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Natureza da ciência nas pesquisas sobre controvérsias sociocientíficas : o estado do conhecimento no contexto brasileiro

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Academic year: 2021

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CARLA KRUPCZAK

NATUREZA DA CIÊNCIA NAS PESQUISAS SOBRE CONTROVÉRSIAS SOCIOCIENTÍFICAS: O ESTADO DO CONHECIMENTO NO CONTEXTO

BRASILEIRO

CURITIBA

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NATUREZA DA CIÊNCIA NAS PESQUISAS SOBRE CONTROVÉRSIAS SOCIOCIENTÍFICAS: O ESTADO DO CONHECIMENTO NO CONTEXTO

BRASILEIRO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e em Matemática, Setor de Ciências Exatas, da Universidade Federal do Paraná, como requisito parcial à obtenção de título de mestre em Educação em Ciências e em Matemática.

Orientadora: Profª Drª Joanez Aparecida Aires

CURITIBA

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Dedico esta dissertação à minha mãe e irmã, que me ajudaram durante toda a minha vida. Também dedico às pessoas que lutam pela Educação Pública de qualidade.

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Começo agradecendo à minha mãe e irmã, que são a minha família e as duas pessoas mais importantes da minha vida. Obrigada por todo o suporte, atenção, cuidado e compreensão que tiveram comigo. Foram vocês que sonharam junto comigo e me ajudaram a tornar tudo realidade.

Agradeço imensamente à minha orientadora Profa. Dra. Joanez Aparecida Aires por todo o cuidado, respeito e orientação que dedicou a mim. Aprendi muito e acredito que conseguimos realizar um bom trabalho dentro de nossas limitações. É uma honra ter sido sua aluna.

Meu muito obrigada ao Prof. Dr. Pedro Guilherme Rocha dos Reis e à Profa. Dra. Noela Invernizzi Castillo pelas contribuições dadas na banca de qualificação. Também agradeço por aceitarem novamente ser a banca desta defesa, sinto-me agraciada por contar com a presença dos senhores. Agradeço o tempo despendido em ler esta pesquisa e todas as contribuições e sugestões.

Agradeço também à Universidade Federal do Paraná e ao Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e em Matemática por terem aberto as portas para mim. A UFPR tem um lugar especial em meu coração, foi a universidade onde me formei e onde evolui muito com as oportunidades que recebi. Sou muito grata a todos os professores com quem tive aula no PPGECM, as aulas eram muito boas e estimulantes.

Minha gratidão aos colegas de turma e de grupo, com quem dividi momentos de aprendizado e amizade. Agradeço também aos meus amigos de todos os lugares e ocasiões, os quais foram determinantes em muitas situações me estimulando a continuar e me apoiando.

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Um dos objetivos do Ensino de Ciências é formar cidadãos cientificamente alfabetizados e preparados para tomar decisões em assuntos envolvendo a ciência e a tecnologia. Para alcançá-lo, os estudantes precisam, além de entender os conceitos científicos, compreender as relações existentes entre a ciência, tecnologia e sociedade, bem como sobre a construção do conhecimento científico, ou seja, sobre Natureza da Ciência (NdC). Existem na literatura diversas propostas didáticas e abordagens específicas que visam esses objetivos de formação cidadã e, uma dessas, envolve a discussão de Controvérsias Sociocientíficas (CSC). Atividades envolvendo CSC têm potencial para facilitar o entendimento da NdC em sala de aula. Em função disso, o objetivo desta pesquisa é analisar se e como a NdC está sendo discutida nas pesquisas brasileiras sobre CSC. Para tanto, foi realizado um estudo de natureza quantiqualitativa, do tipo estado do conhecimento. Os dados foram constituídos a partir do Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES. Buscaram-se as teses e dissertações que versavam sobre CSC defendidas até 2017 em programas de pós-graduação das áreas de Educação e Ensino, sendo encontradas 69 pesquisas, entre teses e dissertações, as quais foram interpretadas por meio da Análise Textual Discursiva. Os resultados indicaram que a produção acadêmica sobre as CSC ainda é recente no Brasil e está concentrada na região sudeste. Além disso, foram constatadas três principais lacunas: existem pouquíssimas propostas e estudos relativos ao Ensino Fundamental e EJA, de cunho teórico e de realização de projetos que envolvam a comunidade externa à escola. Em relação à NdC, percebeu-se que essa é pouco explorada nas teses e dissertações sobre CSC. Além disso, quando a NdC aparece nos trabalhos, isso é feito de forma simplificada e abordando apenas alguns aspectos da ciência. Os dois aspectos mais presentes relativos à NdC, são a não neutralidade da ciência frente aos conflitos sociais, políticos, econômicos e morais e o caráter histórico e dinâmico do conhecimento. Apenas quatro teses e dissertações tinham como objetivo principal discutir e/ou analisar e/ou estimular o entendimento sobre a NdC no contexto das CSC. Dessas, apenas uma se constituía em sequência didática para o Ensino Médio.

Palavras-chave: Controvérsias Sociocientíficas. Natureza da Ciência. Estado do Conhecimento.

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One of the goals of science education is to educate citizens who are scientifically literate and prepared to make decisions in matters involving science and technology. For this, students need, in addition to understanding the scientific concepts, to understand the existing relationships between Science, Technology and Society and the construction of scientific knowledge, ie the Nature of Science (NOS). There are several didactic proposals and specific approaches in the literature aimed at these objectives of citizen formation and one of these involves the discussion of Socioscientific Issues (SSI). Activities involving SSI have the potential to facilitate understanding of NOS in the classroom. Because of this, the objective of this research is to analyze if and how NOS is being discussed in Brazilian research on SSI. Thus, a quantiqualitative study of the state of knowledge type was performed. The data was constituted in the CAPES Catalog of Theses and Dissertations. We sought the theses and dissertations that dealt with SSI defended until 2017 in postgraduate programs in the areas of Education and Teaching, and found 69 theses and dissertations, which were interpreted through Discursive Textual Analysis. The analyzes indicated that the academic production about the SSI is still recent in Brazil and is concentrated in the southeast region of the country. In addition, several gaps were found: there are very few proposals and studies related to elementary school and Youth and Adult Education, with a theoretical nature and projects involving the community outside the school. Regarding the NOS it was noticed that it is little explored in the theses and dissertations about SSI. In addition, when NOS appears in work, it is done in a simplified way and covering only some aspects of science. The two most common aspects are the non-neutrality of science in the face of social, political, economic and moral conflicts and the historical and dynamic character of knowledge. Only four theses and dissertations had as main objective to discuss and/or analyze and/or stimulate the understanding about the NOS in the context of the SSI. Of these, only one was a didactic sequence for high school.

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QUADRO 1 - DIMENSÕES DE ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA DE DIFERENTES AUTORES ... 21

FIGURA 1 - PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DA

ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA ... 21 QUADRO 2 - HABILIDADES DOS ALFABETIZADOS

CIENTIFICAMENTE... 23 QUADRO 3 - ASPECTOS DAS RELAÇÕES CTS ... 37 QUADRO 4 - HABILIDADES ESTIMULADAS PELA DISCUSSÃO DE

CSC... 71 QUADRO 5 - DIFICULDADES PARA O USO DE CSC EM AULA... 78

FIGURA 2 - PLANOS DE INTEGRAÇÃO ENTRE PESQUISA

QUALITATIVA E QUANTITATIVA ... 90 QUADRO 6 - TESES E DISSERTAÇÕES UTILIZADAS NESTE ESTADO

DO CONHECIMENTO ... 99 FIGURA 3 - DISTRIBUIÇÃO DAS TESES E DISSERTAÇÕES SOBRE

CSC CONFORME O ANO DE DEFESA ... 109 FIGURA 4 - DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL DAS TESES E

DISSERTAÇÕES SOBRE CSC POR REGIÃO DO BRASIL 110

FIGURA 5 - CRESCIMENTO ANUAL DO NÚMERO DE MATRÍCULAS

DE MESTRADO (SOMADAS AS DE MESTRADO ACADÊMICO E PROFISSIONAL) E DE DOUTORADO, OFERECIDAS PELOS PROGRAMAS DE

PÓS-GRADUAÇÃO DA ÁREA DE ENSINO POR REGIÃO

BRASILEIRA ... 111 FIGURA 6 - NÍVEIS DE ENSINO ABORDADOS NAS TESES E

DISSERTAÇÕES SOBRE CSC ... 112 QUADRO 7 - TIPOS DE CSC PRESENTES NAS TESES E

DISSERTAÇÕES ... 114

QUADRO 8 - DESCRIÇÃO E QUANTIDADE DOS FOCOS TEMÁTICOS

DAS TESES E DISSERTAÇÕES SOBRE CSC ... 115 FIGURA 7 - DISTRIBUIÇÃO POR ANO DE DEFESA DAS TESES E

DISSERTAÇÕES SOBRE CSC COM FOCO NA

FORMAÇÃO DE PROFESSORES ... 116 QUADRO 9 - DESCRIÇÃO E QUANTIDADE DAS CATEGORIAS DE

ATIVIDADES DESENVOLVIDAS NAS TESES E DISSERTAÇÕES SOBRE FORMAÇÃO DE

PROFESSORES... 116 FIGURA 8 - DISTRIBUIÇÃO POR ANO DE DEFESA DAS TESES E

DISSERTAÇÕES QUE ABORDAM ESTRATÉGIAS

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QUADRO 10 - CONTEÚDOS ENSINADOS NAS SD ENVOLVENDO CSC. 121 QUADRO 11 - OBJETIVOS DE ANÁLISE DAS TESES E

