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Violência psicológica: as (in) visíveis seqüelas, no enfoque da Gestalt-terapia

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Academic year: 2021

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Violência psicológica: as (in) visíveis seqüelas, no enfoque da Gestalt-terapia

Wanderléa Bandeira Ferreira1, Adelma Pimentel2 UFPA

Violência; pesquisa qualitativa; Gestalt-terapia ST 35 – Violência de gênero e saúde da mulher

O desvelamento da violência psicológica contra a mulher vem ganhando impulso, principalmente na década de 90, com a luta dos movimentos feministas. Atualmente, a Lei 11.340/2006, ou Lei Maria da Penha, contribui para impedir que os atos e agentes da violência continuem a tratar a mulher de maneira indigna. Este panorama vem sendo estudado na Universidade Federal do Pará pelo Núcleo de Pesquisas Fenomenológicas, abordagem Gestáltica, através da produção de trabalhos de conclusão de curso e dissertações de mestrado em Psicologia. A Gestalt-terapia é uma abordagem psicológica do contato consciente, cuja intervenção permite ao participante fortalecer o suporte interno e auto-regulação saudável, de modo a superar situações que obscurecem suas funções e fronteiras de contato. Nossa pesquisa-intervenção de base qualitativa é um estudo de caso de um casal, em que o cônjuge provocou o sofrimento psicológico e a desestruturação de sua família. Objetiva: identificar as possíveis seqüelas da violência no psiquismo da mulher; compreender o sentido da vivência para ambos através da psicoterapia breve ou de curta duração na abordagem Gestáltica, entendida como uma ação terapêutica focalizada no conflito trazido pela pessoa, visando num curto espaço de tempo facilitar o acesso à consciência na criação de ajustes saudáveis em sua auto-regulação.O contexto de realização é a Delegacia de Mulheres de Belém,Pará. Procedimentos: serão realizadas uma sessão semanal, individual com o marido e uma com a mulher por seis meses e uma sessão mensal com o casal. O resultado previsto é o delineamento de um programa de tratamento do casal.

O tema em questão nos remete a uma situação, um fato, um fenômeno muito antigo e ao mesmo tempo atual: a violência e seus desdobramentos, mais especificamente contra a mulher, o que enfoca uma questão de gênero. De acordo com Ministério da Saúde (2005) a palavra violência é de” origem latina, o vocábulo vem da palavra vis, que quer dizer força e se refere às noções de constrangimento e de uso da superioridade física sobre o outro”(p. 14). Segundo Minayo e Souza (2003), as discussões, estudos e pesquisas sobre qual seria a causa da violência impera até os nossos dias, uns tendem a compreender a violência no plano biológico, outros no plano psicológico e ainda

1 Mestranda em Psicologia pela UFPA.

2 Dra. Em Psicologia Clinica. Vice-Cordenadora do Mestrado em psicologia da UFPA. Orientadora da dissertação de mestrado de Wandereléa Bandeira

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no plano social. Minayo (2005) amplia a discussão e pontua seu entendimento em que a violência consiste na relação dessas dimensões que abarcam o ser humano. Assim, não existe uma causa única e sim uma inter-relação de fatores que contribuem para a expressão da violência.

Minayo (2006), considera a tipologia da violência baseada no Relatório Mundial da OMS (2002) o qual pontua os seguintes tipos de acordo com as manifestações ocorridas: há violências auto-infligidas, que se referem a comportamentos suicidas e os auto-abuso. Existem também as violências interpessoais, que são classificadas em dois âmbitos: o intrafamiliar e o comunitário, o primeiro ocorre entre os parceiros íntimos e entre os membros da família e o segundo acontece no ambiente social, entre conhecidos e desconhecidos. Por fim, há as violências coletivas, que são atos violentos que acontecem nos âmbitos macros sociais, políticos e econômicos. Em conjunto com os tipos, varia também a natureza da violência expressa, podendo ser classificada como: física, a qual “significa o uso da força para produzir injúrias, feridas, dor ou incapacidade em outrem” (p.82); psicológica, onde acontece “agressões verbais ou gestuais com o objetivo de aterrorizar, rejeitar, humilhar a vítima, restringir a liberdade ou ainda, isolá-la do convívio social”(p.82); sexual, que diz respeito ao ato ou ao jogo sexual dentro de relações hetero ou homossexual e visa estimular a vítima ou utilizá-la para obter excitação sexual por meio de aliciamento, violência física ou ameaças; e negligência ou abandono, que “inclui a ausência, a recusa ou a deserção de cuidados necessários a alguém que deveria receber atenção e cuidados”(p.82).

