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A MUDANÇA SOCIAL EM SOPHIA. UMA PERSPECTIVA DIDÁCTICA DA POESIA DATADA Elisa Gomes da Costa

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Academic year: 2021

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“A MUDANÇA SOCIAL EM SOPHIA.

UMA PERSPECTIVA DIDÁCTICA DA POESIA DATADA”

Elisa Gomes da Costa

(Serao publicado em Acta pela UFP. Porto)

Venho hoje falar sobre Sophia de Mello Breyner e no seu empenhamento na mudança social, por isso, foi minha opção fazer uma das leituras possíveis da poesia datada desta autora. Digo uma das leituras possíveis, porque se situa a minha abordagem numa perspectiva didáctica, deixando de lado tantas outras possibilidades que o texto literário, e nomeadamente o texto de Sophia, poderia prodigalizar. Neste sentido, começarei por falar do conceito de poesia datada, ou poesia “engagée”, aquela que pretende espelhar um momento sócio-político, tendo como objectivo, com esse espelhamento, alertar as consciências, quer as mais lúcidas, quer as mais adormecidas, para os problemas da sociedade. Pretende, essencialmente, reconhecer, no seu tempo, as imperfeições e denunciá-las. São deste ciclo os textos “Data”, de 1962, ou o poema “As Pessoas Sensíveis” (Obra Poética II, pp. 145 e 147) que, numa visão absolutamente despojada da sociedade, revela as máscaras do homem na “mise en scène” social. É uma poesia de participação directa na luta democrática que, cada vez mais, está próxima do público, na tentativa de o sacudir e de o incentivar a uma dialéctica que se operaria no íntimo de cada um. Vou, novamente, invocar aqui o título desta comunicação “A mudança social em Sophia de Mello Breyner Andresen. Uma perspectiva didáctica da poesia datada” para, após ter abordado o conceito de poesia datada, explicar o conceito de didáctica. Didáctica, palavra originária do grego, significa a ciência que se ocupa das técnicas e métodos do ensino.

Em Sofia de Mello Breyner, aquilo a que assistimos na poesia datada é, sem dúvida, um conjunto de ensinamentos, uma didáctica, portanto, de uma forma de vida, uma forma por si vivenciada e que gostaria de transmitir, isto é, de passar em testemunho aos outros. Vou, então, remeter os ouvintes para alguns textos que me pareceram sugestivos destes ensinamentos.

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“No tempo dividido” podemos ler textos que remetem para um tempo de instabilidade, morte, dúvida, terror, tempo este que se opõe ao tempo absoluto, tempo de felicidade, de harmonia, de paz.

O poema “Promessa” (Obra Poética II, p. 31) descreve o mundo em que vivemos mas, apesar de viver num mundo que é feito do que temos, o sujeito lírico afirma:

“Viverei segundo a lei da liberdade” Segundo a lei da exacta eternidade.”

Há como que uma didáctica da harmonia, da paz, embora estejamos imersos no mundo que é avesso à realização deste anseio. Em toda a poesia datada, há uma espécie de promessa de viver segundo a lei da exacta eternidade. Esta promessa é uma espécie de didáctica, uma vez que a poetisa deixa aí um conjunto de ensinamentos, de “performances”.

Em “Santa Clara de Assis” (No Tempo Dividido, p. 42), volta a sugerir o mesmo percurso de vida:

”Eis aquela que parou em frente Das altas noites puras e suspensas Eis aquela que soube na paisagem Adivinhar a unidade prometida: Coração atento ao rosto das imagens, Face erguida,

Vontade transparente

Inteira onde os outros se dividem”

O modelo é dado pela própria Sophia: Santa Clara de Assis. Tal como em toda a perspectiva dialéctica há, sem dúvida, a apresentação e a selecção de modelos. É, pois, cedendo ao leitor o modelo de actuação, que Sophia pretende exercer a sua didáctica Neste texto, existem vários alertas de comportamentos: “Adivinhar a unidade prometida, coração atento, face erguida, vontade transparente, inteira.”

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No poema da p. 47 (No Tempo Dividido) surgem, também, alguns procedimentos; repare-se, aqui, na reiteração marcada pelo uso do imperativo:

“Serenamente sem tocar nos ecos Ergue a tua voz

E conduz cada palavra Pelo estreito caminho.

Vive com a memória exacta De todos os desastres

Aos deuses não perdoes os naufrágios Nem a divisão cruel dos teus membros. No dia puro procura um rosto puro Um rosto voluntário que apesar Do tempo dos suplícios e dos nojos Enfrente a imagem límpida do mar.”

