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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGEM IL. PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM MeEL GLEICE ANTONIA MORAES ALCÂNTARA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGEM – IL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM – MeEL

GLEICE ANTONIA MORAES ALCÂNTARA

A FÓRMULA DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA MÍDIA MATO-GROSSENSE

Cuiabá – Mato Grosso Agosto de 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE LINGUAGEM – IL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM – MeEL

A FÓRMULA “DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL” NA MÍDIA MATO-GROSSENSE

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem (Mestrado) da Universidade Federal de Mato Grosso, como parte dos requisitos para a obtenção do Título de Mestre em Estudos de Linguagem.

Orientador: Prof. Dr. Roberto Leiser Baronas

Cuiabá – Mato Grosso Brasil – 2011

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GLEICE ANTONIA MORAES ALCÂNTARA

A FÓRMULA “DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL” NA MÍDIA MATO-GROSSENSE

Cuiabá-MT Agosto de 2011

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Alcântara, Gleice Antônia Moraes.

A Fórmula “desenvolvimento sustentável” na mìdia mato-grossense. Cuiabá: UFMT, 2011.

101f.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Mato Grosso. Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem, 2011.

Orientador: Roberto Leiser Baronas.

1. Análise do discurso. 2. Espaço discursivo jornalístico. 3. Acontecimento discursivo – narrativa. I. Título.

CDU: 81'42(817.2)

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v DEDICATÓRIA

Avôhai

Um velho cruza a soleira

De botas longas, de barbas longas De ouro o brilho do seu colar Na laje fria onde quarava Sua camisa e seu alforje De caçador...

Oh! Meu velho e Invisível Avôhai!

Oh! Meu velho e Indivisível Avôhai!

Neblina turva e brilhante

Em meu cérebro coágulos de sol Amanita matutina

E que transparente cortina Ao meu redor...

E se eu disser Que é meio sabido Você diz que é bem pior E pior do que planeta Quando perde o girassol... É o terço de brilhante Nos dedos de minha avó E nunca mais eu tive medo Da porteira

Nem também da companheira Que nunca dormia só... Avôhai!

Avô e Pai Avôhai!

O brejo cruza a poeira De fato existe

Um tom mais leve Na palidez desse pessoal Pares de olhos tão profundos Que amargam as pessoas Que fitar...

Mas que devem sua vida Sua alma na altura que mandar

São os olhos, são as asas Cabelos de Avôhai... Na pedra de turmalina E no terreiro da usina Eu me criei Voava de madrugada E na cratera condenada Eu me calei

Se eu calei foi de tristeza Você cala por calar E calado vai ficando

Só fala quando eu mandar... Rebuscando a consciência Com medo de viajar

Até o meio da cabeça do cometa Girando na carrapeta

No jogo de improvisar Entrecortando

Eu sigo dentro a linha reta Eu tenho a palavra certa Prá doutor não reclamar... Avôhai! Avôhai!

Avôhai! Avôhai!

Ao Dedé, com todo meu amor, saudades eternas...

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AGRADECIMENTOS

Talvez, a parte mais difícil e mais injusta seja a dos agradecimentos. Difícil pelo fato de a palavra obrigado não ser capaz de externar toda a minha gratidão com aqueles que direta ou indiretamente me acompanharam na caminhada. Injusta por, de repente, no momento da redação, não lembrar-me de pessoas muito importantes. Por isso, sintam-se todos abraçados e saibam que a mão de cada um de vocês se encontra nas páginas que escrevi.

À Deus, pelas oportunidades e graças que todos os dias me oferece.

À minha mãe, pela vida que me proporcionou e pelo incentivo à vida acadêmica, além de, incansavelmente, colocar-se ao meu lado.

Ao meu maior tesouro, Joaquim Mateus, que chegou durante o curso e que transformou a minha vida, mostrando que o amor é aquilo que nos move.

Ao meu amado avô Joaquim, o pai que pude contar. Exemplo de homem que certamente onde estiver continua me guiando e abençoando.

À minha família, que foi sacrificada e que soube entender a minha ausência.

À minha tia Marilete, que esteve ao meu lado em todos os momentos.

À Michelle, pelo apoio emocional que deu-me em um momento muito difícil.

Ao professor, orientador e amigo Dr. Roberto Leiser Baronas, que, na sua imensa grandeza intelectual, gentilmente compreendeu minhas dificuldades.

À professora Dra. Maria Inês Pagliarini Cox e ao professor Dr. Marcos Lúcio de Souza Góis, que tão gentilmente contribuíram com esta pesquisa, apontando possíveis falhas com palavras sábias e com muita delicadeza.

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À professora Dra. Luciana Salazar Salgado, pela conversa rápida em São Carlos, mas que foi, sem dúvida, muito proveitosa para pensar o conceito de fórmula.

À professora Édna André, pela amizade e força. Foi, indubitavelmente, a responsável por meu caminhar rumo aos estudos linguísticos, nos inesquecíveis ensinamentos saussurianos. Muito de seus apontamentos teóricos e humanos constam na minha vida pessoal e acadêmica.

À minha amiga e companheira querida Andréia, pelas palavras de incentivo, pela gentileza com que abriu as portas de sua casa para me receber, enfim por tudo que fez, faz e certamente continuará fazendo por mim.

Ao Mateus Melo, por aguentar “aquele” cachorro-quente caprichado e por me receber tão bem em sua casa.

À querida Milena, que, na grandeza de seu coração, acalentou o meu, colocando sempre a palavra certa, na hora certa.

Aos colegas da biblioteca da Unemat, em especial ao Josafá, pela colaboração na digitalização e empréstimos de livros.

À Rose, pelas inúmeras caronas para Cuiabá.

Aos amigos queridos de São Carlos, Bia, Sheley e Lúcio, pela hospitalidade.

Aos companheiros de mestrado, em especial a Shirlei, Rute, Margaretinha, Itamar, Carmem, amigos queridos.

Ao Programa de Mestrado, por me conceder a honra de participar da vida acadêmica em companhia de mestres queridos, principalmente por me agraciar com os conhecimentos do orientador Baronas.

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Ao pessoal da secretaria do PPGL(MeEL)que sempre me recebeu com gentileza e respeito.

Aos colegas e alunos da escola Criança Cidadã, pela força e compreensão nas minhas ausências.

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“Estamos no espaço da “acontecimentalização do acontecimento”, onde a narrativa coletiva faz um retorno às suas fontes permanentemente.”

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x RESUMO

Nossa pesquisa tem como objetivo analisar discursivamente os sentidos que são dados a circular pela fórmula “desenvolvimento sustentável/sustentabilidade” no espaço discursivo jornalístico mato-grossense. Tomamos como referência para constituição de nosso corpus matérias de um jornal de grande circulação do estado, A Gazeta, sediado em Cuiabá. Como recorte temporal, estabelecemos os anos que compreendem de 2006 a 2010. O interesse pela questão surgiu a partir de reflexões como professor de ensino básico, que tem como um de seus o papéis a promoção e inserção do conteúdo de educação ambiental no cotidiano escolar e, principalmente, por observar como o ambiente, por meio do sintagma nominal “desenvolvimento sustentável/sustentabilidade”, vem sendo engendrado em diferentes sentidos, nos mais diversos espaços sociais. Pensando nisso, acredi t am os que a escola torna-se um dos espaços para discussão e sensibilização à temática, tendo como foco desnaturalizar o discurso hegemônico, capitalista, desenvolvimentista e impregnado em nossa sociedade. Trabalhamos com a hipótese de que no espaço escolar o discurso hegemônico é predominante. Assim, propomo-nos a evidenciar tais discursos, perscrutando-os para desnaturalizá-los em seus sentidos. Dessa forma, perguntamos: quais sentidos que foram e estão sendo construídos sobre a fórmula “desenvolvimento sustentável/sustentabilidade” no espaço midiático a que lançamos nosso olhar teórico-

-analítico? Qual é o papel da mídia na circulação e cristalização da fórmula? Para responder a tais questões, utilizaremos as orientações da Análise do Discurso da linha francesa, oriundas das proposições de Michel Pêcheux, mobilizando conceitos tais como memória discursiva e acontecimento. Entretanto, para tratar mais especificamente e para pensarmos a fórmula “desenvolvimento sustentável/sustentabilidade”, na perspectiva do discurso, buscaremos as contribuições em Alice Krieg-Planque (2003 e 2007) e também em Guilhaumou (2009), explorando a categoria analítica de narrativa do acontecimento para refletir sobre como essa fórmula constrói distintos eventos discursivos.

