• Nenhum resultado encontrado

A EXPERIÊNCIA DOS AFRICANOS LIVRES NO PARANÁ PROVINCIAL.

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A EXPERIÊNCIA DOS AFRICANOS LIVRES NO PARANÁ PROVINCIAL."

Copied!
5
0
0

Texto

(1)

A EXPERIÊNCIA DOS AFRICANOS LIVRES NO PARANÁ PROVINCIAL.

Aluna: Clara Lume Dola Cunha Orientadora: Prof.ª Dr.ª Joseli Maria Nunes Mendonça Palavras-chave: africanos livres – obras públicas- Paraná provincial O presente trabalho desenvolve e aprofunda uma pesquisa anterior, realizada no Programa de Iniciação Científica, e tem como objetivo investigar aspectos relacionados à vida e ao trabalho dos africanos livres no Paraná, principalmente a inserção que tiveram nas obras públicas da província, entre 1853 – ano de emancipação da província – até 1865, quando esta categoria social deixa de existir oficialmente.

Para realizar esta pesquisa, além das leituras sobre a temática, consultamos correspondências entre autoridades da província, como ofícios de chefes de política, diretores de aldeamentos e colônias militares ao Presidente de Província. Toda esta documentação encontra-se disponível no Arquivo Público do Paraná que tem, para facilitar a pesquisa dos historiadores, catálogos nos quais estão compilados os documento existentes no acervo do Arquivo Público.1

Os africanos livres formavam uma categoria social, criada durante o exercício do tráfico ilegal de escravos africanos, entre 1810 e 1850.2 Era um grupo, portanto, originado das apreensões feitas de navios negreiros que exerciam o tráfico ilegal de escravizados e, dessa forma, tinham sua “carga” aprisionada e trazida ao Brasil. Esses africanos apreendidos, ao chegarem ao país, eram emancipados, mas ficavam 14 anos sendo tutelados pelo Estado sob a justificativa de que necessitavam de uma adaptação para a liberdade, assim, foram submetidos a trabalhos compulsórios, por se considerar o trabalho uma condição para a sua autonomia. Por isso, sua história se relaciona à do tráfico no século XIX. É disso que tratamos em nosso primeiro capítulo.

Desde o início século XIX, Portugal, e mais tarde o Brasil, encontravam-se compelidos a buscar estratégias que respondessem aos anseios do governo britânico pelo fim do tráfico de escravos africanos, mas que também se adequassem à manutenção das instituições nacionais, uma vez que as estruturas política, social e econômica do Brasil se assentavam sobre a escravidão.3 Isso porque, no contexto das guerras napoleônicas, quando Portugal viu-se ameaçado pela invasão francesa, contou com o apoio financeiro e militar da Inglaterra, o que evitou a concretização da ameaça. A partir de então, Dom João passou a depender das tropas inglesas para defender Portugal dos franceses e da marinha inglesa para defender o Império ultramarino português. Dessa maneira, o governo britânico e viu em vantagem para fazer exigências comerciais e políticas ao governo português instalado no Brasil.4

Em decorrência disso, já em 1810, apenas dois anos após a chegada da família real Portuguesa ao Brasil, Portugal, sendo signatário do Tratado de Alianças e Amizade,       

1

  ARQUIVO  PÚBLICO  DO  PARANÁ.  Catálogo  Seletivo  de  documentos  referente  aos  africanos,  afrodescendentes  livre  e  escravos  no  Paraná  provincial:  1853‐1888.  Curitiba:  Imprensa  Oficial,  2005.  Disponível em http://pt.scribd.com/doc/45237184/catalogo‐afro  2 MAMIGONIAN, Beatriz. “Revisitando a ‘transição para o trabalho livre’: a experiência dos africanos  livres”. In: FLOENTINO, Manolo (org). Tráfico, cativeiro e liberdade – Rio de Janeiro, séculos XVII‐ XIX. Rio  de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p 408.  3 CONRAD, Robert E. Os Últimos anos da Escravatura no Brasil. Rio de Janeiro: Brasiliense, 1978. p 09.  4 BETHELL, Leslie. The abolition of the Brazilian slave trade : Britain, Brazil and the slave trade question  : 1807‐1869. Cambridge: Cambridge at the University Press, 1970. p 29. 

