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É amigo que ajuda. Só união, haitiano com haitiano, um ajuda o outro: a arte de tecer redes de solidariedade entre haitianos e haitianas em Itapema (SC)

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CAMPUS REITOR JOÃO DAVID FERREIRA LIMA

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL

NÍVEL MESTRADO

Günter Bayerl Padilha

“É amigo que ajuda. Só união, haitiano com haitiano, um ajuda o

outro”: A arte de tecer redes de solidariedade entre haitianos e

haitianas em Itapema (SC)

Florianópolis 2020

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Günter Bayerl Padilha

“É amigo que ajuda. Só união, haitiano com haitiano, um ajuda o

outro”: A arte de tecer redes de solidariedade entre haitianos e

haitianas em Itapema (SC)

Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do título de mestre em Antropologia

Orientadora: Profª Drª Edviges Marta Ioris

Florianópolis 2020

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Günter Bayerl Padilha

“É amigo que ajuda. Só união, haitiano com haitiano, um ajuda o

outro”: A arte de tecer redes de solidariedade entre haitianos e

haitianas em Itapema (SC)

O presente trabalho em nível de mestrado foi avaliado e aprovado por banca examinadora composta pelos seguintes membros:

Profª. Drª. Letícia Maria Costa Nóbrega Cesarino Examinadora Interna

Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Profª. Drª. Gláucia de Oliveira Assis Examinadora Externa

Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)

Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi julgado adequado para obtenção do título de mestre em Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina.

_____________________________________ Coordenação do PPGAS-UFSC

______________________________________ Profª. Drª Edviges Marta Ioris

Orientadora

Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus familiares, meus pais, irmãos, sogro e sogra, cunhado e cunhada pelo apoio e incentivo que deram para que eu pudesse trilhar os caminhos da educação, elaborar o projeto de pesquisa sobre a imigração haitiana para Itapema (SC) e ingressar no Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina. O meu agradecimento especial é para minha amada esposa Neygila Cristina Costa Santos, pois, com sua amorosidade, sempre teve palavras motivadoras quando as dificuldades se apresentaram ao longo da pesquisa e pela sua dedicação e abnegação na arte de cuidar do Ernesto, nosso filho, deixando-me com mais tempo para atarefa de elaboração dessa dissertação. Igualmente, agradeço ao meu filho Ernesto Santos Padilha que, na sua infância, já se revelou paciente e verdadeiro parceiro quando precisou me acompanhar às aulas e às secções de orientação e pela sua compreensão quando queria brincar e eu precisava fazer as leituras e realizar a escrita desta dissertação.

Meu agradecimento sincero à Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, pela sua visão educadora herdada da Reforma Protestante e, por esta razão, proporciona para as pessoas que assumem o ministério pastoral, diaconal, catequético e missionário o programa de formação contínua. Da mesma maneira agradeço ao Pastor Sinodal Breno Carlos Willrich do Sínodo Vale do Itajaí pelo interesse que demonstrou pela situação das pessoas em mobilidades e pelo seu múnus pastoral de apoiar minha decisão de realizar o mestrado. Também agradeço à Regina Konop, presidente da Paróquia Evangélica de Confissão Luterana em Itapema, pelo seu constante apoio para que eu pudesse cursar as disciplinas ofertadas no Programa de Pós-graduação em Antropologia Social. Igualmente, agradeço a cada membro da Comunidade Evangélica de Confissão Luterana Itapema-Porto Belo pelo envolvimento que tiveram no tecer as redes de solidariedade com as pessoas oriundas do Haiti. Aqui, registro minha gratidão à Solange Buchmann, Aurora Jover Moreno e Hans-George Friedrich Döring, membros da Comunidade Evangélica de Confissão Luterana em Bombinhas, pela parceria no trabalho de campo e nas atividades desenvolvidas na Associação dos Haitianos em Itapema e seus Amigos. Quero agradecer, também, à Maria Glória Dittrich, professora da UNIVALI, pela luz que lançou sobre a escuridão que me cercou durante a parte final da elaboração desta dissertação.

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Grato sou à Dalila Maria Pedrini que, de maneira envolvente e empolgante, apresentou-me a realidade dos haitianos e haitianas em Itapema (SC) e convidou-me para fazer parte de um projeto carregado de sonhos, solidariedade e luta por direitos, à formação da Associação dos Haitianos em Itapema e seus Amigos. Sendo assim, ela possibilitou-me as primeiras oportunidades para que eu pudesse tecer a minhas próprias redes de amigos e solidariedade com haitianos e haitianas. A partir daquele encontro com Dalila Maria Pedrini, a realidade da migração foi-se revelando, para mim, como um campo fértil para que eu realizasse uma etnografia.

Agradeço aos professores e professoras que tive no Mestrado. Foram todos e todas fonte de inspiração para que eu buscasse uma formação crítica e, também, despertaram em mim a necessidade de escolher caminhos para conhecer melhor a realidade e dar voz aos que, normalmente, são calados ou não são ouvidos em nossa sociedade. De maneira singular agradeço a dedicação de Alicia Norma Gonzalez De Castells, Theophilos Rifiotis, Maria Eugenia Domingues e Alberto Groisman. Além destes, Carmem Silva Rial e Sidney Antônio da Silva os quais agradeço pelos importantes aportes que deram à pesquisa em minha banca de qualificação. À querida professora Edviges Marta Ioris, minha orientadora, que sempre foi acolhedora, sábia e atenta às sutilezas ao eleger as melhores linhas para tecer o texto que aqui apresento. Sendo assim, para ela vai o meu especial muito obrigado pelas suas brilhantes ponderações e pela generosa companhia durante esta etapa de formação das redes de conhecimentos e redes de solidariedade com as pessoas que migram. Também, agradeço aos meus colegas de mestrado, em especial à Tatiane Silva Cerqueira Santos, pelas trocas de saberes e observações pertinentes. Igualmente sou grato à Silvia Beatriz Mendonça e Geraldo Cotinguiba pelos enriquecedores diálogos carregados de considerações e observações. Também agradeço aos meus colegas e minhas colegas do

Núcleo de Estudos de Populações Indígenas- NEPI e à professora Antonella Tassinari

pelas conversas francas e contribuições que elucidaram alguns caminhos escolhidos e percorridos durante a pesquisa. Da mesma maneira agradeço a Aristides Nolli, meu dileto amigo, que se prontificou para realizar a revisão do texto. Agradeço, ainda, às professoras Letícia Maria Costa Nóbrega Cesarino e Gláucia de Oliveira Assis que acolheram o convite para compor a banca da presente dissertação.

Especialmente, agradeço às pessoas sem as quais esta dissertação não se tornaria realidade. Pessoas que, a partir de 2010, cruzaram fronteiras com o objetivo de se

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estabelecerem em Itapema (SC) para conquistar vida digna. A maioria delas veio desacompanhada, mas não sozinhas, porque tinham suas redes familiares e redes de amigos. Deixaram o Haiti em busca de um lugar para realizar sonhos e trouxeram em suas bagagens determinação, coragem, esperanças, história e ternura. Nomeio aqui algumas delas que abriram seu coração e as portas de suas casas para que eu pudesse fazer parte da vida delas e, consequentemente, tornaram-se parte de minha vida e ampliaram a minha família: Joam, Anderson, Vernod, Beljour, Melene, Gislene, Schneider, Olkin, Reginal, Capri, Wendy, Wesley e Joseph. Agradeço, também, com especial afeto, aos haitianos e às haitianas que partilharam suas alegrias e dores nas reuniões da AHIA e durante os cursos de português e os profissionalizantes. Mèsi anpil frè ak sèm ayisyen yo!

Obrigado a você que aqui não foi citado, mas que, de uma forma ou outra, foi estímulo para que esta pesquisa fosse realizada e finalizada. Muito obrigado! Ainda agradeço a Peter Theodore Nash (in memoriam) que na Escola Superior de Teologia, em São Leopoldo (RS), foi impulsionando-me para que eu pudesse abrir sulcos hermenêuticos para além das fronteiras teuto-brasileiras, e assim, produzir novos frutos que possuíssem características negras, indígenas e latino-americanas.