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xi ABSTRACT

Our research aims to analyze the discursive meanings that are given to move around the formula "sustainable development / sustainability" in the journalistic discursive space of Mato Grosso. We took as reference, to the constitution of our corpus, matters of a major newspaper of the State, A Gazeta, located in Cuiabá. As time frame, we established comprising of the years 2006 to 2010. The interest in the issue grew out of reflections as a professor of education which has as one of their roles in the promotion and integration of the content of environmental education in school life, and especially by observing how the environment has been engineered in different ways in various social spaces, through the noun formula " sustainable development / sustainability”. With this in mind, we believe that the school becomes one of the spaces for discussion and awareness to the issue, focusing on denaturing the hegemonic discourse, capitalist, developmental, and ingrained in our society. We hypothesized that in those spaces the hegemonic discourse is predominant. Therefore, we propose highlight these speeches, scrutinizing them to de-naturalise them. Thus we ask: which way they were and are being built on the formula "sustainable development / sustainability" in the media space that we direct our theoretical and analytical sight? What is the role of media in circulation and crystallization of the formula? To answer these questions, we will use the guidelines of the Discourse Analysis of the French line, derived from the propositions of Michel Pêcheux, mobilizing concepts such as memory and discursive event. However, to address more specifically, to think the formula "sustainable development / sustainability," the perspective of discourse, we will seek contributions in Alice Krieg-Planque (2003 and 2007) and also in Guilhaumou (2009), exploring the analytical category of narrative the event to reflect on how this formula builds distinct discursive events.

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SUMÁRIO

Apresentação ... 13

Capítulo I ... 17

1. Perspectiva teórico-metodológica ... 17

1.1 Análise do discurso: algumas considerações ... 17

1.2 A noção de fórmula em Jean Pierre Faye ... 27

1.3 As análises de Fiala e Ebel sobre fórmula ... 29

1.4. A noção de fórmula em Dominique Maingueneau ... 31

1.5 A noção de fórmula em Alice Krieg-Planque ... 34

1.6 A n ar rat i va do a cont ec i m ent o em J a cqu es Gui l h aum o u ... 42

Capítulo II ... 47

2. Desenvolvimento sustentável: palavra do dia ... 47

2.1. Primeiros passos ... 50

2.2 A fórmula “desenvolvimento sustentável” na mìdia: um olhar discursivo ... 51

2.3 Cenário da problemática hoje ... 56

Capítulo III ... 59

3. O corpus ... 59

3.1 Delimitação de fronteiras ... 59

3.2 Apresentação dos textos e critérios de seleção ... 62

Capítulo IV ... 66

4. Mídia: espaço de domesticação dos corpos.. ... 67

4.1 Seguindo os rastros da fórmula “desenvolvimento sustentável”: caráter cristalizador ... 69

4.2 A fórmula em sua dimensão discursiva ... 74

4.3 O “sucesso” da expressão: a fórmula enquanto referente social ... 78

4.4 Desenvolvimento sustentável: polemicidade em torno da fórmula ... 81

4.5 O acontecimento discursivo “desenvolvimento sustentável” enquanto narrativa do acontecimento ... 84

Considerações finais ... 88

Referências Bibliográficas ... 91

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13 Apresentação

Nossa pesquisa tem como temática a fórmula “desenvolvimento sustentável” que, atualmente, no cenário mundial, ocupa o centro das discussões em políticas públicas nacionais e internacionais, bem como o interesse dos mais distintos segmentos sociais (empresários, jornalistas, ONGs, escolas, universidades, entre outros).

Ao partir dessa preocupação, que é macro, observamos que a sustentabilidade é algo ainda muito distante de acontecer, devido à luta constante entre ambientalistas e sociedade capitalista, com seus interesses que, no mais das vezes, confrontam-se com os espaços ambientais – e que a nosso ver está longe de cessar. Tomando tal problemática como reflexão teórica, a nossa inquietação se dá a partir de reflexões como professora de ensino básico que tem, entre um de seus papéis, a função de promoção e inserção da educação ambiental no cotidiano escolar. Devido a isso também, surgiu-nos uma questão: como possibilitar uma discussão pensando em sustentabilidade se estamos inseridos numa região do Brasil onde a produção agrícola é intensa, o que corrobora para altos índices de impactos ambientais?

Diante desse desafio, a escola sem dúvida nenhuma, torna-se lugar de discussão e sensibilização da problemática, sobretudo no sentido de construir mecanismos que desnaturalizem o discurso hegemônico, capitalista, desenvolvimentista, impregnado na sociedade mato-grossense. Acreditamos ainda que tal desnaturalização só ocorrerá por meio da efetivação de um debate que envolva toda a sociedade, a começar pela sala de aula. Debate este que instrumentalize o sujeito a interpretar a realidade que o cerca, ou seja, seria mister que nas escolas, em todas as disciplinas do currículo, não apenas nas aulas de Língua Portuguesa, fosse oportunizado ao sujeito refletir, discutir e, principalmente, interpretar a realidade social, para que observe os sentidos que são dados às “coisas”. É desse entorno, portanto, que o olhar sobre a imensa massa de discursos que circulam sobre a fórmula “desenvolvimento sustentável” se faz, uma vez que a fórmula “desenvolvimento sustentável” evidencia e ganha sentidos múltiplos, tendo um sentido de língua e contradiscurso permeado, dado a seu caráter polêmico.

Nossa dissertação pretende, entre outras coisas, perscrutar essa problemática acerca da fórmula “desenvolvimento sustentável” na esfera jornalística, algo que, evidentemente, faz surgir algumas perguntas: quais são os sentidos que foram e estão sendo construídos sobre a concepção

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de desenvolvimento sustentável nestes espaços midiáticos? Como está sendo narrativizado tal acontecimento discursivo nestes espaços?

Postas essas questões iniciais, observamos que o jornal colabora para que se prolifere a questão, ou seja, em razão da intensa publicização, por meio de edições constantes sobre o tema, em que a fórmula se faz presente, acreditamos que ela passa a organizar o espaço público social, levando, dessa forma, a sociedade a discutir e também a incorporar o sintagma referente à fórmula nas mais diversas situações comunicativas.

Considerando o escopo teórico da Análise de Discurso de orientação francesa para compor o corpus, selecionamos textos de um dos jornais de grande circulação no Estado de Mato Grosso A Gazeta, com sede em Cuiabá, no espaço temporal midiático que compreende os anos de 2006 a 2010. Desse recorte, escolhemos os dados mais relevantes em que aparece a fórmula “desenvolvimento sustentável”.

Com este corpus, descrevemos as condições imediatas e sócio-históricas dos discursos sobre desenvolvimento sustentável, procurando vislumbrar como, por meio de práticas linguageiras e de circulação em que o discurso se materializa, se dá a mecânica do “fenômeno” de construção e constituição da fórmula, adquirindo sentidos múltiplos que se cristalizam e assumem funcionamento polêmico.

Como dissemos brevemente, em linhas anteriores, nosso trabalho se filia à proposta teórica de Michel Pêcheux, a Análise de Discurso (doravante AD) de orientação francesa, que, sucintamente, considera o discurso como efeito de sentidos entre locutores, portanto discurso é movimento, prática de linguagem. Segundo Orlandi (1999, p.15), na AD, procura-se compreender a linguagem fazendo sentido, enquanto trabalho simbólico, parte do trabalho social geral, constitutivo do homem e da sua história. A AD concebe a linguagem como mediação necessária entre o homem e a realidade natural e social. Essa mediação, que é o discurso, torna possível tanto a permanência e a continuidade, quanto o deslocamento e a transformação do homem e da realidade em que vive.