(2)

se comprometia com a Inglaterra a promover a gradual abolição do tráfico de escravos em seus domínios. Nesse tratado o Príncipe Regente brasileiro se comprometeu também a manter o tráfico somente com os territórios africanos que lhe pertencessem ou sobre os quais Portugal tivesse “legítimas intenções”.5

Nos dois anos que se seguiram à assinatura do tratado, mais de dez navios negreiros portugueses foram aprisionados pela Marinha Inglesa. Isto causou divergências, já que as capturas ocasionavam grandes prejuízos aos portugueses. Tais desacordos foram resolvidos no Congresso de Viena em 1815, no qual a Inglaterra se comprometia a indenizar o Império Português e perdoar a dívida que tinha - adquirida com a vinda da Família Real ao Brasil - com um condicionante: que ao norte do paralelo do Equador o tráfico de escravos fosse abolido. Assim a Inglaterra conseguiu seu intento: proibir o tráfico transatlântico onde era mais intenso e a Portugal restou contentar-se apenas com a possibilidade de traficar africanos ao sul da linha do Equador.6

Em 1817, aconteceu então uma convenção adicional que serviu como uma regulamentação dos pontos acordados em 1815, dos quais, em seus itens principais se lia que o novo acordo previa o direito recíproco de visitas aos navios tanto brasileiros quanto ingleses que fossem suspeitos de tráfico de africanos; além disso, previa a indenização por apresamentos indevidos; a proibição de apresamentos em águas territoriais de ambas as nações e também a criação de comissões compostas pelos dois países signatários instaladas em Serra – Leoa, Londres e Rio de janeiro.7 E em 1818 foram ratificados os tratados acordados em 1815 e 1817 por um Alvará assinado por D João IV no Brasil.8

Em 1822, com a independência do Brasil, o tráfico português tornou-se ilegal, já que era proibido transportar escravos para fora dos domínios lusitanos. Porém para o Brasil, nenhuma restrição existia, já que o país não havia assinado nenhum tratado nesse sentido com a Inglaterra. Mas para que a Grã Bretanha reconhecesse a independência do Brasil, era necessário que a nova nação se comprometesse formalmente a abolir o tráfico de escravos. Dessa maneira, D. Pedro I assinou, em 1826, o tratado anglo-brasileiro que, ratificado em 1827, previa a abolição do tráfico de escravos num prazo de três anos, dispondo que a partir de 1831 o tráfico de escravos seria considerado e julgado como pirataria.9

Antes, entretanto, que as disposições do tratado fossem colocadas em prática, o Parlamento brasileiro aprovou, em 1831, uma lei que determinava a liberdade a todos os escravos que chegassem ao Brasil a partir de sua vigência.

Fosse em razão dos tratados restritivos ao tráfico, fosse em razão da lei de 1831, vários navios negreiros foram abordados na atividade ilegal de transporte de africanos. Estes navios tinham sua “carga” apreendida e trazida ao Brasil. Em caso de condenação da embarcação, os africanos apreendidos seriam considerados livres e deveriam ser assistidos pelas autoridades brasileiras a fim de que não fossem novamente escravizados.10        5 RODRIGUES, Jaime. O Infame Comércio ‐ propostas e experiências no final do tráfico de africanos para  o Brasil (1800‐1850). Campinas: Editora da UNICAMP, 2000, p 97.  6 BETHELL, Op. Cit., p 34.  7 RODRIGUES. Op. Cit, p 98.  8 BETHELL. Op. Cit, p 38.  9  Idem, p 50 ‐71.   10 MOREIRA, Alinnie Silvestre. Liberdade tutelada: os africanos livres e relações de trabalho na fábrica 

(3)

Dessa maneira, quando desembarcavam no Brasil - e ainda não tinham sido vendidos como escravos - eram considerados juridicamente livres, mas eram submetidos à tutela do Estado por pelo menos 14 anos, já que se pensava que a adaptação e a capacitação desses africanos livres para a liberdade deveria ser feita com a submissão ao trabalho compulsório.11 Os africanos podiam ser entregues a concessionários particulares, partícipes da elite do Império ou ainda podiam ser destinados às empresas do governo.12

Nesta pesquisa, detivemos nosso foco àqueles que foram destinados às obras públicas da recém-criada província do Paraná. Para isso, em nosso segundo capítulo, tratamos de algumas obras importantes no período posterior à emancipação da província, abordando também o contexto histórico no qual a emancipação ocorreu, o que situa nosso trabalho num recorte temporal e espacial mais específico, qual seja o período de 1853 a 1865.