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RESUMO

Esta dissertação aborda a imigração dos haitianos e das haitianas a partir do município catarinense de Itapema, localizado no litoral norte. A chegada deles e delas em Itapema (SC) desencadeou um processo analítico sobre as razões e motivações que possuem para migrar e, também, quais as estratégias utilizadas para deixar o Haiti até se integrarem à sociedade local. Neste processo, pensar em redes migratórias se tornou fundamental para compreender como a migração consolidou uma estratégia histórica de sobrevivência para o povo haitiano. A migração é considerada pelos haitianos e haitianas como um aspecto de sua cultura. A partir da experiência etnográfica foi possível evidenciar a importância do tecer redes, desde o início, quando haitianos e haitianas se organizaram juntos brasileiros para formar a Associação dos Haitianos de Itapema e Amigos. Nessa Associação trocavam informações para acolher os familiares e amigos, com a finalidade de conseguir emprego e assegurar seus direitos para viverem a cidadania plena. Deste modo, as redes são indispensáveis para que os haitianos e haitianas migrem com relativa segurança e se estabeleçam na sociedade local, com um mínimo de apoio.

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ABSTRACT

This dissertation talks about the immigration of Haitians from the city of Itapema, located on the northern coast of Santa Catarina. Their arrival in Itapema (SC) triggered an analytical process on the reasons and motivations they have for migrating and, also, what strategies were used to leave Haiti until they integrated with the local society. In this process, thinking about migratory networks has become fundamental to understand how migration has consolidated a historical survival strategy for the Haitian people. Immigration is considered by Haitians to be an aspect of their culture. From the ethnographic experience, it was possible to highlight the importance of weaving networks from the beginning, when Haitians, organized together with Brazilian people to form the Association of Haitians of Itapema and their Friends, when exchanging information to welcome family and friends, to get a job and secure their rights so they can live full citizenship. This way networks are indispensable for Haitians to migrate with relative security and to establish themselves in local society, whit a minimum of support.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ACNUR: Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados CEMEJA: Centro Municipal de Educação de Jovens e Adultos ALESC: Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina AHIA: Associação dos Haitianos de Itapema e Amigos CNIg: Conselho Nacional de Imigração

CONARE: Comitê Nacional para os Refugiados CPF: Cadastro de Pessoa Física

CRAS: Centro de Referência de Assistência Social

CRAI: Centro de Referência em Atendimento ao Imigrante ECA: Estatuto da Criança e do Adolescente

EJA: Educação de Jovens e Adultos

FETIESC: Federação dos Trabalhadores das Indústrias de Santa Catarina FGTS: Fundo de Garanti por Tempo de Serviço

FLD: Fundação Luterana de Diaconia FURB: Universidade Regional de Blumenau

GAIRF: Grupo de Apoio a Imigrantes e Refugiados de Florianópolis e Região IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICAR: Igreja Católica Apostólica Romana

IECLB: Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil INSS: Instituto Nacional do Seguro Social

MINUSTAH: Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti MTE: Ministério do Trabalho e Emprego

OBMigra:O Observatório das Migrações Internacionais ONU: Organização das Nações Unidas

PIB: Produto Interno Bruto PF: Polícia Federal

PNUD: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento SAMU:Serviço de Atendimento Móvel de Urgência

SINE: Sistema Nacional de Emprego UBS: Unidade Básica de Saúde

UDESC: Universidade do Estado de Santa Catarina UFSC: Universidade Federal de Santa Catarina UNIVALI: Universidade do Vale do Itajaí

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LISTA DE FIGURA

Figura 1: Rota dos Haitianos no Brasil...p.23 Figura 2: Quadro de entrada de haitianos no Brasil...p.24 Figura 3: Os haitianos no mundo...p.57

Figura 4: Municípios catarinenses com presença haitiana...p.68 Figura 5: Situação do trabalho em Santa Catarina para o imigrante... p.78 Figura 6: haitiano trabalhando em supermercado, Bairro Meia Praia, Itapema (SC...p. 81 Figura 7: residência no Bairro Morretes – Itapema (SC)...p.93

Figura 8: residência no Bairro Morretes – Itapema (SC)...p.95 Figura 9: Reunião sobre os fluxos de atendimento nas UBSs...p.119

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Sumário

AGRADECIMENTOS ... 5

RESUMO ... 8

ABSTRACT ... 9

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ... 10

LISTA DE FIGURA ... 11

1 INTRODUÇÃO: Aproximação ao tema da imigração haitiana ... 14

1.1 CHEGANDO AO TEMA DA PESQUISA ... 14

1.2 HAITIANOS E HAITIANAS EM ITAPEMA ... 21

1.3 INSTRUMENTAL TEÓRICO ... 26

1.3.1 Mobilidades e fluxos migratórios ... 26

1.3.2 Redes migratórias ... 34

1.4 IMIGRAÇÃO HAITIANA NO BRASIL E AS PESQUISAS ACADÊMICAS ... 38

1.5 METODOLOGIA ... 41

1.6 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO ... 42

2 MIGRAÇÃO HAITIANA NO MUNDO E NO BRASIL ... 44

2.1 INTRODUÇÃO ... 44

2. 3 O CONTEXTO ECONÔMICO DO HAITI: de produtor de riquezas à exportador de mão de obra ... 50

2.4 OS HAITIANOS NA ROTA DE MIGRAÇÃO PELO MUNDO ... 54

2.5 BRASIL COMO DESTINO APÓS O TERREMOTO DE 2010 ... 58

2.6 SANTA CATARINA NA ROTA DE MIGRAÇÃO DOS HAITIANOS ... 67

3 REDES DE MIGRAÇÃO DE HAITIANO E HAITIANAS EM ITAPEMA (SC) ... 71

3.1 INTRODUÇÃO ... 71

3.2 REDE DE MIGRAÇÃO: o difícil mundo do trabalho em Itapema ... 72

3.3 REDES DE MIGRAÇÃO: solidariedades familiares ... 82

3.4 ESTRATÉGIA PARA MORADIA: ato primeiro de solidariedade... 89

3. 5 SOLIDARIEDADE ENTRE OS VIZINHOS: do corte de cabelo as remessas de recursos ... 93

3.6 IGREJAS E SOCIEDADE CIVIL NAS REDES DE SOLIDARIEDADE A HAITIANOS EM ITAPEMA ... 96

3.7 A AHIA E AS ESTRATÉGIAS DE EMPODERAMENTO E SOBREVIVÊNCIA DOS HAITIANOS... 102

3.7.1 – Dificuldades linguísticas: aprendizado de português ... 104

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3.7.2 AHIA e os cursos de formação ... 111

3.7.2.1 Curso de "realidade brasileira"...111

3.7.2.2Formação de Direitos: Maria da Penha, ECA, Conselho Tutelar...116

3.7.2.3 Acesso aos equipamentos de Saúde e Conferência da Mulher...117

3.7.2.4 Os cursos profissionalizantes...120

3.8 FINALIZANDO: são amigos que ajudam ... 121

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 123

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1 INTRODUÇÃO: Aproximação ao tema da imigração

haitiana

1.1 CHEGANDO AO TEMA DA PESQUISA

Esta dissertação aborda a imigração haitiana para o município de Itapema, litoral norte do estado de Santa Catarina. O meu interesse em desenvolver um mestrado a respeito do tema decorre dos meus primeiros contatos com os haitianos e haitianas em Itapema, que se iniciaram em 2012. Minha esposa, meu filho e eu havíamos mudado de da cidade de Três Passos, no Rio Grande do Sul, para a cidade de Itapema (SC). Três Passos (RS), é uma cidade de pequeno porte, contava com 23.965 habitantes que viviam de uma economia predominantemente agrícola baseada no cultivo de soja, trigo, milho, criação de suínos e gado leiteiro, de pequenas indústrias ligadas ao setor do vestuário e moveleiro, além do comércio. Diferentemente de Três Passos, a cidade de Itapema, onde passamos a residir, é uma cidade de porte médio, que comporta uma população estimada em 45.797 habitantes, e uma economia baseada nas atividades da construção civil, mercado imobiliário, prestação de serviços e, principalmente, turismo (IBGE, 2010). Esta mudança de residência foi resultado da opção missionária da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), que me designou para atuar como pastor, na Paróquia de Itapema. Sou pastor da IECLB desde 2002. Estava atuando na Paróquia de Três Passos desde 2007.