Além do mais, de nossa parte, propomos a AD como dispositivo teórico, porque esta disciplina pensa a língua não como algo abstrato, homogêneo, mas, ao contrário, opaco e heterogêneo, sendo que sujeito e sentido não são preexistentes, todavia constituídos no e pelo discurso, um efeito, não a causa. Por meio das construções discursivas, homens passam a

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sujeitos, interpelados pelos fatores históricos e socioidelógicos, tanto de seus tempos quanto de tempos alhures. Dito de outro modo, a produção enunciativa se estabelece conforme as condições propiciadas a esses sujeitos para enunciarem, bem como ao lugar que ocupam no interior de uma formação social, sendo então impelidos por uma determinada formação ideológica que os preestabelece em dizeres possíveis. Portanto, estes sujeitos que se inscrevem num dado discurso produzem os sentidos e dizeres conforme a posição social ocupada, que, por sua vez, deriva de formações ideológicas, que, por seu turno, vêm de formações históricas.

Como uma das formas desses sujeitos se expressarem é por meio de práticas sociolinguageiras escritas ou orais, temos que os elementos linguísticos são partes dessas práticas discursivas, marcadas, imbricadamente, na história e na sociedade; indissociáveis, portanto, do fato que significam. Em outras palavras, para a Análise do Discurso, a realidade social se difere assim da maneira pela qual outras teorias que estudam os componentes linguísticos – para citar breves exemplos, as teorias de comunicação/informação, enunciativas, estruturalistas entendem a linguagem, ora como uma transmissão de mensagem entre um emissor para um receptor, ora como formas isoladas a ser entendidas e perscrutadas em si mesmas, no sistema interno. Para a AD a língua não é vista como um simples código. Os sujeitos têm de ser identificados pelas suas práticas discursivas, por suas argumentações, pela construção da realidade, sendo essas relações de linguagem, relações de sujeitos e de sentidos.

Para tratarmos especificamente da questão da fórmula, propomos aqui discutir dentro do vasto campo de atuação da AD as formulações de Alice Krieg-Planque e a noção de fórmula, e Jacques Guilhaumou e a noção de narrativa do acontecimento. Tais formulações são importantes para analisar o funcionamento discursivo da fórmula “desenvolvimento sustentável”, pois temos a hipótese de que nos espaços enunciativos onde se encontram nossos corpora há um sentido dicionarizado, que está na ordem da língua, mas que, simultaneamente, opera sentidos da ordem do discurso, de um tipo político, haja vista sua inscrição neste campo de debate, bem como a circulação em certos gêneros que se predispõem a trabalhar esse conteúdo temático. Sendo assim, nosso trabalho está organizado da seguinte maneira:

1) No primeiro capítulo, trazemos mais acuradamente do percurso histórico-metodológico da AD de linha francesa. Na seqüência, apresentamos a noção de fórmula para os teóricos: Jean Pierre Faye, Fiala e Ebel, Dominique Maingueneau e Alice Krieg-Planque, dando ênfase ao

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quadro teórico-metodológico de Krieg-Planque. Além desse primeiro aporte teórico, a noção de narrativa do acontecimento, de Jacques Guilhaumou, também é trazida neste primeiro momento do trabalho para mais especificações de suas aplicações heurísticas.

2) No segundo capítulo, um breve histórico sobre a problemática, colocando que a sequência dada como fórmula passa a partir do acontecimento histórico Rio 92/ ECO-92, a ser o centro dos debates nacionais e internacionais, ganhando, assim, notoriedade ao tornar-se, então, um acontecimento discursivo. Discutimos ainda, como a expressão circula na mídia de um ponto de vista discursivo e como a problemática se apresenta nos dias atuais.

3) No terceiro capítulo, apresentamos especificamente o corpus da pesquisa, apontando como se deu a seleção e a delimitação de fronteiras para constituí-lo.

4) No quarto capítulo, procuramos mostrar por intermédio dos textos em análise como está sendo discursivizada tal questão na mídia. Desta forma, a priori colocamos como a mídia, através do discurso jornalístico, ou, dizendo diferentemente isso, na forma como os jornalistas organizam os discursos, efetivam relações de poder e saber no espaço público, o que nos possibilita, na sequência, trazer para discussão o quadro desenhado por Krieg-Planque, onde através dos textos em análise, procuraremos mostrar as propriedades da fórmula, a saber: cristalização, dimensão discursiva, referente social e polêmica, e como a sequência linguística em análise “desenvolvimento sustentável” comporta a possibilidade de (re)criar distintos acontecimentos históricos

Por último, colocamos as considerações finais, apontando que os textos em análise continuam ecoando ruídos latentes, dissimulados e na opacidade da linguagem e que ainda requerem explicitações, ou seja, dado o caráter polêmico da fórmula “desenvolvimento sustentável”, ela reserva sentidos que precisam ser desvendados.

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CAPÍTULO I

1. Perspectiva teórico-metodológica

Nosso trabalho se inscreve na teoria da Análise de Discurso (AD) de orientação francesa, dispositivo teórico que coloca em cena a interpretação para podermos compreender o objeto simbólico produzindo sentidos por e para sujeitos. Neste capítulo, vamos discutir sobre a categoria analítica de fórmula, conceito-chave para nossa pesquisa, na perspectiva da pesquisadora francesa Alice Krieg-Planque, referência internacional no assunto. Faremos assim um percurso histórico da noção formulista,

passando por Faye, Ebel e Fiala (Krieg-Planque 2010), Maingueneau (2008), até chegarmos a Krieg-Planque (2010). Na sequência dessas argumentações, traremos a categoria analítica de narrativa do acontecimento, como pensada por Jean Jacques Guilhaumou (2009).

1.1 Análise do Discurso: algumas considerações

A Análise de Discurso não pretende se instituir como especialista da interpretação, dominando “o” sentido dos textos; apenas pretende construir procedimentos que exponham o leitor a níveis opacos à ação estratégica de um sujeito (...). O desafio crucial é o de construir interpretações, sem jamais neutralizá-las, seja através de uma minúcia qualquer de um discurso sobre o discurso, seja no espaço lógico estabilizado com pretensão universal. (PECHÊUX, 1997, p.11)

A AD, no cenário brasileiro, nos últimos anos, vem despertando muita atenção e interesse no campo dos estudos linguísticos, principalmente por quem se interessa por questões discursivas. Objeto este que sempre causou inquietação a Michel Pêcheux, um dos fundadores e principais teóricos da epistemologia que ficou conhecida como Análise do Discurso. Conforme Maldidier (2003): “O discurso me parece, em Michel Pêcheux, um verdadeiro nó. Não é jamais um objeto primeiro ou empírico. É o lugar teórico em que se intricam literalmente todas suas grandes questões sobre a língua, a história, o sujeito.” (p.15).

A teórica Maldidier (2003) faz um percurso da AD, contando a história da disciplina com o olhar de quem participou ativamente deste caminho. Para contá-la, traz aquele que é considerado o fundador do campo, Michel Pêcheux, relatando a

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entrada do filósofo na vida intelectual, seus encontros com grandes nomes como Althusser, Canguilhem, Paul Henry e Michel Plon e apresenta principalmente as fases pelas quais passou o teórico na constituição desse novo campo. As fases descritas por Maldidier são: O Tempo das Grandes Construções (1969-1975), Tentativas (1976-1979) e A Desconstrução Domesticada (1980-1983). Falaremos destas fases mais adiante.

A AD teve sua origem em solo francês,em 1969, momento em que o estruturalismo não mais vivia seu apogeu, e não apenas no campo da Linguística1. Todavia, não se podia negar que um grande conceito de cientificidade era creditada a esta teoria-metodologia. O modelo estruturalista primava pela objetividade, pela exequibilidade de dados comparativos e valorados num sistema linguístico, a partir de um recorte temporal. A Linguística, nos moldes estruturalistas, não se detinha ao que, para o “verdadeiro daquela época”, estava alheio à lìngua enquanto um sistema de signos e sua significância por meio dos valores entre signos linguísticos. Para o estruturalismo a língua era convencionalidade, conforme nos aponta o Curso de Linguística Geral, de Saussure:

A língua, ao contrário, é um todo por si e um princípio de classificação. Desde que lhe demos o primeiro lugar entre os fatos da linguagem, introduzimos uma ordem natural num conjunto que não se presta a nenhuma outra classificação... a língua constitui algo adquirido e convencional... (SAUSSURE, 1972, p.17).

