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Ministério da Sade/Organização Pan-Americana da Saúde/EDUFRN, 1999. SCHRAIBER, L. B. Ciência, trabalho e trabalhadores em saúde: contribuições de Ricardo Bruno Mendes Gonçalves para a compreensão da articulação entre saber,
prática e recursos humanos. Divulgação em Saúde para Debate, 14: 7-12, 1996.
SCHRAIBER, L. B. Medicina Tecnológica e Prática Profissional Contemporânea: novos desafios, outros dilemas, 1997. Tese de Livre Docência, São Paulo: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
PROFISSÃO
Naira Lisboa Franzoi
A
dificuldade de precisar conceitualmente o termo ‘profissão’ deve-se ao fato de que o mesmo assu-me diferentes conotações de acordo com a área de conhecimento e a tradi-ção nacional e idiomática em que é em-pregado. Quando utilizado na sociolo-gia anglo-americana, o termo (profession) é reservado para as profissões ditas sá-bias, ou seja, que pressupõem forma-ção universitária, distinguindo-se de occupations – o conjunto dos empregos. Diferentemente, tanto na língua france-sa quanto na portuguefrance-sa, o termo, sem o qualificativo liberal (ou libérales), desig-na tanto as ‘profissões sábias’ quanto o conjunto dos empregos reconhecidos na linguagem administrativa, principal-mente nas classificações dos recensea-mentos promovidos pelo Estado.No Ocidente, as ‘profissões sábi-as’ e os ‘ofícios’ têm uma origem co-mum nas corporações, e o termo ‘pro-fissão’ é tributário da ‘profissão de fé’ – juramento que faziam aqueles que pas-savam a pertencer à corporação. O tra-balho, considerado uma arte, reunia nas corporações, onde se ‘se professava uma arte’, trabalhadores manuais e in-telectuais, artistas e artesãos. Na rígida hierarquia da sociedade medieval, a oposição se dava entre aqueles que per-tenciam às corporações de ofícios juramentados e os jornaleiros, que tra-balhavam por dia. É só com a expan-são e a consolidação das universidades que se passa a fazer esta distinção entre as ‘profissões’, derivadas das septem artes liberales, aí ensinadas, e os ofícios, deriva-dos das ‘artes mecânicas’ (Dubar, 1997). ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Subjacente a essa oposição se-mântica está, de fato, uma oposição associada a “um conjunto de distin-ções socialmente estruturantes e classi-ficadoras que se reproduziram através dos séculos: cabeça/mão, intelectuais/ manuais, alto/baixo, nobre/vilão etc. (Dubar, 1997, p. 124). Ou seja, trata-se de uma disputa de poder na socie-dade que se configura como uma luta política e ideológica pela distinção e pela classificação.
Pode-se considerar também, que, mais recentemente, o Taft Hartley Act, promulgado em 1947, nos EUA, foi, em parte, responsável pela consolida-ção dessa diferenciaconsolida-ção, ao distinguir, por lei, as ‘profissões’ das ‘meras ocu-pações’. Enquanto as últimas davam apenas o direito organização sindical, as primeiras contemplavam um esta-tuto e o direito de organização em ‘as-sociações profissionais’.
É a esse mesmo registro que se pode atribuir a distinção entre profis-sões e ocupações na sociologia das profissões tradicional, de inspiração funcionalista, fortemente referida nos estudos sobre a profissão médica. Ali-mentada por tal tendência, a sociolo-gia das ‘profissões’, até a década de 1960, de forma geral, apresentava os grupos profissionais como: a) comu-nidades homogêneas reunidas em
tor-no dos mesmos valores e de um mes-mo código de ética; b) detentores de um poder assentado sobre um conhe-cimento científico tomado como ab-soluto e dado.
Foi a partir dessa década que boa parte da literatura sobre as ‘profissões’ começou a esclarecer o caráter histó-rico e social do processo de hierarquização intra e entre grupos pro-fissionais. Essa literatura permite um novo enfoque, que busca, nas ‘profis-sões sábias’ e nas ocupações em geral, o que têm de comum, e não tanto sua diferenciação. As novas abordagens passam a entender a formação dos grupos profissionais como uma dis-puta pelo monopólio de mercado, inserida na divisão social do trabalho, mostrando também que o caráter ‘mais’ ou ‘menos científico’ do conheci-mento monopolizado por cada grupo profissional não é dado, mas socialmen-te construído.