A nossa chegada ao município de Itapema (SC) ocorreu em meados do mês de abril de 2012. Estabelecemos residência no Bairro Meia Praia, num apartamento localizado na Rua 240, de onde não demoramos em perceber o movimento de ciclistas e pessoas pela Avenida Nereu Ramos, a principal via da cidade. Muitas dessas pessoas trabalhavam na limpeza das vias públicas e da orla do município que entre si falavam um idioma que não conseguimos identificar de imediato qual era. Inicialmente, minha esposa observou que poderiam ser pessoas oriundas de algum país africano1.Na ocasião,

1Segundo Chimamanda Adichie (2009) o perigo de uma única história contada pelo ocidente colonizador é que ela constrói um estereótipo que identifica as pessoas negras como sendo oriundas do continente africano e, consequentemente, com necessidade de migrarem e exóticas. Por esta razão a população brasileira, num primeiro momento, não distinguiu os haitianos dos imigrantes oriundos do continente africano. No entanto, o estranhamento da sociedade brasileiro com a chegada das pessoas recém-chegadas e os relatos desta chegada pelos meios de comunicação mesmo que sejam relevantes para a compreensão da complexão migração haitianas, infelizmente, eu não terei condições de abordá-los nesta dissertação.

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eu complementei que poderiam estar falando algum dialeto, pois, quando as ouvíamos, nossos ouvidos identificavam, por um lado, algo familiar e, por outro, algo que causava certo estranhamento. É que alguns vocábulos se assemelhavam ao francês, mas percebemos que não era esse propriamente o idioma falado. Passados alguns dias soubemos, através de jornais regionais, que aquelas pessoas que tínhamos ouvidos pelas vias públicas de Itapema eram originárias do Haiti, e que o idioma que tínhamos ouvido era o kreyòl2.

Adiante, em agosto de 2012, quando acompanhava um grupo de mulheres da Ordem de Senhoras Evangélicas (OASE) da Paróquia, em visita ao grupo da Paróquia de Jaraguá do Sul (SC), conversava com o motorista do ônibus que nos conduzia e ele comentou que sua próxima viagem seria para o estado do Acre. O motivo, esclareceu ele, era para buscar um grupo de “haitianos” para uma empresa de limpeza urbana localizada em Itajaí (SC). Ele comentou, ainda, que já fizera esta viagem outras duas vezes e que a maioria dos haitianos vinha para trabalhar na empresa Ambiental3,a qual é responsável pela limpeza pública nos municípios de Itajaí, Balneário Camboriú, Camboriú, Indaial, Jaraguá do Sul, São Francisco do Sul e Itapema, todas de Santa Catarina. Está foi a primeira vez que ouvira que haitianos eram recrutados no Acre para virem trabalhar em Santa Catarina.

No entanto, minha aproximação com os haitianos ocorreu de forma efetiva dois anos depois, em 2014, quando, após o almoço num restaurante, localizado no bairro Meia-praia, em Itapema, eu fui apresentado à Dalila Maria Pedrini, formada em serviço

2 Segundo (Grondin, 1985) A língua do Haiti é o kreyòl, falado por 90% da população, uma criação dos negros escravos de diferentes grupos linguísticos que foram misturados por seus captores, vendedores, compradores e donos nas plantações, por isso, tiveram que criar um meio de comunicação oral e cultural entre si mesmos e entre eles e seus donos para isso utilizaram como base o francês, língua da colônia. O

créole é feitura dos negros, grudada à cor da pele, expressão de identidade e defesa das massas diante da

elite. Ele foi reconhecido como idioma oficial em 1986, logo após a saída de Jean Claude Duvalier do poder. O primeiro presidente a utilizar o kreyòl em discurso oficial foi Jean Bertrand Aristide, eleito em 1991 (Rosa, 2006). Cabe lembrar que somente as pessoas escolarizadas falam francês, por isso, os haitianos cultos até pouco tempo evitavam falá-lo. Isto apesar de que desde 1961 o Haiti se reconhece oficialmente como uma nação bilíngue (Couto, 2016)

3Ambiental Limpeza Urbana e Saneamento Ltda. Possui sede administrativa em Joinville, na Rua Lages, 323, Centro. Atua no setor de limpeza urbana desde 1999 e no setor de Saneamento desde 2003, oferecendo serviços como a coleta de resíduos, serviços gerais de limpeza, implantação e operação de aterros sanitários, operação e manutenção do sistema de abastecimento de água e de esgotamento sanitário mais de 1.800 funcionários, está presente em 9 municípios, atendendo uma área geográfica de mais de 1,5 milhão de pessoas. Recolhe mais de 430.000 toneladas de resíduos por ano(Ambiental, 2019).

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social4 e professora aposentada da Universidade Regional de Blumenau (FURB), que manifestou sua preocupação com a situação dos haitianos que se encontram em Itapema, principalmente, em relação ao aprendizado da língua portuguesa e sobre as condições de trabalho. Ela disse que começou a ouvir sobre a chegada dos haitianos em Santa Catarina em 2012, e que por ter experiência em cooperativismo e atuar como assessora em políticas sociais públicas e assistência social, ficou sensibilizada com a necessidade de acolhê-los, pois constatou que estes eram em grande número na região e não havia nenhuma instituição ou serviço público que lhes oferecesse alguma acolhida. Relatou, ainda, que, no início de 2013 ela manteve os primeiros contatos com haitianos em Camboriú (SC), com os quais, através de um trabalho voluntário, ajudou-os a conhecer seus direitos trabalhistas, informou-lhes sobre o funcionamento do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e como deveriam proceder para acessar as políticas públicas na área da educação e saúde.Depois, em contato com os haitianos em Itapema (SC), a professora Dalila vislumbrou a possibilidade de organizar uma associação para eles,também nesse município. Assim, com auxílio dos haitianos da Associação de Balneário Camboriú (SC), ela começou a visitar os haitianos e lhes fez o convite, em kreyòl, para organizar uma associação em Itapema (SC). Durante esse almoço, Dalila Maria Pedrini nos informou, ainda, que, desde dezembro de 2013, a Associação de Haitianos que residiam em Itapema (SC) já estava em processo de organização, e advogava que as instituições religiosas e sindicais deveriam formar uma rede de apoio. Informou, ainda, que estava dialogando com o padre da Paróquia Sagrado Coração de Jesus, e estendeu o convite para que a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil também viesse somar-se à ação solidária em prol dos imigrantes haitianos, e assim, auxiliar no processo pedagógico popular para que a sociedade se sensibilizasse com eles. Na ocasião ela explanou seu esforço em realizar uma reunião com os haitianos e entidades civis e governamentais para articular ações que auxiliassem os haitianos e haitianas a garantirem seus direitos nos municípios do litoral norte de Santa Catarina. Ela, então, fez-me o convite para participar de uma reunião que ocorreria com haitianos e outras pessoas na sede da Federação dos Trabalhadores das Indústrias de Santa Catarina (FETIESC), no dia 11 de fevereiro de 2014, e ressaltou que seria importante que mais pessoas da Paróquia também participassem. Ao final do encontro, ao nos despedirmos, confirmei a ela o meu compromisso em estar na reunião

4 Mestrado e doutorado em Serviço Social, área de concentração em políticas sociais e movimentos sociais pela PUC/SP.

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e para a qual me comprometi que buscaria mobilizar os membros de minha própria Paróquia.