Como podemos ver, a sistematização da língua excluía tudo que não fosse possível ser formalizado/objetivado. Os sujeitos, nesse paradigma científico, tornavam-se, no mais das vezes, escamoteado. Segundo Ferreira (2008, p. 02), o que importava era normalizar o sujeito, já que este era suscetível a perturbar a análise do objeto científico, subjetivando-o, a qual deveria corresponder a uma língua padronizada e em que a objetividade era a questão.

Já Ferdinand de Saussure (1972) concebe a linguística como ciência da língua, subsumindo que todos os fatos da linguagem subordinam-se a ela. Postula ainda que a linguagem, massa amorfa, heteróclita e multifacetada, comporta duas partes que se implicam mutuamente, a saber: a língua (social) e a fala (individual), cabendo àquela a legitimidade para a construção da ciência da lìngua, pois: “Ela é a parte social da

1 Para mais detalhes desse período em que o estruturalismo passa a ser questionado, conferir François Dossie em História do estruturalismo. 2 volumes. Bauru, SP: EDUSC, 2007.

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linguagem, exterior ao indivíduo, que, por si só, não pode nem criá-la nem modificá-la; ela não existe senão em virtude duma espécie de contrato estabelecido entre os membros da comunidade.” (SAUSSURE, 1972, p.22). Conforme Baronas e Komesu

A linguística saussuriana é mobilizada por Michel Pêcheux devido tanto (à)questão da autonomia relativa da linguagem, unanimemente reconhecida pelas demais Ciências Humanas na conjuntura estruturalista, como pelo fato de, nas Humanidades, a linguística ter operado de maneira decisiva, o corte epistemológico, isto é, o distanciamento necessário da ideologia que qualifica a cientificidade. (BARONAS; KOMESU, 2008, p. 12).

Percebe-se que, em nenhum momento, o propósito de Pechêux foi desmerecer a teoria saussuriana, pois creditava a Saussure o ponto de origem da ciência linguística em suas bases modernas, servindo de base para seus trabalhos ao fornecer o modelo de análise da linguística para a teoria discursiva que ele iniciava.

O teórico francês Dominique Maingueneau (1997) nos mostra como a AD navega em mares linguísticos e como este campo de saber é importante para a consagração e legitimação de uma forte teoria de discurso, salientando, porém, que esse diálogo não deve restringir-se ao campo linguístico, haja visto que o discurso é um objeto que se constitui sócio-historicamente, em que o linguístico também corrobora para essa constituição marcando seus efeitos nos componentes históricos e ideológicos ao mesmo que é marcado por esses componentes também:

Optar pela linguística, de modo privilegiado, mas não exclusivo, consiste em pensar que os processos discursivos poderão ser apreendidos com maior eficácia, considerando os interesses próprios à AD... Uma vez afirmada a inscrição da AD no espaço linguístico, é conveniente questionar de que forma ela deve pensar sua relação com a linguística. Sobre este aspecto, a posição da AD parece delicada, já que, para retomar uma fórmula de J. J. Courtine, em AD “é preciso ser linguista e deixar de sê-lo ao mesmo tempo”. De fato, por um lado, a discursividade define “uma ordem própria, diversa da materialidade da língua” e, por outro lado, esta ordem se realiza na lìngua”. (MAINGUENEAU, 1997, p.17).

A AD, hoje, compreende duas grandes linhas: a Análise do Discurso de origem Francesa, que tem em Pechêux seu expoente fundador, e a Análise Crítica do Discurso anglo--saxã (doravante ACD), ligada a um de seus expoentes, Norman Fairclough.

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De um lado, a francesa, da qual nos valemos em nosso estudo, valoriza o contato com a história e afirma que os sujeitos são condicionados pela ideologia que, por sua vez, direciona os sentidos a enunciar dos sujeitos, i.e. aquilo que podem ou não discursivizar, conforme sua formação histórico-social. De outro lado, a ACD privilegia o contato com a sociologia, desenvolvendo uma abordagem linguística, que, de acordo com Fairclough (2001), possa contribuir para preencher a lacuna deixada por outras disciplinas. Tal abordagem tem em comum com a escola francesa, segundo Magalhães (2001), o olhar crítico sobre a linguagem como prática social, diferenciando-se ao propor examinar em profundidade não apenas o papel da linguagem na reprodução das práticas sociais e das ideologias, mas instigando a uma intervenção/transformação social através da linguagem.

Como enunciamos anteriormente, descreveremos as fases pelas quais passou a AD, em razão das formulações e reformulações de seus conceitos e métodos. A primeira fase da AD que, a posteriori, ficaria conhecida e difundida academicamente como AD-1, caracteriza-se pela visão estruturalista de língua, pela busca de recursos a teorias matemáticas e a dispositivos de base computacional para tratamento analítico de corpora. Apoiando-se nas ideias de Saussure, interessava-se por discursos mais estabilizados, pois tais discursos permitiam menor carga polissêmica e também por dar menor importância à variação do sentido, devido a um maior silenciamento do Outro (outro discurso, outro sujeito). O modelo de análise desse período ficou conhecido como Maquinaria Discursiva, pois eram explorados discursos mais estáveis e homogêneos, construindo blocos fechados de sequências discursivas.

A segunda fase (conhecida como AD-2, aos mesmos moldes da AD-1) recusa uma língua universal, recusa também a noção de sujeito intencional. A principal contribuição foi à reestruturação por Pêcheux do conceito de Formação Discursiva (doravante FD), emprestado de Foucault, a formulação de Interdiscursividade como base de primazia composicional de todos os discursos, ainda que não necessariamente (uma citação, uma relação intertextual mais clara e objetiva etc.) evidenciado na materialidade linguística.

O conceito de FD recebe ainda hoje muita atenção, existindo um campo de bibliografia muito vasto. Em “Dicionário de Análise do Discurso”, a noção é trazida conforme a pensavam Foucault e Pêcheux, pois um é considerado o introdutor do vocábulo, Foucault, em “Arqueologia do Saber”, apresentando-a simultaneamente como enunciados submetidos a uma mesma regularidade e dispersão (sistema de dispersão).

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Segundo Maingueneau, a Pêcheux atribui-se a reformulação e aplicação do termo, no quadro da AD, definindo-a como o que pode e o que deve ser dito, em uma posição e conjuntura dadas, sob alguma forma genérica (arenga, sermão, carta et cetera). Nessa fase a máquina estrutural declina teoricamente, ou seja, começou-se a perceber que uma formação discursiva determinava o que podia e devia ser dito a partir de um determinado lugar social. Dessa forma, o objeto de análise passou a ser as relações entre maquinarias discursivas. Aqui também passa a predominar a ideia de que toda FD é atravessada por outras FDs.

Ainda nesse período, outro conceito que desponta é o de interdiscurso, um dos pilares da teoria de Pêcheux, que já estava presente na AAD69, como o “já-dito” ou ainda como pré-construído, mas que não foi esmiuçado, pois:

o discurso não se dá na evidência desses deslocamentos; é preciso desconstruir a discursividade para tentar apreendê-lo As últimas páginas jogam ao mar, voltando para a questão da leitura “o princìpio da dupla diferença”. Lê-se aí, em uma linguagem ainda frouxa, a ideia do não dito constitutivo do discurso, a primeira figura, em suma de um conceito ausente, que dominará toda essa elaboração; o conceito de interdiscurso. (MALDIDIER, 2003 p. 24)

O interdiscurso amarra o discurso a outros discursos/dizeres. É o que Mainguenau (2005) em sua hipótese do primado do interdiscurso, chama de o Mesmo do discurso e seu Outro, isto é, a interdiscursividade está atrelada a dizeres que são acionados, sem nos darmos conta que estamos utilizando-os, ao formularmos (intradiscurso) nossos enunciados. Assim, o interdiscurso é tudo que foi dito antes e que estava esquecido, fazendo parte de uma memória discursiva do sujeito:

A memória, por sua vez, tem suas características, quando pensada em relação ao discurso. E, nessa perspectiva, ela é tratada como interdiscurso. Este é definido como aquilo que fala antes, em outro lugar, independentemente. Ou seja, é o que chamamos memória discursiva; o saber discursivo que torna possível todo dizer e que retorna sob a forma do pré-construído, o já-dito que está na base do dizível, sustentando cada tomada da palavra. O interdiscurso disponibiliza dizeres que afetam o modo como o sujeito significa em uma situação discursiva dada. (ORLANDI, 2009, p.31).