DISSERTAÇÕES DO FOCO TEMÁTICO ESTRATÉGIAS

DIDÁTICAS NO ENSINO BÁSICO ... 122

QUADRO 12 - OS DEZ AUTORES, QUE PESQUISAM AS CSC, MAIS CITADOS NAS TESES E DISSERTAÇÕES ... 125

QUADRO 13 - DESCRITORES ESPECÍFICOS ... 132

QUADRO 14 - CLASSIFICAÇÃO DAS TESES E DISSERTAÇÕES ENTRE OS DESCRITORES ESPECÍFICOS DE VISÕES DEFORMADAS DE CIÊNCIA E DE ENFRENTAMENTO DESCRITAS NO QUADRO 13 ... 133

QUADRO 15 - REUNIÕES DO PEQUENO GRUPO DE PESQUISA... 144

QUADRO 16 - ABORDAGEM DA NDC UTILIZADA EM D10... 145

QUADRO 17 - ABORDAGEM DA NDC UTILIZADA EM D10... 145

QUADRO 18 - ABORDAGEM DA NDC UTILIZADA EM D10... 146

QUADRO 19 - ABORDAGEM DA NDC UTILIZADA EM D10... 147

QUADRO 20 - ASPECTOS DA NDC DE CADA AULA... 150

QUADRO 21 - ATIVIDADES DESENVOLVIDAS NAS AULAS DA DISCIPLINA OPTATIVA DE T11... 153

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AC - Alfabetização Científica

ACT - Alfabetização Científica e Tecnológica ATD - Análise Textual Discursiva

CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CSC - Controvérsias Sociocientíficas

CTS - Ciência-Tecnologia-Sociedade

CTSA - Ciência-Tecnologia-Sociedade-Ambiente DDT - Diclorodifeniltricloroetano

EJA - Educação de Jovens e Adultos Enem - Exame Nacional do Ensino Médio

ENPEC - Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências NdC - Natureza da Ciência

PNLD - Plano Nacional do Livro Didático PPG - Programa de Pós-graduação SD - Sequência didática

UFABC - Universidade Federal do ABC

Unesp - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho VNOS - Views of Nature of Science Questionnarie

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1 INTRODUÇÃO ... 10

2 POR QUE APRENDER/ENSINAR CIÊNCIAS? ... 15

2. 1 ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA ... 18

2. 1. 1 Características do desenvolvimento da Alfabetização Científica ... 22

2. 1. 2 A Alfabetização Científica nos Currículos de Ciências ... 24

2. 2 EDUCAÇÃO CIÊNCIA-TECNOLOGIA-SOCIEDADE ... 28

2. 2. 1 Currículo CTS ... 30

2. 2. 2 A Ciência, a Tecnologia e a Sociedade e suas relações na Educação CTS ... 33

3 A COMPREENSÃO DA NATUREZA DA CIÊNCIA ... 39

3. 1 COMPREENSÕES POUCO ELABORADAS SOBRE A NATUREZA DA CIÊNCIA NO CONTEXTO DO ENSINO DE CIÊNCIAS ... 44

3. 2 VISÕES CONTEXTUALIZADAS SOBRE A NATUREZA DA CIÊNCIA NO CONTEXTO DO ENSINO DE CIÊNCIAS ... 47

3. 3 A ABORDAGEM DA NATUREZA DA CIÊNCIA NO ENSINO DE CIÊNCIAS ... 56

4 DISCUSSÃO SOBRE CONTROVÉRSIAS SOCIOCIENTÍFICAS: O ENSINO DE CIÊNCIAS E A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA ... 65

4. 1 A EXPERIÊNCIA EDUCATIVA DA DISCUSSÃO ... 65

4. 2 O QUE SÃO CONTROVÉRSIAS SOCIOCIENTÍFICAS ... 68

4. 3 VANTAGENS EDUCATIVAS DA DISCUSSÃO SOBRE CONTROVÉRSIAS SOCIOCIENTÍFICAS ... 71

4. 4 DESAFIOS DA DISCUSSÃO DE CONTROVÉRSIAS SOCIOCIENTÍFICAS ... 76

4. 5 A ABORDAGEM DE CONTROVÉRSIAS SOCIOCIENTÍFICAS ... 79

5 CAMINHO METODOLÓGICO DA PESQUISA ... 89

5. 1 NATUREZA DA PESQUISA: QUANTIQUALITATIVA ... 89

5. 2 METODOLOGIA DA PESQUISA: ESTADO DO CONHECIMENTO... 92

5. 3 CONSTITUIÇÃO DOS DADOS ... 97

5. 4 ANÁLISE DOS DADOS: A ANÁLISE TEXTUAL DISCURSIVA ... 105

6 AS PESQUISAS BRASILEIRAS QUE ABORDAM AS CONTROVÉRSIAS SOCIOCIENTÍFICAS ... 109

6. 1 ANÁLISE DOS DESCRITORES GERAIS ... 109

6. 2 ANÁLISE DOS DESCRITORES ESPECÍFICOS ... 115

6. 2. 1 Formação de Professores ... 115

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6. 2. 5 Análise de Material ... 126

6. 3 CONSIDERAÇÕES GERAIS DO CAPÍTULO ... 128

7 A NATUREZA DA CIÊNCIA NAS PESQUISAS SOBRE CONTROVÉRSIAS SOCIOCIENTÍFICAS ... 130

7. 1 AS VISÕES DE CIÊNCIA PRESENTES NAS TESES E DISSERTAÇÕES ... 132

7.2 AS TESES E DISSERTAÇÕES COM ENFOQUE NA NATUREZA DA CIÊNCIA ... 142

7. 2. 1 Dissertação 10 ... 143

7. 2. 2 Dissertação 23 ... 148

7. 2. 3 Tese 9 ... 150

7. 2. 4 Tese 11 ... 152

7. 3 CONSIDERAÇÕES GERAIS DO CAPÍTULO ... 154

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 155

8.1 RESPOSTAS ÀS QUESTÕES ORIENTADORAS DESTA INVESTIGAÇÃO ... 155

8.2 REFLEXÕES PESSOAIS E DESAFIOS ... 157

8.3 SUGESTÕES PARA ESTUDOS FUTUROS... 158

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1 INTRODUÇÃO

O período entre os séculos XVIII e XX foi de grande avanço científico e tecnológico. Podemos citar a Teoria da Relatividade, a Teoria Quântica, o entendimento do DNA, a Teoria da Evolução Darwinista, a Teoria Atômica, o desenvolvimento da internet e dos meios de comunicação, as vacinas e antibióticos, a fabricação dos aviões, os computadores e celulares, a viagem do ser humano à lua, a criação do rádio e da televisão, a elaboração de tecidos sintéticos, a clonagem de seres vivos, entre muitos outros. Com isso, as pessoas desenvolveram imagens sobre a ciência e a tecnologia.

Pesquisa realizada pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos revela que 73% dos brasileiros defendem que a ciência e tecnologia trazem só benefícios ou mais benefícios do que malefícios (CGEE, 2019). A pesquisa foi realizada com duas mil e duzentas pessoas entre 16 e 75 anos de todo o país e, 90% deles defendem que o governo deve aumentar ou manter os investimentos na área, mesmo em tempos de crise econômica. Além disso, 41% dos entrevistados descrevem os cientistas como pessoas inteligentes que fazem coisas úteis para a humanidade. Entretanto, apenas um em cada dez entrevistados soube citar o nome de algum cientista ou instituição brasileira que faz pesquisa. Adicionalmente, a investigação mostrou que, apesar da população ter interesse na ciência e tecnologia, a maioria não entende conceitos considerados básicos. Por exemplo, boa parte dos entrevistados disse que a saúde é um tema relevante e que tem interesse nela. Mas, 78% acredita que a função dos antibióticos é matar vírus. Ademais, as principais fontes de informação sobre ciência e tecnologia são a televisão e as redes sociais. No entanto, 83,3% das pessoas concordam (total ou parcialmente) que a população deve ser ouvida nas grandes decisões sobre o rumo da ciência e tecnologia.