Em 1853 foi aprovada a lei que determinava a criação da Província do Paraná, dando-lhe os limites da Comarca de Curitiba e estabelecendo esta cidade como capital provisória, até que se dispusesse a nova Assembléia Provincial. 13

Criada a nova província, a tarefa era, a partir de então, construir e instalar recursos que garantissem seu povoamento e a proteção das fronteiras. Por isso se fazia importante a construção de estradas, para a facilitação da comunicação intraprovincial, além de outros empreendimentos que viabilizassem tais objetivos, entre eles as colônias militares e os aldeamentos indígenas, necessários para organizar a nova província.

Os aldeamentos indígenas, bem como as colônias militares, faziam parte da política imperial de expansão econômica bem como de segurança territorial nas fronteiras do país, no entanto, eram administrados pelos governos provinciais. 14

E é aí que se insere o trabalho dos africanos livres, objeto de análise do nosso terceiro capítulo: uma experiência específica de trabalho era a daqueles que eram destinados às obras públicas.

Segundo Mamigonian, tal experiência era diferente da dos africanos livres cedidos a particulares, mas, como aqueles, estes também não estavam livres da política de trabalho compulsório levada adiante pelo governo imperial. Por trabalharem lado-a-lado com os escravos da nação, muitas vezes eram com eles confundidos. A autora chama atenção para o fato de que

“os africanos nas instituições públicas não tinham a figura ‘senhorial’ de um concessionário; ao contrário, eles trabalhavam sob as ordens de administradores e feitores que também lidavam com escravos e trabalhadores livres.”15

       mestrado  apresentada  ao  programa  de  Pós‐Graduação  em  História  da  Universidade  Estadual  de  Campinas, p 23.  11  BERTIN, Enidelce. Africanos livres emancipados e a experiência da liberdade controlada. 3º Encontro  de Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional. (Caderno de resumos)  12  MOREIRA. Op. Cit, p 28.  13 BALHANA, Altiva Pilatti; MACHADO, Brasil Pinheiro; WESTPHALEN, Cecília Maria. História do Paraná.  Curitiba: Grafipar, 1969. p 109.  14  MAMIGONIAN. Op. Cit., p 400  15Idem. Op. Cit., p 401.  

(4)

Na análise de nossas correspondências, percebemos que os termos utilizados nem sempre eram exatos e que os africanos livres podiam ser denominados como “escravos da nação”, africanos ou simplesmente negros. Essa imprecisão na terminologia a eles referida, pudemos denotar, dava-se pelo fato de, muitas vezes, suas condições sociais se assemelharem.

Nas fontes, encontramos as formas de participação que os africanos livres tiveram na construção de obras públicas, importantes para povoamento e proteção da província, exemplo do emprego de seus serviços na construção de estradas, como a própria estrada da Graciosa.

Através delas pudemos perceber as experiências desses sujeitos na realização de tarefas cotidianas dos empreendimentos. Muitas das correspondências oficiais, trazem um aspecto bastante recorrente à vida desses trabalhadores, as transferências entre empreendimentos imperiais. É o que se percebe nos ofícios de solicitação de africanos livres ou ainda, em relatórios de províncias. Muitas vezes, essas transferências aconteciam pelo fato de em alguns lugares, os africanos livres terem se especializado em algum ofício A exemplo deste tipo de ocorrência temos o ofício do Major Comandante da colônia militar de Jataí, ao Vice-presidente da província, do ano de 1856. Nesta comunicação, a autoridade reclama que, tendo em vista a transferência para o aldeamento indígena de africanos que exerciam o trabalho de ferreiro no Jataí, a colônia militar passara a ter problemas, pois precisava de ferreiros para suprir as demandas que tinha.16

Embora, apareça com pouca freqüência na documentação, essas transferências também trazem outro aspecto da vida dos africanos livres: o da sua organização familiar. Notamos, portanto a possibilidade de se estabelecer laços familiares que muitas vezes eram desfeitos pelas constantes trocas de locais de trabalho.17

Da mesma forma, as fontes trabalham aspectos da legislação anti-tráfico, trazendo a importância e os esforços empregados no combate ao desembarque de africanos ilegalmente escravizados no porto de Paranaguá18.

