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Pronunciamento sobre o Projeto de Lei n , de 2015, que dispõe sobre os contratos de terceirização. e as relações de trabalho deles decorrentes

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Pronunciamento sobre o Projeto de Lei n. 1.133, de 2015,

que dispõe sobre os contratos de terceirização

e as relações de trabalho deles decorrentes

Senador Marcelo Crivella

O homem é o único ser que produz. Esse atributo exclusivo contém, pois, algo de essencial para a nossa espécie. A natureza dá aos animais o que eles precisam, ao preço de mantê-los fixados nos ambientes e nas condições que ela lhes determinou.

Sendo capaz de inventar recursos sempre novos, o homem é um ser muito mais livre, que recria continuamente as condições e as potencialidades de sua própria existência.

Dois aspectos complementares demarcam esse aspecto do nosso caminho. O primeiro é a capacidade de projetar. O segundo é a vida em sociedade, condição indispensável para que possamos produzir o que foi projetado.

É de trabalho que estamos falando.

O homem é também, sob certos aspectos, um ser muito frágil. Só pode sobreviver fisicamente, organizar seu complexo psiquismo e adentrar no mundo da cultura – o mundo humano por excelência – se, ao nascer, for acolhido e protegido por muito tempo, durante uma infância e uma adolescência excepcionalmente longas.

Acolhimento e proteção: é de família que estamos falando.

Condições de trabalho e organização da família: eis o que, em última instância, define o padrão civilizatório das sociedades humanas. Toda atenção é pouca para essas questões.

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Em relação à primeira delas – de que tratarei aqui –, o vetor da história não deixa margem a dúvidas: o progressivo reconhecimento da dignidade e dos direitos do trabalho, a valorização do trabalhador, é o que diferencia passado e futuro.

Muito mais do que os feitos tecnológicos, os avanços na convivência é que definem o genuíno progresso. Os homens convivem, necessariamente, porque trabalham. Ao trabalharem, convivem.

* * *

O Projeto de Lei 1.133, de 2015, apresentado pelo deputado Sandro Mabel (PMDB-GO), aprovado na Câmara e agora em debate nesta Casa, pode alterar profundamente as condições de trabalho em nosso país. Não é, pois, trivial. Remete a uma questão de fundo: que padrão civilizatório desejamos para o povo brasileiro?

Durante quase quatrocentos anos da nossa história os trabalhadores foram coisas. Libertados da escravidão, permaneceram marginalizados. Foi preciso uma revolução, em 1930, para que se criassem as condições de uma mudança decisiva. Não por acaso, Getúlio Vargas permanece na memória de todos como o grande construtor do Brasil moderno. Entre suas realizações destaca-se, exatamente, o reconhecimento dos direitos do trabalho. O povo brasileiro nunca o esquecerá.

Nosso povo também nunca nos esquecerá, se produzirmos um retrocesso histórico nessa questão. Seremos lembrados como traidores se permitirmos a involução desses direitos.

* * *

Os defensores do Projeto de Lei ora em debate dizem que querem aumentar a competitividade das nossas empresas e regulamentar uma situação de fato. Neste

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último aspecto têm alguma razão: desde a década de 1990 os processos de terceirização avançam no Brasil, e os terceirizados já correspondem a 25% do nosso mercado formal de trabalho. A inexistência de uma legislação abrangente, que regulamente essa prática, é, de fato, uma lacuna. Voltarei a esse ponto adiante.

Por agora, ressalto que não estamos diante de um vácuo jurídico. Nas últimas décadas o assunto foi tratado em três dispositivos legais, corretos justamente porque cautelosos.

A Lei 6.019, de 1974, regula a contratação temporária de trabalhadores para suprir acréscimo extraordinário de serviço ou substituição temporária de mão de obra regular, tendo em vista atender necessidades transitórias que são normais no funcionamento de qualquer empresa.

A Lei 7.102, de 1983, trata especificamente da terceirização de serviços de vigilância em estabelecimentos bancários.

Em 1994, por fim, a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho consolidou nossa jurisprudência. Desde então, ela tem sido a principal referência no tema. Estabelece os limites e a natureza jurídica dessa relação de trabalho, fazendo a distinção decisiva entre atividades-meio e atividades-fim, que agora se quer apagar.