Esses dados permitem perceber que, em função da melhora na qualidade de vida gerada pela ciência e tecnologia, pelo menos para parte da população, criou-se uma imagem positiva da ciência. No entanto nem sempre a população entende como a ciência e a tecnologia se desenvolvem e quais são seus efeitos e consequências. Essa compreensão mais restrita acaba contribuindo, algumas vezes, para que grupos poderosos consigam ‘fabricar’ controvérsias públicas com o intuito de proteger interesses particulares, técnica conhecida como junk science. Essa

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técnica consiste na tentativa deliberada de desqualificar pesquisas científicas para tentar evitar que sejam provados danos causados por um produto (MICHAELS; MONFORTON, 2005).

Michaels e Monforton (2005) trazem como um exemplo de junk science o caso da indústria do tabaco. Diversos cientistas realizaram estudos sérios que mostraram que o fumo estava relacionado com o câncer de pulmão e doenças cardiovasculares em fumantes ativos e passivos. Na década de 1950 existia um consenso científico sobre esse tema. No entanto, as empresas produtoras de cigarros contrataram cientistas para mostrar o contrário. Esses cientistas indicavam que os dados em humanos não eram representativos, que pesquisas em animais não eram relevantes ou confiáveis e que os métodos eram falhos e contraditórios. Ou seja, buscavam formas de desqualificar as pesquisas já realizadas. Assim, criou-se um clima de dúvida em relação aos efeitos do tabaco e adiou-criou-se por décadas regulamentações, campanhas de conscientização e indenização de vítimas. Outros casos parecidos ocorreram com o amianto e o uso de chumbo em tintas e gasolina, acontecendo atualmente com o uso de agrotóxicos, por exemplo. Inclusive, na pesquisa supracitada realizada pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE, 2019), 87% dos brasileiros se declararam preocupados ou muito preocupados com o uso de agrotóxicos na agricultura.

No entanto, apesar dos brasileiros dizerem-se preocupados com o uso de agrotóxicos, poucos são os que participam das discussões públicas. Por exemplo, em 2019 a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) abriu uma consulta pública sobre o uso de glifosato, o agrotóxico mais usado no Brasil. De todos os milhões de habitantes do país, apenas 4591 brasileiros responderam a pesquisa (ANVISA, 2019).

O tema supra citado é um exemplo de Controvérsia Sociocientífica (CSC). Segundo, Kolsto (2001) essas são questões que envolvem a ciência e a tecnologia e suas relações com a sociedade, incluem disputas entre grupos e aparecem frequentemente nos meios de comunicação. Reis (2006) acrescenta que as CSC dividem a sociedade, podem ser analisadas por diferentes perspectivas e podem ser resolvidas de diversas formas. Outros exemplos de CSC, que também foram citadas pelos brasileiros como assuntos preocupantes na pesquisa do CGEE (2019), são as mudanças climáticas, danos ao ambiente causados pela mineração, alimentos

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geneticamente modificados e uso de energia nuclear. É importante que a população participe da discussão e tomada de decisão desses assuntos.

Diante desse cenário, a Educação em Ciências revela-se importante como potencial formadora de cidadãos mais conscientes e preparados para entender como a ciência e a tecnologia se relacionam e afetam a sociedade e problematizar situações como as mencionadas acima. Por isso, uma das finalidades da Educação Científica atualmente é a Alfabetização Científica, a qual visa que os estudantes: (i) entendam os conceitos científicos mais gerais, (ii) como se dá a construção desses conhecimentos e (iii) os efeitos da ciência e da tecnologia na sociedade (SASSERON; CARVALHO, 2011). Com isso, espera-se formar cidadãos capazes de tomar decisões fundamentadas e conscientes nos assuntos que envolvem ciência e tecnologia, sem se deixarem enganar por técnicas como o junk science.

Pensando nisso, o Ensino de Ciências teria, dentro do objetivo mais amplo relacionado à Alfabetização Científica, um objetivo específico relacionado à compreensão da Natureza da Ciência (NdC). A NdC diz respeito à epistemologia da ciência, ou seja, entender como ocorre a construção do conhecimento científico, seu estabelecimento e organização. Isso pode abranger aspectos internos, como os métodos experimentais e de observação adotados, e externos, como questões sociais, culturais, políticas ou econômicas (MOURA, 2014).

Uma das maneiras de estimular a discussão sobre a NdC nas aulas de ciências é utilizar as CSC. Pois, elas podem servir de contexto para discutir os aspectos da construção do conhecimento científico. Pensando nisso, o problema desta pesquisa corresponde a seguinte questão: Como a NdC está sendo discutida nas pesquisas brasileiras sobre CSC?

Esta pesquisa é importante porque a discussão sobre CSC e sobre a NdC contribui para a prática profissional de professores e também minha, enquanto autora desta pesquisa, que leciona a disciplina Química. Afinal, durante toda a minha formação na educação básica sempre tive aulas tradicionais, nas quais o docente expõe o conteúdo, os alunos copiam, decoram e fazem a prova escrita, na qual são cobrados os assuntos decorados. Nunca tive atividades de discussão, aulas experimentais ou avaliações que não fossem provas ou trabalhos escritos, no máximo uma vez ou outra fazíamos apresentações orais.

Durante minha graduação em Química as metodologias não mudaram muito e isso me preocupava como futura professora que gostaria de ser. Mas, pelo fim do

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curso, fiz uma disciplina onde tomei contato com a discussão sobre a NdC e quando comecei a trabalhar como professora percebi que os alunos tinham visões pouco elaboradas a respeito de como ocorre o desenvolvimento científico, quem são, como são e como trabalham os cientistas. Essas observações deram início às minhas reflexões sobre a necessidade de abordar a NdC durante as aulas e como abordá-la. Em outra disciplina da graduação e, por indicação da orientação, li um artigo do pesquisador português Pedro Reis e conheci as CSC. Estas se mostraram opções para discutir a NdC na qual eu já estava pensando. Todos esses aspectos impulsionaram meu interesse na realização desta pesquisa.

O objetivo geral desta investigação consiste em analisar como a NdC está sendo discutida nas pesquisas brasileiras sobre CSC. Para tanto, os objetivos específicos são:

a) Caracterizar as discussões teóricas acerca das CSC e da NdC na área de Educação em Ciências.

b) Mapear as teses e dissertações cujo escopo são as CSC no Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) desde sua criação em 1987 até 2017.

c) Entender como as CSC estão sendo abordadas nas teses e dissertações.

d) Analisar as tendências e abordagens da NdC nas pesquisas sobre CSC. e) Discutir a relevância da NdC e das CSC para a Educação em Ciências. Para responder ao problema de pesquisa foi realizada uma pesquisa de natureza quantiqualitativa, do tipo estado do conhecimento. Os dados foram constituídos a partir do Banco de Teses e Dissertações da CAPES, desde sua criação em 1987 até 2017. A análise dos dados foi realizada usando a Análise Textual Discursiva.

De modo a alcançar os objetivos anteriormente descritos, o presente trabalho está organizado em seis capítulos, fora este de introdução.

No Capítulo Dois apresentamos uma discussão sobre um dos objetivos da Educação em Ciências: a Alfabetização Científica. Neste trazemos as definições de AC presentes na literatura, suas etapas e as formas de identificar se um indivíduo está sendo alfabetizado cientificamente. Também discutimos as relações entre Ciência-Tecnologia-Sociedade (CTS), pois essa é também um dos objetivos específicos da Alfabetização Científica.

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No Capítulo Três discorremos sobre NdC, uma vez que essa corresponde ao terceiro aspecto da AC. Também discutimos a presença da NdC nos currículos de ciências e algumas das propostas existentes para abordá-la em sala de aula.

No Capítulo Quatro trazemos as CSC, abordando conceitos, vantagens e dificuldades de seu uso didático, tendo em vista que correspondem a uma das formas de discutir a NdC nas aulas de ciências. Trazemos também um olhar para sua presença ou não nos currículos e, algumas formas de discuti-las nas aulas de ciências.

O quinto capítulo trata do caminho metodológico da pesquisa, no qual explicamos, justificamos e referenciamos os métodos usados para constituir e analisar os dados.

No Capítulo Seis trazemos a análise das teses e dissertações sobre CSC, onde são discutidas as tendências e abordagens relacionadas com as CSC nas pesquisas e a relevância dessas para a Educação em Ciências.

No Capítulo Sete discutimos a abordagem da NdC nas pesquisas sobre CSC. Por fim apresentamos as conclusões.

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2 POR QUE APRENDER/ENSINAR CIÊNCIAS?

No contexto mundial atual a influência e popularidade da ciência vem aumentando significativamente, o desenvolvimento científico e tecnológico trouxe inúmeras melhorias à vida das pessoas nas últimas décadas, assim como problemas ao ambiente, o investimento em educação e divulgação científica também vem aumentando (REIS, 2009). Consequentemente, as pessoas encontram diariamente situações em que é necessário ter algum conhecimento científico (LINHARES; REIS, 2009). Estudos mostram que a maioria da população se interessa e tem uma visão positiva e otimista em relação à ciência (EUROPEAN COMMISSION, 2005).

