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Religião e consumo: um estudo comparativo entre mulheres de alta renda católicas e protestantes

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Academic year: 2021

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Religião e consumo:

um estudo comparativo entre mulheres de alta renda católicas e

protestantes

Aluno: Juliana Cintra Orientador: Everardo Rocha

Introdução

Este trabalho pretende analisar como as representações e práticas de consumo podem ser influenciadas pelas escolhas religiosas dos atores sociais. Para tanto, vamos investigar alguns dos significados que o consumo pode assumir para um grupo de mulheres de alta renda - católicas e protestantes - da cidade de Vitória, no Espírito Santo. Essa pesquisa procura entender como o fator religioso pode afetar as representações e as experiências concretas de consumo realizadas pelo grupo.

A religião católica surge no Império Romano e tem sua história intimamente ligada à história da civilização ocidental. Durante longos períodos, no entanto, os cristãos foram perseguidos, pois parte de sua doutrina entrava em contradição com muitas das imposições do império como, por exemplo, o politeísmo e o culto religioso ao soberano. No ano 313, com o Edito de Milão, o catolicismo deixou de ser proibido para, algum tempo depois, tornar-se religião oficial do Estado.

O Cristianismo não limitou sua hegemonia à Europa e, a partir das grandes navegações, no início da modernidade, a religião católica inicia seu processo de expansão pelo Novo Mundo, alcançando as mais diversas partes do globo. O Brasil, por exemplo, era, até o século XIX, uma nação com ampla predominância católica, mantendo, ainda nos dias de hoje, o maior número percentual de católicos do mundo. A hegemonia da Igreja Católica sofre, a partir do século XVI, o começo de uma significativa ameaça com o início do processo que se convencionou chamar de Reforma Protestante. Liderada por Martinho Lutero, a reforma ganhou força apoiada pelo cenário de crescimento de uma burguesia emergente e de uma Igreja Católica enfraquecida com casos de corrupção do clero e fiéis insatisfeit os. A reforma encontrou apoio tanto dos monarcas, que se interessaram por uma igreja menos detentora de bens e poderes, quanto de certas camadas da população, que buscava um acesso mais fácil ao divino - que não por indulgências, imagens de santos e pagamento de dízimos.

Desde a Antiguidade, a Igreja Católica, através de suas doutrinas e práticas, procurou orientar o modo de vida de seus fiéis com base em princípios que definiram regras, preceitos e normas que deviam ser perseguidos nas mais diversas esferas da experiência social. Na passagem da Idade Média para a Modernidade, a religião protestante criou uma ruptura no campo do Cristianismo propondo uma visão de mundo e ensinamentos diversos daqueles até então hegemônicos do Catolicismo. Uma das discrepâncias que se estabeleceu então entre as duas perspectivas - a católica e a protestante - dizia respeito às visões relativas à obtenção de lucro, à prática dos juros, ao viés produtivista e às relações de consumo. Nossa pesquisa procura captar, através de entrevistas com fiéis pertencentes aos dois grupos, as formas pelas

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quais a atividade religiosa praticada hoje em dia pode afetar certas representações e práticas de consumo.

Objetivos

O consumo é um fenômeno complexo e sobre ele incidem diferentes discursos que podem ser divididos em quatro tipos principais: o discurso hedonista no qual o consumo é visto como portador da felicidade, o discurso moralista que vê o consumo como culpado por muitos problemas sociais, o discurso utilitário que procura entender o consumo como forma de criar mais mercados e o discurso naturalista, que assume o consumo como algo próprio da natureza do ser humano. Em nossa pesquisa, tentaremos desenvolver uma visão cultural do consumo que, através de uma perspectiva mais antropológica, pretende estudar o consumo como fenômeno social, como processo de troca simbólica e como sistema de comunicação central na cultura moderno-contemporânea.

Uma vez que o fenômeno do consumo é um dos eixos constitutivos de nossa sociedade, e que, a partir de sua interpretação, se pode ter um caminho produtivo para melhor compreensão de nossa cultura e experiência de vida[2], esta pesquisa tem por objetivo fazer uma análise sobre a relação que os praticantes de diferentes religiões estabelecem com o consumo. Este estudo possibilitaria compreender o consumo como valor e sistema cultural, percebendo de que forma cada grupo dele se apropria para definir suas respectivas identidades, elaborar suas representações, atualizar seu modo de vida e realizar suas práticas.