No entanto, a desconstrução da maquinaria discursiva só ocorreu efetivamente na terceira fase da Análise do Discurso (AD-3), em que o discurso é tido como encontro da estrutura e do acontecimento. A partir desse período iniciou-se a construção de uma metodologia e uma sofisticação do tratamento do sujeito; dispersão do sujeito acaba

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com a ideia de um sujeito comportado em seu assujeitamento, a uma forma-sujeito histórica determinada. A AD em sua terceira fase é norteada pelo primado teórico do outro sobre o mesmo e tem-se, então, a noção de que os diversos discursos se formam de maneira regulada no interior do interdiscurso, ou seja, a relação interdiscursiva estrutura a identidade das formações discursivas.

Como podemos ver a noção de discurso está diretamente ligada à noção de ideologia e de sujeito. A primeira materializa-se através da linguagem, que consequentemente está ligada à linguística enquanto estudo de suas sistematizações e funcionamentos. Assim, a linguagem é palco em que se encena, confronta-se e explica-se a ideologia, logo a materialização ocorre pela maneira como explica-se organizam os modos de produção social reverberados no uso da linguagem, sendo que o sujeito não age com autonomia sobre seu discurso, sobretudo num sentido de sujeito cartesiano, do Cogito, do sentido fundador. Ele produz o discurso e seus efeitos de sentido conforme o lugar social em que está inscrito e conforme a formação social da qual faz parte. O discurso apresenta-se como uma instância controlada, onde o sujeito não é dono de todo seu dizer nem livre para dizer a qualquer tempo e espaço de circulação. Há coerções institucionais, de circulação, inter-relacionais, de dispersão dos dizeres discursivos que restringem os sujeitos a suas inscrições construídas histórico-ideologicamente, permitindo-lhe enunciar. Assim:

Ao dizer, o sujeito significa em condições determinadas, impelido, de um lado, pela língua e, de outro, pelo mundo, pela sua experiência, por fatos que reclamam sentidos, e também por sua memória discursiva, por um saber/poder/dever dizer, em que os fatos fazem sentido por se inscreverem em formações discursivas que representam no discurso as injunções ideológicas. (ORLANDI, 2009, p.53).

A respeito da problemática do sujeito, Possenti (2007) nos coloca que a AD rompe com a ideia de sujeito livre, uno, consciente e tomado como origem e ainda recoloca a questão: o sujeito fala ou é falado, é sujeito na ou da língua, do ou no discurso; é efeito, não causa. Então, como podemos compreender o sujeito do discurso produz seus discursos de acordo com a posição social que ocupa em um dado espaço (institucional ou não) e temo (das condições comunicacionais imediatas ou não). O (Os) enunciado(s) é (são) produzido(s) conforme as condições propiciadas pelo lugar que o sujeito ocupa, no interior de uma formação social, e os sentidos por ele produzidos se inscrevem na formação discursiva (FD) que o interpela nas bases que sua ideologia

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direciona . Daì dizer que “as palavras não têm um sentido nelas mesmas, elas derivam seus sentidos das formações discursivas em que se inscrevem. As formações discursivas, por sua vez, representam no discurso as formações ideológicas” (ORLANDI, 2009). Sujeito e sentido participam mutuamente de uma formação ideológica, que se materializa na FD em que estão, ou seja, se falo como professora é devido estar dentro de tal formação discursiva, em que os dizeres são próprios da função professora, que, por seu turno, liga-se a uma formação imaginária (de base ideológica), e os sentidos que por mim são produzidos refletem e refratam a formação discursiva de onde falo. No entanto, cabe colocar, que o sujeito discursivo ocupa posições distintas, o que o torna, de acordo com Orlandi (2009) “sujeitos intercambiáveis”, isto é, posso exercer várias posições sujeitos, logo minha identidade se dará conforme a inscrição em dada FD. É o que Pêcheux chama de “forma-sujeito”, posso ser múltipla conforme a FD em que estiver, o que não me torna um sujeito livre na ordem do discurso, pois ao falar, falo de um lugar demarcado.

Assim, podemos dizer que os sentidos para a AD não estão soltos, mas sim eles estão sempre sendo administrados, amarrados, pelas regularidades de cada formação discursiva e são sempre construídos historicamente, ao contrário das críticas que a teoria sofre. Por exemplo, “qualquer sentido vale”, “tudo pode”:

A Análise do Discurso não procura o sentido “verdadeiro”, mas o real do sentido em sua materialidade linguística e histórica... Temos afirmado que não há sentidos “literais” guardados em algum lugar- seja o cérebro ou a língua- e que “aprendemos” a usar. Os sentidos e os sujeitos se constituem em processos que há transferências, jogos simbólicos dos quais não temos o controle... As transferências presentes nos processos de identificação dos sujeitos constituem uma pluralidade contraditória de filiações históricas. Uma mesma significa diferentemente, dependendo da posição do sujeito e da inscrição do que diz em uma outra formação discursiva. (ORLANDI, 2010, p.59-60).

Ainda da formação ideológica, pode-se dizer que ela tem capacidade para comportar várias posições que podem confrontar-se entre si, porém elas não precisam necessariamente prestar-se a tal, pois podem também unir-se. Por isso, a AD utiliza o conceito de formação discursiva, para indicar o lugar onde ideologia e discursos se unem, dessa forma fica-nos claro que a formação ideológica é quem conduz a formação discursiva.

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Voltamos aqui a ressaltar que a AD constitui o discurso como seu objeto, logo ela relaciona a linguagem à sua exterioridade, ou seja, ela não trabalha a língua enquanto sistema abstrato, homogêneo, e sim com a língua no mundo, com pessoas se expressando seja através da escrita ou da oralidade, falando, produzindo efeitos de sentidos enquanto sujeitos e membros da sociedade. Tem a história e a sociedade como indissociáveis do fato que significa, diferencia-se sobremaneira da forma pela qual teorias da comunicação, por exemplo, compreendem a linguagem, ou seja, como transmissão de mensagem entre indivíduos. Para a AD a língua não é vista como código unicamente, e sim que os sujeitos têm que ser identificados por meio das suas práticas discursivas, de suas argumentações, da construção da realidade, sendo essas relações de linguagem, relações de sujeitos e de sentidos.

Diante disso, outro conceito fundamental à AD é o de interpretação. Orlandi (2007, p.80) afirma que a interpretação é constitutiva da própria língua (natural), e que o ato de interpretar está presente em qualquer manifestação da linguagem. Logo, não há sentido sem interpretação, estabilizada ou não sempre existe interpretação. A AD expõe a interpretação, trabalhando assim seus limites, tem-se então a compreensão de como os sentidos são produzidos pelos objetos simbólicos e como esses sentidos significam para os sujeitos. Porém, não existe um sentido verdadeiro que se explique através de uma interpretação, o que existe são métodos para se fazer análises de determinados discursos, materializados, como, por exemplo, em textos. Em outras palavras, o que importa mesmo para a análise é compreender como um objeto simbólico produz sentidos e qual é a significação dele para os sujeitos, lembrando-se de que “o “traço” do outro sentido é a marca inexorável da incompletude, de sentidos postos em silêncio.”, afirma Orlandi (2007):

Em suma, interpretar, para o analista de discurso, não é atribuir sentidos, mas expor-se à opacidade do texto (ainda Pêcheux), ou, como tenho proposto (Orlandi 1987), é compreender, ou seja, explicitar o modo como um objeto simbólico produz sentidos, o que resulta em saber que o sentido sempre pode ser outro. (ORLANDI, 2007, p.64)

Com relação às condições de produção, a AD se distancia dos pragmáticos especialmente no que diz respeito às noções de circunstâncias de produção ou contexto. Para a Pragmática tanto a noção de circunstância, ou contexto, dizem respeito às coordenadas espaço temporais, à situação local do quadro comunicativo, aos papéis assumidos pelos participantes da interação verbal. Por sua vez, no quadro teórico da

