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O Jazz e o Mundo Corporativo

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Academic year: 2021

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O Jazz e o Mundo Corporativo

André Acioli e Luiz Henrique*

A música nos dá exemplos de excelência em gestão que vão muito além da tradicional e já batida arte de o maestro reger sua orquestra.

Poderíamos enveredar pelo mundo do samba, do rock, do techno ou de qualquer outro, mas, provavelmente, nenhuma das “escolas” escolhidas seria tão feliz em trazer à tona tamanha riqueza de possíveis associações ao mundo corporativo atual, quanto nos traz o Jazz.

O Jazz nasceu como manifestação artística e cultural de negros, no início do século XX, na região de Nova Orleans, sul dos Estados Unidos. Com o passar do tempo, tornou-sefator de fundamental importância para desenvolvimento do orgulho das próprias origens e da cor escura da pele, decorrente da fama e respeito atingidos pelos músicos de Jazz.

Apesar de filho “legítimo” do blues, o Jazz sempre procurou passar ao longe do sofrimento do cântico dos descendentes de escravos que trabalhavam nas plantações de algodão, eternizado pelas canções do seu “genitor”.

A origem do nome ‘jazz’ é permanente alvo de dúvidas entre estudiosos e pesquisadores. A hipótese mais aceita sugere que a palavra jazz deriva danecessidade de enorme flexibilidade imposta pelo ritmo que, quando associado à dança, traz forte conotação sexual.

A esta altura é possível que você, leitor, esteja se perguntando -e com propriedade- onde pode estar a “tal riqueza de associações” que dissemos existir entre Jazz e empresas. Fique tranquilo porque as organizações a que nos referimos não costumam empregar artistas; logo, a associação não é pelo fato de o trabalho ser uma “arte”.

Independentemente do trabalho executado, podemos dividi-lo em duas partes: uma diz respeito ao conteúdo e outra, à forma.

Avaliação de conteúdo, quase sempre, tende a ser objetiva; já a da forma, raramente. A forma pode, inclusive, dizer respeito à apresentação do trabalho. Neste caso, se com características pessoais do executor, ainda mais subjetiva é a avaliação daquele que o recebe. Esta avaliação, por ser subjetiva, depende exclusivamente da percepção das pessoas.

Percepção pode ser entendida como o significado atribuído por cada indivíduo aos estímulos sensoriais a que é submetido. Desta forma, a percepção influencia o comportamento das pessoas porque tem por base a interpretação da realidade e não na realidade em si. Por isso, as percepções sobre um mesmo estímulo são diferentes para cada um de nós e, o estímulo terá mais ou menos importância na medida em que os aspectos nele presentes sejam mais ou menos valorizados por quem o percebe.

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No ambiente organizacional, onde se pretende que tudo (ou quase tudo) seja mensurado, pessoas deixam de perceber muitas coisas. Dentre os possíveis motivos, talvez pudéssemos aventar a hipótese de que se evita perceber o que não se pode medir. Como que num processo de audição seletiva, onde se escuta apenas o que se quer, simples assim.

Na mesma década em que aconteceram a I Guerra Mundial e a popularização do uso do rádio, nasceu o Jazz. O movimento começou tímido, como qualquer produto que tenha pouca divulgação. Grupos como os de Buddy Bolden, King Oliver e Original Dixieland iniciam suas trajetórias quase que ao mesmo tempo. São as primeiras a disseminar o novo estilo que sucede ao Blues e ao Ragtime.

É curioso registrar que, assim como nas empresas, ser o primeiro é um grande diferencial. No Jazz, não há como identificar “o” primeiro; e sim, “os” primeiros. Tal diferencial, no caso do Jazz, não pôde ser explorado adequadamente. Ainda que o fosse, provavelmente seria insuficiente para ofuscaro enorme sucesso, na década seguinte, produzido por um ex-integrante do grupo de Oliver, Louis Armstrong, o verdadeiro “Top of Mind” do Jazz, desde àquela época.