Metodologia

Para a realização da pesquisa, foi usado o método qualitativo, com aplicação de entrevistas em profundidade, observação direta e análise do discurso. A partir de entrevistas em profundidade, foram analisados os discursos de mulheres católicas e protestantes de alta renda sobre sua relação com o consumo, totalizando oito entrevistas. A observação direta foi realizada nas próprias instituições religiosas, nas quais foram analisados o estilo - vestimentas, marcas de consumo e uso de tecnologias - e os discursos sobre o consumo das pessoas que frequentam estes espaços. Foi realizada também uma revisão bibliográfica inicial sobre temas relativos ao consumo, ao surgimento da modernidade e sobre as relações entre protestantismo e capitalismo.

O grupo de mulheres estudado pertence à elite oscile e econômica da cidade de Vitória. Vitória é a capital do Espírito Santo, estado da região Sudeste do Brasil. Com cerca de 327.801 habitantes [3], Vitória é uma das três ilhas-capital e detentora do maior PIB per capita entre as capitais do país. Segundo pesquisa recente do CPS/FGV [4], Vitória tem a terceira maior classe A do Brasil, sendo a segunda no ranking entre as capitais. As mulheres entrevistadas para este artigo se incluem nesta camada social, e serão caracterizadas por seu modo de consumo semelhante, ainda que fiéis de religiões diferentes. A relação de consumo de cada uma das entrevistadas será construída através de uma junção de características tais como: local onde mora, lojas onde mais consome, restaurantes que mais frequenta, marcas de automóveis que utiliza.

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O bairro onde se concentra maior número de integrantes da classe social A, em Vitória, é a Praia do Canto, sendo na Avenida Saturnino de Brito a concentração dos prédios de maior valor aquisitivo. Das oito mulheres entrevistadas, cinco moram nessa avenida, sendo outras duas residentes de ruas próximas. Quando questionadas a respeito dos restaurantes que frequentam com mais frequência, sete das oito mulheres tiveram como parte de sua listagem o restaurante Lareira Portuguesa, também localizado na Avenida Saturnino de Brito.

O local com maior concentração de bares, restaurantes e casas noturnas é chamado Triângulo das Bermudas e fica localizado na Praia do Canto. O trecho compreende duas das principais ruas da cidade e tem bastante movimento noturno, principalmente aos finais de semana. Na área de comércio, o principal shopping da cidade, Shopping Vitória, se destaca pelo grande número de lojas, de marcas variadas. O shopping possui restaurantes, cinema, área para crianças e lojas direcionadas a diversas classes, em especial à classe A. Próximo a áreas residenciais, o shopping mais frequentado da cidade tem seu movimento acentuado aos finais de semana e feriados. O centro da cidade, que fica cerca de 20 minutos de distância - de carro - dos bairros residenciais de Vitória, tem seu funcionamento ativo e abriga comércio movimentado e grande número de moradores. A classe A, porém, não costuma frequentar de maneira assídua o centro da cidade, que possui diversos patrimônios históricos, igrejas e teatros.

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Figura 2. Principal shopping da cidade, Shopping Vitória

Figura 3. Fachada do Restaurante Lareira Portuguesa

Conclusões

Nossa pesquisa indica que, de certa maneira, os discursos da informantes entrevistas refletem diferenças no imaginário sobre consumo que podem estar associados ao catolicismo e ao protestantismo. É evidentemente tratam-se percepções dessas informantes sobre o que é ser católico e ser protestante e não sobre a efetiva realidade teológica das duas religiões, pois esse é um tema que ultrapassa de muito as possibilidades desse trabalho. Assim, em termos gerais, se pode dizer que o protestantismo, desde que surgiu, sofreu adaptações em sua doutrina de acordo com os interesses dos locais nos quais se inseria. Foram criadas então três

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principais linhas protestantes: o calvinismo, o luteranismo e o anglicanismo. Em várias partes da Europa, nesses primeiros séculos de sua existência, o protestantismo encontrou terreno fértil, sustentando parte importante do desenvolvimento de uma classe burguesa ascendente com suas diretrizes intimamente ligadas ao produtivismo, com benefícios para essa visão burguesa tais como o trabalho como valor e a aceitação do lucro.

O protestantismo abriga em sua doutrina alguns princípios éticos qu e ressaltam a forte relação com o capitalismo. A ligação da religião com o trabalho e a incorporação de dogmas que tratam a obtenção de bens materiais como um sinal divino, por exemplo, fizeram com que houvesse uma relação estreita entre a prática protestante e o desenvolvimento do capitalismo [5]. Há, no imaginário dos praticantes da religião protestante, a ideia de que tudo que eles possuem são graças de Deus, inclusive o dinheiro, por isso não deve haver um temor de gastar, pois isto não seria pecado, pelo contrário. O consumo, se feito de maneira consciente, seria um benefício divino na visão protestante. Esse viés do protestantismo aponta na direção também do que pode ser identificado como uma teologia da prosperidade na qual a obtenção e posse de bens de consumo são parte integrante e visível das boas relações e das graças divinas.