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AD, a noção de condições de produção está inserida nas instâncias enunciativas institucionais. Ou seja,

o conceito de circunstância será substituído pelo de condições de produção - substituição cuja finalidade é exatamente retirar o funcionamento do discurso da cena pragmática para inseri-lo nas instâncias enunciativas institucionais, marcadas por características amplamente históricas. Trata-se exatamente de uma ruptura com o modo de considerar as “circunstâncias do discurso”. (POSSENTI, 2004, p. 367)

Outro conceito caro à AD é o de acontecimento. Nos estudos discursivos estão conjugados forma e conteúdo, compreendendo a língua não só como estrutura, mas, sobretudo como acontecimento. Daí dizer-se que para a AD os sentidos que foram e estão sendo construídos não estão transparentes na língua. A AD, do lado da história, trabalha o acontecimento de dado discurso dentro de uma filiação, que supõe uma estrutura. Possenti afirma que o acontecimento relaciona a enunciação e a história, qual seja, o encontro de uma memória e com uma atualidade. Salienta que a AD não concedeu ao conceito um lugar privilegiado, pois a maioria das pesquisas aponta que o acontecimento foi identificado dentro de um arquivo, em que o repetível e o estrutural eram focados. Todavia, o próprio Pêcheux (2002, p. 56) coloca que o acontecimento se dá dentro de uma rede de memória e trajetos sociais, e não livremente.

Na sequência, Possenti traz as contribuições do filósofo francês Michel Foucault para pensar o acontecimento, mostrando que o estruturalismo não se opõe à história, mas tem com ela uma relação específica e produtiva. O filósofo diz que há certos métodos que permitem dar novo sentido ao acontecimento, métodos que possibilitam, ao contrário da história tradicional que creditava ao acontecimento apenas aquilo que era visìvel e conhecido por todos, o monumento, onde se buscava “o” sentido único e verdadeiro, avançar para uma história serial que permite fazer aparecer acontecimentos que são visíveis, mas também aparecer outros que não são visíveis no que está sendo ou foi discursivizado no arquivo, a história do documento:

Esta noção plural de acontecimento permite romper, em primeiro lugar, com uma história que procurasse em tudo o sentido. Em segundo, com a relação discurso-enunciação como evento singular. Além disso, poderia permitir especificar mais finamente os elementos que, em um discurso, de fato escapam aos sujeitos e aqueles que eles têm conhecimento, conforme estejam em uma ou em outra camada, assim como acontece com os diversos tipos de acontecimentos históricos. (POSSENTI, 2007, p. 381).

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Na perspectiva proposta por Foucault (Guilhaumou, 2009), o acontecimento deve ser vislumbrado enquanto enunciado de arquivo, onde a apreensão dos textos se dá em uma historicidade. Em contrapartida, nosso trabalho assume a concepção de acontecimento de Guilhaumou, acontecimento que se dá no interior do arquivo, embora essa concepção seja em muitas partes caudatária das contribuições foucaultianas. Assim, é sempre possível reabrirmos os arquivos do passado e encontrarmos “reservas de sentidos” – arquivo aqui não somente como dado a práticas documentais, mas a saberes construído ao longo dos tempos, nas mais distintas formações sociais.

O acontecimento em Guilhaumou é algo que permanece perpetuamente reinterpretável juridicamente e, por conseguinte, atual ao(s) próprio(s) sentido(s). Nesse viés, o acontecimento discursivo em AD, de acordo com Guilhaumou, deve contemplar aspectos linguísticos, pragmáticos e discursivos. E avança propondo que se contemple uma visão de acontecimentalidade, onde esta se concretiza no que ele chama de narrativa do acontecimento. Assim compreendida:

A narrativa do acontecimento relança, então, a ação infinita da interpretação, permite uma abertura máxima das narrações, assimila ação e pensamento, associa o ato e a revelação, torna memorável a vida da heroína e do herói. Introduz-nos no agir político verdadeiro, no sentido em que a ação política é trazida ao julgamento desinteressado da dimensão universal do acontecimento singular, a exemplo de Kant ao julgar com entusiasmo a Revolução Francesa. (GUILHAUMOU, 2009, p. 137)

Nossa pesquisa se inscreve no quadro teórico que desenhamos nessas breves linhas anteriores, objetivando mostrar que a fórmula “desenvolvimento sustentável/sustentabilidade” perpassa por diferentes narrativas, tendo, assim, um caráter polêmico, pois as diferentes vozes produzem sentidos diversos, fazendo com que essa e outras fórmulas produzam o que Guilhamou chama de reservas de sentido. Objetivamos ainda mostrar também como a publicização dessas fórmulas, por meio das mídias, colabora para organizar o espaço público, conforme os estudos de Krieg-Planque.

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27 1.2 A noção de fórmula em Jean Pierre Faye

Neste tópico, interessa-nos discutir como Faye (apud Krieg-Planque, 2010) concebe o termo-conceito fórmula. Para tal tarefa nos apoiaremos nas obras de Krieg-Planque (2010), nas quais ela retoma o tratamento dado por Faye à fórmula “Estado total”. O sintagma é analisado numa das mais importantes obras do filósofo Langages totalitaires. A obra inteira é tecida pelas palavras de atores, utilizando-se de palavras proferidas por “narradores”. Tais narrativas foram produzidas pelos atores, que eram ideólogos do espaço político no período entre as duas grandes guerras, na Itália e na Alemanha.

Faye tem como propósito construir o que ele denomina de super narrativa, isto é, a narrativa das narrativas. Esta consiste em evidenciar as condições de produção e circulação das narrativas, a partir de sua concepção, bem como entender o poder próprio que lhes é atribuído. Segundo Faye (Krieg-Planque, 2010), a super narrativa é um processo de conhecimento que leva em conta os fragmentos de narrativa, desarticulando-os e rearticulando-os, porém em outro nível. A super narrativa implica a ideia de que a história produz seus próprios conceitos e de que, em virtude disso, ela é a sua própria metalinguagem, ou seja, a história produz seus próprios conceitos, por isso ser ela a sua própria metalinguagem. Esse projeto, assim pensado, “renega” fatos que sejam exterior ao real da história. Dito de outro modo, Faye postulava que a prática da super narrativa era a geradora da linguagem, uma que vez que esta é gestada dentro de uma dada conjuntura sociopolítica:

Em outras palavras, a super narrativa impede o recurso a uma metalinguagem que, do exterior, dê às coisas um nome que até mesmo os que as batizaram não empregam para designá-las. De onde a recusa de Faye a qualificar o regime stanilista de “totalitário”, porque esse regime nunca se qualificou com esse nome. (KRIEG-PLANQUE, 2010).

Na esteira de suas considerações acerca de Faye, Krieg-Planque (2010) apresenta as principais propriedades da fórmula2 “Estado total”, analisadas pelo

2 Quanto ao termo fórmula, de acordo com a Krieg-Planque, Faye não coloca claramente porque a

emprega. Segundo Ebel (Planque, 2010), o filósofo a toma emprestado dos próprios materiais de análise e encontra-o em Carl Schmitt e Ernest Forsthoff ( Krieg-Planque, 2010). A fórmula em Faye possui relativa

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filósofo, sendo elas: a gênese, a circulação, a cristalização e o processo de aceitabilidade.