Todavia, a maioria dos cidadãos tem poucos conhecimentos sobre o funcionamento da ciência e os meios de comunicação a apresentam de forma sensacionalista. Além disso, os cidadãos não participam de forma democrática na tomada de decisões dentro da ciência, onde se dá muita importância aos especialistas. Do mesmo modo, falta o controle da população sobre certos ramos das pesquisas. Todos estes fatores, somados a alguns efeitos indesejados e negativos da ciência e da tecnologia, tem feito com que uma parte da população venha perdendo a confiança na ciência, o que fortalece crenças pseudocientíficas (REIS, 2009).

De acordo com Linhares e Reis (2009) para um indivíduo participar de forma plena da sociedade ele precisa compreender a ciência e a tecnologia. Reis (2006) coloca que isto torna-se visível nos currículos escolares e em outras iniciativas de popularização da ciência, como revitalização de museus, organização de feiras de exposições e a maior recorrência do tema nos meios de comunicação. Assim, as sociedades têm buscado a ampliação da educação científica. As razões para tal busca são as mais variadas, dependendo dos setores da sociedade, contexto social, econômico e político da época.

Reis (2006) defende que existem cinco principais argumentos para justificar o ensino e a educação científica, que são: econômicos, morais, utilitários, culturais e democráticos. Segundo o autor, o argumento econômico afirma que o Ensino de Ciências deve garantir a formação constante de engenheiros e cientistas, que realizam o desenvolvimento tecnológico do país. Nessa perspectiva devem-se selecionar os alunos mais aptos a seguir a carreira científica, fazendo uma pré-formação profissional. Esta justificativa é considerada pouco adequada, pois é

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bastante capitalista, a qual vê a ciência apenas como forma de lucrar e o aluno como ‘mini cientista’ que precisa ser formado para trabalhar nesta mesma lógica. No entanto, a educação científica não pode ser realizada apenas pensando nisto, afinal nem todos os alunos tem interesse em tornarem-se cientistas e para estes estudantes as aulas de ciências se tornariam inúteis. Paralelamente, apenas os conhecimentos específicos não são garantia suficiente de que os alunos vão querer ser cientistas.

Reis (2006) afirma que a justificativa moral diz que a educação científica aproxima o aluno de normas, obrigações morais e princípios éticos que existem na ciência e que são úteis à sociedade. Este argumento também não é considerado uma motivação apropriada, porque julga que a ciência é sempre correta, moral e ética.

A justificativa utilitária, de acordo com Reis (2006), defende que as aulas de ciências devem preparar as pessoas para ter experiências informadas no mundo natural e no uso de tecnologias (por exemplo, sobre eletricidade e corpo humano), estar preparadas para resolver problemas da vida diária (como pensar e analisar dados) e ter atitudes úteis na vida e no trabalho (nomeadamente curiosidade e ceticismo). No entanto, este argumento também recebe algumas críticas, pois os artefatos tecnológicos hoje são muito simples de usar. A maioria deles requer capacidades mínimas, as pessoas não necessitam de conhecimentos científicos para usar uma máquina de lavar, celular ou gravadora de vídeo, por exemplo. Ademais, Reis (2004) coloca que as capacidades úteis ao mercado de trabalho estão sempre mudando, não sendo possível que os alunos desenvolvam todas as habilidades necessárias.

Ainda segundo Reis (2006) a justificativa cultural é a de que a ciência faz parte da cultura mundial e todo indivíduo bem informado precisa conhecer um pouco sobre sua história, o funcionamento do mundo natural e das tecnologias e de como os conhecimentos científicos se desenvolvem e agem sobre a sociedade. Porém, Reis (2004) afirma que o problema deste argumento é que por vezes a ciência é mostrada como um empreendimento que conduz inevitavelmente ao progresso e ao bem estar da população. Esta e outras visões estereotipadas da ciência serão discutidas em detalhes mais a frente, no capítulo 3 deste trabalho.

Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (BRASIL, 2000) e em sua publicação complementar (PCN+) (BRASIL, 2002) existe uma mistura entre a

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justificativa utilitária e a cultural. O que pode ser percebido, por exemplo, neste trecho:

Ao se denominar a área como sendo não só de Ciências e Matemática, mas também de suas Tecnologias, sinaliza-se claramente que, em cada uma de suas disciplinas, pretende-se promover competências e habilidades que sirvam para o exercício de intervenções e julgamentos práticos. Isto significa, por exemplo, o entendimento de equipamentos e de procedimentos técnicos, a obtenção e análise de informações, a avaliação de riscos e benefícios em processos tecnológicos, de um significado amplo para a cidadania e também para a vida profissional. Com esta compreensão, o aprendizado deve contribuir não só para o conhecimento técnico, mas também para uma cultura mais ampla, desenvolvendo meios para a interpretação de fatos naturais, a compreensão de procedimentos e equipamentos do cotidiano social e profissional, assim como para a articulação de uma visão do mundo natural e social (BRASIL, 2000, p. 6-7, grifo nosso).

Esses documentos consideram a ciência como uma construção humana, que forma uma cultura científica e tecnológica, resultado da evolução social.

A última justificativa, proposta por Reis (2006), é a democrática, a qual considera que a sociedade só será verdadeiramente democrática quando todos os cidadãos forem capazes de participar de forma crítica e reflexiva das discussões e tomadas de decisão sobre os assuntos científicos que afetem a sociedade. Sendo essa a função do ensino de ciências. Nesta dissertação, defendemos que esta é uma das principais razões pelas quais se deve ensinar ciências. Ou seja, defendemos que esse ensino deve ter sentido e utilidade para os alunos. Assim, concordamos com Fourez (2003, p. 110) que coloca:

Os alunos teriam a impressão de que se quer obrigá-los a ver o mundo com os olhos de cientistas. Enquanto o que teria sentido para eles seria um ensino de Ciências que ajudasse a compreender o mundo deles. Isto não quer dizer, absolutamente, que gostariam de permanecer em seu pequeno universo; mas, para que tenham sentido para eles os modelos científicos cujo estudo lhes é imposto, estes modelos deveriam permitir-lhes compreender a ‘sua’ história e o ‘seu’ mundo.

A sociedade só será verdadeiramente democrática quando os cidadãos sentirem-se preparados para tomar decisões relacionadas à ciência e tecnologia. A falta de compreensão pode levar as pessoas a se tornarem dependentes da opinião de especialistas. Os indivíduos devem estar conscientes das implicações de determinadas ações e usos, por exemplo, de alimentos geneticamente modificados, de hormônios em animais, construção de barragens, entre outros. De acordo com

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esta justificativa, o Ensino de Ciências deve promover o entendimento básico dos conceitos específicos, de como os cientistas trabalham e desenvolver criticidade para reconhecer potencialidades e limites do empreendimento científico (REIS, 2004). Assim, a principal função da Educação em Ciências é a formação cidadã do aluno para a ação e atuação em sociedade. Este objetivo tem sido buscado em todo o mundo e no Brasil e vem sendo chamado de Alfabetização Científica e Tecnológica, a qual será detalhada a seguir.

2. 1 ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA

O termo Alfabetização Científica (AC) surgiu oficialmente em 1958 no artigo de Paul Hurd intitulado ‘Scientific literacy: its meaning for American schools’. Desde então, o termo vem sendo usado para designar o objetivo do Ensino de Ciências e seu significado para os alunos. No entanto, o termo está em constante discussão e não existe uma definição exata do que é a AC, esta “[...] abarca um espectro bastante amplo de significados traduzidos através de expressões como popularização da ciência, divulgação científica, entendimento público da ciência e democratização da ciência.” (AULER; DELIZOICOV, 2001, p. 123).

Quanto à definição de AC, para Hurd (1998) “a alfabetização científica é vista como uma competência cívica exigida para o pensamento racional sobre a ciência em relação a problemas pessoais, sociais, políticos, econômicos e questões que provavelmente ocorrerão ao longo da vida.”1 (p. 410, tradução nossa). Na busca por explicar a AC Auler e Delizoicov (2001, p. 131) concebem-na como “a busca da compreensão sobre as interações entre Ciência-Tecnologia-Sociedade. [...] Por sua vez, tal aspecto remete à discussão sobre a dinâmica de produção e apropriação do conhecimento científico-tecnológico.” Já Sasseron e Carvalho afirmam que as ideias de AC:

[...] convergem para a cultura científica e suas especificidades. E assim como em qualquer outra cultura, entender quais suas regras e características para poder se comunicar com seus membros, exige que se tenha consciência de seus temas de interesse, de como tais temas foram trabalhados dentro da cultura, das relações existentes entre diferentes conhecimentos de seu escopo, além de perceber e reconhecer a estrutura por meio da qual se produz tais conhecimentos e que permite o

1 Scientific literacy is seen as a civic competency required for rational thinking about science in relation

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reconhecimento dos mesmos como próprios desta cultura (SASSERON; CARVALHO, 2011, p. 63).

