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O mercado da pobreza: o artifício neoliberal nas políticas sociais

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O mercado da pobreza: o artifício neoliberal nas

políticas sociais

Debora Bittencourt S. Ferreira1

Diante de um percurso conturbado pelo qual se desenvolve a idéia de capital na atualidade, foi injetada nas veias do mercado a fissura da especulação, algo como que um fetichismo, por uma série de normas ou regras originadas em grandes acordos internacionais das mais influentes potências econômicas, e também por esta se tornar uma das últimas vias de escape para a busca de maior rentabilidade e lucro, numa gigantesca movimentação financeira entre os grandes Estados Nacionais e os principais bancos, empresas transnacionais que emprestam dinheiro para dessa forma aplicar a equação mais perversa entre maximização de capital e a (ir)responsabilidade sobre o bem estar social.

A crônica e assombrosa forma como se alastra por todas as esferas da engrenagem societal, demonstra o alcance do tamanho do temor dos grandes organismos de cooperação internacional no sentido de forjar novas armas pela mitigação do campo de ação e profundidade do agravamento da pobreza, já que esta se encara como desenrolar inevitável e aspecto estrutural do desenvolvimento capitalista.

Tsunami nos modos de convivência na sociedade pós-moderna adornada de caracteres ideológicos, a financeirização é a expressão mais plena de capitalização do capital por sim mesmo desenvolvendo-se por base na especulação, desde as formas mais primitivas de financiamento – casa própria, eletros da linha branca, automóveis – ou até mesmo sobre a valorização de uma empresa multinacional no mercado financeiro de ativos. A projeção de uma dimensão que massifica a inópia sob os pilares de conceitos como hegemonia e consumo, dita as maneira como irão se processar as interações entre as pessoas em busca do sincronismo coletivo.

COMPLEXIDADE DA POBREZA E SUAS DEFINIÇÕES

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Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal do

Recôncavo da Bahia (UFRB). Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). dede.bittencourt@gmail.com.

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A complexidade da discussão acerca da pobreza leva muitos autores a abordagens diferentes para a sua definição e mensuração. Entre tantas controvérsias mais que atuais na sociedade contemporânea buscam-se maiores compreensões desse fenômeno socioeconômico persistente nas economias modernas. As acentuadas condições de miserabilidade induzem a sociedade a traçar novas estratégias de superação através de uma nova agenda de políticas sociais para construção do desenvolvimento social e econômico. Para tanto é necessário alcançar uma definição e mensuração para que seja possível pensar em políticas de erradicação da pobreza.

Pobreza pode ser definida como a reunião de caracteres de necessidades materiais, que pode levar o indivíduo a não suprir carências essenciais para sua sobrevivência e não ter qualidade de vida digna, além, é claro, de se configurar uma característica marcante do capitalismo que atinge não apenas economias periféricas, mas também os grandes centros econômicos, sintoma de desequilíbrios estruturais que se manifestam nas conjunturas. Nas economias regidas pelo capital, questões como educação, saúde, moradia acabam perdendo visibilidade e importância em detrimento da exploração da condição humana. Neste caso, a renda prevalece como critério determinante para avaliação do ser pobre.

Renda, necessidades básicas, privação de capacidade e exclusão social são as principais abordagens dada à questão pobreza devido a sua amplitude. Tais compreensões trazem elementos distintos, as necessidades básicas apresentam uma característica multidimensional da pobreza por considerar pobres aqueles que não têm acesso a habitação, esgotamento sanitário, água encanada e educação, estes indicadores sociais proporcionam fatores mais próximos da realidade.

A dificuldade consiste em determinar quais necessidades serão relevantes para a qualidade de vida, principalmente ao considerar a heterogeneidade socioeconômica no território brasileiro devido às peculiaridades apresentadas na bifurcação – o urbano e o rural –, que assumem aspectos delicados na construção da análise da pobreza e sua possível mensuração.

O que sugere outra análise da caracterização da condição do pobre, pressupondo que a questão nutricional será atendida uma vez que as outras variáveis sejam alcançadas.

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Esta análise prioriza elementos ligados ao desenvolvimento dentro de uma perspectiva tanto do indivíduo quanto das famílias.