O conhecimento formal e o pa-pel legitimador que a ciência assume nas sociedades modernas definem a relação de poder que se estabelece en-tre as esferas de criação, transmissão e aplicação do conhecimento formal. A educação formal requerida para o emprego em determinadas posições distingue as profissões das ocupações. Este sistema de credenciamento
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ciona como mecanismo de reserva de mercado de trabalho para os mem-bros da profissão e exclusão dos de-mais. Portanto, as diferentes formas de acesso/controle do saber produzem as diferenças entre o profissional e o leigo e as hierarquias no interior do grupo profissional (Freidson, 1998).
A história é rica em exemplos que ilustram essa construção social da legi-timidade e hierarquia dos grupos pro-fissionais. Na Idade Média, a linha que divide trabalhadores mais ou menos reconhecidos deixa de um lado os sa-pateiros e alfaiates, pertencentes a corporações, e de outro seus corres-pondentes femininos – costureiras e chapeleiras.
A história da constituição das pro-fissões de saúde é emblemática. Antes da unificação da profissão, os médi-cos se dividiam entre os físimédi-cos, os ci-rurgiões e os apotecários. Os primei-ros tinham seus estudos desenvolvidos nas universidades e dedicavam-se ex-clusivamente às consultas e prescrição de tratamentos; os segundos provi-nham das corporações de ofícios dos cirurgiões-barbeiros e açougueiros, e seu trabalho envolvia purgas e sangri-as, além das cirurgias; além disso, ti-nham originalmente como atividades a fabricação e comercialização de me-dicamentos. Esta divisão criava uma
hierarquização dentro do grupo, de acordo com a maior ou menor liga-ção com o conhecimento erudito ou com a aplicação prática do conheci-mento e com o comércio.
O atual debate sobre o projeto de lei, que ficou conhecido como “ato médico (ver as indicações de sítios na internet que tratam do tema), o qual pretende diferenciar as atribuições es-pecíficas dos médicos das de outros profissionais da saúde, põe em evidên-cia o caráter histórico de que se reves-te a hierarquização entre os grupos profissionais da área.
No processo de constituição das profissões, as instituições de formação, nos seus diferentes níveis e com seus diferentes mecanismos, assumem im-portante papel de legitimação, sendo o Estado um ator central na pac-tuação e regulação através, dentre outras ações, do reconhecimento des-sas instituições e das credenciais por ele emitidas.
No caso do Brasil, o Estado pós-1930 investe na regulamentação das ocupações/profissões para, a partir dela, definir aqueles que seriam sujei-tos de direisujei-tos, constituindo o que San-tos (1979) chama de “cidadania regu-lada. Para as ‘profissões regulamenta-das’, a posse do diploma era suficien-te. Para as não-regulamentadas, era
necessária a comprovação na prática da competência, ou seja, “o ‘fechamen-to’ do mercado de prestação de ser-viços profissionais era, e continua a ser, o do credenciamento educacional, a posse do diploma de nível superior (Coelho, 2003). O que definia que uma ‘profissão’ fosse regulamentada era a mobilização de seus praticantes, atra-vés de uma associação, da persuasão de setores da sociedade de sua impor-tância e da capacidade de lobby junto ao Congresso para a apresentação e a aprovação de projeto de lei de regula-mentação.
É importante salientar que, pela legislação do país, os cursos de gradu-ação em medicina, em odontologia e em psicologia, são os únicos, além dos cursos jurídicos, cuja criação, pelo Mi-nistério da Educação, deve ser subme-tida manifestação do conselho da área, o Conselho Nacional de Saúde.
Desvelados esses processos, é possível ampliar o conceito de ‘pro-fissão’, como o faz Hughes (1994), para quem o termo ‘profissional’ deve ser tomado como categoria da vida coti-diana ‘que não é descritivo, mas impli-ca julgamento de valor e de prestígio’. O autor enfatiza a divisão do trabalho como ponto de partida de qualquer análise sociológica do trabalho huma-no, pois não se pode separar uma
ati-vidade do conjunto daquelas onde ela se insere e dos procedimentos de dis-tribuição social.