Ampliando as manifestações da natureza da violência psicológica, a Secretaria de Vigilância em Saúde (2005) pontua exemplos rotineiros na violência contra a mulher, a saber:

(...) Impedir de trabalhar fora, de ter sua liberdade financeira e de sair, deixar o cuidado e a responsabilidade do cuidado e da educação dos filhos só para a mulher, ameaçar de espancamento e de morte, privar de afeto, de assistência e de cuidados quando a mulher está doente ou grávida, ignorar e criticar por meio de ironias e piadas, ofender e menosprezar o seu corpo, insinuar que tem amante para demonstrar desprezo, ofender a moral de sua família (p.120 e 121).

A violência psicológica se faz presente em todos os outros tipos de violência, pois fere e interfere na saúde mental da mulher, na sua integridade física, moral e social e segundo Minayo (2006), acontece principalmente no espaço intrafamiliar. Esse fato dificulta muito mais a sua divulgação diante as várias demandas de queixas fornecidas pelas mulheres nas Delegacias de Mulheres. É uma violência silenciosa, pois a reverberação acontece entre as paredes das casas, no choro contido, na ilusão de que não irá acontecer outra vez, que o agressor irá mudar. Ledo engano!As difamações, o desrespeito torna-se mais freqüente, tendendo a outras formas de violência como, por exemplo, a violência física.

Na década de 90, através dos movimentos feministas e do governo Federal, que essa realidade veio à tona de maneira pública e, só então, foi possível enquadrar a questão da violência contra as

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mulheres como uma violação dos direitos humanos, criar Delegacias da Mulher como a Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), Delegacia Especializada no Atendimento a Mulher(DEAM), Casas Abrigo e Centro de Referências para atender a essa crescente demanda de violência. Formaram-se também grupos de estudos, encontros e conferências para discutir e fortalecer as estratégias de ação, atenção e prevenção a violência contra a mulher, sendo uma delas a articulação com o Ministério Público, Defensoria Pública, Judiciário e Executivo para executar ações por meio de políticas públicas.

Em meio a anos de luta e investimento para se criar uma lei que protegesse e amparasse legalmente à mulher nessa situação de violência, já que não existia no Código Penal Brasileiro nenhum artigo específico para esse tipo de violência, foi sancionada a Lei 11.340/2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha, com o objetivo de criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, onde entre tantos artigos, cito o artigo 5, que reza: Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. A violência pode ocorrer no âmbito da unidade doméstica (Artigo 5 Inciso I), no âmbito da família (Artigo 5 Inciso II) ou em qualquer relação íntima de afeto (Artigo 5 Inciso III)-(Portal Violência Contra a Mulher).

A Lei Maria da Penha vem proporcionando maior visibilidade às ações de combate à violência contra a mulher, com intervenções concretas em relação ao agressor como, por exemplo, a sua prisão, segurança e proteção à mulher agredida em espaços como Casas Abrigo e a viabilidade de acessar meios governamentais e jurídicos para questões legais serem resolvidas sem tanta morosidade e com mais resolutividade.

A realidade dessa violência que assola e assombra mulheres de diversas faixas etárias, classes sociais e níveis de cultura tornam-se cada vez mais gritante, percebe-se nesse contexto a reificação da dominação e exploração do homem em relação a mulher e urge a necessidade de romper com os grilhões do domínio privado e lançar-se no domínio público para agir com intervenções diretas e concretas tendentes à diminuição desse tipo de atitudes contra a mulher.