Lorenzetti e Delizoicov (2001) entendem que a AC é uma atividade vitalícia, ou seja, que acontece do nascimento até a morte de uma pessoa, pois é “compreendida como o processo pelo qual a linguagem das Ciências Naturais adquire significados, constituindo-se um meio para o indivíduo ampliar o seu universo de conhecimento, a sua cultura, como cidadão inserido na sociedade.” (p. 52-53). Shen (1975) afirma que a AC está em tudo, desde conhecer os nutrientes presentes nos alimentos para manter uma alimentação saudável até perceber beleza nas leis da física. Chassot, em um pensar muito próximo de Shen coloca que:

[...] poderíamos pensar que alfabetização científica signifique possibilidades de que a grande maioria da população disponha de conhecimentos científicos e tecnológicos necessários para se desenvolver na vida diária, ajudar a resolver os problemas e as necessidades de saúde e sobrevivência básica, tomar consciência das complexas relações entre ciência e sociedade (CHASSOT, 2003, p. 97).

Existem diferenças até na forma de se referir à AC. Como já mencionado, o conceito surgiu inicialmente com Paul Hurd na forma em inglês Scientific Literacy. Posteriormente, surgiram as versões em espanhol Alfabetización Científica e francês

Alphabétisation Scientifique. Na tradução para o português surgiram três formas

diferentes de designar o ensino cujo objetivo seja o desenvolvimento de capacidades e competências que permitam a participação e entendimento de decisões da sociedade: ‘Letramento Científico’, ‘Alfabetização Científica’ e ‘Enculturação Científica’. Assim, entre os autores brasileiros pode-se encontrar qualquer uma das designações (SASSERON; CARVALHO, 2011). Ademais, no Brasil o termo foi ampliado para ‘Alfabetização Científica e Tecnológica’ (ACT), para englobar a tecnologia de forma mais explícita, esta é a expressão utilizada por autores como Auler e Delizoicov no conhecido artigo ‘Alfabetização científico-tecnológica pra quê?’ publicado em 2001 na Revista Ensaio.

Neste trabalho adotam-se as palavras ‘Alfabetização Científica’ porque os referenciais que estudamos utilizam esta expressão (como Sasseron e Carvalho, Shen, Hurd, Lorenzetti, Chassot, Miller...). Além disso, concordamos com a ideia de Sasseron e Carvalho (2011) de que “a alfabetização deve desenvolver em uma pessoa qualquer a capacidade de organizar seu pensamento de maneira lógica,

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além de auxiliar na construção de uma consciência mais crítica em relação ao mundo que a cerca” (p. 61). Além disso, destacamos que neste trabalho a AC é entendida em sua perspectiva ampliada (AULER; DELIZOICOV, 2001), ou seja, entendemos que a AC leva a uma leitura crítica do mundo, em consonância com o ensino libertador de Paulo Freire. Ou seja, “[...] corporifica-se a ideia da democratização da ciência e tecnologia como pré-requisito para o exercício da cidadania, da democracia.” (AULER; DELIZOICOV, 2001, p. 132).

Como vimos, apesar da falta de consenso restrito quanto a definição do que é a AC, esta ocorre em diversos vieses. Para Shen (1975) a AC existe em três formas: (i) prática: é a forma de AC que relaciona-se com os conhecimentos que podem ser aplicados rapidamente para resolver as necessidades humanas básicas, como comer; (ii) cívica: é a AC que forma cidadãos preparados para a tomada de decisão em assuntos relacionados com a ciência e a tecnologia numa sociedade democrática e (iii) cultural: ocorre quando o indivíduo adquiro o desejo e a curiosidade de aprender mais sobre assuntos que tem cunho científico e/ou tecnológico.

Outro autor que coloca que a AC tem diferentes vieses é Miller (1983), que define três dimensões para a AC: (i) normas e métodos da ciência: está relacionada com o entendimento do processo de construção do conhecimento científico, ou seja, das regras que norteiam a ciência; (ii) conhecimento cognitivo da ciência: refere-se à compreensão dos termos e conceitos científicos, do conhecimento já estabelecido e (iii) atitudes em relação à ciência: é a dimensão relacionada ao entendimento do impacto e das consequências da ciência e da tecnologia na sociedade.

Bybee (1995) também coloca três formas para a AC: (i) funcional: é o tipo de AC em que o indivíduo adquire conhecimento do conteúdo científico e suas expressões, conseguindo ler e escrever textos técnicos; (ii) conceitual e procedimental: é a compreensão de como ocorre a construção do conhecimento científico e (iii) multidimensional: é o entendimento das relações entre a ciência, a tecnologia e a sociedade.

Podemos ver pelo resumo do Quadro 1, que as diferentes dimensões da AC dos diferentes autores se relacionam em torno de três pontos em comum. Sasseron e Carvalho (2011) perceberam estes três pontos comuns e os organizaram e chamaram de Eixos Estruturantes: (i) compreensão básica de termos,

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conhecimentos e conceitos científicos fundamentais; (ii) compreensão da natureza das ciências e dos fatores éticos e políticos que circundam sua prática e (iii) entendimento das relações existentes entre ciência, tecnologia, sociedade e meio-ambiente.

QUADRO 1 – DIMENSÕES DE ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA DE DIFERENTES AUTORES.

Autor Dimensões da AC Relacionadas com a aquisição de conhecimentos científicos Relacionadas com o entendimento das relações Ciência, Tecnologia e Sociedade

e tomada de decisão

Relacionadas com o entendimento da Natureza da Ciência

Shen (1975) Prática Cívica Cultural

Miller (1983) Conhecimento

cognitivo da ciência Atitudes em relação à ciência Normas e métodos da ciência

Bybee (1995) Funcional Multidimensional Conceitual e procedimental

FONTE: a autora (2019).

Marques e Marandino (2018, p. 7) colocam que “[...] a AC deve promover não apenas a apropriação de conhecimentos, mas também a construção do que Freire chama de consciência epistemológica, potencializando a participação social”. Assim, pode-se resumir o processo de desenvolvimento da AC na Figura 1.

FIGURA 1 – PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DA ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA.

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Este trabalho tem como foco principal o item ii da AC, portanto tal eixo será discutido em detalhes no capítulo 3. No entanto, no tópico 2.2 deste capítulo faremos uma breve explanação do que é o item iii, pois todos os eixos da AC estão intimamente relacionados, sendo importante compreendê-los e todos estão relacionados com as controvérsias sociocientíficas, que serão discutidas no capítulo 4. Nos próximos tópicos, antes de falarmos sobre as relações Ciência-Tecnologia-Sociedade, veremos as características das pessoas alfabetizadas cientificamente e a presença desta nos currículos.

2. 1. 1 Características do desenvolvimento da Alfabetização Científica

Na perspectiva da AC “o alfabetizado cientificamente não precisa saber tudo sobre as ciências (mesmo aos cientistas isso não é possível!), mas que deve ter conhecimentos suficientes de vários campos delas e saber sobre como esses estudos se transformam em adventos para a sociedade” (SASSERON; CARVALHO, 2011, p. 65). Ou seja, o objetivo da AC não é formar cientistas, mas cidadãos informados e conscientes. Contudo, é “impossível existir um modelo universal para a execução prática da AC em salas de aulas, visto que os objetivos mais específicos variam de acordo com o contexto sociocultural em que os estudantes estão imersos” (SASSERON; CARVALHO, 2011, p. 65).

Um dos requisitos para identificar que uma pessoa é alfabetizada cientificamente, segundo Sasseron e Carvalho (2011), é a habilidade de ler e escrever sobre ciência, pois o aprender científico está ligado a esses conhecimentos. Na leitura de um texto a pessoa procura relacionar o que já sabe com o que está sendo apresentado ali. No entanto, defendemos, como Lorenzetti e Delizoicov (2001), que a AC é um processo vitalício e que começa a ser desenvolvido antes mesmo da aquisição do código escrito. A criança pequena que ainda não lê e escreve também interage com o mundo e aprende sobre ele, o que significa que esta está se alfabetizando cientificamente. Neste sentido, Lorenzetti e Delizoicov colocam que:

A definição de alfabetização científica como a capacidade do indivíduo ler, compreender e expressar opinião sobre assuntos que envolvam a ciência, parte do pressuposto de que o indivíduo já tenha interagido com a educação formal, dominando, desta forma, o código escrito. Entretanto, complementarmente a esta definição, e num certo sentido a ela se

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contrapondo, partimos da premissa de que é possível desenvolver uma alfabetização científica nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental, mesmo antes do aluno dominar o código escrito. Por outro lado, esta alfabetização científica poderá auxiliar significativamente o processo de aquisição do código escrito, propiciando condições para que os alunos possam ampliar a sua cultura (LORENZETTI; DELIZOICOV, 2001, p. 47-48).

