir

que há neuroses representativas e não neuroses traumáti-cas. O mecanismo seria

o

seguinte: toda vez que h.í

um

trauma, entendido no sentido de urn impacto

físico,

a representação ligada ao mesmo produz

um

sintoma.

O texto

não está longe disto quando afirma, mais à frente, a¡ús representar o modelo de Breuer da histeria não traumática, que:

"ninguém

duvida atualmente que, mesmo no caso de

um

grande trauma mecânico na histeria traumática,

o

que produz o resultado não é o

fator

mecânico, mas

o

estado

afetivo

de medo,

o

trauma

psíquim"s

E.

Portanto,

não se

trata

de uma descrição da teoria de Charcot, mas de uma interpretação feita a

partir

de certas obsewações realizadas pela escola de Salpêtrière. Além disso, o

texto

quando se refere ao

terceiro fator,

a equivalência entre estado afetivo e hipnose, está

implicita-mente supondo que a hipnose é uma histeria

artificial.

Contudo, o que Freud e Breuer pretendem desenvolver, a

partir

da presente descrição da histeria de Charcot, é a tese oposta,

tal

como

se encontra na "Comunicação

Preliminar",

onde se afuma:

"a

base e

a

condição indispensável da

histeria é

a

existência

de

estados

hipnóides", ou

seja, a histeria é uma forma de hipnoses e.

Em

resumo, quando Freud destaca a sugestão verbal

(o

mesmo ocorre

com

a con-cepção de Nancy, excetuando-se

o

fato

de que, nela, a sugestão é consciente) e privile-gia a representação

do

evento

traumático

em

detrimento do próprio

evento, é impor-tante termos em mente que:

a)

essa representação

é

condicionada pelo conhecimento

lingüístico

que

o

sujeito apresenta

(conforme

foi

dificilmenle

enfat:zado

na

nossa análise

do

texto

"Alguns

Pontos");

b)

a linguagem é condição necessária mas não suficiente para a produção de sinto-mas

de

base representativa

(além

de

ser entendida

no

seu sentido de universa-lidade);

c)

no

lugar da predisposição hereditária vai aparecer o estado hipnóide. Portanlo, a

questão a ser resolvida

éade

se saber se o estado hipnóide passano exame que a

sugestão fracassou,

isto

é, se ele pode ser entendido como fenômeno universal. Para elucidá-la, vamos estudar a dissociação da consciência, procurando ressal-tar os aspectos em que Freud difere de Breuer.

sTrbid, p. 28-9.

56rbid, p, 31.

seBr"o"r,

J.

&

F¡eud, S., On the Physical Mechanism of Hysterical Phenomena: helirninary Communicatio n, p. 12.

Referências

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