Em Sophia, este tempo de clausura, de fechamento, é determinado, segundo palavras de Carlos Ceia (1996), “pela acção repressiva, por circunstâncias exteriores não naturais, provavelmente políticas”. Sophia procura desviar as imagens do real, do seu curso esperado, confundindo mesmo o olhar do leitor, obrigando-o a exercícios imagináveis fantásticos para que não se detenha nas representações sensoriais do objecto estudado. Em Sophia, ”só os elementos do vento são visíveis” e só através de uma indução imediata podemos fazer inferências sobre a existência e a natureza do vento, a partir das percepções visuais dos seus efeitos. No poema “Vento” (Coral) a acção deste vai contra as janelas fechadas, sendo, então, a janela uma espécie de sinal de receptividade que, uma vez fechada, não lhe dá entrada, acentuando a inquietação da noite de ventania. Carlos Ceia afirma: “as janelas fechadas do poema podem, assim, sugerir este sentimento muito comum em Sophia: o terror da morte.” (1996, p. 45). O vento, no exterior, é o pretexto para o poeta rever, durante a noite, toda a sua vida:

“Sento-me ao lado das coisas E bordo toda a noite a minha vida”

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Eis-nos aqui perante Sophia a perder-se nas lembranças, porque o presente lhe parece inanimado e, por isso, lhe desperta uma ânsia de liberdade

“E o vento contra as janelas”

Faz-me talvez pensar que eu seja um pássaro”.

Sophia oferece ao pássaro livre um simbolismo muito especial, provavelmente, uma ideia muito forte de mudança social. Pode, ainda, traduzir uma concepção romanesca do ciclo eterno de vida/morte e renascimento do universo.

O Estado Novo está largamente trabalhado na poesia de Sophia. São deste tempo os poemas “A Paz sem vencedores e vencidos”, (Obra poética III, p. 160), “Camões e a tença” (Obra poética III, p. 162), ou ainda “Catarina Eufémia” (Obra poética III, p. 162). No poema “A Paz sem vencedores e vencidos”, encontramos uma invocação, um pedido de um mundo mais justo, onde possa existir uma paz sem vencedores nem vencidos:

“Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos A paz sem vencedores nem vencidos” ………

Para que venha a nós o vosso reino Dai-nos Senhor a paz que pedimos Fazei Senhor que a paz seja de todos Dai-nos Senhor a paz que pedimos

A paz sem vencedores nem vencidos”

Este é o exercício que Sophia quer - uma didáctica de comprometimento a favor dos mais frágeis, dos deserdados da vida. O refrão “A paz sem vencedores nem vencidos” remete-nos para a necessidade de nivelar as pessoas, sem polarizar as questões.

No poema “As pessoas sensíveis” (Obra Poética II, p. 147) o mandamento “amai-vos uns aos outros” é uma espécie de Pai Nosso – um exercício da doutrina cristã,

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socialmente comprometida. A autora fez parte do MUD, Movimento de Unidade Democrática, um grupo de católicos que procurou unir-se com a finalidade de fazer sentir, superiormente, o descontentamento e para reclamar a verdade, a justiça e a liberdade. Foi, talvez, uma tomada de posição, onde se fez a previsão da revolução de Abril.

No texto “Camões e a Tença” (Obra poética III, p. 162), Sophia estabelece a relação de Camões com a pátria que não lhe deu o devido valor.

Camões, um génio da literatura portuguesa, prestou um serviço incomensurável à pátria, ao escrever “Os Lusíadas”. Também para ele, o país esteve de costas voltadas. Sophia pretende mostrar que a relação entre a pátria e Camões é aqui símbolo da relação entre a pátria e os que nela vivem. O país não pode estar de costas voltadas para quem nele trabalha. Mais uma vez Sophia revela a sua didáctica através do uso do imperativo:

“Irás ao Paço. Irás pedir que a tença Seja paga na data combinada Este país te mata lentamente

País que tu chamaste e naõ responde País que tu nomeias e não nasce ……

Irás ao Paço irás pacientemente

Pois não te pedem canto mas paciência

“Irás pacientemente”.

Datado ainda é o poema Catarina Eufémia (Obra poética III, p.162), onde se faz o ensinamento às mulheres que devem tomar esta personalidade como exemplo. Ao fazer o elogio de Catarina Eufémia, critica as mulheres que assumem o papel de mulher passiva.

“Pois não deste homem por ti

E não ficaste em casa a cozinhar intrigas

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Nem usaste de manobra ou de calúnia E não serviste apenas para chorar os mortos ……..

Sophia pretende que as mulheres aprendam uma lição com o exemplo de Catarina Eufémia, isto é, a assumam como modelo:

“e não serviste apenas para chorar os mortos...”.