Após este encontro busquei estabelecer contato como as lideranças da minha Paróquia, porém sem muito sucesso. Isto porque no período de temporada de verão as atividades de grupos e as reuniões da diretoria estão suspensas, ocorrendo apenas as celebrações do culto dominical. Sendo assim, não logrei mobilizar pessoas da minha Paróquia para acompanhar-me na reunião. Entretanto, minha esposa se solidarizou comigo e, na data agendada, nós comparecemos à reunião na sede da FETIESC, onde estavam presentes as seguintes pessoas: Jean Innocent Monfiston (Associação dos Haitianos de Balneário Camboriú), Jude Leonel Joseph (Associação dos Haitianos de Navegantes), Schneider Desrosiers e Wendy Louis (Associação dos Haitianos e seus Amigos de Itapema), Gelson Nezi (Cáritas5 Regional Santa Catarina), além dos representantes das instituições de apoio: Ângelo Ravanello, Albertina Romanha, Carmem Lúcia Böing e Dalila Maria Pedrini (Grupo de Apoio de Itapema); Maria Antonia Carioni Carsten, Fernando Anísio Batista e Luciano Leite (Ação Social Arquidiocesana – ASA); Neygila Costa Santos e Günter Bayerl Padilha (Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil - IECLB); Sabino Bussanello (FETIESC); Mairon E. Brandes (DIEESE/FETIESC) Idalina Boni (Centro de Direitos Humanos de Itajaí). Marília Luiza da Silva (Núcleo Afro de Itajaí). Fabiana da Silva (ITCP/UNIVALI Itajaí).

No início da reunião, Sabino Bussanello, representante da FETIESC, acolheu os presentes e destacou que foi procurado pela Professora Dalila Maria Pedrini e que ela tinha relatado sua preocupação com a presença haitiana em Itapema e cidades vizinhas. Ao finalizar, ele afirmou que a FETIESC estaria à disposição como entidade de classe para contribuir com esse grupo de apoio aos haitianos. Em seguida a Professora Dalila Maria Pedrini apresentou o objetivo da reunião que, em primeiro lugar, era ouvir os

5 A Cáritas foi criada em 1956 pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). No início, foi incumbida de articular todas as obras sociais católicas e assumir a distribuição do Programa de Alimentos para a Paz subsidiada pelo governo estadunidense como um dos eixos de uma ação maior chamada “Programa Aliança para o Progresso”, implementada após a Segunda Guerra Mundial. Sendo filiada a Cáritas Brasileira a Ação Social Arquidiocesana – ASA, fundada em 17/11/1960, é uma associação civil, sem fins lucrativos e econômicos, e que enquanto entidade de Assistência Social tem por finalidade desenvolver seus serviços, programas, projetos através de Assessoramento aos beneficiários da LOAS (Lei Orgânica de Assistência Social) e Defesa e Garantia de Direitos de forma gratuita, continuada, permanente e planejada. Atua, prioritariamente, nos 30 municípios que compõem a Arquidiocese de Florianópolis, na qual está incluído o município de Itapema (Cáritas, 2018).

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haitianos e após, se fosse consenso, realizar a formação de um grupo de apoio para as Associações de haitianos no litoral norte do estado de Santa Catarina. Em seguida, houve uma breve apresentação das pessoas e das instituições que elas representavam para que os haitianos pudessem se familiarizar e, também, para que os demais pudessem se reconhecer como parceiros dessa ação.

Então, fazendo uso da palavra, Jean Innocent Monfiston, representante da Associação dos Haitianos de Balneário Camboriú, apresentou as principais demandas deles, que eram basicamente conhecer os direitos trabalhistas a que poderiam ter acesso e o aprendizado da língua portuguesa. Na sequência, Jude Leonel Joseph, da Associação de Haitianos de Navegantes, mencionou que, há um ano, ele trabalha organizando turmas para aulas de português e colocou-se à disposição para realizar tradução de materiais. O representante haitiano da Associação de Itapema, Schnaider Desrosiers, relatou que o processo de organização da sua Associação tinha sido iniciado em dezembro de 2013 e que as principais demandas estavam relacionadas à dificuldade com a língua; condições de moradia (aluguel muito caro); relações de trabalhador com as empresas; dificuldade para envio de dinheiro para o Haiti, pois não há este serviço em Itapema, apenas em Balneário Camboriú e Itajaí. Além disso, revelou assuas preocupações com a manutenção das suas referências culturais e com a divulgação delas para a sociedade brasileira. Ele falou ainda, que os haitianos que trabalhavam na construção civil, sofriam muito “bullying” de seus companheiros e superiores quando, entre eles, se comunicavam em kreyòl. Além disso, relatou que alguns de seus conterrâneos haviam sido demitidos e não sabiam quais eram seus direitos e nem compreendiam como eram efetuados os cálculos da rescisão do contrato de trabalho. Não bastasse esta situação, alguns haitianos foram demitidos e não conseguiram receber os valores que a eles eram devidos. Relatou, ainda, sobre aqueles que eram contratados e trabalhavam por vários meses sem que a Carteira de Trabalho fosse assinada.

Após os relatos que esclareciam um pouco como os haitianos estavam enfrentando uma situação adversa nas suas vivências nestes municípios de Santa Catarina, as pessoas ali reunidas decidiram que era necessário criar um espaço para debater as situações enfrentadas por eles. Assim, por sugestão da professora Dalila Maria Pedrini foi criada uma rede de apoio para ajudar a recém-fundada Associação dos Haitianos de Itapema e Amigos (AHIA), para que as demandas apresentadas fossem

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debatidas e ações pudessem ser realizadas a fim de auxiliá-los a terem seus direitos respeitados e garantidos.

Em seguida, o representante da Comunidade Católica Cristo Rei, pertencente à Paróquia Sagrado Coração de Jesus, com sede na Rua 402-B, no Bairro Morretes, ofertou o seu salão comunitário para sediar as reuniões e atividades da AHIA. Como ela está localizada próxima das moradias dos haitianos, facilitaria a participação deles nas reuniões. Os haitianos aceitaram a ofertada realizada pela Comunidade Católica Cristo Rei, e eles estabeleceram que as reuniões ordinárias da AHIA aconteceriam no primeiro domingo de cada mês, às 16 horas. E assim tem sido feito até o momento.

Desde a minha participação nessa reunião de articulação realizada na sede da FETIESC tenho participado das atividades da AHIA como integrante da rede de apoio, representando a Comunidade Evangélica de Confissão Luterana Itapema-Porto Belo. Assim, tenho participado das suas reuniões ordinárias, que ocorrem todos os primeiros domingos de cada mês. Nesses dias, nos minutos que antecedem o horário da reunião começa-se a ouvir pelas ruas do Bairro Morrestes sons de movimentos frenéticos de haitianos em bicicletas e outros a pé, os quais vão preenchendo o silêncio dominical com suas conversas alegres em kreyòl. Aos poucos vão se dando os reencontros no salão Comunitário da Comunidade Cristo Rei. Pequenos grupos vão se formando e, logo, entram em cena os smartphones com mensagens de parentes, informações de seu país, que são colocados no meio da roda deixando a conversa ainda mais ruidosa. Existem também aqueles que, em silêncio, parecem terem sido abduzidos, mas estão apenas verificando e respondendo às mensagens em seus smartphones. Não consigo compreender nada do que é conversado nesse idioma, todavia, vou entendendo melhor a demanda das suas Associações pelo aprendizado da língua portuguesa.

Toda essa atmosfera descontraída é interrompida pela voz de um dos membros do Comitê da AHIA, geralmente o Presidente, que convida as pessoas presentes para o início da reunião. Normalmente as reuniões começam com uma oração ou um hino cristão. A maioria dos haitianos em Itapema segue alguma religião evangélica seja, na Igreja Batista ou em outra denominação de cunho Pentecostal. Em seguida é apresentada a pauta da reunião que, geralmente, é composta de assuntos relacionados às questões referentes aos seus direitos. Assim, durante as reuniões as discussões estão voltadas para o estabelecimento de estratégias que lhes garantam acesso ao aprendizado do português, conhecimento básico das leis trabalhistas, como se posicionar diante de

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situações de discriminação, trâmites na Polícia Federal, acesso à saúde, discussão da política brasileira de imigração e acesso à educação. Assim, desde 2014 venho auxiliando a AHAI nas suas ações para sensibilizar os diversos setores da sociedade de Itapema em relação às questões envolvendo o fluxo migratório de haitianos para o município.