* * *

Sejamos francos: o projeto que estamos debatendo cria as condições para que o trabalho terceirizado se generalize em nosso país, no lugar do trabalho diretamente contratado pelas empresas. A questão, pois, é esclarecer se isso é bom ou ruim para o país.

Não precisamos ter um debate abstrato e meramente conceitual. Como a terceirização já existe e não é pequena, vamos aos fatos, usando dados do Dieese e do Ministério do Trabalho:

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* o salário dos terceirizados é, na média, 24% menor que o dos empregados formais;

* os terceirizados não gozam de benefícios como participação nos lucros, auxílio-creche e jornada de seis horas, nas empresas em que tais benefícios existem;

* os terceirizados trabalham, em média, três horas a mais por semana do que os empregados fixos;

* de cada dez acidentes de trabalho, oito atingem trabalhadores terceirizados;

* a rotatividade no trabalho é muito maior entre os terceirizados.

* * *

Esses já seriam motivos suficientes para que tenhamos muita cautela. A eles, diversos outros se somam.

O Projeto de Lei 1.133 é uma proposta inconstitucional: o artigo 5 da Constituição Federal só admite distinção entre pessoas na mesma situação jurídica quando houver justificativa razoável. A aplicação desse artigo, no caso de que tratamos, impõe que duas pessoas que prestam regularmente o mesmo serviço a uma empresa, nas mesmas condições, devem receber o mesmo tratamento, enquadradas, naturalmente, nos termos da legislação em vigor, a Consolidação das Leis do Trabalho. A terceirização de atividades-fim quebrará essa isonomia constitucional. Uma mesma empresa passará a estabebelecer relações qualitativamente distintas com trabalhadores que nela realizam as mesmas funções.

É uma proposta que fere mortalmente a capacidade negociadora do movimento sindical: o artigo 8 da Constituição, secundado pelo artigo 511 e seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho, define que os sindicatos dos trabalhadores só podem negociar com os sindicatos dos seus empregadores. Havendo terceirização nas atividades-fim, um mesmo grupo profissional, trabalhando numa mesma empresa,

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ficará dividido entre diversos empregadores e não poderá participar das mesmas negociações sobre salários, benefícios e condições laborais.

É uma proposta que desvaloriza o trabalho. É óbvio que a empresa principal só contratará a empresa terceirizadora se isso reduzir os seus custos. Também é óbvio que a empresa terceirizadora, por sua vez, repassará ao trabalhador apenas parte do que recebeu. Assim, a redução de custos se fará, necessariamente, à custa do salário do trabalhador. É um jogo de soma negativa, no qual o trabalhador sempre perde. O Projeto de Lei 1.133 permite também que uma empresa individual funcione como prestadora de serviços, atribuindo ao trabalhador a dupla condição de empresa e de trabalhador terceirizado, o que escancara as portas para a burla dos direitos trabalhistas.

É uma proposta que estimula a criação de empresas-fantasmas. Ao não fixar nenhum limite para a percentagem de trabalhadores que uma empresa contratante pode terceirizar, permite que ela funcione com apenas um empregado, ou mesmo com nenhum.

É uma proposta que dificulta a ação fiscalizadora do Estado, pois admite que a empresa terceirizada também faça contratações terceirizadas, permitindo a “quarteirização”, a “quinteirização” e por aí adiante, em cascata. Nesse contexto, as fraudes aos direitos trabalhistas só tendem a aumentar. A Justiça do Trabalho já lida hoje com milhares de processos em que trabalhadores terceirizados sequer conseguem localizar as empresas contratantes, que simplesmente desaparecem.

É uma proposta socialmente irresponsável: conceder às empresas a possibilidade indriscriminada de trocar mão de obra contratada por terceirizada, com salários menores e jornadas maiores, dará grande impulso ao desemprego, que já está crescendo. Pois as jornadas de trabalho dos terceirzados, como vimos, é maior que as dos empregados fixos. Estudo do Dieese calcula que se os atuais terceirizados fossem contratados e passassem a trabalhar o mesmo número de horas que os empregados fixos seriam criadas, imediatamente, 880.000 novas vagas. É a contratação direta, e não a terceirização, que cria mais empregos.