A privação da capacidade tem como indicador o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) utilizando variáveis como: esperança de vida, nível educacional e o Produto Interno Bruto (PIB) per capita, considerados como essenciais para a avaliação das condições de vida. Amartya Sen salienta a importância dessa abordagem por considerá-la fundamental para o desenvolvimento, definindo a pobreza como incapacidade em realizar determinadas funções elementares (Machado, 2006, p.06). Contudo, há uma influência dos trabalhos de Sen no desenvolvimento do relatório do Banco Mundial de 2000-2001, onde o tema da pobreza ganha outra definição para os órgãos internacionais, passando a ser visto como algo multidimensional, objetivando a expansão das capacidades humanas das pessoas pobres.

O IDH foi proposto pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), sobre o qual Sonia Rocha diz que:

O IDH não trouxe uma solução adequada para a comparação e monitoramento da incidência de pobreza nos diferentes países. Mesmo abstraindo as dificuldades de garantir a comparabilidade em função de especificidades culturais, isto se deve ao fato de que todos os indicadores utilizados na construção do IDH são médias, o que mascara a ocorrência de situações extremas associada a desigualdade de bem-estar entre indivíduos. Nesse sentido, por exemplo, IDH não permite diferenciar, a um dado nível de PIB per capita, qual a incidência de pobreza que ocorre como resultado da desigualdade de renda em cada país.(ROCHA, 2006, p.24).

Esta abordagem juntamente como o Índice de Pobreza Humana (IPH), que é composto por expectativa de vida inferior a 40 anos, a taxa de analfabetismo em adultos, a deficiência de acesso à fonte adequada de água e a proporção de crianças abaixo do peso para sua idade, apresentam-se como instrumento de análise importante para a compreensão da pobreza, por apresentar concepções diversas das condições de vida. Oferecendo por tanto, uma gama de paradigmas para formulação de políticas públicas.

A exclusão social é uma definição ampla e de cunho mais sociológico, reflexão esta que remete-se a marginalização, processo que se enraíza na sociedade através de fatores como: combinações de heranças, condições e escolhas de natureza econômica, política e cultural. Esta abordagem apresenta dificuldades na possibilidade de mensuração e

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análise, não existindo, portanto, um consenso para determinar uma definição. Simon Schwartzman (2004) observa que o conceito de exclusão é inseparável do de cidadania, que se fundamenta no direito das pessoas de participarem da sociedade e de terem acesso aos benefícios considerados essenciais.

Por fim, a insuficiência de renda é a mais utilizada ao se considerar em termos monetários as carências mínimas é hoje um dos estudos mais conhecidos e desenvolvidos para a mensuração da pobreza que utiliza o fator renda para sua determinação é a Linha de Pobreza e a Linha de Indigência. A linha de indigência, ou a considerada pobreza extrema, está relacionada com o valor monetário dos custos de alimentação, ou seja, a renda é inferior as necessidades básicas para atender as questões nutricionais. Salama e Valier (1997) definirão o termo linha de indigência como sendo a renda necessária à reprodução exclusivamente calórica do indivíduo.

Aqueles considerados pobres que não conseguem atender um conjunto mais amplo de necessidades (habitação, vestuário, transporte...) se incluem entre as pessoas que se situam abaixo da linha de pobreza logo, não possuem renda mínima suficiente para a manutenção da família.

Ao adotar a linha de pobreza como referência da problemática, tornam-se possíveis várias análises e observações que servirão em tese de base para políticas sociais, como os programas de assistência social. Geralmente, a linha de pobreza é adotada oficialmente pelos governos nacionais, no Brasil nunca houve uma definição oficial de pobreza, no entanto programas de transferência de renda adotam linhas de pobreza distintas, a exemplo do Bolsa Escola que atinge famílias com renda per capita inferior a de um quarto de salário mínimo ou Bolsa família que adota um terço do salário mínimo (SEI,2008).