Como esse fenômeno está diretamente relacionado a questão de gênero e portanto abrangendo o homem e a mulher, é necessário criar estratégias de enfrentamento para ambos com o objetivo de re-significar suas atitudes e maneiras de relacionar-se e aprender a conviver com respeito a singularidade de cada um, oferecendo serviços na área da psicologia, social, jurídico e infra-estrutural. Parece que a Lei Maria da Penha vem suprir essa carência há tanto tempo sentida por essas mulheres, situando-a como uma questão de saúde pública.

Segundo Arendt(1981), a condição humana através da expressão vita activa é compreendida por três atividades: o labor; que corresponde ao processo biológico do corpo humano; o trabalho;

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relacionado ao artificialismo da existência humana e ação; que se refere a atividade que se exerce entre os homens , em sua pluralidade. Ressalta ainda que é na ação mediada pela comunicação que as relações são construídas e aonde existe o espaço para a vivência da alteridade, de aprender a conviver com o igual e o diferente de si mesmo, no processo de construção de sua identidade em sua singularidade e pluralidade.

Compreende-se o desvelamento dessa realidade de violência psicológica com a participação direta e concreta da organização entre as mulheres, através de suas ações, seus discursos que embora revelasse a comunalidade do gênero, o vivido era diferenciado em suas tramas particulares, suas subjetividades em que através de suas relações foram ganhando força política para expressar o que até então estava encoberto.

Recorro a Abordagem Gestáltica, para compreender o fenômeno e embasar-me teoricamente nas condutas interventivas nas entrevistas individuais e de casal, com o objetivo de possibilitar o resgate da saúde mental e física. Esta perspectiva psicológica surgiu na década de 50 com o lançamento do livro Gestalt-therapy de Perls, Hefferline e Goodman, está alicerçada filosoficamente no humanismo existencial fenomenológico e na filosofia do Diálogo de Buber, tendo como teorias de base a Psicologia da Gestalt, a Teoria de Campo de Kurt Lewin e a Teoria Organísmica de Goldstein. Esse embasamento filosófico e teórico possibilita compreender o homem como um ser livre, responsável por suas escolhas, com capacidade para projetar-se, com potencial criativo, particular, singular, dotado de consciência intencional na relação consigo, com o outro e com o mundo; é um ser que interage com o meio na busca da satisfação de suas necessidades, procurando se auto-realizar e auto-regular nas relações que estabelece nos diversos campos(geográfico, emocional, ambiental , transcendental e religioso) que compõem seu universo, seu espaço vital, num processo contínuo de aprendizagem e de reestruturação em seu campo perceptual.(YONTEF,1998)

A Gestalt-terapia enfoca a relação indivíduo – meio, compreende as diversas formas de contato através das quais o indivíduo satisfaz suas necessidades no meio, o modo como assimila o que é nutritivo e como rejeita o que é nocivo nessa constante busca de satisfação de suas necessidades, o indivíduo cria ajustes criativos para resolver tal situação, sendo esta a forma de o indivíduo se auto-regular, encontrar seu equilíbrio e sua forma saudável de contactar consigo e com o outro. Entende-se,pois, a saúde como a constante satisfação de suas necessidades e como doença, a repetição de interrupções na satisfação de suas necessidades. Ressalta-se que o organismo tende a se auto-regular, mesmo que seja de forma disfuncional, não saudável. (KYIAN,2001)

Entende-se que a Gestalt-terapia tem o objetivo de melhorar a qualidade de contato que a pessoa estabelece consigo, com o meio e ampliar a awareness de si mesmo, sendo essa compreendida como o “processo de estar em contato vigilante com os eventos mais importantes do

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campo indivíduo/ambiente, com total apoio sensorimotor, emocional, cognitivo e energético”. (YONTEF,1998,p.31) Pode-se pensar então que quanto mais aware a pessoa estiver de si mesma, estará mais saudável e quanto menos aware, menos saudável.