A prática da usura é condenada pelo catolicismo na Idade Média, pois a multiplicação dos bens sem exercício de trabalho é julgada contrária à lei divina e natural [6]. Além da questão da usura, a própria busca desmedida de lucro, uma exagerada ênfase nele como centro do projeto existencial e sua obtenção sem a devida parcimônia, não é algo visto positivamente. Alguns reflexos dessas ideias e desse imaginário foram percebidos nos discursos dos informantes praticantes do catolicismo nos quais se pode perceber a presença de um certo sentimento de culpa ao falar a respeito de suas práticas de consumo [7].

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Figura 5. Igreja Católica mais frequentada pela elite capixaba

A partir da análise do discurso das oito entrevistas em profundidade com mulheres de alta renda - quatro com fiéis da religião protestante e quatro com católicas, todas moradoras da cidade de Vitória, no Espírito Santo - foi possível constatar a diferença entre as percepções do consumo nos dois grupos religiosos. A divergência entre eles acontece, dominantemente, no âmbito do discurso e não no âmbito das práticas e hábitos de consumo. Seus discursos revelam diferenças, porém suas prática são muito aproximadas. As escolhas religiosas podem aparecer refletidas nas representações que as entrevistadas possuem sobre o consumo - suas “falas” refletem algo dos respectivos “imaginários religiosos” -, porém, suas práticas de consumo são muito semelhantes. Isto quer dizer que elas são muito próximas quando se trata de consumir os melhores produtos e serviços que suas amplas possiblidades econômicas permitem comprar. Assim, foi possível constatar que as mulheres, tanto católicas quanto protestantes, possuem bens de luxo, como carros importados (ou nacionais mais caros), frequentam restaurantes finos, vestem-se com roupas de estilistas famosos, lojas de luxo ou grifes importadas, possuem tecnologias de ponta (celulares, home theaters, televisões), entre outros bens de consumo. Do outro lado, - no plano discursivo - elas parecem se diferenciar em termos maior ou menor sensação de culpa pela compra e uso de bens de consumo ou por darem mais ou menos importância ao consumo de exibição. Porém, predomina nas práticas a realidade de que, uma vez que todos são membros de uma elite econômica, os bens de consumo são marcadores de classe social capazes de aproximar ou distanciar pessoas, servindo tanto como “cerca”, quanto como “ponte” [8]. Assim, para o grupo, o consumo atua como marcador de diferenças socioeconômicas mais do que religiosas.

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Figura 6. Seis das oito entrevistadas possuem iPhone 4S

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Figura 8. Mercedes Benz Classe C esteve entre os carros favoritos da elite capixaba

Finalmente, em relação ao comportamento de consumo de mulheres integrantes de diferentes religiões de uma mesma elite socioeconômica, a chamada classe A, notou-se que as semelhanças preponderaram sobre as diferenças. Foram percebidas poucas diferenças entre a importância atribuída e o uso objetivo de determinados bens de consumo relacionada com a religiosidade, ou seja, não há mudanças muito significativas no simbolismo atribuído aos produtos e serviços pelas mulheres de diferentes religiões. A partir de entrevistas em profundidade foi possível observar também que a diferença entre as religiões se reflete mais acentuadamente nos discursos e nas ideologias que as informantes expressam em relação ao próprio fenômeno do consumo do que nos hábitos de consumo em si, muito semelhantes em diversos aspectos.

Referências

1 - ROCHA, E. Culpa e prazer: imagens do consumo na cultura de massa. In: Comunicação, Mídia e Consumo. São Paulo. Vol. 2 N. 3. P.1 23-138. Março de 2005

2 - ROCHA, E. Magia e Capitalismo: Um estudo antropológico da publicidade. São Paulo: Brasiliense, 1990.

3 - IBGE, 2010. Contagem Populacional de 2010. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, dados referentes ao município de Vitória, fornecidos em meio eletrônico.

Disponível em: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1

4 - STORANI, Lorena. Vitória: cidade classe A do Espírito Santo. Revista ES Brasil, número 72, página 40-42, julho de 2011.

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5 - WEBER, Max. A Ética protestante e o Espírito do Capitalismo. Tradução de Pietro Nasseti. São Paulo: Martin Claret, 2005.

6 - LE GOFF, Jacques. A bolsa e a vida: economia e religião na Idade Média; Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.

7 – MARTINEZ, Claudio Alvarez. Os paradoxos do consumo: um estudo sobre os jovens católicos da Zona Sul do Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: COPPEAD/UFRJ, 2002. 113p.

8 - DOUGLAS, M. e ISHERWOOD, B. O mundo dos bens: para uma antropologia do consumo. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2004. 304p

http://www.cps.fgv.br/cps/brics/ PESQUISA

Referências

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