Do ponto de vista do conhecimento, no sentido de um rigor conceitual, para Rocha (2006) existe uma fragilidade ao adotar a linha de pobreza, a partir de múltiplos do salário mínimo, considerada arbitrária. A autora considera que a forma que há um consenso na utilização para a mensuração é através das estruturas de consumo das famílias. No Brasil na década de 80, a partir do Estudo Nacional de Despesa Familiar (Endef), pode-se evidenciar estudos pioneiros contando com a disponibilidade de

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informações sobre estrutura de consumo de populações de baixa renda, com a vasta base de dados oriundos da observação de cestas alimentares de menor custo, que permitem atender as necessidades nutricionais e as despesas não-alimentares, podendo-se estabelecer, portanto 22 linhas de indigência e de pobrezas relativas nas áreas estudadas pelo Endef.

A partir da análise com base nos gastos em consumo ao invés da renda, se tem a hipótese da pesquisa de orçamentos familiares que assume uma forma mais sofisticada para a medida de bem-estar, pois através dela a dificuldade de se estimar a renda do setor informal e dos ocupados por conta própria e as outras fontes de renda como empréstimos que afetaram o consumo, o que para Kageyama e Hoffmann (2006, p.86) “as pesquisas de orçamentos familiares tendem a mostrar-se mais acuradas do que as enquetes sobre rendimentos.”. Os autores não consideraram a renda uma variável confiável devido às informações dadas pelas pessoas pesquisadas apresentarem inexatidão e sofre variações ao longo do ano.

Para tal Rocha reconhece que:

A principal vantagem de se estabelecer a linha de pobreza a partir do consumo observado consiste em ter uma base teórica – as necessidades nutricionais –, a partir da qual se pode derivar a cesta alimentar mínima adequada. Estabelecer o valor do consumo não-alimentar de forma simplificada e arbitrária é frequentemente aceito como uma fragilidade inevitável dos procedimentos de construção da linha de pobreza. Ao contrario do que ocorre em relação ao consumo alimentar, não existe base teórica para estabelecer o que seja o consumo mínimo adequado em termos de vestuário, habitação, transporte etc. (ROCHA 2006, p. 46).

No entanto, Rocha (2006) admite que a abordagem da renda é a mais adequada na realidade brasileira desde os anos 70, por possuir um banco de informações de consumo, de rendimento e de características socioeconômicas das pessoas e das famílias, permitindo o estabelecimento de linha de pobreza a partir do consumo

observado com base em pesquisas de orçamentos familiares (POF)2, como utilizar esse

2 A Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) 1987/88 foi um dos instrumentos de maior relevância sendo possível traçar linhas de pobreza a partir do consumo observado e dos dados sobre despesas, com detalhamento maior nas despesas alimentares.

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aparelho em conjuntos com informações anuais dos rendimentos disponibilizados pela

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios3 (PNAD).

Torna-se claro dessa forma as tamanhas divergências no tocante a abordagem da mensuração da pobreza e as limitações impostas pelos métodos analisados já que estes assumem a pobreza de forma singular, daí a tamanha arbitrariedade na utilização do fator renda como peça de análise única. Considerar a renda como fator único para a mensuração da pobreza e conseqüentemente adotar políticas de ampliação dos rendimentos como instrumento de combate á pobreza é, sobretudo limitada à análise por não haver uma compreensão multidimensional.

Hoffmann (2000) ao definir os aspectos para a mensuração da pobreza trata a determinação da linha de pobreza com base no custo dos alimentos tendendo assim à subestimar a pobreza rural em relação a urbana, pois evidencia-se diferenças estruturais na questão rural, não sendo os fatores nutricionais únicos determinantes para sua avaliação, já que há uma sobrevivência familiar baseada na agricultura de subsistência.

Partindo desse pressuposto, levantam-se outros elementos essencialmente importantes como saúde, principalmente saneamento básico e educação, que são mais escassas no campo do que para quem vive na cidade, daí a necessidade das diversas linhas de pobreza para atender as diferenças regionais.

Os dados disponibilizados pela Pesquisa Nacional por mostra de Domicílios – PNAD, por exemplo, são obtidos a partir de uma mesma linha de pobreza para todo o território nacional o que demonstra uma limitação para a análise comparativa entre as regiões, provocando equívocos para o exame detalhado das carências distintas, sendo apenas no ano de 2004 incluída a região rural do Norte do país. É valido salientar que todo entrave contido nos indicadores induz a uma apreciação mais rebuscada da pobreza.