Além disso, o processo de AC não termina, ou seja, uma pessoa nunca está totalmente alfabetizada cientificamente, esta apenas vai se desenvolvendo cada vez mais (LORENZETTI; DELIZOICOV, 2001).

QUADRO 2 – HABILIDADES DOS ALFABETIZADOS CIENTIFICAMENTE.

Habilidades relacionadas com conceitos e

procedimentos

Entender os principais conceitos, hipóteses e teorias científicas e saber usá-los; Gostar dos assuntos científicos e tecnológicos pela estimulação intelectual que suscitam (SASSERON; CARVALHO, 2011);

Apreciar o valor da pesquisa por si só como produto da curiosidade humana; Utilizar os conceitos científicos e relacioná-los com os valores para tomar decisões responsáveis no seu cotidiano (SASSERON; CARVALHO, 2011; HURD, 1998);

Saber analisar e processar as informações para entender além dos fatos (HURD, 1998).

Habilidades relacionadas

com a NdC

Reconhecer que os problemas científicos e sociais são geralmente resolvidos pela colaboração de diversas pessoas e não de forma individual;

Identificar quando não existem dados suficientes para formar um julgamento confiável;

Perceber a ciência como síntese de conhecimentos de diversos campos, como relações entre ciências naturais e sociais;

Detectar como a pesquisa é feita e sua validade (HURD, 1998);

Entender os fatores políticos, econômicos e sociais que controlam o desenvolvimento científico;

Reconhecer os limites, riscos e lacunas da ciência e das tecnologias; Distinguir resultados científicos de opiniões;

Entender que o saber científico é provisório e sujeito a mudanças (SASSERON; CARVALHO, 2011; HURD, 1998);

Conhecer fontes de informação válidas;

Compreender a construção histórica da ciência;

Compreender que as atividades experimentais e os conceitos teóricos são igualmente fundamentais na construção da ciência (SASSERON; CARVALHO, 2011).

Habilidades relacionadas

com CTS

Compreender as relações entre a ciência, tecnologia e a sociedade (SASSERON; CARVALHO, 2011; HURD, 1998);

Captar as aplicações das tecnologias (SASSERON; CARVALHO, 2011); Notar que a economia é influenciada pelos avanços científicos e tecnológicos; Perceber que os problemas científicos em contextos sociais podem ter mais de uma resposta certa (HURD, 1998).

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Outras habilidades dos alfabetizados cientificamente estão resumidas no Quadro 2, separadas em grupos.

Todas estas habilidades podem ser estimuladas desde os anos iniciais do ensino fundamental. Nessa etapa deve-se incentivar a curiosidade pelo mundo natural. Nos anos finais do ensino fundamental podem-se desenvolver curiosidades mais específicas sobre como funcionam e como desenvolver tecnologias e o mundo natural, além de conhecimentos sobre a saúde humana. No ensino médio proporciona-se um potencial caminho para carreiras científicas e comunica-se o papel da ciência na vida em sociedade, desenvolvendo o raciocínio lógico (SASSERON; CARVALHO, 2011).

No entanto, percebemos que a AC é extremamente ampla e dificilmente a escola vai conseguir, de forma isolada, que os alunos sejam alfabetizados cientificamente. Segundo Lorenzetti e Delizoicov (2001), a escola não pode fornecer todas as informações que os estudantes vão precisar em suas vidas para compreender seus mundos e resolver seus problemas. Mas, a escola pode propiciar aos educandos o conhecimento de onde procurar informação, o que inclui idas a espaços não formais, como museus, feiras, fábricas, zoológicos, bibliotecas. Atividades como estas podem elevar a aprendizagem e a independência dos alunos, para que estes saibam relacionar o que aprendem com o mundo em que vivem.

Assim, o grande desafio hoje está em pensar em formas de desenvolver a AC. A literatura mostra exemplos bem sucedidos de atividades de todos os tipos: sequências didáticas investigativas para o ensino fundamental (SASSERON; CARVALHO, 2008), ensino mediado por tecnologias da informação e comunicação (RANGEL; SANTOS; RIBEIRO, 2012), projetos de incentivo a pesquisa (OLIVEIRA ET AL., 2016; RODRIGUES ET AL., 2015), ensino dentro do espaço não formal (COSTANTIN, 2001; MARQUES; MARANDINO, 2018), entre outras propostas.

2. 1. 2 A Alfabetização Científica nos Currículos de Ciências

Com relação à discussão acerca da inserção da AC no currículo, pode-se começar com o artigo de 1998 de Paul Hurd, em que o autor critica os currículos de ciências das escolas dos Estados Unidos afirmando que esses não desenvolviam a observação e o pensamento independente. Hurd (1998) cita as ideias de James

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Wilkinson de que os cientistas consideram o conhecimento privado, querendo ser avaliados apenas por seus iguais e não pela influência de suas descobertas na sociedade. Isso exclui a população da ciência e gera um modo de ensinar que fomenta a ignorância.

Durante o período da Guerra Fria os países buscavam o desenvolvimento científico e tecnológico como forma de conquistar poder. Assim, os currículos de ciências visavam a formação de cientistas e engenheiros para o país. Os currículos enfatizavam os conteúdos clássicos e o modo de investigação científico, baseado na ideia de método científico (HURD, 1998). Essa valorização do científico também acaba funcionando como forma de legitimar a dominação. Isso ocorre porque o controle dos conhecimentos e das técnicas leva ao controle da natureza e, por consequência, do homem (SANTOS; MORTIMER, 2000).

É importante lembrar que o Ensino de Ciências não deve somente almejar a formação de futuros cientistas, mas de cidadãos que saibam discutir e aplicar os conhecimentos em sua vida (SASSERON; CARVALHO, 2011). Para Hurd (1998) o currículo de ciências deve acompanhar as mudanças históricas e sociais e pensar na formação pessoal do aluno. Assim:

[...] o ensino de Ciências em todos os níveis escolares deva fazer uso de atividades e propostas instigantes. E com o uso do termo ‘instigantes’ referimo-nos tanto à resolução de problemas e à exploração de fenômenos naturais, que, por si só, atingem a curiosidade e o interesse dos alunos devido à forma fantástica e ao caráter incrível que se possa mostrar, como também às discussões instigantes devido a sua própria temática. Por sua vez, estas discussões podem despertar o interesse dos alunos por fazerem parte de situações de seu dia a dia ou por indicarem que pensar sobre as Ciências, suas tecnologias e as influências permitem-nos acreditar na possibilidade de um futuro sustentável (SASSERON; CARVALHO, 2011, p. 73).

Por muito tempo melhorar o currículo foi simplesmente atualizar os assuntos das disciplinas, não reconhecendo mudanças nas práticas das ciências e na cultura. É preciso pensar em formas de resolver os problemas da humanidade, como problemas ambientais, novos modos de comunicação seguros, envelhecimento humano e saúde, novas fontes de energia, melhoria sustentável da produção de alimentos. Para enfrentar esses desafios é necessária uma nova visão de educação científica e de AC. Nesse sentido o Ensino de Ciências assume novas dimensões. A capacidade de adaptação e sobrevivência do ser humano depende do seu aprendizado, da capacidade cognitiva de usar a informação para o desenvolvimento

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social e progresso econômico. O currículo que se procura é aquele que prepara os alunos para lidar com mudanças (HURD, 1998).

Segundo Hurd (1998) os conhecimentos cognitivos, sociais e pessoais que os alunos precisam desenvolver são sobre:

x Saúde (biológica, comportamental, social, ambiental).

x Bem-estar (boa forma física e segurança, otimização de sistemas biológicos).

x Conhecimento de si mesmo (natureza humana, identidade humana). x Meio Ambiente (proteção ecológica e ambiental).

x Sistemas de comunicação (fontes, processamento e utilização de informações).

x Ciência (interações tecnológicas, sociais e culturais).

x Crescimento e desenvolvimento (desde o nascimento até a velhice). x Fatores do aprender e como aprender (aprendizagem autodirigida,

construção de capital humano, conhecer processos). x Interações sociais humanas e colaboração na resolução de

problemas cívicos.

x Diversidade humana (sistemas individuais, culturais e de valores). x Qualidade de vida (critérios, elementos sociais, biológicos, estéticos,

físicos).

x Resolução de problemas da vida real (tomada de decisão, raciocínio prático, tomada de decisões, tomada de ação).

x Imagens alteradas da ciência (perspectivas histórica, atual e futura). x Problemas não resolvidos em ciência / tecnologia (‘a infindável

fronteira’).

x Ciência contemporânea e políticas públicas.

x Alimentação e agricultura (biotecnologia, engenharia genética). x Habilidades para a vida (adaptação pessoal e social).

x Saúde pública (drogas ilícitas, controle de pandemias, guerra contra o câncer, doenças sexualmente transmissíveis).

x Dinâmica do crescimento da população humana (explosão populacional).

x Diversidade nos ecossistemas (extinção de espécies). x Energia (recursos e controles).

x Questões éticas, de valor, morais e judiciais em ciência / tecnologia. x Participação em atividades relacionadas à comunidade científica

(reciclagem, transporte urbano, saneamento).

x Continuidade genética em humanos, plantas e animais (biotecnologia).

x Exploração dos mundos biológico e físico (consciência, vivência da natureza, sistema terrestre e mudanças globais).

x Pesquisa estratégica em ciência / tecnologia em relação aos assuntos humanos e sociais e à qualidade de vida.

x Início de programas de ação relacionados ao bem-estar humano e social (HURD, 1998, p. 412, tradução nossa)2.

