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Tensionando o sentido do agir : o clown e seu potencial criativo

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Academic year: 2021

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LUÍS BRUNO DE GODOY

T

ENSIONANDO O SENTIDO DO AGIR

:

O CLOWN E SEU POTENCIAL CRIATIVO

LIMEIRA

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LUÍS BRUNO DE GODOY

T

ENSIONANDO O SENTIDO DO AGIR:

O CLOWN E SEU POTENCIAL CRIATIVO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO APRESENTADA AO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

INTERDISCIPLINAR EM CIÊNCIAS HUMANAS E

SOCIAIS APLICADAS DA FACULDADE DE

CIÊNCIAS APLICADAS DA UNIVERSIDADE

ESTADUAL DE CAMPINAS, COMO REQUISITO PARA A OBTENÇÃO DO TÍTULO DE MESTRE EM

CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS APLICADAS.

ORIENTADOR: PROFº. DRº. PETER

ALEXANDER BLEINROTH SCHULZ

COORIENTADOR: PROFº. DRº. ROBERTO

DONATODASILVAJUNIOR

ESTE TRABALHO CORRESPONDE A VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO

LUÍS BRUNO DE GODOY, E ORIENTADA PELO PROF. DR. PETER ALEXANDER BLEINROTH

SCHULZ

LIMEIRA

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LUÍS BRUNO DE GODOY

FOLHA DE APROVAÇÃO

BANCA EXAMINADORA

Orientador e presidente da comissão examinadora: Profº Drº Peter Alexander Bleinroth Shulz (FCA/UNICAMP)

Membro Externo: Profª Drª Katia Maria Kasper (DTPEN/UFPR)

Membro Interno: Profº Drº Eduardo José Marandola Junior (FCA/UNICAMP)

A Ata da defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no processo de vida acadêmica do aluno

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O BOBO TEM OPORTUNIDADE DE VER COISAS QUE OS ESPERTOS NÃO VEEM.OS ESPERTOS ESTÃO SEMPRE TÃO ATENTOS ÀS ESPERTEZAS ALHEIAS QUE SE DESCONTRAEM DIANTE DOS BOBOS, E ESTES OS VEEM COMO SIMPLES PESSOAS HUMANAS.O BOBO GANHA UTILIDADE E SABEDORIA PARA VIVER. O

BOBO NUNCA PARECE TER TIDO VEZ.NO ENTANTO,

MUITAS VEZES, O BOBO É UM DOSTOIEVSKI.

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Para minha maior professora... que com tantos afetos me ensinou a amar – vó Ana

Para eles que são minha força... que os caminhos me ensinaram a trilhar – meus pais Vitória e Luiz

Para todos aqueles que riram de mim e comigo... e com a arte me permitiram trabalhar – o público.

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AGRADECIMENTOS

Não sei se cabem em palavras aquilo tudo o que foi expressado por afetos e trocas, todos as horas e dias juntos, cafés, conversas, risos e muitas, mas muitas piadas. Mesmo sabendo que esse trecho nominado como “agradecimentos” não é suficiente para refletir o quão grato sou, ainda assim me arrisco a colocar em palavras. Adianto que posso ser um pouco raso e talvez esquecer de mencionar pessoas importantes nesse processo, já peço para que me perdoem, minha memória não é suficiente a ponto de guardar todos os olhares e trocas – e foram muitos – que me proporcionaram estar aqui.

Não poderia começar a agradecendo de outra forma que não essa, eu não chegaria onde estou se não fosse por três pessoas em minha vida – meu pai Luiz, que não só é um herói para mim, como também a minha referência no que diz respeito a força e a fé para vencer as dificuldades; minha mãe Vitória (ou Vivi como gosta de ser chamada) que não só zela, mas aconselha, direcionada, mostra a importância do cuidado e é firme e rígida sempre que necessário; minha para sempre amada vó Ana Ritter, uma refugiada, que parou no Brasil fugindo da segunda guerra, uma mulher que foi força, e sabendo escrever apenas seu nome me ensinou muito sobre aquilo que nenhuma universidade é capaz de ensinar – o amar. Eu não só os amo, como sou grato por tudo o que me proporcionaram até aqui, ensinando a amar, respeitar, ter fé e acreditar que sou abençoado por Deus por estar aqui – mesmo em tempos tão difíceis para isso. Agora sou eu quem cuidarei de vocês, e retribuirei todo afeto e respeito. Agradeço minha irmã Carla por todo carinho e torcida desde os primeiros momentos em que ingressei na palhaçaria.

Ao palhaço, agradeço a esse que talvez eu mesmo, aquele ponto vermelho na face que me identifica para o mundo – para mim, que abre, dilata, revigora, me coloca em movimento. Aquele que um dia me apareceu inesperadamente e mostrou um mundo de possibilidades que eu não conhecia, falo em terceira pessoa pois agradeço essa representação que é o palhaço ao mundo, e que assim sendo chegou até mim e permitiu assim também sempre estar, e aqui estou levando ele a outros campos para além da arte.

Não poderia deixar de agradecer aqueles que acreditaram em mim, meu orientador Peter e meu coorientador Roberto (Beto) que me deram toda liberdade necessária e aceitaram ter como

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orientando alguém de uma área tão distinta, além de toda contribuição intelectual – essa dissertação é um reflexo direto das trocas criadas nesse período de mestrado.

Membros da banca e suplentes Eduardo Marandola, Kátia Kasper, João José (JJ) e Ana Wuo, que foram convidados não só por serem excelentes profissionais que agregam ao trabalho, mas também pela admiração e carinho que tenho por cada um em especial.

Aos professores, que são mestres e amigos, mesmo que não sabiam contribuíram direta e indiretamente para esse trabalho. Mauro, alguém que observei muito para poder pensar o humor, foram raros os dias em que o vi sem um sorriso no rosto ou sem uma inteligente piada pronta, e que poderia ser consultado a qualquer momento, sempre tinha uma boa obra para indicar. Marandola, foram tantos tapas nas costas que a minha escoliose até melhorou (rs), por ele descobri muito do que hoje tenho prazer em fazer, tanto com relação a arte quanto a ciência, sem dúvida boa parte do meu referencial teórico veio dele. Alcides, que não só me apresentou o que era desenvolver uma pesquisa acadêmica na graduação, mas, mais do que isso, mostrou uma relação horizontal, verdadeira e possível, para além dos títulos, uma troca humana. Aos demais professores tanto do ICHSA como de outros programas da FCA e outras instituições.

Aos amigos do mestrado – Em especial não posso deixar de agradecer duas pessoas (acho que vocês já imaginam quem são rs). Bárbara e Heitor, se eu entendi e aprendi o que era a tal interdisciplinaridade eu não tenho a menor sombra de dúvidas de que isso foi pela relação que nós construímos, foi entre trocas de ideia, cafés, cascata do vinho, organização de eventos, e pela nossa querida sala da pós (diga-se de passagem, duvido ter outro trio como o nosso no ICHSA rs). Uma das coisas que mais sou grato ao mestrado é isso, a amizade que foi construída entre nós e perpassam esses três anos de FCA – são para a vida. Eugênio (Noel rosa), quantas conversas, quantas trocas, quantas vezes me ouvir choramingar, quantos memes e piadas de tiozão tive que aguentar, posso dizer que não foi só um companheiro de mestrado, mas um co-coorientador (sem trocadilhos rs). Jaime, um amigo inesperado que o tempo me deu, e sou muito grato por toda troca proporcionada em momentos diversos, seja na dor ou alegria. Tiago que nesses últimos dias de sufoco esteve junto, compartilhamos, acreditarmos e isso foi fundamental para concluir esse trabalho. Bruno, companheiro de escrita, de apresentação, eventos, que de alguma forma conversamos artisticamente, sempre com muito carinho e afeto. Priscilla, a personificação da esperança e alegria, alguém que emana carinho por onde passa e

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por muitas vezes me motivou. Nara, uma querida amiga, aberta a discutir, entender, agregar, alguém que está disposta a fazer a interdisciplinaridade acontecer. Ao meu amigo Ronei que foi responsável por proporcionar um dos momentos mais emocionantes da minha carreira enquanto palhaço, e que diretamente faz parte desse trabalho. Além de todo os amigos que a Unicamp me proporcionou ao longo de quase 10 anos – Vitor Muñoz, Vitor Crivelin, Rafael Gaspar, Guilherme Lacerda, Hudson Martins, Kaique Favari, Marcella Santana e outros tantos que não caberiam aqui.