Também, junto à minha Paróquia tenho mobilizado as pessoas para que sejam solidárias com os haitianos e haitianas que vivem em Itapema. De uma maneira positiva elas têm respondido através das campanhas do agasalho, materiais escolares e de alimentos que beneficiam aos imigrantes haitianos. Atualmente, como parte das minhas atividades na paróquia, sou o coordenador do projeto: "Imigração: direitos e integração à realidade local e brasileira", que é mantido com recursos advindos do Programa de Pequenos Projetos (PPP), ofertado pela Fundação Luterana de Diaconia6, e que conta com a parceria da Secretaria Municipal de Educação de Itapema, Ação Social e Cultural Nossa Senhora dos Navegantes e a AHIA (Associação dos Haitianos em Itapema e seus Amigos). Através desse projeto, ofertamos-lhes cursos de Português, e noções a respeito das leis trabalhistas e capacitação profissionalizante.

Foi a partir desta minha imersão participante, e de meu engajamento, que percebi que pouco, ou quase nada, conhecia sobre o Haiti, sua história, economia, cultura, população e das motivações que forçaram a emigração de haitianos e haitianas. Então me questionava a respeito dos fatores que colocaram Itapema (SC) no cenário das opções de destino dos fluxos migratórios. Com esses questionamentos, encontrei as

6 A Fundação Luterana de Diaconia (FLD) foi criada no dia 17 de julho de 2000 por decisão do Conselho da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB). Seu trabalho se dá com grupos socialmente vulneráveis e comunidades empobrecidas, sem discriminação de etnia, gênero, convicção política ou credo religioso. A FLD é uma entidade com personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos. É herdeira do antigo Serviço de Projetos Desenvolvimento da IECLB e de sua experiência de mais de 34 anos na área de desenvolvimento comunitário. Com sede em Porto Alegre (RS), a FLD apóia grupos e projetos em todo o território brasileiro. O projeto: "Imigração: direitos e integração à realidade

local e brasileira “faz parte do Programa de Pequenos Projetos (PPP) da FLD que atua a partir de cinco

áreas temáticas: Justiça Econômica, Justiça Socioambiental, Diaconia, Direitos e Ajuda Humanitária. A Justiça de Gênero é critério transversal de apoio a projetos e de todas as dimensões das atividades da FLD. O PPP busca o fortalecimento de movimentos sociais, organizações de defesa de direitos (tais como organizações feministas, juventudes, grupos LGBT), instituições diaconais e ecumênicas, redes, empreendimentos de economia solidária, cooperativas e associações de catadoras e catadores de materiais recicláveis, grupos da agricultura familiar, assentamentos da reforma agrária e organizações de povos e comunidades tradicionais, em âmbito nacional (Diaconia, 2018).

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razões que impulsionaram minha decisão de ingressar no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFSC, com o objetivo de desenvolver uma etnografia sobre os recentes fluxos migratórios de haitianos e haitianas ao Sul do Brasil. E ainda, compreender melhor como tem se dado a sua inserção na sociedade catarinense. Questionava-me como estavam percebendo a sua aceitação neste estado da federação que se declara como predominantemente “branco”, e quais são as condições de subsistência e manutenção na cidade. Assim, fui compreendendo melhor que, como um fenômeno social maior, a presença dos haitianos e haitianas em Itapema faz parte de um intenso movimento de migração que passou a ocorrer em direção ao Brasil a partir de 2004, quando, a pedido da ONU, o país esteve no comando da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH).

1.2 HAITIANOS E HAITIANAS EM ITAPEMA

O município de Itapema, como destino de imigrantes haitianos, está localizado no litoral norte catarinense, e possui como municípios limítrofes Camboriú, Balneario Camboriú, Porto Belo e Tijucas. O município de Itapema é cortado pela BR 101, sendo que os bairros Centro e Meia Praia, onde se encontra a orla e os maiores empreendimentos imobiliários e comerciais, estão na marginal Leste da rodovia. Do outro lado, na marginal Oeste estão os bairros Morretes, Praiamar, Várzea, Tabuleiro, Alto São Bento, Ilhota e Sertão do Trombudo, que possuem características residenciais, e é onde a maioria dos haitianos e das haitianas fixou residência, principalmente, nos bairros Morretes e Praiamar.

Como já indicamos inicialmente, a chegada dos primeiros haitianos em Itapema começou a ocorrer no ano de 2012, quando a empresa Ambiental Limpeza Urbana e Saneamento Ltda., que presta serviço de limpeza urbana na cidade, além de outros oito municípios da região, enviava ônibus para o estado do Acre para trazê-los para trabalharnessa empresa, visando suprir a sua demanda por mão-de-obra para os serviços de limpeza no município. Segundo as informações obtidas junto a administração da empresa Ambiental, no ano de 2012 foram recrutados desse modo trinta haitianos. Atualmente a empresa conta com trinta e três haitianos que fazem parte do seu quadro de funcionários. Além desses trinta e três trabalharem para essa empresa

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em Itapema, os demaisimigrantes haitianos que estão trabalhando, exercem funções laborais em condomínios, lanchonetes, hotéis, comércio, indústrias e, principalmente, na construção civil.

Não foi possível encontrar um número exato de haitianos e haitianas em Itapema, mas estima-se que o número de imigrantes haitianos seja de cerca de quinhentas pessoas. Na Associação dos Haitianos de Itapema e Amigos participam aproximadamente cempessoas. Na Igreja Batista, localizada no Bairro Morretes, participam duzentas pessoas. No curso de português, que é realizado na Escola Municipalde Educação Básica Bento Elói Garcia, no Morretes, estão frequentando cinquenta e nove pesssoas.Nas escolas e creches do município, segundo a Secretária Municipal de Educação de Itapema, estão frequentando quarenta e duas crianças filhos deimigrantes hatianos nas seguintes unidades de ensino: Centro Municipal de Educação Infantil Alto São Bento, com um estudante; Centro Municipal de Educação Infantil Pequeno Principe, com um estudante; Centro Municipal de Educação Infantil Antônio Russi Filho, com um estudante; Centro Municipal de Educação Infantil Professora Maria Iracema Alexandre dos Santos, com doze estudantes; Escola Municipal de Educação Básica Bento Elói Garcia, com dois estudanese a Escola Municipal de Educação Básica Prefeito Francisco Victor Alves, com vinte e cinco estudantes.

Como já assinalado, a presença dos haitianos e haitianas em Itapema faz parte do contexto maior das migrações haitianas para o Brasil que passou a ocorrer de forma mais intensa a partir de 2004, quando Brasil assumiu o comando da Missão da ONU para estabilização política do Haiti, durante o governo Lula. Tomou maiores dimensões depois de 2010, quando ocorreu o terremoto devastador, que levou milhares de haitianos a abandonar o país. O Brasil foi se constituindo um dos principais destinos tomados pelos haitianos e haitianas desde então (Fernandes & Farias, 2016; Magalhães L. F., 2016; Dutra, 2016).

De um modo geral, saindo do Haiti, o percurso para chegarem até o Brasil tem sido efetuado por via aérea, com escalas na República Dominicana, Panamá e Equador ou Peru. A partir desses dois países (Equador ou Peru), eles se dirigem de carro, ônibus ou barco até a fronteira dos estados do Acre e Amazonas em diferentes pontos: Tabatinga (AM), Assis Brasil e Brasiléia (AC). Dessas fronteiras brasileiras, eles se

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dirigem para o centro-oeste, sul e sudeste do país(Fernandes & Farias, 2016). No mapa se pode observar o roteiro mais comumente seguido:

Figura 1: Rota dos Haitianos no Brasil

(Pontes, 2014)

De um modo geral, o acesso dos imigrantes haitianos às cidades da tríplice fronteira Brasil-Peru-Bolívia tem resultado de ações de rede de informantes, aliciadores e coiotes, que traçam rotas que incluem a recém-concluída Estrada do Pacífico, também conhecida como Rodovia Interoceânica, uma estrada binacional que liga o noroeste do Brasil ao litoral sul do Peru, através do estado brasileiro do Acre, no município de Assis Brasil. A parte da Estrada do Pacífico que fica dentro do território brasileiro é identificada como BR-317, enquanto no Peru é chamada apenas de Carretera Interoceanica. Essa Rodovia possibilitou a interligação via Amazônia dos oceanos Pacífico e Atlântico(Mamed L. H., 2018). Esta região, identificada, como Amazônia Sul Ocidental, registrou no ano de 2010 a chegada de um grupo de trinta e sete haitianos, enquanto que no período de 2010 a 2015 o número de haitianos ultrapassou o número de trinta e sete mil. Desse modo, essa região tem se constituído a principal porta de entrada de imigrantes haitianos, e de outras nacionalidades, que buscavam no Brasil oportunidades de emprego.