Ao entender a pobreza como múltipla, ao avaliá-la em termos monetários, conclui-se ao determinar a linha de pobreza que haverá uma dispersão em torno dela, existindo uma

3 Pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, tendo como base investigar diversas características socioeconômicas da população brasileira. Só em 2004 a pesquisa é realizada na área rural da região Norte.

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diversidade de intensidade da insuficiência de renda, o que permite através do índice hiato de pobreza, avaliar as condições de vida entre os pobres, oferecendo a diferença entre a renda do indivíduo pobre e a linha de pobreza. Hoffmann (2000) considera que medidas mais sofisticadas buscam avaliar a intensidade da pobreza de cada pobre, que é obter a diferença entre linha de pobreza e o rendimento do pobre.

Sendo assim, as metodologias adotadas para as linhas de pobreza causam muitas controvérsias entre os estudiosos, tanto na arbitrariedade do uso do salário mínimo como parâmetro, quanto à defasagem na estrutura de consumo ao longo do tempo nas diferentes localidades. A referência aos múltiplos do salário mínimo não leva em conta a discrepância entre os fatores socioeconômicos e culturais, presentes nas regiões brasileiras, a exemplo disto regiões urbanas e rurais que apresentam diferentes custos de vida.

FINANCEIRIZAÇÃO E O ARTIFÍCIO NEOLIBERAL NAS POLÍTICAS DE COMBATE À POBREZA

No capitalismo contemporâneo, o modo do regime de acumulação dominado pelas finanças, marca as décadas de 80 e 90, onde os investimentos produtivos se depreciam em função do capital especulativo parasitário, ou seja, se estabelece o comando da lógica especulativa sobre a produtiva.

Este processo de liberalização – desencadeado pela ascensão de práticas neoliberais a partir das duas últimas décadas do século XX apresentam determinantes hegemônicos financeiros – assumindo assim uma importância por demonstrar aspectos predominantes de grande transformação, não apenas na dimensão econômica como também na arquitetura das relações sociais. Esta transformação pode ser evidenciada nas relações de trabalho, apresentando perdas significativas em termos de empregos, contratos regulares, e nas conquistas sociais, como a mercadorização dos bens antes públicos através de privatizações.

Para compreensão do significado da financerização e sua mundialização é imprescindível entender o domínio que o capital especulativo parasitário exerce no processo de acumulação nos tempos atuais, sendo a materialização da forma mais

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desenvolvida do que Marx chamou de Capital Fictício. Contudo, é verdadeiro afirmar que esta etapa do capitalismo sustentado por vias especulativas não é inédita nas relações econômicas, e a única diferença é que agora de forma mais intensa e desenvolvida.

Esta forma de “dinheiro gerar dinheiro”, valorizando-se a si mesmo sem qualquer processo de intermediação no movimento capitalista tradicional, ou seja, sem participação do processo produtivo, conseqüentemente “No capital portador de juros, a relação capitalista atinge a forma mais reitificada, mais fetichista.” (MARX 1985, p.450).

A especulação é a característica marcante do capital no período vigente, neste momento a lógica produtiva é suplantada pela especulativa, o que distingue a novo período do modo de produção capitalista, consequência do enorme desenvolvimento do capital fictício, autônomo das funções produtivas, logo do capital industrial, ocorrendo a inversão do eixo de dominação.

Mesmo com a dinâmica de liberalização e desregulamentação financeira, não foi possível a inserção dos países em via de desenvolvimento por não possuírem um mercado financeiro forte capaz de atuar nos mercados de títulos e ações. Assumindo dessa forma uma feição excludente, que ainda se perpetua nos movimentos de acumulação capitalistas a procura da maximização dos rendimentos via o paradigma das finanças, o que:

Deixando-o por sua conta, operando sem nenhuma rédea, o capitalismo produz a polarização da riqueza em um pólo social (que é também espacial), e no outro pólo, a polarização da pobreza e da miséria mais “desumana”. A polarização é uma das expressões do caráter sistêmico dos processos com os quais se tem que negociar. (CHESNAIS 2001, p.13).