Minha namorada, amiga, companheira de trabalho da vida Bruna Hessel, que aconselha, escuta e atura as reclamações diárias. Se tive força para poder concluir esse mestrado parte disso foi graças a ela, suas orações e torcida.

Agradeço também a aqueles alunos e professores que confiaram a mim a função de mediar e compartilhar enquanto PED, banca de TCCs e coorientação, em especial aos professores (as) Alcides, Milton e Larissa.

A todos os funcionários da FCA que se tornaram também amigos, pessoal da limpeza, cantina, área acadêmica, restaurante universitário, biblioteca – em especial a Suely e a Vivian que sempre estiveram a disposição para ajudar com minhas perguntas (difíceis segundo elas (rs)).

Aos grupos de estudos, laboratórios e grupos artísticos no qual faço parte e seus membros: Núcleo de Estudo e Pesquisa na Arte do Palhaço – NEPAP, Grupo Interdisciplinar de Estudo e Pesquisas Aplicadas ao Jogo – GIEPAJ, Laboratório de Estudos em Pedagogia do Esporte – LEPE, Inhouse – Clowns and Circus e ONG Medicina do Riso.

Não posso deixar de agradecer a CIA do Riso de Foz do Iguaçu e todos os voluntários e artistas que se abriram a participar dessa pesquisa, me recebendo por duas semanas com muito respeito e carinho. Todo meu respeito e agradecimento a vocês.

O Serviço de Apoio ao Estudante – SAE, que desde 2011 contribui diretamente para minha formação, dando os subsídios necessários para a minha manutenção na Universidade, em especial na pessoa da Elaine e Patrícia.

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O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. Agradeço por possibilitarem com que essa pesquisa fosse realizada, a vocês meu muito obrigado!

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RESUMO

Considerando que na sociedade contemporânea as relações humanas vêm se tornando cada dia mais superficiais, vivemos um distanciamento cada vez mais frequente devido à escassez de tempo, insegurança e desconfiança. Diante dessa problemática, objetivo por meio do presente trabalho refletir a atuação do palhaço enquanto um agente responsável por causar afetações nos indivíduos na sociedade contemporânea, buscando entender seu papel sócio-político frente aos dilemas e paradigmas atuais. Para tanto, foi desenvolvido um estudo inspirado na etnografia, com amparo da observação participante e da entrevista etnográfica em um campo de atuação acompanhando artistas-voluntários que desenvolvem atividades de humanização hospitalar por meio do arquétipo do palhaço. O trabalho de campo foi separado em três momentos: 1 hospital – acompanhando os artistas-voluntários nas atividades artísticas de humanização hospitalar desenvolvidas por eles, onde foi observada sua forma de atuação em jogo; 2 oficina – foram ministradas oficinas de palhaço para os artistas voluntários, trabalhando com jogos cênicos que fossem capazes de explorar da criatividade e estado de jogo dos participantes; 3 rua – foram desenvolvidas atividades que colocaram o artista em espaço alternativo e com público distinto, para que pudessem experienciar a potencialidade do palhaço em jogo, mediante todas as afetações que cerceavam essa relação. Desse modo, observa-se que há uma necessidade de abertura e disposição aos acasos do jogo tanto por parte do artista como do mediador, que essa disposição gera tensões na forma de atuação e novas possibilidades de criação para o artista e o público. Essa imersão permite considerarmos que essa forma de atuação dos artistas gera novos movimentos e possibilidades, ressignificam não só suas ações como o próprio espaço de atuação, atraindo novas pessoas ao seu jogo.

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ABSTRACT

Considering that in modern society human relationships are becoming more and more superficial, we are experiencing an increasingly frequent distancing due to lack of time, insecurity and mistrust. Faced with these issues, the aim of this work is to reflect the performance of the clown as an agent responsible for causing affection in individuals in contemporary society, seeking to understand their socio-political role in the face of current dilemmas and paradigms. In order to do so, a study was developed based on ethnography, with support of participant observation and ethnographic interview in loco, accompanying volunteers’ artists who develop activities of hospital humanization through the archetype of the clown. The experiment was separated in three moments: 1 hospital - accompanying the volunteer artists in the artistic activities of hospital humanization developed by them, where their way of acting in play was observed; 2 workshop - clown workshops were given to the volunteer artists, working with scenic games that were able to explore the participants' creativity and playing state; 3 street - activities were developed to place the artist in an alternative environment and with different public, so that they could experience the potentiality of the clown at play, through all the affections that limited this relation. Thus, it is observed the necessity for openness and willingness to play the game both from the artist and the mediator, that this arrangement generates tensions in the form of acting and new possibilities of creation for the artist and the public. This immersion allows us to consider that this form of artistic performance generates new movements and possibilities, re-signify not only their actions as the space itself, attracting new people to their game.

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LISTA DE FIGURAS E IMAGENS

FIGURA 01–ANTES DA REALIZAÇÃO DO CAMPO...36

FIGURA 02–APÓS A REALIZAÇÃO DO CAMPO...36

FIGURA 03–MACRO E MICRO JOGO...59

FIGURA 04–O ESPAÇO DE TRANSIÇÃO PARA O PALHAÇO...74

IMAGEM 01 – JORNAL FRANCÊS FALANDO SOBRE A ATUAÇÃO DE CLOWNS EM HOSPITAIS NA FRANÇA EM 1909...48

IMAGEM 02 – ZOOM DA IMAGEM 1 DO TRECHO FALANDO SOBRE A ATUAÇÃO DE CLOWNS EM HOSPITAIS NA FRANÇA EM 1909...48

IMAGEM 03–ILUSTRAÇÃO DE PALHAÇOS EM HOSPITAIS INFANTIS DE LONDRES EM1908...49

IMAGEM 04–ILUSTRAÇÃO DE PALHAÇOS EM HOSPITAIS INFANTIS DE LONDRES EM 1908...49

IMAGEM 05–CLOWNS CHOCOLAT E AVERINO,HOSPITAL INFANTIL EM 1909...49

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LISTA DE FOTOGRAFIAS

FOTOGRAFIA 01–INTERVENÇÃO HOSPITALAR...45

FOTOGRAFIA 02–INTERVENÇÃO HOSPITALAR DO ACERVO PESSOAL DO AUTOR...57

FOTOGRAFIA 03–JOGOS DE EXPRESSÃO CORPORAL...67

FOTOGRAFIA 04–JOGOS APLICADOS PARA OS ARTISTAS NO CAMPO...72

FOTOGRAFIA 05–ENCERRAMENTO DO MOMENTO RUA...84

FOTOGRAFIA 06–JOGOS DE APRESENTAÇÃO O MONSIEUR LOYAL...86

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LISTA DE TABELAS E QUADROS

TABELA 1–IDENTIFICAÇÃO DOS ARTISTAS-VOLUNTÁRIOS E SEUS MOMENTOS DE PARTICIPAÇÃO NO CAMPO...39

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LISTA DE SIGLAS

O.N.G–ORGANIZAÇÃO NÃO GOVERNAMENTAL

PSF–PAYASOS SIN FRONTERA

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SUMÁRIO

DISTANCIAMENTOS E APROXIMAÇÕES ... 19

A SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA ... 20

O CÔMICO – UM ELOGIO AO ERRO ... 24

O CLOWN: UM CAMINHO PARA A AUTODERRISÃO ... 26

CONHECER O OUTRO, O MEIO E A MIM ... 30

OS PROBLEMAS ENCONTRADOS NA ESCOLHA DO MÉTODO ... 31

A ETNOGRAFIA COMO INSPIRAÇÃO ... 31

OBSERVAR, PARTICIPAR, INTUIR. ... 32

SUPERANDO ENTREVISTAS SEMIESTRUTURADAS: O USO DE ENTREVISTAS ETNOGRÁFICAS ... 34

OCAMPO ... 35

CONSIDERAÇÕES SOBRE O CAMPO ... 35

PROCESSOS DO CAMPO ... 37

IDENTIFICANDO OS PARTICIPANTES ... 39

CONSIDERAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS PARA APLICAÇÃO DA METODOLOGIA: NOTAS SOBRE NEUTRALIDADE E PROCESSOS RELACIONAIS ... 39