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Os haitianos que entraram pela cidade de Assis Brasil, no estado do Acre, necessitaram, ainda, realizar uma viagem de 120 km até o município de Brasiléia, também no estado do Acre, para receberem atendimento da Polícia Federal. Nesse município eles eram encaminhados para um abrigo de estrutura precária, até serem novamente encaminhados para outro abrigo na cidade de Rio Branco, capital do estado. Durante a permanência nesses abrigos eles eram submetidos a um minucioso cadastro, no qual, eram coletadas as informações sobre procedência, saúde, escolaridade, profissão, destino no Brasil, entre outras. Em seguida, recebiam as instruções sobre como deveriam proceder para efetuar a regularização da sua situação no país após protocolarem o pedido de refúgio solicitando a inscrição no Cadastro de Pessoa Física (CPF) e a emissão da Carteira de Trabalho e Previdência Social para estrangeiro. Esta política de atendimento foi assumida pelo governo do Acre em parceria financeira com o governo federal. Além disso, houve algumas iniciativas pontuais de doações por parte de associações e entidades religiosas (Mamed L. H., 2018).

Segundo o Relatório Anual 2018 de Observatório das Imigrações Internacionais (OBMigra), entre os anos de 2010 e 2017 os haitianos se tornaram a maior população a ingressar no Brasil, perfazendo o número de 95.947 pessoas, sendo que, dentre eles 64.628 são homens e 30.869 são mulheres. Os haitianos representam 21,38% do total de 449. 174 pessoas migrantes que ingressaram no país nesse período. Em segundo lugar estão os bolivianos, que somam 44.041 pessoas, e os colombianos ocupam a terceira colocação, com 28.991 pessoas. Entre 2010 e 2017, o registro de entrada das pessoas nascidas na República do Haiti pode ser mais bem vislumbrado no quadro abaixo:

Figura 2: Quadro de entrada de haitianos no Brasil

Ano Entrada de haitianos e haitianas

2010 304 2011 2.651 2012 4.432 2013 14.639 2014 20.213 2015 20.029 2016 20.875 2017 12.354

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As regiões Sudeste e Sul têm se constituído destino preferencial dos haitianos, aonde encontravam maior oferta de trabalho, oriunda de empresas do setor agropecuário, especialmente frigoríficos, construção civil, metalúrgicas, têxteis, hoteleiras e de serviços de limpeza. De um modo geral, as maiorias dos haitianos se dirigiam até o local de trabalho através de ônibus fretado pelo governo do Acre (Mamed L. H., 2018). Em outras situações, como já assinalado, muitas empresas realizaram elas mesmas o recrutamento, enviando ônibus ao Acre para buscá-los, como foi o caso de algumas empresas em Santa Catarina.

Santa Catarina, na Região Sul, se destaca como o estado que mais admitiu haitianos no ano de 2017, empregando 6.642 pessoas; em seguida está o Rio Grande do Sul, empregando 4.018 pessoas, e depois o Paraná com um número de 3.856 pessoas. Todavia, nas demissões, o estado de Santa Catarina também liderou o ranking com 3.749 pessoas demitidas, seguido pelo Rio Grande do Sul, com 2.382 demitidos, e o Paraná que demitiu 2.007 pessoas (Cavalcanti, Brasil, & Dutra, 2018, p. 82).

Esse alto percentual de demissões que se observa entre os trabalhadores haitianos nos estados do Sul, mais da metade dos que são admitidos, indica um alto grau de instabilidade nos empregos e, por consequência, nos modos de obtenção de seus meios de vida. Esses números registram um alto grau de rotatividade, que certamente dificulta o planejamento mínimo de suas vidas, ainda que em curto prazo. Daí que se compreende melhor o porquê da demanda dos haitianos em Itapema por maiores informações sobre seus direitos trabalhistas, e sobre o que podem ou não acessar em território brasileiro. Como já assinalamos, nas reuniões do AHAI, os haitianos têm relatado que alguns de seus conterrâneos foram demitidos e não sabiam quais eram seus direitos, assim como não compreendiam como eram efetuados os cálculos da rescisão do contrato de trabalho. Ou ainda, relatavam sobre aqueles que eram contratados e trabalhavam por vários meses sem que a carteira de trabalho fosse assinada. Contudo, ainda que apresentassem essas situações de vulnerabilidade nos empregos que conseguiam, chamava atenção, também, como reagiam quando perguntados se achavam que as razões das demissões poderiam ser racismo ou alguma forma de descriminação por serem haitianos. Em suas respostas, eles quase sempre negavam, afirmando que eram sempre “muito bem tratados”. De modo geral, evitavam qualquer crítica ou comentário que pudesse sugerir que sofriam “racismo” no Brasil.

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Não será possível avaliar nessa dissertação as razões por este elevado número de demissões, que certamente são variadas, pois extrapolaria o alcance de seus objetivos. O que importa é chamar a atenção para as precárias condições e a vulnerabilidade que indubitavelmente estes imigrantes haitianos têm enfrentado para se manter no Brasil, de modo especial, em Itapema (SC). Nesse sentido, preocupo-me em compreender como, em condições tão precárias, carregadas de tanta instabilidade, os haitianos têm conseguido assegurar seus meios de vida e subsistência em Itapema. Quais são as estratégias que eles têm empreendido, além de suas Associações locais, e como eles têm se organizado para se constituir enquanto uma comunidade, ainda que distante de seu território, mas que se mantém unida para assegurar os laços com seus familiares em seu país de origem?Suponho que a sua dinâmica está assentada basicamente em uma rede de solidariedade que vão construindo ao longo do caminho desde que saíram do Haiti e se lançaram na aventura de chegar ao Brasil para garantir seus meios de vida.

1.3 INSTRUMENTAL TEÓRICO 1.3.1 Mobilidades e fluxos migratórios

Para compreender o fluxo migratório dos haitianos para o Brasil, primeiramente se faz necessário ter presente, como assinala Sayad (1998), de que a imigração é um deslocamento de pessoas no espaço físico, uma distribuição territorial de pessoas e, também, um deslocamento qualificado, uma redistribuição social, econômica, política e cultural. Portanto a migração é um “Fato social total, é verdade; falar da imigração é falar da sociedade como um todo” (p. 16). Para Sayad, na sociedade as pessoas migrantes estão envolvidas em uma contradição dicotômica entre um estado de o ser /não-ser, provisório/definitivo; nacional/não-nacional; emigrante/imigrante; legal/ilegal, documentado/indocumentado ou empregado/desempregado, a qual é dada pela fundação de uma ordem nacional ( p. 277).

Segundo Silva (2016), quando em fevereiro de 2010 os haitianos começaram a chegar às fronteiras amazônicas eles provocam o surgimento de um problema social e jurídico. Isto porque por um lado sobrecarregam as infraestruturas dos municípios de Tabatinga (AM) e Brasiléia (AC) e, por outro lado, expuseram a fragilidade da legislação brasileira e da política migratória do país diante de um fluxo migratório de

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pessoas em situação de vulnerabilidade ao requererem ao estado brasileiro o reconhecimento de refugiados7. No mesmo sentido, Patarra (2012), outro autor que também estuda a migração haitiana no país, esclarece-nos que:

Ao chegarem à fronteira, estes imigrantes apresentam uma solicitação de refúgio, alegando as péssimas condições de vida no Haiti e a impossibilidade de se continuar vivendo naquele país após o terremoto. Sendo o Brasil signatário das convenções sobre o acolhimento de refugiados, as autoridades na fronteira registram estas solicitações e as encaminham ao órgão competente: o Comitê Nacional para Refugiados – CONARE, do Ministério da Justiça, para análise. Enquanto aguardam a tramitação do pedido de refúgio, os imigrantes recebem uma documentação provisória (Cadastro de Pessoa Física - CPF e Carteira de Trabalho) que lhes permite circular pelo país na busca por trabalho. Por não atenderem aos requisitos do conceito de refugiado previsto na Convenção de 1951 e na legislação nacional, o CONARE não encontra amparo legal para deferir estas solicitações (p. 14).