A terapia Gestáltica pode ser individual, grupal ou de casal, ter um processo de longa ou curta duração.O que está sendo proposto nessa pesquisa é a terapia de curta duração, no qual segundo Ribeiro(1999) a pessoa inicia o processo com a queixa de um problema que pede urgência em sua resolução, objetiva num curto espaço de tempo ( entre 15 e 25 sessões) resgatar a crença em sua capacidade de resolver o conflito vivenciado, aumentar a auto-estima e a auto-imagem, ampliar o contato consigo e com os outros , aprender a ajustar-se criativamente frente as situações adversas, etc.

Para iniciar a terapia, o psicoterapeuta fará uma avaliação para perceber se a pessoa tem condições em sua estrutura/dinâmica para vivenciar esse processo, pois pessoas com psicopatologias, pouca afetividade, sem disponibilidade e motivação para mudança não estão indicadas, e posteriormente ao resultado da avaliação como positiva, acontecerá o fechamento do contrato terapêutico.

O psicoterapeuta necessitará exercitar sua sensibilidade, criatividade e sua habilidade empática na construção do vinculo com a pessoa e “entrar” em seu mundo existencial para percebê-la e compreendê-percebê-la em sua totalidade, não apenas em seu sintoma. Ribeiro preconiza que “a grande arte da psicoterapia de curta duração é funcionar, agindo imediatamente na totalidade a partir das informações mandadas pelo sintoma, não o perdendo de vista” (p.143)

Esta pesquisa-intervenção de base qualitativa se vale do estudo de caso. Através da psicoterapia de um casal, problematizamos a violência domestica de cunho sexual. O marido provocou o sofrimento psicológico à esposa. Assim, utilizamos a psicoterapia breve, realizando entrevistas individuais e com o casal, durante um período de seis meses para através das intervenções, ampliar a compreensão do vivido pelos participantes, e ao mesmo tempo, verificar a eficácia da psicoterapia breve.

Até o momento, já foram realizadas 5 entrevistas: 4 individuais e uma com o casal. Alguns resultados observados: a) para a esposa: há convicção da responsabilidade do marido, entretanto, ela condena-o pela “traição à minha confiança” ; b) para o esposo: admite seu crime, porém discorda da tipificação a que foi enquadrado pelo código penal; vivencia um acentuado quadro depressivo; c) para o casal) é forte a união do casal; há projetos de atualização da vida conjugal.

REFERÊNCIAS

ARENDT, H. A Condição Humana, São Paulo,Ed. Universidade São Paulo,1981.

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KIYAN, A. M. M. E a Gestalt Emerge: vida e obra de Frederick Perls.São Paulo,Editora Altana, 2001.

MINAYO, M. C. de S. e SOUZA, E. R. de.(Org.)Violência sob o Olhar da Saúde- a infrapolítica da contemporaneidade brasileira, Rio de Janeiro, Ed. Fiocruz,2003.

MINAYO, M. C. de S. Violência e Saúde, Rio de Janeiro, Ed. Fiocruz,2006.

MINISTÉRIO DA SAÚDE, Secretaria de Vigilância em Saúde. Impacto da Violência na Saúde dos Brasileiros, Brasília,2005.

PORTAL VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER – Direitos Humanos das Mulheres e Violência Contra as Mulheres: Avanços e Limites da Lei “Maria da Penha” – Cecília Macdowell Santos. RIBEIRO, J. P. Gestalt-Terapia: Refazendo um Caminho,São Paulo, Summus,1985.

RIBEIRO, J. P. Gestalt-Terapia de Curta Duração, São Paulo, Summus,1999.

YONTEF, G. M. Processo,Diálogo e Awareness- Ensaios em Gestalt-Terapia, São Paulo, Summus, 1998.

Referências

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