O movimento fez surgir as Big Bands. Eram grandes orquestras, compostas por músicos em número de doze a vinte e cinco. As mais famosas, e até hoje reconhecidas, foram as de Duke Ellington e de Count Basie. Como conseguir, harmonicamente, os melhores resultados no trabalho de grupos com grande número de participantes, muitos deles já consagrados. Das duas hipóteses: inexistência de vaidades e liderança forte, ficamos com a segunda. Cada músico, em seu tempo, assim definido pelo líder da banda, tinha o momento solo para poder brilhar. A liderança forte e a busca pelo objetivo comum foram capazes de fazer com que as vaidades fossem deixadas de lado. É verdade que muitas grandes bandas não alcançaram o mesmo sucesso das de Ellington e de Basie, mas nem todos são aptos a liderar.

No mundo organizacional moderno, existe o mito de que trabalhar em grandes grupos é praticamente impossível. Por quê? Excesso de vaidades, falta de liderança ou inexistência do entendimento de um objetivo comum? Porque nas Big Bands davam certo e nas organizações não?

Na evolução do Jazz, como verdadeiros espaços para duelos de improvisação entre músicos, principalmente os sax tenoristas, criam-se as Jam Sessions. “Jam” deriva de Jazz at midnight, por começar após a meia-noite e não ter hora para terminar. Por vezes, rompiam as manhãs. Dentre as diversas “batalhas” ficaram famosas as protagonizadas por Coleman Hawkins e Lester Young, nos anos 30, muitas delas ambientadas em Kansas City. Quando falamos em improviso, é possível que o nosso leitor imagine uma sucessão de acordes que, por mais bem que fossem tocados, foram frutos de inspiração, ali, naquele exato momento. Doce engano. Para obter êxito nessas empreitadas, os músicos passavam por grande volume de estudo e treinamento. Tamanho era o conhecimento de cada um que, apesar de gerados ali, os acordes ouvidos haviam sido planejados e avaliados, só que, há apenas alguns segundos antes. No improviso praticado pelos grandes do Jazz, a

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inspiração contava muito pouco; valia sim, a velocidade de implementação de todos os seus conhecimentos para que o resultado esperado dos acordes pelos que os ouviam pudesse ser atingido ou, ainda melhor, superado -e quase sempre era isso que acontecia. No mundo corporativo não é tão diferente. “Gênios” improvisam, mas ser “gênio” requer esforços incomuns para que se tenha a melhor resposta no menor tempo e, para isso, muito há que se estudar. Por não perceber isso, poucos são os “gênios” nas organizações. Duke Ellington era um desses gênios. Foi arranjador, compositor, pianista e líder de orquestra e, tinha excelência em tudo o que fazia. Um grande exemplo da pluriaptidão do homem, ou seja, um exemplo da capacidade humana de se fazer muitas coisas e bem. Mudando o ponto de vista, saindo do jazz e ingressando nas empresas, como é visto o colaborador que “faz tudo bem feito”? Neste exato momento, sem esforços, você deve estar se lembrando de alguém assim: agitado, mesa cheia de papéis, por vezes, sequer almoça e, acredite, raramente é promovido! Seria demais inferir que, no mundo moderno, excesso de competências é castigo?

Cá entre nós, alguns destes “infelizes competentes” têm, além de tudo, uma característica especial: inovam. Valorizada por dez entre dez músicos do Jazz, a inovação também o é por nove entre dez empresas. Criatividade é importante, mas nada modifica se não for implementada. A confiança e a ousadia em implementar estas novas idéias é que transforma uma pessoa criativa em inovadora.

Jazz e organizações podem identificar sem grandes esforços, profissionais de grande criatividade. Destes, muitos esbarrarão em questionamentos e dificuldades que os inibirão a continuar a busca pela implementação de suas criações; outros poucos, não se darão como vencidos até que as idéias valiosas se transformem em atos e fatos. Da perseverança deste tipo de músico registram-se avanços em harmonia, melodia, timbre, ritmo, arranjo, fraseado.