Assim, embora o CONARE entendendo que no caso dos haitianos, eles não preenchiam os requisitos previstos na Convenção de 1951 e não se enquadravam na definição de refugiados da Lei 9474/97 (Dutra, 2016), resolveu encaminhar as solicitações haitianas de refúgio ao Conselho Nacional de Imigração (CNIg) devido à situação deplorável do Haiti após o sismo de 2010 que chamava a atenção mundial. Desse modo, o CONARE propôs, em 2011, conceder aos haitianos “a autorização para permanência em território nacional”, e, com isso, a situação da migração haitiana foi regularizada através da resolução normativa do CNIg 97, de 12.01.2012 que prevê a concessão de visto permanente por razão humanitária (Silva & Jubilut, 2015).

7 Segundo Silva & Jubilut (2015), logo após adentrarem em solo brasileiro, os haitianos protocolaram pedido de refúgio na Polícia Federal. Em 1947, foi criada a Organização Internacional de Refugiados (OIR), ainda dedicada aos problemas residuais dos refugiados da Segunda Guerra Mundial. E, finalmente, em dezembro de 1950, foi criado o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), com a função de proporcionar proteção internacional aos refugiados. O Acnur surgiu como uma instituição apolítica. É uma instituição internacional, humanitária e de cunho social que considera como refugiados os homens e mulheres (idosos, jovens e crianças) que foram obrigados a deixar seus países de origem por causa de um fundado temor de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, por pertencer a um determinado grupo social ou por suas opiniões políticas. A legislação brasileira sobre refúgio (Lei 9.474 de 22 de julho de 1997), redigida em parceria com o Acnur e com a sociedade civil, é considerada hoje pela própria ONU como uma das leis mais modernas, mais abrangentes e mais generosas do mundo. Contempla todos os dispositivos de proteção internacional de refugiados e cria um órgão nacional – o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) – para ditar a política pública do refúgio e decidir quanto às solicitações de refúgio apresentadas no Brasil. Nela também se reconhece como refugiadas as pessoas que foram obrigadas a sair de seus países devido a conflitos armados, violência e violação generalizada de direitos humanos. Não podem se beneficiar da condição de refugiado as pessoas que cometeram crimes de guerra, contra a humanidade, contra a paz, crimes hediondos ou que participaram de atos terroristas ou do tráfico de drogas. De acordo com o Direito Internacional e com a lei brasileira de refúgio, solicitantes de refúgio e refugiados não podem ser devolvidos a territórios onde suas vidas ou liberdade estarão em risco – princípio conhecido como não-devolução (non-refoulement).

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Para Silva (2016) e Silva & Jubilut (2015), quando o governo brasileiro decidiu solucionar a questão da permanência dos haitianos no Brasil por meio da visto humanitário,acabou nivelando os haitianos e as haitianas solicitantes de refúgio à condição de “migrantes laborais”, retirando-lhes o direito de terem seu status de refugiados reconhecido e, além disso, feriu o princípio de universalidade ao oferecer aos haitianos e haitianas um tratamento de exceção diante de outros grupos que estivessem em situações de violações de direitos humanos. Apesar dos autores identificarem aspectos negativos no visto humanitário, eles concordam que este expediente já representa um avanço na política migratória brasileira visando uma proteção complementar aos imigrantes.

Por esta razão uma das primeiras inquietações metodológicas que surgiram para realizar uma etnografia entre os haitianos que migraram para Itapema (SC) surgiu da tensão entre os conceitos “refugiado” e/ou “imigrante”, ou seja, qual dessas categorias seria utilizada para compreender a situação dos haitiano/as em Itapema. A criação e atribuição do “visto humanitário” trouxe a ambiguidade no tratamento desse fluxo migratório porque, se, por um lado, o Estado brasileiro buscou contornar a legislação para conceder um “visto humanitário” às pessoas oriundas do Haiti para, assim, regularizar a sua situação e lhes permitir trabalhar legalmente, por outro, do ponto de vista teórico, a sua compreensão tem enfrentado alguns problemas quanto às noções mais apropriadas para a sua abordagem. Vários outros autores também têm se debatido frente à condição que os/as haitianos/as no Brasil deveriam ser considerados/as.

Segundo Pinto (2018), por não se enquadrar no conceito tradicional de “refugiado” a população haitiana que migra para o Brasil como uma alternativa de vida deveria ser considerada como “refugiados ambientais”. Nesta mesma linha de pensamento, Dutra (2016) esclarece que o conceito “refugiado ambiental” tem sua origem na definição de “refugiado ecológico”, cunhado por Lester Brown e definido por El-Hinnawicomo sendo: “as pessoas que precisam deixar suas casas [...] por causa de uma evidente alteração ambiental” (p.131). No caso das pessoas que vêm do Haiti, por conta de acidentes ambientais como o terremoto de 2010que foi seguido por um surto de cólera e porque no ano de 2012 o país foi devastado pelos furacões Issac e Sandy. No entanto, as duas autoras alertam que o status de “refugiado ambiental” não está reconhecido e contemplado pela Convenção de Genebra de 1951. Todavia, a questão de refugiados ambientais é uma realidade crescente que precisa ser refletida e entendida

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como um problema social global, porém encontra resistência financeira e política por parte dos signatários da Convenção de Genebra. Além disso, as autoras advogam pela inclusão das pessoas vitimadas pelas catástrofes naturais na categoria de refugiados e que, sendo assim, esta nova categoria de “refugiados” deveria receber o reconhecimento legal dos órgãos internacionais responsáveis pelos refugiados e dos países que estão acolhendo as pessoas que migram vitimadas por acidentes ambientais.

Contudo, autores têm destacado que na maioria das vezes as causas e motivações das migrações são múltiplas, envolvendo vários fatores, como acidentes naturais, crises políticas, econômicas, guerras, etc., e nesse sentido eles têm assinalado a necessidade de ampliação do conceito de “migração” (Dutra, 2016; Couto, 2016;). Nesta direção, Baeninger e Peres (2017) têm discutido a necessidade de ampliar a discussão sobre os conceitos que auxiliam a compreenção da migração e quais são as ações protetoras que estes conceitos invocam no atual cenário das migrações. Segundo as autoras, o conceito “migração de crise” é de suma importância perante a realidade atual, pois, para elas:

Na ampliação do conceito de migração de crise consideramos o escopo teórico-conceitual dessa migração, incorporando imigrantes com a condição jurídica de refugiado, imigrantes solicitantes de refúgio, imigrantes com “refúgio humanitário”, crise humanitária e imigrante refugiados ambiental. Estas categorias revelam a presença histórica da “crise” na origem do fluxo migratório – com a conotação de uma “migração forçada” – e requerem instrumentos jurídicos no país de destino para o enfrentamento da “crise” migratória atribuída ao país de origem, mas que revela também a crise na sociedade receptora,despreparada para enfrentar essa imigração (p.122).

Refletindo também sobre esses processos migratórios, Assis (1999) assinala que a compreensão do fluxo migratório a partir do conceito de crise, especificamente, para o caso da saída de brasileiros e brasileiras para os Estados Unidos da América nas décadas de 1970 e 1980, permitiu compreender esses emigrantes como “exilados da crise”. Na década de 1970, a repreensão e perseguição política dos governos militares aos seus opositores produziram “exilados políticos”, enquanto que a crise econômica da década de 1980, a chamada “década perdida”, gerou outro fluxo de migração criando os novos “exilados de crise”.Estes autores alertam para que os processos de migração devam ser vistos como uma resposta que as pessoas concedem para os momentos em que a sociedade experimenta algum tipo de crise. Portanto, não são processos espontâneos de mudança, mas motivados por vários fatores desencadeados por crises múltiplas que a sociedade pode estar passando.