No que se refere à gênese de “totaleStaat”, Faye vê a origem no que ele denomina por enunciado totalitário primitivo, que seria o discurso proferido por Mussolini, no congresso fundador do Partido Nacional Fascista, em 1925. Posteriormente, na Europa, a fórmula “totaleStaat” conhece uma origem paralela na expressão “totaleMobilmachung” (mobilização total), que manifesta a mobilização sem limite de todas as forças da sociedade a serviço do Estado e de sua defesa. Faye com isso tenta apreender que a dupla origem da fórmula se dá devido à sua circulação e avança ao mostrar a importância de analisar o fio condutor de cada significante:

Isso permitiria ao analista testemunhar as condições iniciais de circulação da fórmula e de sua "história de vida", podendo observar aí, inclusive, tanto o modo como ela se cristaliza socialmente quanto a sua eficácia, isto é, seu processo de aceitabilidade no cenário sociopolítico. É assim que ela esclarece que as fórmulas são apreensíveis à medida que circulam socialmente em discurso, tendendo à cristalização – caráter este que lhes é constitutivo. (RODRIGUES; SANTOS, 2010)

A circulação da fórmula em Faye se dá a partir de um lugar a outro da “ferradura dos partidos”, terminologia utilizada pelo filósofo, que compreenderia as palavras que circulam no conjunto das formações políticas. O caráter da circulação, como pensado pelo filósofo, não parte de uma mecânica linguística, mas de práticas linguageiras e de relações de poder e de opinião que se observam na discursividade, produzindo a metalinguagem a partir de termos que são produzidos numa conjuntura sociopolítica. Ao analista, por meio dessa formulação teórico-metodológica, seria permitido reunir condições iniciais de circulação da fórmula e de sua "história de vida", podendo observar nisso, inclusive, tanto o modo como a fórmula se cristaliza socialmente quanto sua eficácia, isto é, seu processo de aceitabilidade no cenário sociopolítico. É assim que ela esclarece que as fórmulas são apreensíveis à medida que circulam socialmente em discurso, tendendo à cristalização – caráter este que lhes é constitutivo. Embora o termo “cristalização” não constar dos trabalhos de Faye, Krieg-Planque (2010) coloca que importa observar o lugar que ele estabelece entre o que ela flutuação terminológica, pois é um objeto lexical, retomável na cadeia, descritível no sistema de dada língua.

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identifica como decorrência da “cristalização” e a noção de fórmula. Em seus estudos, o filósofo coloca que estamos em presença de uma denominação relativamente estável, devido à soldadura de dado sintagma, ou seja, esta soldadura dá testemunho da existência da fórmula. Assim, a língua é atuante devido à sua cristalização, pois é na cristalização que o discurso se torna ação e a fórmula se torna atuante, pois ela tem o efeito, segundo Faye (Krieg-Planque, 2010), de tornar alguma coisa aceitável.

A aceitabilidade de dada fórmula se inscreve na concepção de história enquanto narrativa, e esta é ação: “É o processo de aceitabilidade efetuado pela fórmula que anuncia a consagração da palavra como questão política: é ele que dá às palavras um de seus poderes mais espantosos: agir” (PLANQUE, 2010). Sobre a palavra enquanto instrumento de ação, retornaremos mais adiante, quando abordarmos a narrativa do acontecimento, com base em Guilhaumou (2009).

1.3 As análises de Fiala e Ebel sobre fórmula

Fiala e Ebel (Krieg-Planque, 2010) desenvolvem seus trabalhos na Suíça, entre as décadas de 1960 e 1970, ampliando o trabalho de Faye. Em suas análises, utilizam duas fórmulas: “Uberfremdung” (influência e superpopulação estrangeiras) e xenofobia. Para realização de suas pesquisas, os corpora são bastante diversificados, centrado nas três campanhas de votação (plebiscito), em que se pedia para que os cidadãos daquele paìs se pronunciassem pelo “sim” ou pelo “não”, na proposta de limitação da imigração, nos anos de 1970, 1974, 1977. O material era composto de textos legislativos, artigos publicados em dois jornais do país, “La Suisse e La Feuille d‟ Avis de Lausanne”, além de cartas de leitores dirigidas a esses mesmos jornais, textos sindicais, entrevistas com atores e testemunhas da história política. Em suas análises, os estudiosos tinham como propósito principal observar nessas fórmulas sua constituição polêmica, na medida em que cristalizavam temas sociopolíticos. A propósito, antes de avançarmos para o caráter de referente social da fórmula em Fiala e Ebel, faz-se necessário colocar que eles procedem, segundo Krieg-Planque( 2009 ), à análise de reformulações parafrásicas e seguem os rastros de neologismos, o que se pode depreender, de uma forma geral, que levam a realidade linguística a sério.

Diferentes de Faye, que não procurou dar uma definição do que seria uma fórmula, Fiala e Ebel (Krieg-Planque, 2010) fazem referência a ele e utilizam a noção de fórmula, definindo-a: “Uma fórmula – escrevem Fiala e Ebel – assemelha-se a um

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referente social, isto é, um signo que significa alguma coisa para todos, em um dado momento.” (PLANQUE, p. 2010). A fórmula, pensada como referente social, pode ser identificada no corpus em enunciados parafrásicos, uma vez que isso possibilitou também visualizar entre um enunciado e outro como se fazia circular, entre um discurso e outro, significações diversas e, além disso, uma “produtividade lexicológica”, fazendo surgir novas palavras:

A importância dada por Fiala e Ebel à noção de circulação, em detrimento (o que não significa exclusão) da noção de produção, não é o aspecto de menor interesse em seu trabalho. Ao mostrar que, além da diversidade das práticas linguageiras, e a despeito da heterogeneidade dos discursos em ato, fórmulas circulam e se impõem a todos com um sentido que é determinado por outros, eles invalidam a ideia segundo o qual os discursos seriam fechados sobre si mesmos. Colocar a ênfase na circulação das fórmulas é sublinhar a abertura necessária de qualquer fala, dizer que ninguém pode ser totalmente surdo aos outros e não em virtude de um humanismo qualquer que veria na abertura ao outro um valor a defender e, no acolhimento, um comportamento a promover, mas simplesmente porque o dialogismo é um fato constitutivo da fala humana. (KRIEG-PLANQUE, 2010, p.54)

Robin (Krieg-Planque, 2010) destaca que as noções de circulação e referente social, postuladas por Fiala e Ebel, contribuíram significativamente à AD para pensar um de seus mais produtivos conceitos, o de FD. Pensar as FDs, sempre em contato umas com as outras, portanto abertas, heterogêneas e ligadas entre si, e é por essas FDs que as fórmulas circulam, gerando discursos diversos e causando polêmicas. Nesta via é característica da fórmula produzir constantemente efeitos de sentidos, logo se tornando objeto de polêmica.

Fiala e Ebel (Krieg-Planque,2010), ao procederem seus estudos, privilegiaram duas categorias de enunciados: os enunciados com valor de re e os de valor de dicto. Os primeiros são os enunciados que atestariam o caráter de referente social da fórmula, por se relacionarem a um conteúdo e a um referencial – tais enunciados testemunham o postulado da significância. Já pela segunda categoria de enunciados atestariam o caráter polêmico da fórmula por se relacionarem com seu modo de dizer, isto é, o próprio termo. Segundo os autores, a noção de fórmula é mais propensa para os enunciados com valor de dicto, pois, no espaço público, começam a discutir sobre a própria palavra.

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1.4 A noção de fórmula em Dominique Maingueneau

Dominique Maingueneau deu vasta contribuição à AD, reafirmada em suas elaborações teóricas pela inseparabilidade entre texto e quadro social, bem como de sua produção e circulação. Esse linguista traz ao leitor novos conceitos como: discursos constituintes, sobreasseveração, hiperenunciador, destacabilidade e particitação. Conceitos estes destinados a propiciar análises que expressam a convergência entre componentes históricos e linguísticos. Em nosso caso, mobilizaremos o conceito de citação e destacabilidade para tratar de nosso material de análise.

Maingueneau (2008) começa sua inquietação teórica acerca da citação e da destacabilidade partindo do que ele chama de “constatação banal”, algo que o faz postular que na sociedade circula constantemente um grande número de enunciados curtos, que são facilmente memorizados e cujo significado e significante são considerados no interior de uma organização pregnante. Segundo o autor, esses elementos circulantes na sociedade derivam em dois tipos de fórmulas: i) as de circulação restrita a algumas comunidades; ii) as de circulação em vários setores do espaço social, algo da ordem de uma “citação célebre”. Para esses dois grupos de citações, há também dois tipos de funcionamentos, dos quais elas podem fazer parte. Assim, as fórmulas funcionam como enunciados autônomos (sendo interpretadas segundo seu sentido imediato, numa interação entre locutores que não são especialistas no tipo de discurso que originou a fórmula) e também como fórmulas citadas para marcar um posicionamento específico que se opõe implicitamente a outros.

Do grande número de enunciados que circula e que funciona como fórmulas, Maingueneau debruça-se a perscrutar aqueles que foram retirados de textos mais amplos, para melhor efetuar a análise da mecânica de destacabilidade e/ou citação. Porém, a destacabilidade desses enunciados não se aplica a qualquer material verbal, uma vez que temos numerosas fórmulas que correspondem a enunciados que, em seu texto base, apresentavam-se como destacáveis e outros que, por sua vez, não possuem propriedades de destacabilidade, todavia podendo vir a adquirir o estatuto de fórmula ainda assim.