Para sustentar seu argumento, Hughes mostra que o profissional é aquele que possui um ‘diploma’ (licence) e um ‘mandato’ que lhe são atribuídos pela sociedade. O diploma é a autori-zação legal para exercer atividades que outros não podem, através da qual o profissional é separado dos demais. O mandato é a obrigação legal de asse-gurar uma função específica, através do qual lhe é confiada uma missão. Es-ses dois atributos conferem ao profis-sional um poder sagrado e constitu-em as bases da divisão moral do tra-balho, que implica uma separação en-tre funções essenciais (sagradas) e se-cundárias (profanas). Esse profissional detém um segredo, pelo qual deve se responsabilizar. Mas a ciência é apenas uma falsa justificativa para assegurar o poder dos profissionais e de suas as-sociações – instituições destinadas a proteger o diploma e a manter o man-dato de seus membros. Embora as fi-guras do médico e do advogado se-jam emblemáticas, é possível estender essas características a um vasto leque de profissionais. O autor estende essa mesma compreensão para aqueles cuja ocupação não adquiriu o status de ‘pro-fissão’, mostrando que estes também
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reivindicam e a eles são atribuídos uma licença e um mandato. Assim, estabe-lece-se uma analogia entre ‘ocupações’ e ‘profissões’ e pode-se estender a noção de socialização profissional para as atividades assalariadas ‘comuns’. Esse tratamento dado ao conceito por Hughes e seus pares da assim chama-da Escola de Chicago, ou intera-cionistas, é um avanço em relação sociologia clássica das ‘profissões’.
Ainda assim, Dubar (1997) con-sidera que tal abordagem insuficiente para compreender o processo de so-cialização dos trabalhadores de forma geral, em especial, dos assalariados menos qualificados da grande empre-sa. O conceito de formas identitárias formulado pelo autor, no diálogo com as teorias anteriores, permite ampliar a compreensão da relação dos indivíduos, ou grupo de indivíduos, com o seu trabalho. Abre-se, assim, um profícuo caminho de estudos sobre o tema, pois, como alerta Freidson (1998), a complexidade do conceito não deve ser empecilho para tais estudos, cuja estratégia de análise é to-mar as ocupações mais como casos empíricos individuais que como espécimes de algum conceito fixo e mais geral.
No caminho aberto pelos auto-res, é possível verificar, mesmo dentre
trabalhadores com inserção precria no mercado de trabalho, seu auto-reco-nhecimento como profissionais, na medida em que se identificam com determinados grupos e que conside-ram seus saberes e seu trabalho úteis socialmente (Franzoi, 2006).
Para saber mais:
BARBOSA, M. L. de O. A sociologia das profissões: em torno da legitimidade de um objeto. Boletim Informativo e Bibliográfico de Ciências Sociais, 36: 3-30, 2. sem. 1993. BECKER, H. S. The nature of a profession. In: BECKER, H. S. (Ed.) Sociological Work: method and substance. New Brunswick, NJ: Transaction Books, 1970.
CASTEL, R. As Metamorfoses da Questão Social: uma crônica do salário. Petrópolis: Vozes, 2003.
COELHO, E. C. As profissões Imperiais: medicina, engenharia e advocacia. Rio de Janeiro: Record, 2003.
DUBAR, C. A Socialização: construção das identidades sociais e profissionais. Porto: Porto Editora, 1997.
DURKHEIM, É. Da Divisão do Trabalho Social. São Paulo: Martins Fontes, 1995. FRANZOI, N. L. Entre a formação e o trabalho: trajetórias e identidades profissionais. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2006.
FREIDSON, E. Renascimento do Profissionalismo: teoria, profecia e política. São Paulo: Edusp, 1998.
HUGUES, E. C. On work, Race and the Sociological Imagination. Chicago: The University of Chicago Press, 1994. MACHADO, M. H. (Org.) Profissões de Saúde: uma abordagem sociológica. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1995.
MERTON, R. K. The Student-Physician: an introductor y studies in the sociology of medical education. Cambrigde: Harvard University, 1957.
PARSONS, T. Ensayos de teoría sociologica. Buenos Aires: Paidós, 1967.
SANTOS, W. G. dos. Cidadania e Justiça. Rio de Janeiro: Campus, 1979.
<http://www.por talmedico.org.br/ atomedico> Acesso em: 27 ago. 2006. <http://www.portalcofen.gov.br> Acesso em: 27 ago. 2006.
<http://www.sedes.org.br/Instituto> Acesso em: 27 ago. 2006.