Catarina Eufémia morreu em busca da justiça e a última estrofe, composta apenas de um único verso, faz um apelo à continuação da busca da justiça:

“E a busca da justiça continua”

O poema “Caxias 68” (Obra poética III, p. 160) é, sem dúvida, um outro exemplo de poesia datada, apontando, desde já, uma espécie de antevisão da revolução por que tanto anseia, facto que o poema “A liberdade” (Obra poética II, p. 23) já prefigura. O momento em que os muros se quebram e a liberdade é obtida está magistralmente conseguido em Caxias 68:

“Luz recortada nesta manhã fria Muros e portões chave após chave O meu amor por ti é fundo e grave Confirmado nas chaves deste dia”

“Revolução “(Obra poética III, p.196) é, também, um texto altamente datado – 27 de Abril de 1974 e é sobre a revolução de Abril.

“Como casa limpa Como chão varrido Como porta aberta

Como puro início Como tempo novo Sem mancha nem vício

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Como a voz do mar Interior de um povo

Como página em branco Onde o poema emerge

Neste texto, abundam os adjectivos, que remetem para o que é novo, para o que está limpo “como casa limpa, aberta”, mas é curioso notar que, na 4ª estrofe, Sophia refere esse tempo de revolução como o tempo em que tudo era possível fazer, um tempo de construção. Repare-se nos versos: “Como página em branco, onde o poema emerge”. Assistimos a mais um apelo de Sophia para que se construa esse mundo novo na página em branco; esse apelo está, ainda, mais visível no poema “Nesta hora” (Obra poética III, p. 197):

“Nesta hora limpa de verdade, é preciso dizer a verdade toda Mesmo aquela que é impopular neste dia em que se invoca o povo Pois é preciso que o povo regresse do seu longo exílio

E lhe seja proposta uma verdade inteira e não meia verdade”

Neste texto, a didáctica está presente na proliferação de marcas de processos de actuação:

“é preciso dizer a verdade toda”

“é preciso que o povo regresse” e que, uma vez por todas, o demagogo desapareça porque:

“O demagogo diz da verdade a metade E o resto joga com habilidade

Porque pensa que o povo só pensa metade Porque pensa que o povo não percebe nem sabe”

No poema “A forma justa” (Obra poética III, p. 197), Sophia diz saber de um saber, provavelmente instaurado pela vidência da escrita, “que seria possível construir um mundo justo”; no entanto, aponta uma condição absolutamente necessária: “se ninguém

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atraiçoasse”. Ora mais uma vez Sophia nos pretende legar uma lição de vida porque afirma:

“Sei que seria possível construir a forma justa De uma cidade humana que fosse

Fiel à perfeição do universo”.

O que ela aponta, para que cada um faça, é essa disponibilidade para a construção de um mundo novo e justo, sem a traição do homem; diferentemente, ela tem um ofício especializado “o ofício de poeta para a reconstrução do mundo” e refere declaradamente a sua forma de actuação: “Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco” Há, portanto, como pudemos constatar em Sophia, uma vertente didáctica que se espalha ao longo da sua obra, mas que eu, nesta breve comunicação, procurei evidenciar essencialmente na poesia datada. Leio, por fim, um texto de “Dual”(Obra poética III, p.121), onde Sophia remete o leitor para um procedimento importante no exercício de viver a vida:

“Ausentes são os deuses mas presidem. Nós habitamos nessa

Transparência ambígua,

Seu pensamento emerge quando tudo De súbito se torna

Solenemente exacto.

O seu olhar ensina o nosso olhar: Nossa atenção ao mundo

É o culto que pedem.”

A nossa atenção com o mundo é tudo que os deuses pedem. Os deuses e os homens de bem! Se estivermos atentos ao mundo, estaremos a cumprir os desígnios dos deuses, provavelmente os desígnios do homem enquanto ser, onde reside, para além da besta, o homem espiritual.

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Termino citando Eduardo Prado Coelho que, na sua forma rigorosa e atenta de olhar Sophia me tinha já prevenido para a dificuldade de ler e analisar Sophia: “A limpidez desta linguagem dificilmente autoriza a sua duplicação sob a forma de comentário”. Perdoem-me, pois, pela modéstia deste meu contributo.

Elisa Gomes da Costa

Bibliografia

Andresen, Sophia de Mello Breyner (2003). Obra poética I. Lisboa, Editorial Caminho. Andresen, Sophia de Mello Breyner (1999). Obra poética II. Lisboa, Editorial Caminho.

Andresen, Sophia de Mello Breyner (1991). Obra poética III. Lisboa, Editorial Caminho.

Ceia, C. (1996). Iniciação aos Mistérios da Poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen. Lisboa, Vega.

Pereira, L. R. (2003). Inscrição da Terra. Lisboa, Instituto Piaget.

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