O APAGAR AS LUZES DA RAZÃO... 40

DESPERTAR UM OUTRO QUE HÁ EM MIM ... 44

OS DIVERSOS CAMINHOS DO HUMOR ... 45

OS PRIMÓRDIOS DO PALHAÇO HOSPITALAR... 47

AS INFLUÊNCIAS PARA OS GRUPOS DE PALHAÇO HOSPITALAR NO BRASIL ... 49

OS NOVOS CAMPOS DE ATUAÇÃO ... 50

OUTRAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O CAMPO: ... 51

MOMENTO 1 ... 51

PRÉ-ATUAÇÃO... 52

ATUAÇÃO ... 56

PÓS-ATUAÇÃO... 60

CONSIDERAÇÕES DO CAPÍTULO ... 64

ESTAR POR INTEIRO ... 66

MOMENTO 2:OFICINA ... 67

O JOGO DA TRANSIÇÃO ... 74

CONSIDERAÇÕES DO CAPÍTULO ... 81

MOVENDO EU, ME VENDO OUTRO ... 83

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RUA, DAS POSSIBILIDADES AO ABANDONO ... 86

RESSIGNIFICAR O ESPAÇO E AVIVAR SUA POTENCIALIDADE ... 88

TRECHOS DO CAMPO ... 89

RUA – O ESPAÇO DO JOGAR E SER JOGADO ... 95

CONSIDERAÇÕES DO CAPÍTULO ... 104

CONSIDERE AÇÕES ... 107

OLHARES E TENSIONAMENTOS ... 108

PALHAÇOS, ENCONTROS, VIDAS... 109

UM EU-MOVENTE ... 110

O QUE ENTÃO FOI ENTÃO ESSE TRABALHO? ... 111

DEIXAR ABERTO A NOVOS DEVIRES ... 111

REFERENCIAS ... 113

ANEXO01:MODELO DO TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ... 118

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Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia. Guimarães Rosa

I

NTROD

UÇÃO

D

IST ANC IAM E NT O S E AP R O XI M AÇÕ E S

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As linhas que sucederão tentarão gerar tensionamentos, dúvidas em mim e no outro, uma forma de deslocar o meu próprio pensamento; seria estranho defender a fluidez como verdade, enquanto falamos de transitoriedade, daquilo que não se fecha, mas ao contrário, se abre. Até por isso a palavra “talvez” aparecerá com uma certa frequência nesse trabalho, para que as respostas a serem dadas sejam dúvidas, para que assim gerem movimento, novos questionamentos e não se fechem em verdades. Esse texto é escrito por alguém, não alguém pesquisador, alguém intelectual ou alguém artista, é escrito por alguém pessoa que ao escrever sente na pele os arrepios de prazer, o medo dos prazos, a ansiedade, um alguém que tentou se deliciar com as linhas que se correm, sem negar que possa ter sido uma tarefa difícil. Assim tentarei que o leitor também possa sentir aquilo que é criado por meio da leitura, dos possíveis afetos tensionados por um alguém palhaço-pesquisador, que escreve sentindo o que a experiência da escrita junto a tudo o que se desenvolveu nessa pesquisa é capaz de causar, expondo não as certezas das confirmações ditas por outros, mas as incertezas e inseguranças das minhas próprias palavras inspiradas em tantos como eu. (Livremente inspirado nos escritos de Jorge Larrosa, 2017)

O objetivo desse trabalho foi desenvolver um estudo que possibilitasse um entendimento no que diz respeito a atuação do palhaço e suas diversas possibilidades, tendo como objeto de estudo os artistas/voluntários que atuam no âmbito da humanização hospitalar. Em uma tentativa de observar as possíveis transformações geradas por eles, foram realizados estudos de campo em espaços de atuação diversos, utilizei recursos da etnografia para acompanhar os artistas em uma observação participante nos hospitais, oficinas realizadas e intervenções nas ruas passando desde o momento de preparação, atuação e pós-atuação. A experiência e o jogo foram tomados como referencial para se pensar nas relações criadas com esses espaços de atuação, pensando não somente na ação do artista/voluntário, mas também no envolvimento gerado pelos companheiros, público e a minha posição enquanto mediador.

A SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

O que nos cerca, o que nos toca (no físico mesmo), quantos olhares se cruzam, quantos desejos, medos, angustias, quantas faltas, memórias, histórias, vidas? Não são poucas, são centenas e até milhares, são pessoas, coisas, afetos e desafetos que nos passam a cada fragmento de tempo, e que de alguma forma tentam nos tensionar, provocar, deslocar de um ponto ao outro. São olhares temerosos, reservados, fugidios, curiosos, alguns poucos buscam

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algo - precisam de algo, mas são pouco e cada vez menos. E assim, são afetos, desejos, carícias, palavras, ações, surpresas, alegrias, pessoas, coisas, matérias, memórias, cheiros, expectativas, olhares e vidas – experiências, perdidas. Ao mesmo tempo que somos tantos parecemos poucos, pois pensamos, agimos e falamos iguais, até mesmo a ação e o discurso mais inesperado não são inéditos, são reprodução de um pensamento já consolidado. Tudo nos passa, tudo nos cerca, tantos nos ouvem, muitos nos veem, mas nenhum nem outro, nem tantos nem poucos, nos afetam. Talvez não por não poder, mas por não saber querer, não perceberem (e nisso me incluo), somos seres errantes vagando apenas pelas certezas, fazendo delas a nossa única verdade, assim estamos perdidos em meio a uma infinidade de estímulos sem que ao menos saibamos disso. Há um excesso de informações diárias, novas tecnologias, que nos fazem caminhar pelos territórios das certezas, espaços esses que vivenciamos mas não somos capazes de experienciar, talvez por não estarmos abertos as possibilidades para além das nossas próprias verdades. Assim talvez estejamos criamos distanciamentos com a aquilo que chamamos de vida.

Estamos sendo bombardeados a todo instante por novas formas de tecnologias, informações, estímulos, uma necessidade de estarmos atentos, informados, capacitados, estamos intelectualizados e politizados, prontos a responder toda e qualquer pergunta que nos é feita prontamente sem pestanejar, no entanto, sem que precisemos estar próximos a uma condição ao que podemos chamar de humanidade. Nossas experiências são reduzidas a certos pensares sobre nossas próprias experiências, o que nos coloca em uma condição de experiência cerceada, tudo se passa e acontece, assim como tudo é instantâneo e efêmero, não há tempo para pensarmos, tampouco para sentirmos. Respostas, produções, criatividade, autonomia, é uma das exigências da a sociedade contemporânea. Tudo é fugaz, que ao mesmo tempo em que surge em um fragmento de segundo se desfaz, não restam mais memórias, lembranças, as cartas e fotografias foram trocadas por projeções pixeladas e instantâneas, são centenas, e até se perdem pelas pastas de nosso laptop - vejo e apago quando bem entender sem deixar vestígios de sua existência, não preciso tocá-las ou sentir o cheiro do papel velho. Tudo bem, entendo que talvez minha memória do fim dos anos 80 já esteja velha demais para suportar a era digital, ou, quem sabe, já pouco importa e não seja mais necessário usá-la.

Nossos comportamentos parecem passar por uma espécie de cerceamento que nos conduzem voluntariamente a certas zonas de conforto, por onde transitamos e trajamos as máscaras que melhor sejam aceitas a cada um dos meios de convívio social no qual estamos

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inseridos. Esse processo de adaptação passa pela necessidade de uma adequação as imposições sociais, que na maioria das vezes estão ligadas aos meios de consumo e poder, que de certa forma imprimem sobre nós uma marca, modelo, um modo de agir e pensar, sem que isso passe pela nossa percepção e nos permita refletir; Essa hegemonia do pensar e agir parecem não só consolidar padrões comportamentais, como também limitar o criar. Parece haver um modelo em nossas relações humanas que de certa forma fabricam as nossas ações, desejos, sonhos, como se essa cadeia de reprodução fosse uma ordem própria do mundo, que não pode ser alterada (HARA, 2017)

No mundo contemporâneo parece termos perdido a capacidade de acontecer diante do inesperado - no momento, a potencialidade de nossos corpos e pensamento, nos tornamos cada dia mais mecanizados Chaplin em Modern Times1 de 1936 foi um visionário, destacou

não só o Fordismo da revolução industrial, como também as décadas que se sucedem. Parece que não mais se vive toda intensidade da vida, como se tivéssemos apenas meios de “vida” no qual estamos inseridos, mecanizamos nossas ações e como consequência a nossa sensibilidade, nos tornamos individualistas insensíveis, com o outro, com a arte, com a vida. A sociedade contemporânea guia o nosso modo de agir e pensar, passando por uma relação de poder, ligada na maioria das vezes aos meios de consumo – o que torna os membros dessa sociedade padronizados dentro de uma lógica estabelecida de dominação, que na maioria das vezes estabelece padrões necessários para manutenção da lógica estabelecida de dominação.