Para exemplificar os enunciados que aspiram à destacabilidade, Maingueneau trata dos casos advindos das máximas do teatro clássico do século XVII por,

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justamente, apresentarem uma das características de ascensão a fórmulas, ou seja, serem enunciados de curta extensão, bem estruturadas, de modo a impressionar por serem facilmente memorizáveis e reutilizáveis a qualquer tempo e contexto. Embora o conteúdo possa não ser original, o enunciador oferece uma máxima “inédita” como se fosse o eco, a enésima retomada de uma sentença que já seria conhecida e evidente a qualquer espaço-temporal. Assumem as máximas, então, duas propriedades: o ineditismo e o caráter imemorial:

É precisamente nesse ponto que se encontra o núcleo do efeito buscado: o personagem produz algo memorável, isto é, um enunciado digno de ser consagrado, antigo de direito, novo de fato. É porque é digno de ser antigo que pode aspirar a um estatuto “monumental”. Ele inaugura, em refluxo, uma série ilimitada de retomadas, apresentando-se como o eco de uma série ilimitada de retomadas prévias. Esapresentando-se tipo de enunciado visa, portanto, produzir na realidade aquilo que não passa de uma pretensão enunciativa: apresentando-se como uma sentença já pertencente a um saber partilhado, ele prescreve justamente por isso mesmo sua retomada ilimitada. (MAINGUENEAU, 2008, p. 77-78)

As máximas heroicas, embrenhadas nas mesmas instâncias das teatrais, ao se configurarem como portadoras deste paradoxo, no qual se entrecruzam no ato de enunciação a prescrição de si mesmo e também a todos, chama-nos a atenção, pois este ato (eu/todos) nos remete à proposta de uma narrativa para o acontecimento, onde o herói só constrói sua identidade na existência plural de si mesmo e de outros. Ou seja, o que Maingueneau nos coloca é que herói seja aquele que, na atualidade de sua enunciação, manifeste sua autonomia, aquele que por seu dizer prescreva a si mesmo e que, no mesmo movimento, prescreva a todos. Dessa forma, o herói exprime a universalidade do Sujeito Universal na singularidade do Eu enunciador:

Na condição de multiplicidade dos atos singulares que têm valor de obras, a narrativa do acontecimento é onipresente no curso das ações. Define, ao mesmo tempo, as formas singulares dessas ações e sua dimensão universalizante; ela as torna visíveis, legíveis e comunicáveis. A isso corresponde dizer que toda e qualquer pessoa (ator, protagonista, espectador, etc.) participa da narrativa do acontecimento, co-constrói esse acontecimento. De modo algum redutível ao valor referencial de um saber ou à efetividade de um dizer, ela tem à sua disposição sua própria eficiência em um mundo onde se confortam o Eu e a linguagem exterior a qualquer reificação das coisas, distante, portanto, da transformação comum dos valores em produtos.” (GUILHAUMOU, 2009, p.138)

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Ainda na esteira de Maingueneau, há outros enunciados destacáveis a partir de textos filosóficos. Este processo acontece de algumas maneiras: pelo paratexto – (elementos que preenchem os entornos de um texto propriamente: textos de capa e contracapa; dizer se é um livro de contos, romance, ficção científica; quem escreve o prefácio, quem assina como autor etc.), pelo texto propriamente dito, pela embreagem enunciativa, pela estruturação pregnante de seu significado, pelo metadiscurso et cetera. No espaço filosófico, a fórmula participa de três dimensões, a saber: a) campo, por marcar um posicionamento e pela singularidade de uma doutrina assinada; b) arquivo, ao se inscrever em uma memória; c) redes de práticas.

Ademais, as fórmulas filosóficas atuam em dois planos, em enunciados autônomos e em fragmentos extraídos de um determinado texto, e é também por esta razão tomada no interior de uma tensão constitutiva. O teórico francês atesta que a fórmula filosófica é fadada ao desdobramento, que a projeta sobre a doutrina da qual participa.

Além desses conceitos sobre citação e destacabilidade, une-se teoricamente a eles a noção de sobreasseveração e sobreasseverador, elementos que se caracterizam pela construção de um enunciado de estrutura pregnante e que possuem o estatuto de um condensado semântico, implicando uma “amplificação” da figura do enunciador. Tal fenômeno, segundo Maingueneau (2008), está presente principalmente nas mídias contemporâneas, sobretudo por meio dos slogans, enunciados breves que são retomados constantemente nos programas de informação: “De fato, é impossìvel determinar se esses slogans são assim porque os locutores dos textos de origem os quiseram assim, isto é, destacáveis, fadados à retomada pelas mídias, ou se são os jornalistas que os dizem dessa forma para legitimar o seu dizer.” (MAINGUENEAU, 2008, p. 83).

Este conceito de sobreasseveração nos possibilita problematizar as mídias como espaço em que se legitima a e pela tomada do outro, isto é, seu modo de dizer busca uma adesão do interlocutor, e o papel do sobreasseverador, para isso, é fundamental, pois, por intermédio de seu ethos – uma das instâncias da cena enunciativa, em que se tem um tom, uma vocalidade que constroem a imagem de si, seja o locutor, seja o discurso ou a voz de um dado texto, para outros – ele mostra o que diz e induz ao outro a posicionar-se conforme o que foi dito.

Pelo que podemos compreender, Maingueneau nos apresenta a fórmula como um elemento do discurso que joga com a tomada de posicionamento no interior das discursividades, principalmente quando pensado sob o conceito de sobreasseveração,

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pois, ao construir um discurso, o enunciador cria uma imagem de si através de seus argumentos, que visa à “tomada” do Outro. Isso vai configurar no que o estudioso denomina de polêmica, algo constitutivo do discurso:

Poderíamos dizer que a polêmica é necessária porque, sem essa relação com o Outro, sem essa falta que torna possível sua própria completude, a identidade do discurso correria o risco de se desfazer. É inegável, mas a essa se junta outra razão, a saber, a necessidade de mascarar a invulnerabilidade do discurso. (MAINGUENEAU, 2008, p.113).

1.5 A noção de fórmula em Alice Krieg-Planque

Atualmente, falar sobre fórmula em estudos linguístico-discursivos é falar de Alice Krieg–Planque, pesquisadora francesa, e é também é destacar a importância e, especialmente, a pertinência de suas discussões e formulações em AD. A pesquisadora faz parte de um dos mais importantes grupos de pesquisa em discurso, o Céditec (Centro de estudos dos discursos, imagens, textos, comunicações), Université Paris-Est Créteil Val de Marne, antiga universidade de Paris XII, onde é professora de ciências da informação e de comunicação. Os trabalhos de Krieg--Planque voltam-se para os discursos políticos, midiáticos e institucionais, numa perspectiva pluridisciplinar. Ela se interessa pelos fenômenos de retomada e circulação dos enunciados jornalísticos. Nesta perspectiva, desenvolveu um estudo sobre a irrupção da fórmula “Purificação étnica”, no contexto das guerras na ex-Iugoslávia, tratada a partir da emergência, do emprego e da significação da fórmula na imprensa francesa entre os anos 1980-1994. O trabalho era um contar a história das palavras desse momento da história da guerra, a saber, “purificação,”limpeza”, “depuração” e “étnica”, e objetivou:

(...) estudar os momentos, na história dos discursos, em que essas palavras entram em conjunção para formar os sintagmas neológicos “purificação étnica”, “limpeza étnica” e “depuração étnica”. Tratava-se, igualmente, de ver como, no prisma dessas formulações, a guerra da ex-Iuguslávia havia sido interpretada nas mídias francesas e internacionais: em outras palavras, buscávamos apreender em que medida a fórmula “purificação étnica” tinha podido funcionar como interpretante para alguns dos comentadores das guerras iugoslavas.” (KRIEG-PLANQUE, 2010, p.10)

Sua pesquisa ancora-se nas propostas desenvolvidas por outros autores em torno da noção de fórmula, entre eles Faye, sobre a fórmula “Estado Total” e Fiala e Ebel,

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