Coleman Hawkins, por exemplo, ousou ao criar técnicas de utilização do sax-tenor no Jazz, condição jamais aventada até então. A partir dele, Lester Young mostrou que era possível tocar sax de uma maneira lírica e aveludada. Charlie Parker apresentou alternativa que possibilitou o que, até então, era impossível: alterar a dinâmica das Big Bands. Parker adotou a formação de combos (pequenos grupos de músicos) em substituição às tradicionais e caras grandes bandas. A atuação destacada dos músicos destes pequenos grupos associada à genialidade de Parker e Dizzy Gillespie deram origem à uma nova linguagem musical, o Bebop que, como qualquer mudança, demandou certo tempo para ser aceito já que rompia com o conceito tradicional das Big Bands que dominavam o cenário musical.

Coragem para mudar. Muitos a tiveram no Jazz; muitos a têm nas organizações. Mudar pressupõe abrir mão do status atual; envolve perdas reais e ganhos potenciais. Não há que se culpar a natureza das pessoas; há aquelas mais ousadas, dispostas a arriscar mais e outras, mais conservadoras. Como qualquer investimento, seja no Jazz, na Bovespa ou nas empresas, os ganhos tendem a ser proporcionais aos riscos.

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Assim, acomodar-se é uma forma de se ver condenado a pequenos ganhos. Um bom exemplo que estamos falando aconteceu, segundo Mugiatti (2008), nos idos de 1953 quando, por acidente, John Birks Gillespie, o Dizzy Gillespie, teve seu trompete chutado. O “novo” instrumento, amassado, teria o lixo como destino certo não fosse a necessidade, que tinha Dizzy, de tocar na festa de aniversário de sua esposa, naquele mesmo dia. Apesar das contidas risadas, a sonoridade do “novo” trompete encantou a todos, inclusive ao próprio artista. O trompete acidentalmente amassado serviu de inspiração para que Gillespie encomendasse à Companhia Martin, a produção de um especial, com a campana elevada num ângulo de 45o. Isso permitia ao músico, ouvir as notas com maior antecedência nas situações em que se abaixava para ler uma partitura.

Até 1993, ano do falecimento de Gillespie, o trompete “amassado” e as grandes bochechas -provavelmente, as maiores que você já viu-tornaram-se as suas “marcas registradas”.

Ficar mais velho é sempre uma preocupação dos profissionais do mundo corporativo ocidental. Não sabemos se pela necessidade de viver a vida intensamente ou por entender que assim como a arte, não há fronteiras para os artistas, tal preocupação parece não existir entre os músicos de Jazz. Grande parte deixa o convívio terreno precocemente (sobre alguns deles, falaremos mais adiante); outros, como por exemplo, Clark Terry, nonagenário e Lee Konitz, octogenário, continuam a tocar, e bem, ainda hoje. Hank Jones que trabalhou até os 93 anos, faleceu no último mês de maio, ainda em atividade.

Não há como negar que o aumento da idade nos impede ter o mesmo rendimento físico que tínhamos aos 20 ou aos 30 anos. Por que não acreditar que o corpo pode ser velho, mas a mente, nem sempre? Será que todas as peças de um bom relógio suíço se tornam inservíveis na mesma velocidade em que a sua pulseira? Há mercado para motores de Fuscas. As carrocerias? Nem sabemos se ainda existem!

Que não no oriente, contar com a experiência dos mais velhos nas organizações é exceção. Niemeyer é de 1907, Senor Abravanel, o Silvio Santos, de 1930, Abilio Diniz, de 36, isso só para citar alguns. Quantos outros profissionais, em plena capacidade produtiva foram considerados obsoletos pelo mundo corporativo e compulsoriamente aposentados?

Assim como nas empresas, o Jazz também teve os seus “colaboradores-problema”. Viver muito em pouco tempo. Para alguns, como Billie Holiday, Charlie Parker e John Coltrane, esta máxima foi levada ao pé da letra. Billie faleceu aos 44, Parker, antes de completar 35 e Coltrane, com pouco mais de 40. Talentos apagados em pleno auge das carreiras; colaboradores em plena capacidade produtiva.