Para fazer parte dessa sociedade é necessário que estejamos também dentro dessa classificação massiva de pureza. Essa tentativa de assegurar as linhas separatórias, sejam elas de fronteiras, interpessoais, econômicas ou culturais, é uma ilusória sensação de conforto e segurança que, ao mesmo tempo, mantém ordenada as relações já criadas pelos puros. A partir desse discurso hegemônico pré-estabelecido não é estranho pensar que para estarmos seguros, precisamos estar cada dia mais presos? ou então, que para confiar, precisamos cada dia desconfiar mais? Este esvaziamento de sentido apresenta uma perspectiva de vida asséptica, onde dúvida, questionamento e insegurança pouco importam, desde que as zonas de conforto sejam mantidas. Não precisamos nos arriscar ao novo, ao desconhecido, ao factual/momentâneo. Em troca, nos colocamos dia-a-dia em uma rotina predatória das emoções, dos afetos, das trocas, do encantamento, e assim “[...] continuamos nos afastando [...] cada vez

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mais, da capacidade de acontecer. Acontecer como produção de realidades inéditas, numa experimentação direta, sem o piedoso comando das estruturas da representação humana.” (FUGANTI, 2007, p. 67).

É possível identificar algumas possíveis consequências dessa pós-modernidade. Primeiro, uma grande necessidade de afirmação, a certeza se torna um território seguro no qual mantenho minhas linhas territoriais fixas e visíveis, tenho domínio sobre elas; tudo aquilo no qual está para além de minhas certezas se torna uma ameaça – a segurança, estabilidade, conforto. Com a profissionalização cada dia mais precoce e a competitividade acirrada, me parece fácil de compreender essa insegurança que afligi boa parte das pessoas.

O segundo ponto se sucede e decorre do primeiro, há um distanciamento daquilo que seja capaz de afetar, que passa pela nossa sensibilidade, o que diante da era da informação e da produção massiva parece uma perda de tempo. Por consequência dessa superficialidade não nos abrimos ao mundo, fechamo-nos em uma redoma protetora por falta de tempo, por medos e todas as consequências recorrentes na atualidade, assim, a padronização do mundo contemporâneo silenciou não somente nossos corpos, mais do que isso, silenciou nossa capacidade reflexiva, nos tornando impotentes frente a vida, em nosso pensar, agir e até mesmo os nossos desejos (FUGANTI, 2007)

Parece necessário encontrarmos meios de tensionar essa mecanização, buscar pelas entrelinhas algo que seja capaz de provocar e fazer de maneira sútil com que voltemos a nossa condição humana, sensibilizar - transgredir, mostrar ao mundo um pouco de nós, distanciando dessa massiva tentativa de nos colocar como seres perfeitos, inabaláveis, invulneráveis. A arte talvez seja um caminho interessante para pensarmos nessa possibilidade, o artista por meio da arte tensiona os sentidos, a emoção, o medo, a alegria, retira-se de sua zona de conforto e tenta fazer com que pensemos para além da própria obra em si. A arte não se fecha em um significado que a sustenta enquanto tal, carrega em si um constante inacabamento, novas possibilidades de pensar a própria arte que nos leva e provoca outras possibilidades de criação. Essa dimensão experiencial é o que mantém em movimento os projetos de identidade que com ela se encontram. Onde há movimento, há possibilidade e criação. “A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm [...]” (LARROSA, 2002, p. 24).

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O artista ao experimentar, está aberto aos estímulos do mundo, se coloca em uma condição de olhar para além do consolidado e pré-estabelecido, para além dos signos já impregnados na obra de arte, assim também sugere Larrosa (2002), o sujeito da experiência é um sujeito aberto para as possibilidades e fracassos, exposto e suscetível.

Por meio da sensibilidade o artista expõe ao público parte de seu universo, e assim, promove a exposição de diversos universos; pode expor aquilo que pensa e o incomoda, promove diferente pensamentos e incômodos. O risco da experiência artística pode levar ao/no público, identificação e estranhamento, de modo a fazer refletir e questionar, mesmo que momentaneamente/instantaneamente. Esta propositura aponta a possibilidade vulnerabilizadora da arte: a capacidade de manter vivo e em movimento diante de suas imperfeições, assim como sugere Larrosa (2002, p. 25):

[...] o sujeito da experiência é também um sujeito sofredor, padecente, receptivo, aceitante, interpelado, submetido. Seu contrário, o sujeito incapaz de experiência, seria um sujeito firme, forte, impávido, inatingível, erguido, anestesiado, apático, autodeterminado, definido por seu saber, por seu poder e por sua vontade.

A arte talvez traga a frente de nós, uma possibilidade de decadência própria de nosso estado de homem, é uma espécie de rompimento com as promessas e a ideia positivista de homem que nos foi construída. Diante do reconhecimento desse inacabamento, nos colocamos em um movimento constante para assim podermos transcender e superar os moldes que se sustentam “O homem existe para ser superado. Que fizeste para o superar?” (NIETZSCHE, 2008, p. 22).

O CÔMICO – UM ELOGIO AO ERRO

E se talvez buscássemos desestabilizar as nossas verdades dando lugar as incertezas? Na insegurança talvez tenhamos a possibilidade de não enxergar verdades que foram criadas por outros olhos em nossa vida regrada, mas assim, nos colocarmos em uma névoa de incertezas e meio a ela podemos encontrar novos caminhos a serem seguidos, algo que nos soe como possibilidades de vida, que não simplesmente passe por nós, mas que nos passe, que não afete, mas nos afete. (LARROSA, 2017). Essa potência de vida que está para além das representações que sustentam os nossos ideais, uma potência que dá fluidez ao pensamento na mesma medida que ao corpo, para que não fiquemos puramente a mercê das regras normativas e não sejamos plateia da nossa própria existência, vendo o espetáculo da vida passar por nossos olhos sem que possamos pisar no palco. São tempos muito difíceis para todos

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aqueles que quererem acreditar na vida, não como um fragmento de tempo, mas como potência, uma experiência inexplicável, incalculável e insubstituível.

Será mesmo necessário caminharmos pelas linhas nas quais estamos? As inúmeras bifurcações nos dão a sensação de algo novo, de que somos autênticos, mas como sermos autênticos sem experimentarmos da vida? Uma vida que nos escapa, não como a água nas mãos de sedento, mas como fuga da razão, do discurso e das ações prontas, uma vida que nos coloca a olhar com novos olhares para a incerteza da escuridão, para que possamos experienciá-la, torná-la algo que não um simples discurso ou ação pré-determinada. No território de nossas incertezas, daquilo que não está claro aos nossos olhos não procuraremos reforçar o que temos a nossa frente, clarear o que não estamos vendo, mas talvez reafirmar a escuridão, nos faremos parte dela, tensionando as nossas certezas, deixando-as nesse terreno incerto e difuso para que nossa percepção e sensação do mundo faça com que sejamos capazes de imaginar, criar, sentir. (HARA, 2017).

Ao falar das possibilidades frente a nossas incertezas e da necessidade de olharmos o homem para além de suas virtudes, pensando em seu inacabamento e sua condição de homem afetado, enquanto artista tendo a pensar na arte a qual desenvolvo – o palhaço; Mas antes de chegar no palhaço é preciso falar da comicidade. O cômico é uma espécie de transcendência da realidade do mundo corrente, ele cria um mundo às avessas que suspende as regras e lógicas da vida cotidiana mesmo que momentaneamente (BERGER, 2017). Em alguns casos o fenômeno do cômico pode trazer a público de maneira satírica as mazelas sociais que estão enraizadas e que pouco podem ser questionadas, que por meio do cômico dão margem a reflexão. O bobo da corte é um exemplo dessa potencialidade reflexiva. A figura do bufão ressignifica o mundo, os objetos, os valores, carrega consigo a ironia e a crítica, que por ser apenas um bobo diz e faz coisas sobre a proteção da loucura, basta lembrarmos dos bobos medievais, eram os únicos que tinha a liberdade de dizer o que bem entendesse ao rei sem que fossem punidos por isso (MINOIS, 2003). Essa inversão do mundo dá a ele o status de louco e ao mesmo tempo de alguém que não se deve levar a sério, e por de trás dessa armadura que ao mesmo tempo o coloca apenas uma figura satírica, também o torna responsável por provocações, críticas, transformações em potencial.