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É uma proposta desumana: como vimos, os terceirizados sofrem muito mais acidentes de trabalho, entre outros motivos porque as empresas que os agenciam são de menor porte e não têm as mesmas condições técnicas e econômicas das grandes empresas contratantes. Segundo o Ministério do Trabalho, 90% dos trabalhadores resgatados entre 2010 e 2014 nos dez maiores flagrantes de trabalho escravo eram terceirizados.

* * *

Terceirização maciça de trabalhadores nada tem a ver com modernidade, mas com a recriação, em pleno século XXI, de relações arcaicas de trabalho. É a velha busca de competitividade espúria, obtida pela degradação do trabalho, típica do subdesenvolvimento.

Não é assim – diminuindo os salários e aumentando as jornadas – que as nações desenvolvidas aperfeiçoam a sua competitividade. Ao contrário. Suas economias absorvem cada vez mais trabalho qualificado, justamente o mais bem remunerado. Isso quer dizer que suas populações dedicam-se, em proporções sempre crescentes, a atividades de pesquisa, desenvolvimento, projeto, planejamento, educação e afins. Aumenta a quantidade de trabalho dedicada à informação, lato sensu, em relação à quantidade de trabalho diretamente realizada sobre a matéria. Essa inteligência coletiva adensa as cadeias produtivas e multiplica a produtividade social do trabalho.

Se decidir generalizar a precarização do trabalho e a desvalorização do trabalhador em seu território, o Brasil estará na contramão do século XXI.

* * *

Como me referi no início deste pronunciamento, a terceirização é um fato, e a inexistência de uma legislação abrangente que a regulamente é uma lacuna. Mas

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Projeto de Lei 1.133, ora em debate, não é único. O Projeto de Lei 1.621, apresentado em 2007 pelo deputado Vicentinho (PT-SP), também regulamenta a questão, mas de outras maneiras. Teria sido mais razoável patrocinar um debate profundo entre os dois projetos, com tempo suficiente para amadurecer a questão, mas a presidência da Câmara optou só por um e adotou o regime de urgência.

Em acordo com o Projeto de Lei 1.621, defendo que a necessária regulamentação das atividades terceirizadas no país deve seguir os seguintes princípios:

(a) a terceirização nas atividades-fim deve continar proibida; nessas atividades haverá apenas trabalhadores contratados com vínculo de emprego;

(b) a empresa tomadora deve garantir aos empregados de prestadoras de serviços que atuem em suas instalações ou em locais por ela determinados as mesmas condições de salário, jornada, benefícios, condições de saúde e segurança, além de mesmo ritmo de trabalho;

(c) a contratação de prestadoras de serviços constituídas com a finalidade exclusiva de fornecer serviços de mão de obra deve ser proibida, ressalvados os casos específicos já permitidos na Lei n. 6.019/74 (serviços temporários) e os previstos na Súmula 331 do TST (serviços de vigilância, asseio e conservação, e especializados);

(d) a empresa tomadora deve ser solidariamente responsável pelas obrigações trabalhistas e previdenciárias garantidas pela lei no período em que ocorrer a prestação dos serviços;

(e) a empresa prestadora de serviços deve obrigada a fornecer à empresa tomadora, mensalmente, a comprovação do pagamento dos salários, do recolhimento das contribuições previdenciárias e do FGTS;

(f) a empresa tomadora assegurará o pagamento dos salários, do décimo terceiro salário, das férias e do recolhimento do FGTS, se a empresa prestadora deixar de cumprir estes compromissos com seus trabalhadores;

(g) a empresa fornecedora de trabalhadores terceirizados não poderá terceirizar suas obrigações contratuais.

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* * *

Esta Casa não pode ser cúmplice da generalização do trabalho precário no país em pleno século XXI. Defenderei sempre, no meu mandato, os direitos do trabalho e a organização da família, pelos motivos fundamentais que expus no início deste pronunciamento. Suplico aos colegas que me acompanhem nessa posição.

Referências

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