Por outro lado, o Jazz nos proporciona exemplos de artistas que se destacaram pela solicitude e competência. Esses “talentos do bem” nos remetem a Ella Fitzgerald, por exemplo. Se Billie foi a cantora da desgraça, Ella foi a cantora da felicidade, do equilíbrio e da perfeição. Morreu com esta mesma fama, aos 80 anos de idade, em 1996. Johnny Hodges, saxofonista de primeira linha, tocou na banda de Duke Ellington por mais de 40

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anos, sendo um dos seus destaques até falecer aos 64 anos, em 1970. Talentos reconhecidos e mantidos. Colaboradores que permaneceram nos quadros em reconhecimento às suas capacidades produtivas.

Investir, recuperar ou demitir? Como fazer para reter talentos e aumentar o ativo intelectual da empresa? São discussões que permeiam mais do que corredores e salas; são decisões que podem estar associadas aos valores da própria empresa, à visão do seu papel na sociedade e à própria sociedade em que está inserida.

Sociedades, todas, em maior ou menor grau, preconceituosas e, naturalmente, por consequência, as empresas. Art Tatum era cego de um olho, Thelonious Monk tinha um jeito insólito de tocar piano com os dedos estendidos e tocava nas teclas de maneira percussiva. O universo jazzístico não permitiu que os preconceitos – decerto existentes- lhes impedissem de atingir o sucesso, e eles o atingiram. Como são vistos aqueles que, nas organizações atuam de maneira diferente da ”consagrada”? Como outros profissionais lidam com o sucesso dos que têm excelentes resultados fazendo de forma diferente? Quanto vale o sucesso?

Sonny Stitt, por exemplo. Saxofonista que, segundo pares e analistas, poderia ter ido muito mais longe. Com um pouco mais de esforço e dedicação à profissão, talvez fosse hoje reconhecido como um “monstro” sagrado do sax alto. Por que não o é? Simples: estava na contramão do sucesso. Primava pela qualidade de vida e, até morrer, aos 58 anos, não modificou seus ideais. Optou por manter-se em segundo plano, apesar dos apelos em contrário. Se ao mundo corporativo pertencesse, arriscamos, seria considerado maluco ou visionário -se é que existe diferença entre os dois-. É curioso como o discurso da excelência da qualidade de vida está em voga nas empresas há mais de 10 anos e, por incrível que pareça, poucos são os que a ele aderem. Fazer a opção por ele, assim como Stitt o fez, é dizer “não” ao reconhecimento do sucesso por outros, do dinheiro, da fama, do poder. Talvez este discurso ainda tenha outros tantos anos a percorrer até que as pessoas sejam estimuladas a rever seus próprios valores.

É claro que aqui não falamos de todas as estrelas do Jazz nem dos seus grandes feitos. Por mais que gostemos de falar deste assunto, a proposta do presente artigo é a de apresentar algumas das possíveis associações entre o Jazz e as empresas e, sem a pretensão de exauri-las, promover questionamentos que nos levem à reflexão dos modelos e comportamentos que ora adotamos no mundo corporativo. Não imaginamos soluções por não haver “verdades”. As “verdades” mudam; assim como muda o mundo. Existem outros muitos exemplos de possíveis associações, mas deixemos que você mesmo as busque. Há muito conhecimento nas entranhas do Jazz. Há, no entanto, muito mais ainda que, sobre ele, nós, participantes do universo corporativo, devamos repensar.

*André Acioli é administrador, mestre pelo Coppead-Ufrj, consultor de empresas, professor universitário na Mackenzie Rio e chef fundador do Boteco do Conhecimento.

Luiz Henrique é jornalista, economista, consultor de empresas, produtor, crítico e pesquisador musical de jazz e blues, além de chef do Boteco do Conhecimento.

Referências

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