Podemos pensar no palhaço como uma dessas figuras que colocam o mundo às avessas, uma espécie de contramundo, o inverso a esse virtuosismo do homem, uma figura que

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não se encaixa nos moldes e padrões sociais, que aceita e permite se distanciar dos ideais (DORNELES, 2003), assim como os loucos, aceita a auto-humilhação e a humilhação provinda dos outros, não com a intenção da santidade como era o caso dos loucos pelo amor de Cristo2, mas ao contrário disso, com a intenção de reconhecer seus fracassos, suas falhas, de colocar-se na condição de homem aberto as experiências do mundo. Esses fracassos não são só uma forma para que o artista se veja, mas também se torna uma forma indireta para o público rir de si mesmo, ao rir do clown o público ri daquilo que identifica em si, as situações ao qual também poderiam estar envolvidos. Nós rimos de um bobo, um idiota, mas por termos identificado nele algo de nós mesmos (BERGSON, 2018), algo que também nos pertence e ao mesmo tempo nos incomoda, rimos de nossos próprios fracassos. O clown reflete essa humanidade e leva as pessoas a essa mistura de estranhamento e identificação (FERRACINI, 2003).

Rir de si é uma tentativa de emancipação, não uma fuga da ordem, mas uma permanência de enfrentamento que possuí vários caminhos que podem ser acessados e transgredidos. É um processo de aceitar essa ordem entendendo seus limites e cerceamentos, mas rindo de seus fracassos frente a própria ordem. Ao mesmo tempo o clown leva o artista a um estado de decadência e potência, revela nossos fracassos para que possamos aceitá-los, e nos vermos como um homem que seja capaz de ser afetado e afetar por meio da poética presente em suas ações, transformadas e ressignificadas. O palhaço está para além de apenas uma representação cênica cômica, ou que tenha por objetivo levar o público ao riso, esse é apenas um dos pontos - o palhaço está em devir, não pode ser posto dentro de um conceito fechado que seja capaz de defini-lo, ao defini-lo estaremos o limitando. A pluralidade do palhaço reside justamente no aspecto de seus encontros, no acaso, na sua condição de alteridade, em contato tanto com o outro como com o mundo. Esses constantes encontros permitem com que o palhaço esteja a todo tempo em jogo, ele mantém o jogo vivo nas inconstâncias de suas ações não padronizadas, não engessadas ou previsíveis.

O CLOWN: UM CAMINHO PARA A AUTODERRISÃO

Vale ressaltar que nesse trabalho trataremos clown e palhaço sem distinção, sem a tentativa de dicotomizar, por isso, em alguns momentos utilizaremos o termo clown e em outros palhaço. O foco do trabalho não se encontra em discutir essa diferenciação (se assim podemos

2 BERGER, Peter L. O riso redentor. Petrópolis: Vozes, 2017, p. 323. Os loucos pelo amor de Cristo eram

aqueles que se desprendiam de toda a representação mundana, que poderiam vir a dar-lhes segurança e conforto. Na maioria das vezes esses loucos literalmente se despiam, entregavam suas vestes e saiam pelo mundo como andarilhos e peregrinos.

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dizer) já tão debatida dentro das artes, mas também não podemos negar que ela exista. Trataremos brevemente sobre a questão a fim de apontar a especificidade de cada um. Castro (2005) destaca à dificuldade dos autores que se colocam a estudar o tema, devido a grande variação de nomes em tempos e lugares distintos. Para Burnier (2009) os dois termos (clown e palhaço) são distintos, mas designam a mesma coisa, segundo o autor existem diferenças nas linhas de trabalho. Já Ferracini (2003) traz um olhar muito próximo ao de Lecoq (2010) ao destacar que o clown não interpreta, pois é a própria pessoa evidenciando seus ridículos, expondo ao público toda sua fragilidade, e assim justifica o motivo de utilizar o termo clown e não palhaço - palhaço para o autor “é hoje um tipo que tenta fazer graça e divertir seu público por meio de suas extravagâncias; ao passo que o clown tenta ser sincero e honesto consigo mesmo”. (BURNIER, 1994, p. 248 apud FERRACINI, 2003, p. 218)

Segundo Lecoq (2010, p.214) a busca (se assim podemos chamar) do próprio clown, é um processo de entender e aceitar nossa insignificância, em que, quanto menos tentamos nos esquivar mais permitimos nos aproximar desse nosso estado/clown. Como já dito anteriormente, por meio de seus próprios fracassos o clown pode vir a servir como um espelho a refletir para o mundo a sua própria decadência, a partir de um reconhecimento de si mesmo. “[..] ele está funcionando como um espelho para a plateia [...] cada indivíduo do público entra em contato com aspectos pessoais que dificilmente acessariam por conta própria.” (PUCETTI, 2012, p. 90).

Esse reflexo poderá despertar no outro os seus próprios fracassos, mas de maneira inversa a lógica do poder. Esse fracasso revelado pelo palhaço não é um estado de depreciação do sujeito, ao contrário disso, uma forma de reconhecimento e aceitação que mostra sua potência diante da vida. Não vamos reduzir os conceitos a uma ideia simplista, mas se pensarmos que a comicidade reside em nossa humanidade (BERGSON, 2018, p.38), e que quanto mais evidenciarmos essa humanidade sem nos esquivarmos, mais nos aproximamos de nosso clown, podemos pensar então em uma tentativa de ruptura com a representação de homem ideal.

Os loucos, bobos, decaídos, os clowns, por meio de suas loucuras e imperfeições podem refletir a própria decadência do mundo - assim é o clown, se expõe sem nenhuma reserva, reconhece a si mesmo enquanto um ser vulnerável, imperfeito, grotesco e afetado (BURNIER, 2009). Está longe do padrão do homem ideal a ser seguindo, está longe de uma

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conceituação, não é nenhum herói que irá mudar o mundo, é apenas um palhaço, o que o dá a liberdade de ser o que lhe convir, afetado pelo momento e situação daquilo que o circunda. Não segue padrões ou costumes para ser aceito, está nu diante da sociedade, exposto, essa transparência é o que o torna único e potente diante do mundo. O palhaço transgride e tensiona o sentido lógico do agir, pensar, falar. É o ser humano nu, inacabado e vulnerável, distante da massiva tentativa de torna-lo perfeito, assumindo a sua condição de passividade propriamente humana. E como já dito anteriormente e destaco aqui outra vez, isso não dá a ele um tom de heroísmo, de além homem, super-homem (NIETZSCHE, 2008) ou qualquer ou qualquer outra conotação que o vanglorie, caso isso ocorra estaremos contrariando a ideia discorrida até então. O palhaço é um louco ressignificado, que saiu dos manicômios do pensamento para poetizar a sua idiotice, tratando de mostrar aos homens ideais as loucuras e tolices que também os compõem. Necessitamos do desconforto, do caos em nós para tensionarmos os nossos sentidos, para nos movermos em direção a novas possibilidade da vida (NIETZSCHE, 2008).

Esses desconfortos só são possíveis pois o clown permite uma abertura daquele que o faz com o mundo que o rodeia, de acordo com Kasper (2004, p. 206) “ A iniciação clownesca torna-se uma experiência de devir-outro, aprendendo a afetar e ser afetado, envolvendo uma atitude de escuta do mundo com o corpo todo, um estado de alerta e ao mesmo tempo de grande entrega e disponibilidade. ” que não se limita somente a aquele que o faz, “ele extrapola o termo pessoal [...] Trata-se de algo que ocorre entre o clown e o outro — seja uma laranja, uma pessoa, um vento, uma borboleta que passa.” (KASPER, 2004, p. 206). Para nos reduzirmos a esse estado, é preciso então que estejamos prontos a entender o outro, olhar para o mundo como parte de nós mesmos. Sem essa condição de alteridade esse estado que tanto estamos falando não seria acessível.

Se assim pensarmos, o palhaço poderá criar uma possibilidade de tensionamento para aquele no qual tem contato, o que nos importa aqui é justamente a sua capacidade de criar, transformar, ressignificar, afetar - sendo um ponto de reconhecimento contínuo da alteridade. Diante dessas questões busco apresentar como o palhaço age enquanto instrumento de reflexividade nos indivíduos na sociedade contemporânea, seu papel sócio-político, diante dos dilemas e paradigmas que impactam as relações socioculturais; para isso, parti de um recorte específico, direcionando nossa atenção para o artista/palhaço e sua inserção em ambientes diversos (ruas, hospitais). Este universo amplo de possibilidades, é muito estimado a essa

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pesquisa, que visa contribuir para o debate entre o palhaço enquanto experiência artística e enquanto função de afetação e subversão.