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Ainda que os haitianos e haitianas no Brasil desfrutem de um visto humanitário justificado com base nos devastadores terremotos que sofreram, não podemos olhar para eles como “refugiados ambientais” simplesmente. Os dados mostram, sim, que eles e elas saíram do Haiti em maior número depois do terremoto de 2010, mas as causas que levaram a sua migração, como veremos adiante com mais detalhes, são muito mais amplas e diversas, além de fazerem parte de um processo histórico do país. Os próprios haitianos e haitianas em Itapema, cujas entrevistas veremos, principalmente, no terceiro capítulo, têm ressaltado que, apesar de serem, quase sempre, identificados como pessoas forçadas a deixar sua terra natal por causa do caos provocado pelo terremoto de 2010, eles chegam ao Brasil com trajetórias bastante diversas, assim como não consideram o cismo como principal razão para deixar o seu país. Desse modo, considerando as observações dos autores acima, assim como a perspectiva dos haitianos que se encontram em Itapema, compreendo que a migração haitiana para o Brasil deve ser abordada a partir de múltiplos fatores desencadeados por crises que são tanto históricas, políticas, econômicas e ambientais.

Todavia, a ampliação conceitual para migração de crise não resolve plenamente as ambiguidades latentes entre os conceitos “refugiados” e “imigrantes” porque, como assinala Arendt (2013), os próprios refugiados ou imigrantes tendem a construir conceitos sobre si mesmos. Além disso, a autora ressalta o modo como as pessoas se percebem frente às mudanças que tiveram que fazer de seu país de origem, e de suas contradições com o modo estatal de classificar e atender a essas pessoas. Segundo a autora,

Em primeiro lugar, não gostamos de ser chamados “refugiados”, chamamo-nos uns aos outros “recém-chegados” ou “imigrantes” (...) Um refugiado costuma ser uma pessoa obrigada a procurar refúgio devido a algum acto cometido ou por tomar alguma opinião política. Bom, é verdade que tivemos que procurar refúgio; mas não cometemos nenhum acto e a maioria de nós nunca sonhou em ter qualquer opinião política radical. O sentido do termo “refugiado” mudou conosco. Agora “refugiados” são aqueles de nós que chegaram à infelicidade de chegar a um novo país sem meios e tiveram que ser ajudados por comités de refugiados (p. 7).

A crítica realizada ao conceito de “refugiado” por Arendt faz com que se considere o conceito inapropriado para pensar a presença dos haitianos e haitianas no Brasil, ou mais precisamente em Itapema (SC). Como veremos nos dois capítulos seguintes, são múltiplas as razões que devem ser consideradas nos processos migratórios dos haitianos, e, apesar de status legal similar ao de “refugiado”, entendo

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ser mais conveniente para a sua abordagem entendê-lo como “imigrante”. No mesmo sentido, procuro evitar conceber os processos migratórios apenas como resultados de crises, pois entendo correr o risco de ver as pessoas migrantes apenas como vítimas, ou como afirma Sayad (1998), como “uma série de problemas sociais” (p. 56), o que, para o autor, corroboraria com a xenofobia, que é resultante de uma antipatia ao estrangeiro (Comaroff & Comaroff, 2001). Além disso, a perspectiva da crise tende a retirar das pessoas que migram o seu protagonismo como sujeitos dos fluxos migratórios e as suas decisões de migrar são percebidas apenas como consequência dos momentos políticos, econômicos ou ambientais no qual estão inseridas não como parte de um projeto individual e familiar (Ministério da Justiça, 2015). Neste sentido, é necessário que as análises sobre a migração tenham em conta que além da crise, o deslocamento é espacial e social, ou seja, considerar que a migração também é um deslocamento no universo social, e que a própria definição de espaço e do ambiente geográfico está condicionada culturalmente. Portanto, devem ser considerados também os fatores culturais que permeiam os fluxos migratórios (Martins, 1998).

Autores como Handerson (2015) ou Rial (2016) também têm problematizado a compreensão sobre os fluxos migratórios das pessoas, ressaltando a necessidade de se pensar mais “mobilidades humanas”, pois esta noção permitiria transcender a tendência tradicional que interpretam a migração como um movimento unidirecional e focado em um ponto final da jornada. Neste ponto os migrantes dariam início a um processo de incorporação em outra sociedade e cultura, diferente da sua após deixarem para trás seu país. Tal posição deixaria de fora inúmeros deslocamentos que são acionados por outros tipos de vivências. A noção de mobilidade tem se tornado chave para se compreender também que a migração está permeada por negociações e escolhas que revelam não apenas as razões pelas quais os migrantes mudam para um lugar determinado, mas como e por que o lugar foi escolhido. Handerson (2015) resalata que:

O mundo da mobilidade possui lógicas próprias que ordenam a vida das pessoas e o seu mundo social. A mobilidade se desenvolve, ao mesmo tempo, como uma perspectiva econômica, mas também como um modelo social. De prática conjuntural, a mobilidade tende a se constituir, a partir de uma lógica estrutural (p.186).

No caso do Haiti, a noção de mobilidade permitiria descrever essa itinerância que molda as vidas haitianas em escala local, nacional e transnacional. Além disso, a noção de mobilidade possibilita perceber como a migração pode constituir uma

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estratégia de reprodução social na qual estão envolvidos diferentes tipos de migração ao logo da vida de membros de uma mesma família. Os múltiplos deslocamentos na vida de um indivíduo colocam em xeque os modelos tradicionais de migração que dicotomizam o movimento migratório entre origem e destino. Dessa maneira, o conceito de mobilidade permite compreender melhor as complexidades do deslocamento no espaço e as suas múltiplas trajetórias sociais (Menezes, 2002).

No caso da mobilidade haitiana, Handerson (2015) ressalta como esta é uma realidade que permeia as gerações, e é constitutiva das suas relações e organização social. Segundo o autor:

“No Haiti, ela se impõe como uma realidade social de primeira ordem. Há uma relação estreita entre as pessoas que partem e as que ficam. Isso incide especialmente nas relações diferenciais entre os maridos que viajam e as mulheres que ficam e vice-versa; entre pais e filhos, tios e sobrinhos. A mobilidade molda as relações internas da família num contexto de circulação. Desde cedo as crianças convivem com a mobilidade dos seus colegas da escola ou dos seus bairros, partindo ou viajando. A mobilidade é constitutiva do cotidiano haitiano” (p. 186).

É por isso que, quando os próprios haitianos falam de sua experiência de mobilidade, normalmente utilizam a categoria “chache lavi deyò” (buscar a vida fora), ou Mwen se diaspora (Eu sou diáspora). Nestes contextos, o conceito diáspora é relevante para qualificar os haitianos que estão no exterior que se distinguem daqueles que permanecem no país. Ele designa a comunidade haitiana transnacional e contribui para os laços de pertencimento como o país de origem. Nesse sentido, a diáspora, ser viajante, reforça o status, reorganiza as redes sociais e familiares e, também, uma infinidade de elementos implicados no movimento migratório o que leva a maioria das famílias a terem, pelo menos, um membro vivendo no exterior (Handerson 2015, Bersani 2016; Cotinguiba & Cotinguiba 2016).

Cabe lembrar que o termo diáspora se refere tanto ao processo de dispersão quanto ao próprio grupo disperso. Neste sentido elebusca dar conta dos fenômenos relativos a migrações, da experiência dedeslocamento, de construircasaslongedecasa e também explorar a ambivalência política do Estado-nação e/ou do capitalismo global. Desta maneira a noção de diásporaoferecerecursos para se compreender a emergência pós-colonial econecta váriascomunidades deuma populaçãodispersa e deverá ser compreendida numa relação dialética entre a terra natal e o novo local de moradia. Isto faz com que a diáspora se torne um arena de disputas políticas e local de reafirmação

Referências

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