Depois do ano de 1864, as fontes mais recorrentes fazem referência à emancipação destes trabalhadores que, para receberem suas cartas de emancipaçãoeram enviados à capital da província, acompanhados de alguém de confiança do estabelecimento em que trabalhavam. 19. Isso se dá pelo fato de nesse ano ter sido promulgada uma lei que determinava a emancipação de todos os africanos livres, determinando o fim legal da categoria.

Mamigonian indica que o fato de os africanos livres serem mantidos como trabalhadores forçados em instituições públicas pela mesma administração que deveria ter fomentado seu tratamento como trabalhadores livres era justificado - no começo dessa experiência - pela necessidade de proteção dos africanos recém chegados durante um período de adaptação. Esta “adaptação”, entretanto, acabou por se tornar um engajamento permanente, relacionado à contínua necessidade do governo do Império de manter africanos livres sob estrito controle, pois eram considerados perigosos para a ordem social. 20

Desta maneira, concluímos que, a partir dessa pesquisa foi possível pensar que apesar das leis emancipacionistas, o Império era escravista e por isso tentava enquadrar        16 Departamento de Arquivo Público do Paraná (DAEP). AP 0033, vol.09, pp. 260 ‐ 267. 1856.   17 DEAP. AP 79, vol. 12, p 123. 1859  18 DAEP. AP 0144, vol. 15, p 96. 1862.  19 DAEP. AP 0212, vol. 16, pp 24 ‐ 26. 1865  20 MAMIGONIAN. Op. Cit., p 410. 

(5)

os africanos livres na ordem e na submissão, tendo como horizonte a manutenção e o fortalecimento da escravidão. É exatamente esse o dilema em que o Estado brasileiro se colocava: o de aceitar essa categoria de trabalhadores como resultado da política internacional de combate ao tráfico e ao mesmo tempo, manter a escravidão. Essa contradição estava expressa também na liberdade presente na nomenclatura dessa categoria. Embora houvesse leis que procurassem distingui-la dos escravos, a prática mostrou as muitas semelhanças entre os dois grupos.

Além disso, o trabalho desenvolvido nos permitiu abordar - através de fontes primárias aliadas à bibliografia referente ao tema - a fundamental participação desses trabalhadores compulsórios nos empreendimentos do governo, como colônias militares e aldeamentos indígenas para viabilizar o povoamento e a preservação das fronteiras na nova província, permitindo-nos compreender ainda melhor as relações de trabalho no Brasil oitocentista, bem como das relações do Estado com a escravidão e com a liberdade.

Referências

Documentos relacionados

Joaquim Nabuco 2906 – Dionísio Torres – Fortaleza/CE Desconto: 25% para os cursos de especialização e MBA.. 15% para os cursos de Extensão, Aprimoramento

5.2.1.  As  rubricas  de  despesa  de  transferências  correntes  ou  de  capital  e  de  subsídios  para  organismos  da  Administração  Central  devem 

Se no cadastro da administradora, foi selecionado na aba Configurações Comissões, para que as comissões fossem geradas no momento da venda do contrato, já é

As inscrições serão feitas na Comissão Permanente de Vestibular da UFMG (COPEVE), situada no Prédio da Reitoria da UFMG, à Av. Presidente Antônio Carlos, 6627 – Campus da

 ARX Long Short FIC FIM: O objetivo do fundo é aproveitar as melhores oportunidades de investimento através de uma combinação em lastro de títulos

Efi.: Eficiência = (Valor inicial - Valor final)/Valor inicial; Log redução = - Log10 (1 - Efi); Valores em negrito = valor negativo; E = Estação; A média das concentrações

Para abordar esse tema foi desenvolvido um projeto de intervenção no município de Prudentópolis estado do Paraná, no Colégio Estadual do Campo São João

CLÁUSULA VIGÉSIMA SEGUNDA - DA HOMOLOGAÇÃO DA RESCISÃO DO CONTRATO A homologação da rescisão de contrato de trabalho do auxiliar da administração escolar, com qualquer tempo de