O sujeito de estudo aqui apresenta múltiplas faces: ao mesmo tempo indivíduo (artista), grupos de indivíduos (artista-voluntários), suas relações e potencialidades. O ponto de partida que transversaliza e congrega os interesses da pesquisa, é uma experienciação no campo das artes (o clown). Nesse sentido, a simples construção de um projeto de pesquisa já ultrapassa frequentemente as fronteiras que separam os territórios disciplinares que poderiam abrigar umas ou outras perspectivas do problema. Esse é o plano de fundo frente ao qual constrói-se a proposta metodológica abaixo.

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Pois quando a gente entende que não entende alguma coisa é que a gente está prestes a entender tudo. Jostein Gaarder

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OS PROBLEMAS ENCONTRADOS NA ESCOLHA DO MÉTODO

Para pensarmos a metodologia primeiramente foi necessário romper com alguns paradigmas no que diz respeito à própria arte, ir para além dos modus operandi que em muitos momentos se naturalizam dentro do fazer artístico. Zamboni (2012, p. 32) ao falar sobre os paradigmas da ciência, destaca que na maioria das vezes esse processo não é consciente ao cientista, essa naturalização do modo de fazer não permite que enxerguemos para além desse paradigma, o que não se limita somente a ciência, mas também a própria arte.

Existem formas e meios para se pensar no fazer artístico diferente daqueles que já se enraizaram. “Os paradigmas na arte são os guias que delimitam a forma de atuação e produção dos artistas, e possuem também regras de conduta, de certa forma rígidas, que não podem ser transgredidas.” (ZAMBONI, 2012, p. 34). Tal afirmação sobre a rigidez na arte é importante e ao mesmo tempo contraditória para se pensar no palhaço: ao reconhece-lo enquanto movimento político e estético de transgressão, com amplo e irrestrito poder de criação, o mesmo não pode estar aprisionado por regras ou narrativas pré-estabelecidas.

Uma das dificuldades encontradas na construção da pesquisa foi a formulação da pergunta, busca pela hipótese e consequentemente o método adotado, assim, acabei me deparando em diversos momentos com o que Zamboni (2012) chama de uma desordem experimental ou especulação, que pode ser um método de descoberta mas não de pesquisa. Essa especulação até poderia vir por meio da intuição a realmente encontrar soluções, a ausência do problema de pesquisa me fazia rodar em um espaço repleto de informações, mas que tornava-se vazio pela falta de fundamentação teórica no que diz respeito a metodologia. Assim acabei me colocando muito mais na posição de um artista intuitivo do que propriamente um artista pesquisador, faltava a mim uma base de sustentação metodológica que pudesse dar fundamentação a teoria utilizada, “O artista puramente intuitivo terá muito mais dificuldades de formular uma hipótese do que o artista pesquisador, dado que ele não possui claramente um objetivo e um problema a ser resolvido” (ZAMBONI, 2012, p. 53).

A ETNOGRAFIA COMO INSPIRAÇÃO

Tendo consciência da necessidade de buscar uma metodologia que fosse capaz de amparar o estudo mas sem que engessasse o fazer artístico, o conceito metodológico utilizado foi o da observação. Esse ver tratasse de um olhar mais profundo, um olhar para além do físico

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que os nossos olhos são capazes de enxergar, é necessário observar o objeto de estudo tendo consciência das representações e de todo um sistema simbólico que lhe dá significado. (ZAMBONI, 2012). Diante da questão paradoxal de não ser apenas intuitivo, também cuidando para que a arte não seja limitada diante de um rigor metodológico estrito, e entendendo que o “processo de trabalho, principalmente em arte, não é algo linear, é um processo de idas e vindas, de intuição e racionalidade que se interpõem no caminho da reconstrução representativa de uma realidade” (ZAMBONI, 2012, p. 56), foi utilizada uma perspectiva de observação do humano que se desenvolveu na antropologia e que foi utilizada aqui com um certo grau necessário de liberdade: a etnografia foi tomada enquanto inspiração para o campo realizado. Foi a partir de uma perspectiva etnográfica que se pensou a relação de alteridade (eu/outro) com base no estranhamento, em uma tentativa de encontrar caminhos para a pergunta central do trabalho.

A etnografia é um método que se desenvolveu na antropologia, em que ao se colocar em campo o etnógrafo faz o exercício do estranhamento para aquela realidade a qual está se inserindo, uma tentativa de viver e pensar da forma com que fazem os nativos daquela determinada cultura. Tendo consciência de todos os seus pressupostos, o etnógrafo busca criar um distanciamento necessário para que possa não olhar como os olhos do nativo, mas sim, diante da sua experiência no campo poder interpretar a realidade da cultura em questão, possibilitando uma abertura para que o nativo possa expressar sua maneira de ver e ouvir, pensar e agir. De acordo com Guber (2001) a etnografia não só abre espaço para observar o empírico, a cultura, os indivíduos, mas também para a problematização do investigador diante da descrição de alguma realidade. “(...) etnografía es una concepción y práctica de conocimiento que busca comprender los fenómenos sociales desde la perspectiva de sus miembros (entendidos como “actores”, “agentes” o “sujetos sociales”). (GUBER, 2001, p. 12)3

OBSERVAR, PARTICIPAR, INTUIR.

Um dos métodos utilizados pelo etnógrafo é a observação participante, que se caracteriza como uma atividade em que o pesquisador está em campo e observa tudo que acontece e o cerca, assim como participa ativamente das atividades realizadas as desempenhando da mesma maneira com que os nativos a fazem, como se fosse parte integrante daquela cultura. (GUBER, 2001)

3 “ (etnografia é uma concepção e pratica de conhecimento que busca compreender os fenômenos sociais desde a

perspectiva de seus membros (entendidos como “atores”, “agentes” ou “sujeitos sociais). (GUBER, 2001, p. 12) tradução livre do autor.

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La "participación" pone el énfasis en la experiencia vivida por el investigador apuntando su objetivo a "estar adentro" de la sociedad estudiada. En el polo contrario, la observación ubicaría al investigador fuera de la sociedad, para realizar su descripción con un registro detallado de cuanto ve y escucha. (GUBER, 2001, p. 57)4

A observação participante possibilita tanto por viés da observação como da participação, que o pesquisador obtenha informações de duas perspectivas distintas, mas tendo consciência de que sua presença não será tão efetiva a ponto de se tornar um nativo, assim como, externa o suficiente para que não afete ou influencie o determinado grupo em que atua (GUBER, 2001). Se o pesquisador não tiver consciência desse distanciamento e aproximação, pode ser influenciado pela subjetividade e direcionado a um olhar enviesado, contudo, a subjetividade do pesquisador é importante para desempenhar um papel crítico e reflexivo com relação a realidade complexa a qual está atuando. Um ponto importante a ser destacado é a necessidade de um esforço do pesquisador para em integrar-se a lógica de convívio local, isso pode contribuir para a relação do nativo com o pesquisador, e possibilita uma maior compreensão e comunicação entre ambos. O que tensiona e ao mesmo tempo sustenta o trabalho de campo etnográfico está justamente no fazer e conhecer, participar e observar, manter distância e envolver-se. (GUBER, 2001)

[...] la observación participante no es un período de tiempo relativamente extenso [...] más bien, una actitud cognoscitiva, afectiva y reflexiva en la que el investigador “pone el cuerpo” (comprendido éste en sus dimensiones físicas, mentales y espirituales) y se dispone a aprender con las personas que interactúa, en el marco de un proceso de transformación constante. (PIZARRO, 2014, p. 465)5

Para podermos entender uma determinada cultura é necessário que estejamos dentro dela, que saibamos interpretar os símbolos pertencentes, os costumes, os meios. Não podemos descrever uma cultura sem entendermos minimamente a sua lógica, não seríamos capazes de falar ou agir como ela, no entanto, também não podemos simplesmente diante da observação superficial acreditar estarmos totalmente imersos ou pertencentes a tal cultura.

Para Geertz (2013) a etnografia é mais do que um registro da cultura em questão, está para além de apenas uma descrição de um determinado grupo, é preciso que o etnógrafo seja capaz de interpretar aquilo que vivencia, entender por meio de uma analise os significados

4 “A participação põe a ênfase na experiência vivia pelo pesquisador apontando seu objetivo de “estar dentro” da

sociedade estudada. No lado contrário a observação colocaria o pesquisador fora da sociedade, para realizar sua descrição com um registro detalhado do quanto vê e escuta.” (GUBER, 2001, p. 57) Tradução livre do autor.