2 Health (biological, behavioral, social, environmental).

x Wellness (fitness and safety, optimizing biological systems). x Knowledge of oneself (human nature, human identity). x Environment (ecological and environmental protection).

x Communication systems (sources, processing, and utilization of information). x Science (technology, social, and cultural interactions).

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Percebe-se por essa lista de conteúdos, que o Ensino de Ciências precisa tornar-se interdisciplinar. Nesse caso, para atingir a AC, precisa-se de uma interdisciplinaridade que seja “fundamentada em pressupostos que indiquem uma orientação epistemológica ao processo, de forma a permitir um delineamento quanto aos objetivos educacionais e outros aspectos formativos que se pretende que os educandos venham a desenvolver” (LAVAQUI; BATISTA, 2007, p. 408). Por exemplo, energia é um dos temas da lista de Hurd (1998). Para trabalhar esse assunto poderia ser construída uma unidade didática que integrasse diversas disciplinas, cada qual contribuindo com saberes variados.

Portanto, o Ensino de Ciências deve atender as demandas da sociedade, deve ser importante na resolução dos seus problemas (HILÁRIO; REIS, 2009). Com base em uma justificativa democrática é preciso desenvolver o pensamento crítico e a criatividade para que o aluno possa refletir sobre os desenvolvimentos científicos e tecnológicos cada vez mais presentes na vida em sociedade (FORATO; PIETROCOLA; MARTINS, 2011; REIS, 2006). Uma iniciativa importante foi a realização da ‘Conferência Internacional Ensino de Ciências para o Século XXI: ACT – Alfabetização em Ciência e Tecnologia’ no Brasil em 1990 para discutir as formas de estimular a AC nas escolas (SANTOS; MORTIMER, 2000).

Segundo Sasseron e Carvalho (2011, p. 66) “vislumbrar as ciências sem esquecer das relações existentes entre seus conhecimentos, os adventos

x Factors in learning how to learn (self-directed learning, building human capital, knowing

processes).

x Human social interactions and collaboration in resolving civic problems. x Human diversity (individual, cultural, and value systems).

x Quality of life (criteria, social, biological, aesthetic, physical elements).

x Real-life problem solving (decisionmaking, practical thinking, making judgments, taking action). x Changed images of science (historical, current, and future perspectives).

x Unsolved problems in science/technology (“the endless frontier”). x Contemporary science and public policy.

x Food and agriculture (biotechnology, genetic engineering). x Life skills (personal and social adjustment).

x Public health (illegal drugs, control of pandemics, war on cancer, sexually transmitted diseases). x Dynamics of human population growth (population explosion).

x Diversity in ecosystems (species extinction). x Energy (resources and controls).

x Ethical, value, moral, and judicial issues in science/technology.

x Participation in community-science-related activities (recycling, urban transportation, sanitation). x Genetic continuity in humans, plants, and animals (biotechnology).

x Exploration of the biological and physical worlds (awareness, experiencing nature, earth system and global changes).

x Strategic research in science/technology in relation to human and social affairs and the quality of life.

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tecnológicos e seus efeitos para a sociedade e o meio-ambiente é o objetivo que os currículos de ciências parecem almejar quando se têm em mente a AC”. A educação deve levar os estudantes a terem uma perspectiva realista da ciência, não aceitarem a opinião das pessoas de forma automática e sem questionamentos, desenvolver o senso crítico e a argumentação e desenvolver a vontade de sempre procurar mais e melhores informações (ESPÍRITO SANTO; REIS, 2013).

Como já mencionado os três Eixos Estruturantes da AC são: (i) aprender os conceitos e termos científicos já consolidados; (ii) entender como ocorre a construção da ciência; (iii) desenvolver a cidadania por meio de capacidades e atitudes responsáveis e ativas nas questões envolvendo relações entre ciência, tecnologia e sociedade, entendendo os impactos destas (SASSERON; CARVALHO, 2011). Na próxima seção esclareceremos sobre o tópico iii, evidenciando o que são as relações Ciência-Tecnologia-Sociedade que devem ser compreendidas para o desenvolvimento da AC.

2. 2 EDUCAÇÃO CIÊNCIA-TECNOLOGIA-SOCIEDADE

Durante o século XX cresceu a ideia de que o avanço científico e tecnológico levava necessariamente ao desenvolvimento econômico e social. As pessoas passaram a acreditar que a ciência fosse capaz de resolver os problemas humanos e salvar a humanidade de todos os males (SANTOS; MORTIMER, 2000). Porém, durante as décadas de 1960 e 1970 a ciência e a tecnologia começaram a ser vinculadas à degradação ambiental e à guerra, como as bombas atômicas e armas químicas. Paralelamente, debates começaram a surgir e dois importantes livros foram publicados: ‘A estrutura das revoluções científicas’ de Thomas Kuhn e ‘Primavera silenciosa’ de Rachel Carson, ambos em 1962, intensificando os debates acerca das relações Ciência-Tecnologia-Sociedade (CTS). O livro de Kuhn discute sobre como ocorre o desenvolvimento científico e a não neutralidade deste processo. Já o livro de Carson discute os efeitos ao ambiente do uso de agrotóxicos. Neste contexto, nos EUA e em países da Europa, emerge o movimento CTS, que se tornou assunto de discussão política (AULER; BAZZO, 2001).

Adicionalmente, segundo Auler e Bazzo (2001) e Roso e Auler (2016), movimentos sociais organizados, como ambientalistas, estavam questionando a ideia de que mais ciência e tecnologia conduzia necessariamente a resolução dos

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problemas sociais e ambientais. Assim, a sociedade passou a exigir algum controle da produção científica e tecnológica. O objetivo central do movimento CTS tornou-se a democratização das decisões, com a participação de todos os grupos sociais. Este processo de politização da ciência e tecnologia causou mudanças na forma de enxergar a Educação Científica, em nível básico e superior, surgindo o que se chama de Educação CTS.

Posteriormente surgiu a denominação Ciência-Tecnologia-Sociedade-Ambiente (CTSA), visando destacar as questões ambientais. Segundo Santos:

Em tese, pode-se dizer que, pela sua origem, todo movimento CTS incorpora a vertente ambiental à tríade CTS. Ocorre que discussões sobre CTS podem tomar um rumo que não, necessariamente, questões ambientais sejam consideradas ou priorizadas e, nesse sentido, o movimento CTSA vem resgatar o papel da educação ambiental (EA) do movimento inicial de CTS (Santos, 2007, p. 1).

A ideia de que a questão ambiental já está presente na tríade CTS é defendida por diversos autores e é a sigla mais utilizada. Nesta dissertação utilizaremos a sigla CTS em função dos referenciais que utilizamos e porque defendemos que o ambiente já está nas relações CTS.

Santos (2007) considera que o objetivo da Educação CTS “[...] é promover a educação científica e tecnológica dos cidadãos, auxiliando o aluno a construir conhecimentos, habilidades e valores necessários para tomar decisões responsáveis sobre questões de ciência e tecnologia na sociedade e atuar na solução de tais questões.” (p. 2).

Santos e Mortimer (2000) identificam três objetivos gerais da Educação CTS: “(1) aquisição de conhecimentos, (2) utilização de habilidades e (3) desenvolvimento de valores.” (p. 114). Os valores e habilidades podem ser: escrita, fala, autoestima, solidariedade, pensamento lógico, respeito ao próximo, responsabilidade social, entre outros. A discussão e construção destes valores forma cidadãos críticos e comprometidos. Por exemplo, na hora de comprar um produto a maioria das pessoas escolhe apenas em função da qualidade, aparência ou preço. Cidadãos conscientes tomam a decisão de comprar alguma coisa pensando também nos impactos ambientais dele, desde o processo de produção até o descarte, nos efeitos sobre a saúde, nas questões éticas relacionadas à sua produção, uso ou comercialização. Assim, este cidadão não compraria um produto que é feito com uso

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de mão-de-obra infantil ou que explora os trabalhadores, nem um que é fruto de contrabando ou que agride o ambiente. Isso poderia, com o passar do tempo, diminuir o consumo de algumas coisas ou obrigar mudanças nos processos de produção (SANTOS; MORTIMER, 2000).