5 “(...) a observação participante não é um período de tempo relativamente longo (...) mas uma atitude cognitiva,

afetiva e reflexiva em que o pesquisador “coloca o corpo” (entendido em suas dimensões físicas, mentais e espirituais) e se dispõe a aprender com as pessoas que interage, no âmbito de um processo constante de transformação. (PIZARRO, 2014, p. 465) Tradução livre do autor.

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presentes nas ações. A etnografia é uma descrição densa, o etnógrafo se depara com situações diversas e complexas, estranhas, estruturas que se ligam e se interpõe uma sobre a outra. Assim no campo etnográfico é preciso que o pesquisador entenda a estrutura a qual está atuando e tente interpretá-la diante de toda a estranheza e adversidade. “Fazer a etnografia é como tentar ler (no sentido de “construir uma leitura de”) um manuscrito estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos (...)” (GEERTZ, 2013, p. 07).

SUPERANDO ENTREVISTAS SEMIESTRUTURADAS: O USO DE ENTREVISTAS

ETNOGRÁFICAS

O problema normalmente encontrado dentro das entrevistas semiestruturadas, é a maneira a qual o pesquisador irá conduzir essa entrevista sem que ela se torne visivelmente uma entrevista mediada por interlocutores, o que em alguns casos acaba por deixar a ação claramente dicotomizada entre entrevistador e entrevistado. Outro ponto não menos importante é o conteúdo presente nesses questionamentos, que na maioria das vezes acaba colocando para o entrevistado um olhar já preestabelecido por parte do pesquisador. “En las entrevistas estructuradas el investigador formula las preguntas y pide al entrevistado que se subordine a su concepción de entrevista, a su dinámica, a su cuestionario, y a sus categorías.” (GUBER, 2001, p. 82)6

Na entrevista temos entrevistador e entrevistado em uma relação interpessoal, evidenciando reflexividades distintas, que também são capazes de produzir novas reflexividades. A entrevista é uma forma de troca social onde se obtém formas interpretativas por meio da observação e da participação. (GUBER, 2001)

Uma alternativa encontrada para os problemas identificados nas entrevistas semiestruturadas, foi a utilização de entrevistas-etnográficas (GUBER, 2001, p. 75). Tal modalidade de coleta, emprestada como recurso para se ouvir a alteridade em campo, apresenta maior afetação do entrevistador e orienta perguntas e respostas pelo viés da relação experenciada entre ambos agentes. Suas duas regras fundamentais - associação livre e atenção flutuante (GUBER, 2001) que permitem trocas consideradas justas e valiosas para o processo

6 “Nas entrevistas estruturadas, o pesquisador formula as questões e pede ao entrevistado para se subordinar à

sua concepção da entrevista, sua dinâmica, seu questionário e suas categorias. (GUBER, 2001, p. 82). Tradução livre do autor.

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de escuta considerando à relação como campo simbólico superior ao conteúdo previamente categorizado.

Na entrevista-etnográfica é necessário que o pesquisador se atente a questões que em uma entrevista comum talvez pudesse passar despercebido, é preciso colocar em dúvida todas as certezas e abrir espaço para o desconhecido, aquilo que não está claro aos olhos do pesquisador, assim poderá se deparar com símbolos, expressões e comportamentos, espontâneos e significativos ao entrevistado. Essa abertura da entrevista-etnográfica não diz respeito apenas ao entrevistado, é preciso que o pesquisador também se abra ao exercício da reflexividade no campo, entendendo as condições as quais essas entrevistas estão sendo realizadas para ele e o entrevistado, isso permite novas descobertas e questões a serem debatidas por ambos. E assim, diante desse espaço comum que só foi possível devido a permissividade no diálogo, é possível que tenhamos afetividades distintas e subjetividades sendo expressas, que acabam por revelar mais do que um pensamento demasiado racional. (GUBER, 2001)

OCAMPO

Foi selecionado o seguinte campo de atuação para o artista/pesquisador:

Duas viagens para a cidade de Foz do Iguaçu, acompanhando um grupo de humanização hospitalar que faz uso do palhaço como meio para realização de seus trabalhos voluntários. As intervenções aconteceram de acordo com o trabalho já desenvolvido pela instituição de humanização hospitalar participante da pesquisa.

O campo foi separado em três momentos distintos: Momento 1 – Hospital; Momento 2 – Oficinas de palhaço; Momento 3 – Rua. Os espaços para realização do campo foram selecionados devido a possibilidade de olharmos para realidades distintas, com diversidade de fatores: econômicos e sociais. Que vieram a apresentar outras perspectivas para o problema de pesquisa.

CONSIDERAÇÕES SOBRE O CAMPO

A ida a Foz do Iguaçu aconteceu em duas datas distintas, 27 abril à 02 de maio e de 30 de maio à 04 de junho de 2018. Na proposta inicial o objetivo era realizar dois campos: 1 – Intervenções com artistas profissionais em ruas (em cidades do interior do estado de SP); 2 – Intervenções com artistas-voluntários em hospitais (em Foz do Iguaçu-PR e Campinas-SP), que no entanto acabou se modificando diante de necessidades que surgiram no próprio campo. Na

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primeira viagem a Foz do Iguaçu foram desenvolvidas oficinas de clown/palhaço durante 4 dias consecutivos, totalizando 18 horas de atividades, com 15 participantes, e uma intervenção hospitalar com 5 artistas-voluntários (palhaços) com duração média de 4 horas; já na segunda viagem a Foz do Iguaçu além das oficinas com 12 participantes e da intervenção hospitalar com 4 artistas-voluntários (palhaços), foi desenvolvida uma oficina no último dia juntando a primeira e a segunda turma, com duração de 5 horas; nessa oficina os artistas-voluntários foram levados para um espaço incomum se comparado com o trabalho desenvolvido por eles. Saímos do local ao qual a oficina estava sendo realizada e fomos para uma praça pública no centro de Foz do Iguaçu, local em que a oficina foi finalizada.

É importante destacar que esse trecho acima é apenas um resumo do processo realizado, e está sendo descrito para apresentar as mudanças ocorridas diante da proposta inicial. Os campos 1 e 2 que seriam desenvolvidos separadamente acabaram se unificando em um único campo, e foram acrescentadas novas atividades - as oficinas de clown que não estavam previstas mas foram fundamentais para todo esse processo que foi desenvolvido, vindo a entrar como parte do campo. Aquilo que seriam dois campos torna-se agora um único campo separado no que estou chamando de momentos, sendo eles: Momento 1 - Hospitais; Momento 2 - Oficinas e Momento 3 – Rua, separados nesse trabalho em capítulos 1, 2 e 3.

Figura 1 - Antes da realização do campo

Fonte: (GODOY, 2019)

Figura 2 - Após a realização do campo

Fonte: (GODOY, 2019)

Essas mudanças ocorreram diante de necessidades do próprio campo e das respostas obtidas por meio da observação participante (GUBER, 2001), descrição densa (GEERTZ, 2013) e entrevistas-etnográficas (GUBER, 2001), tudo o que vinha sendo pensado anteriormente só passou a fazer sentido diante da experiência obtida por meio do campo, que acabou por meio da descrição densa a realçar o que parecia anteriormente não estar claro. A

Campo 1

Ruas

(Campinas)

Campo 2

Hospitais

(Foz do Iguaçu e Campinas) Campo Momento Hospital Momento Oficina Momento Rua Capítulo 1 Capítulo 2 Capítulo 3

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experiência do campo não deu somente base para poder discorrer a respeito do próprio campo, mas também para repensar a minha posição e perspectiva enquanto artista-pesquisador e o quanto a experiência foi fundamental para esse processo de construção, e quando falo de experiência me refiro a tudo aquilo que direta ou indiretamente chegou, atingiu a superfície sensível do pesquisador, e assim, gerou afetos, deixou marcas nesse território de passagem que se fez o pesquisador. (LARROSA, 2017)

A construção do trabalho passa não só por uma construção epistemológica, mas também intuitiva, e isso não é algo linear, na arte é necessário revisitar constantemente os seus processos, aceitar os desconfortos, desconstruções, ir e vir constantemente, e até entrar por caminhos que se divergem. (ZAMBONI, 2012)

PROCESSOS DO CAMPO

Como já dito anteriormente o campo foi separado em 3 momentos:

Momento 1 – Hospital: Enquanto artista-pesquisador acompanhei os artistas-voluntários nos trabalhos já realizados por eles nos hospitais atendidos pela ONG (Organização Não Governamental). Tanto os artistas-voluntários como eu (artista-pesquisador) fizemos uso do palhaço para a realização da intervenção. Esse momento foi separado em Pré-atuação, Atuação e Pós-atuação, para cada um deles foram utilizados métodos dentro da etnografia que melhor pudessem atender as necessidades do projeto de pesquisa:

Pré-atuação: Entende-se por Pré-atuação desde o momento de preparação da atividade a ser desenvolvida, o deslocamento do artista até o local de atuação, aquecimento, preparação de figurinos, maquiagens, reuniões e ensaios. Esse momento se encerra antes do início da atuação do artista. Para a fase de pré-atuação utilizaremos da observação participante (GUBER, 2001) e a entrevista etnográfica (GUBER, 2001), a ser relata por mim (artista-pesquisador) até o momento de início das atuações.