De todo modo o enfoque não é repassar os conceitos técnicos e mostrar somente as coisas boas da ciência, mas formar um cidadão capaz de entender de forma crítica o que está em jogo em alguns assuntos (SANTOS; MORTIMER, 2000). Assim, numa abordagem CTS é preciso que os conteúdos sejam contextualizados. No entanto, é necessário tomar cuidado, pois:

Muitos professores consideram o princípio da contextualização como sinônimo de abordagem de situações do cotidiano, no sentido de descrever, nominalmente, o fenômeno com a linguagem científica. Essa abordagem é desenvolvida, em geral, sem explorar as dimensões sociais nas quais os fenômenos estão inseridos. Assim, se ensina nomes científicos de agentes infecciosos e processos de desenvolvimento das doenças, mas não se reflete sobre as condições sociais que determinam a existência de muitos desses agentes em determinadas comunidades. Da mesma forma, se ilustra exemplos do cotidiano de processos de separação de materiais como catação, mas não se discute os determinantes e as conseqüências do trabalho desumano de catadores em lixões do Brasil (SANTOS, 2007, p. 4).

Ou seja, contextualizar não é apenas mencionar alguma situação do cotidiano. Isto é apenas uma forma de encobrir a extrema abstração dos conteúdos. Santos (2007) coloca que a contextualização das relações CTS implica o pensar sobre a realidade, leva o aluno a relacionar a ciência que aprende na escola com as situações que acontecem no seu cotidiano e desenvolve atitudes e valores humanos em relação às questões CTS. Assim, a perspectiva CTS problematiza as relações sociais de modo a desenvolver o compromisso social dos alunos.

2. 2. 1 Currículo CTS

De acordo com Auler e Bazzo (2001) a tradução do movimento CTS em uma Educação CTS encontra alguns desafios:

[...] formação disciplinar dos professores incompatível com a perspectiva interdisciplinar presente no movimento CTS; compreensão dos professores sobre as interações entre ciência, tecnologia e sociedade; não contemplação do enfoque CTS nos exames de seleção; formas e modalidades de implementação; produção de material didático-pedagógico; e redefinição de conteúdos programáticos (AULER; BAZZO, 2001, p. 2).

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Por outro lado, os autores destacam que não há um discurso consensual que designe os conteúdos, a abrangência e as formas de inserção das relações CTS no ensino. Existem propostas que vão desde usar o enfoque CTS para atrair a atenção do aluno e motivá-lo a estudar até outras que sugerem a compreensão das relações CTS como mais importante que os próprios conhecimentos científicos. Assim, os objetivos podem ser: o entendimento dos fenômenos do cotidiano, entender o funcionamento das tecnologias, compreensão das implicações sociais da ciência e tecnologia, percepção da construção do conhecimento científico, desenvolvimento da criticidade e independência intelectual, estimulação da AC (AULER; BAZZO, 2001).

A inserção das relações CTS nos currículos pode ocorrer de diversas formas. Aikenhead (1994) estabelece oito graus de apropriação destas relações com o ensino, em que a categoria 1 tem 0% de conteúdos CTS e a categoria 8 tem 100%. São:

1) Conteúdo CTS para motivação: é o ensino tradicional em que o professor apenas cita das relações, mas sem discuti-las e sem avaliar o aluno sobre estas.

2) Acréscimo casual do conteúdo CTS: ainda é o ensino tradicional, mas o conteúdo CTS aparece alguma vezes como apêndice isolado dos conteúdos, e em algumas situações memorísticas é colocado na avaliação.

3) Inserção intencional do conteúdo CTS: aqui os conteúdos CTS ainda são apêndices, mas ganham coesão com os conteúdos e aparecem mais vezes nas avaliações.

4) Disciplina por meio de conteúdo CTS: o conteúdo CTS organiza o conteúdo científico e os alunos são avaliados em relação aos dois, mas com prevalência dos aspectos científicos.

5) Ciência por meio do conteúdo CTS: conteúdo multidisciplinar ditado pelo conteúdo CTS e maior frequência destes nas avaliações.

6) Ciência ao longo do conteúdo CTS: o conteúdo científico enriquece o aprendizado dos aspectos CTS, que são o foco do ensino, e as avaliações cobram igualmente as duas vertentes.

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7) Inserção da ciência no conteúdo CTS: o foco do ensino é o conteúdo CTS e o científico é inserido, mas não ensinado de forma sistemática e a avaliação é principalmente em relação ao CTS.

8) Conteúdo CTS: utiliza-se uma grande questão tecnológica e social, os conteúdos científicos são mencionados como forma de unir a questão em estudo com a ciência e a avaliação não contem conteúdo científico relevante (AIKENHEAD, 1994).

Percebe-se que até a categoria 4 a ênfase está no conteúdo científico e depois passa a ser as relações CTS, até a categoria 8, que é um modelo radical. Currículos entre as categorias 6 e 7 são considerados propostas possíveis para o Ensino de Ciências e poderiam colaborar muito com a AC (AIKENHEAD, 1994).

Entretanto, é importante destacar que o enfoque CTS surge em países cuja condição social e material estava razoavelmente satisfeita. No Brasil a cultura de participação é pequena e mudar isso é um grande desafio. Além do mais, nosso país não tem uma grande política de investimento em pesquisa e desenvolvimento. Deste modo, é preciso adaptar esses currículos à realidade brasileira (AULER; BAZZO, 2001).

Assim, os estudos sobre CTS têm recebido atenção no Brasil e no mundo e vêm influenciando a criação de currículos de ciências, cujo objetivo seja a AC. Santos e Mortimer (2000) afirmam que até a década de 1980 os currículos CTS incorporaram a perspectiva de que a ciência é produto do contexto social, político e econômico. Depois desse período passaram a focar na análise das implicações sociais da ciência e tecnologia.

Os currículos com enfoque CTS funcionam com base nas ideias de:

(i) ciência como atividade humana que tenta controlar o ambiente e a nós mesmos, e que é intimamente relacionada à tecnologia e às questões sociais; (ii) sociedade que busca desenvolver, no público em geral e também nos cientistas, uma visão operacional sofisticada de como são tomadas decisões sobre problemas sociais relacionados à ciência e tecnologia; (iii) aluno como alguém que seja preparado para tomar decisões inteligentes e que compreenda a base científica da tecnologia e a base prática das decisões; e (iv) professor como aquele que desenvolve o conhecimento de e o comprometimento com as inter-relações complexas entre ciência, tecnologia e decisões (SANTOS; MORTIMER, 2000, p. 112, grifos dos autores).

Desta forma o currículo CTS seria “uma integração entre educação científica, tecnológica e social, em que os conteúdos científicos e tecnológicos são

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estudados juntamente com a discussão de seus aspectos históricos, éticos, políticos e sócio-econômicos” (SANTOS; MORTIMER, 2000, p. 112).

2. 2. 2 A Ciência, a Tecnologia e a Sociedade e suas relações na Educação CTS

Santos e Mortimer (2000) elencam as formas como ciência, tecnologia e sociedade são entendidas no currículo CTS. Os autores afirmam que a ciência é entendida de foram crítica e não como uma verdade rígida e fechada, mas como atividade aberta que está em constante transformação. O conhecimento científico não é entendido como neutro e objetivo, mas como elemento socialmente construído, questionando a natureza absoluta dos métodos e resultados da pesquisa. Deve-se apontar a provisoriedade e incerteza das teorias científicas e as opiniões controversas de especialistas.

Os currículos CTS devem abordar a ciência nos seus aspectos filosóficos, relacionado à ética e à responsabilidade social dos cientistas, sociológicos, pertinente à influência da ciência e tecnologia na sociedade e vice e versa,

históricos, relativo à interferência dos fatos históricos na atividade científica e vice e

versa, políticos, referente às interações dos sistemas políticos nas pesquisas científicas, econômicos, relacionado às contribuições ou não da ciência e tecnologia para o desenvolvimento econômico, e humanísticos, associados à criatividade e cultura (SANTOS; MORTIMER, 2000).

Assim, os currículos CTS devem abordar a construção do conhecimento científico e “isso remete à necessidade de que, no currículo, sejam discutidos aspectos relacionados à filosofia, história e sociologia das ciências” (SANTOS; MORTIMER, 2000, p. 116) o que também faz parte dos objetivos específicos da AC, mostrando como a AC e o enfoque CTS estão totalmente interligados. Desta forma, esse currículo contribui para os alunos que não pretendem se tornar cientistas e para os que pretendem também, por apresentar uma visão interdisciplinar da ciência. O que é diferente da forma comum de ensinar, que apenas nomeia as espécies de plantas e animais, as substâncias químicas e os processos físicos, unicamente como forma de disfarçar a abstração do ensino conceitual (SANTOS; MORTIMER, 2000).

Na definição de como a tecnologia deve ser abordada nos currículos CTS, Santos e Mortimer defendem que:

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