Atuação: Caracterizamos por atuação do momento em que o artista entra em espaço de trabalho e passa a desenvolver sua intervenção com seu público até o momento de saída. Ao finalizar a sua atuação também finalizamos essa fase do campo para darmos início ao processo seguinte. Na fase de atuação trabalharemos com observação participante (GUBER, 2001), que nos dará uma maior liberdade para realização do campo, tento a perspectiva do artista e pesquisador inserido na ação.

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Pós-atuação: Após a realização da atuação, iniciaremos o terceiro processo do momento 1, a fase de pós-atuação. Chamamos de pós-atuação, do momento de saída do palco, até retirada de maquiagens, figurinos e partida do local de realização do campo. Na pós-atuação utilizaremos novamente da observação participante e as entrevistas etnográficas (GUBER, 2001), que nessa fase do processo terá uma importância significativa e nos dará um respaldo junto a fase de pré-atuação.

Visando respeitar a atuação do artista-voluntário tais entrevistas foram realizadas durante o momento da retirada da maquiagem. O processo faz parte do campo devido à especificidade entorno da desconstrução da máscara constitutiva do palhaço ao final de cada intervenção. Neste momento os artistas estão afetados pelas experiências e poderão compartilhar com os demais. Constitui-se assim, um espaço de troca e reflexão que acontece após cada trabalho. Apresenta-se para a coletividade tanto situações favoráveis para a ação, como também seus incômodos e desconfortos, num espaço-tempo de experiência.

Momento 2 – Oficinas de palhaço: Enquanto artista-pesquisador ministrei uma oficina introdutória de clown para os integrantes da ONG, tanto para a turma da primeira como segunda viagem a cidade. Essas oficinas foram realizadas no salão de um hotel na cidade de Foz do Iguaçu, foram trabalhos jogos cênicos que expusessem os participantes por meio da expressão corporal, improvisação, exposição do ridículo e outros jogos comuns em oficinas de clown.

Diferente do momento 1 as oficinas não são algo comum ao grupo, esse tipo de atividade é realizada esporadicamente; parte da turma já havia feito uma oficina anteriormente, e pouco menos da metade estava fazendo uma oficina pela primeira vez.

Momento 3 – Rua: Esse foi o fechamento das atividades do campo. Esse momento foi a continuidade do momento 2, nele foram reunidas as duas turmas. A atividade teve início no salão do hotel onde foi preparado um cortejo7 em que todos estavam fazendo uso do palhaço e instrumentos musicais, para em seguida seguir em cortejo pelas ruas da cidade em direção a

7 O cortejo circense historicamente era utilizado na chegada do circo em uma cidade, vinha como uma

anunciação ao espetáculo que se seguiria nos dias de permanência do circo. Normalmente os personagens que protagonizavam esse cortejo eram o palhaço e o perna de pau. Já no caso de festivais e outros eventos, o cortejo ocorre a fim de finalizar, é a grande festa de encerramento. No geral cortejo é uma forma de expor as atividades artísticas, assim como mudar a rotina da cidade, apresentando para a população uma outra forma de vida. (LABORDA, 2013)

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praça central. Na praça central foi formada uma roda e um palco e foram realizados jogos dando continuidade à oficina. Esse momento foi finalizado na própria praça, para em seguida retornarem ao salão do hotel.

IDENTIFICANDO OS PARTICIPANTES

Apresentarei abaixo os artistas-voluntários participantes dos três momentos do campo, que de alguma forma aparecerão nesse trabalho – seja pelas entrevistas ou por meio da descrição do campo. Esses serão identificados com um heterônimo para que possamos resguardar suas identidades; para esses heterônimos estou colocando nome de palhaços mundialmente conhecidos, tanto para que o leitor possa identificar com maior facilidade como por também ser uma oportunidade para prestar uma homenagem a esses artistas. A frente de seus nomes temos colunas com os três momentos do campo (Momento 1 – Hospital; Momento 2 – Oficina; Momento 3 – rua), a frente de cada nome será assinalado o momento no qual cada artista-voluntário participou. Vale lembrar que só estão na tabela abaixo 10 dos 27 participantes, esses são artistas-voluntários que de alguma forma foram citados no decorres do trabalho.

Tabela 1 – Identificação dos artistas-voluntários e seus momentos de participação no campo

Momento 1 Hospital Momento 2 Oficina Momento 3 Rua Laurel X X X Amácio X X X Moe X X X Keaton --- X X Hardy X X X Larry X X X Bolaños --- X X Carlitos X X X Curly X X X Otelo X X X Fratellini --- --- --- Fonte: (GODOY, 2019)

CONSIDERAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS PARA APLICAÇÃO DA METODOLOGIA: NOTAS

SOBRE NEUTRALIDADE E PROCESSOS RELACIONAIS

O campo foi realizado como três momentos, assim como já descrito. Esses momentos passaram por mim (artista-pesquisador) como uma experiência a ser relatada.

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Não foi descartada a hipótese de que a experiência acumulada por mim no decorrer de 15 anos de trabalho como palhaço, pudesse influenciar o campo. Por esse motivo, especificamente no momento 1 (Hospital), Como artista-pesquisador estive somente quando necessário nas ações, deixando com que os demais artistas-voluntários tivessem a iniciativa da ação.

Foi necessário que eu tivesse a consciência de que poderia ocorrer que os demais artistas-voluntários aguardassem por minha iniciativa durante a intervenção no momento 1 (hospital). Coube a mim (artista-pesquisador) amparo na experiência anterior para saber os momentos que deveria ou não intervir nas ações, sem que me colocasse como protagonista da ação, abrindo espaço para as ações dos demais artistas -voluntários.

O APAGAR AS LUZES DA RAZÃO

Levando em consideração a maneira a qual os estudos foram conduzidos, é importante destacar o meu posicionamento enquanto artista-pesquisador e minha perspectiva enquanto interventor e atuante. Sem deixar de evidenciar que mesmo com os cuidados necessários para neutralizar a minha figura de pesquisador, parto de um olhar já pré-concebido (mesmo que inconscientemente) no que diz respeito tanto a arte quanto a ciência. Frente a isso, ao chegar no campo da pesquisa foi necessário um abandono e reconhecimento dos meus pressupostos, para assim delimitá-los, entender quais eram as certezas que cerceavam o meu pensamento e me fechavam as possibilidades de tensionamento. Como já dito, a minha carreira artística poderia influenciar diretamente nos processos do campo, o meu olhar com relação ao objeto de estudo poderia estar enviesado mesmo que tentasse estranhar as relações ali criadas. As minhas práticas corriqueiras são guiadas por valores que sustento, representações que fazem das minhas ações uma escolha, particularidades, assim, para um cientista não existe um abandono total em sua observação, pois sempre carregará algo de si para o campo. Não podemos tornar objetiva as ciências sociais justamente pelo fato de não haver um ato de libertação/separação entre sujeito social e cientista (SANTOS, 2009) isso nos mostra, a necessidade do pesquisador se colocar em campo tendo consciência de sua condição, e a necessidade de uma tentativa de distanciamento é um exercício necessário. Acreditarmos em um distanciamento total com relação a observação do campo, é estarmos aceitando uma ideia utópica de que criamos uma outra realidade frente a nós mesmos e de que há uma separação do pesquisador no que diz respeito a suas crenças pessoais e a “pureza do campo”, isso pode ser

Referências

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