A integração dos países em desenvolvimento ao mundo das finanças não foi realizada de maneira equitativa, sobretudo na América Latina, apresentando desigualdades de acesso aos diferentes tipos de financiamento. No entanto, para Camara e Salama (2005) a América Latina representa umas das regiões mais inseridas na finança mundializada, conseqüência do marcante processo de liberalização amplamente difundido na sua legislação principalmente para o recebimento de capitais externos na forma de

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investimentos. O que se verificou no meado dos anos 90 foi uma ligeira redução da pobreza com o processo de liberalização em especial no Brasil, após o controle da inflação e a retomada do crescimento.

A partir do exposto acima, conclui-se que, as contradições intrínsecas ao capitalismo atual – capitalismo especulativo – são próprias de um modo de acumulação via especulação, afirmadas pelo ciclo de crises financeiras com bruscas reações econômicas e sociais. Deixando em detrimento os investimentos produtivos enquanto fonte fundamental para a geração de emprego e de produção da riqueza nacional a longo prazo. Ou seja, obtendo uma baixa formação bruta de capital em contrapartida uma elevação dos ativos financeiros. Sendo importante advertir que os investimentos no setor produtivo garantem a sobrevivência (ou a formação) desse mercado financeiro em grande expansão.

A liberdade financeira não contou apenas com a participação de agentes na busca de maior rentabilidade através de múltiplos produtos financeiros como também do Estado, fundamental expoente na adoção de políticas restritivas, principalmente no que tange as conquistas sociais e trabalhistas, assumindo uma postura neoliberal frente aos aspectos financeiros, sobretudo especulativos.

O novo passo do sistema capitalista vigorante, o capitalismo especulativo, foi aliado ao receituário das políticas neoliberais que atingem seu apogeu na década de 90, principalmente nos países latino-americanos.

A doutrina neoliberal conduz a uma afirmação da hegemonia do mercado sobre as diretrizes do Estado, o que, no entanto, em sua forma material, as relações internas do modo de produção se distribuem a partir de uma lógica onde predomina o capital especulativo. O Estado em contrapartida assume a função de colaborador no complexo jogo da especulação para o desenvolvimento e manutenção da dinâmica financeira atual, através do seu reducionismo e perda de sua autonomia.

Salama ao discorrer sobre a financeirização e seus aspectos excludentes afirmando que:

Nós assinalamos os aspectos negativos das finanças. Seria um erro pensar que elas devem ser assimiladas, em todas as circunstâncias, como uma atividade parasitária, segregando as rendas, acentuando as desigualdades entre os ganhos do capital e os do trabalho, minando a acumulação, limitando a criação de emprego e favorecendo o desenvolvimento de uma sociedade de

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exclusão onde a socialização pelo trabalho tornar-se-ia, mais e mais difícil. (SALAMA,1998, p.231).

O autor continua tecendo sua teoria dialética apontando que o desenvolvimento das finanças e surgimento dos produtos financeiros permite o desenvolvimento do capital e que o ciclo do capital só desencadeia-se se as atividades financeiras permitirem que o capital produtivo se desenvolva. “Elas são um pouco como as atividades de comércio analisadas por Marx “indiretamente produtivas”. Elas custam e esse custo é tomado de mais-valia, mas elas permitem que seja obtida mais mais-valia.” (SALAMA 1998, p.232).

Contudo, os efeitos nas economias latino-americanas e igualmente no Brasil se configuram em baixos investimentos e uma predileção pelos instrumentos especulativos, o que se tem por corolário além dos efeitos sociais, já citados acima, é um atraso nas fontes de alargamento da produção. O que desencadeia aumentos em intensificação do trabalho, atrasos tecnológicos o que ocasiona o aumento da produtividade, podendo concluir, que o mecanismo de mais-valia absoluta torna-se persistente o que alterará todas as relações trabalhistas, como jornada de trabalho, baixos salários, ou seja, a precarização do trabalho.

O MERCADO DA POBREZA

A partir dos anos 80, órgãos internacionais a exemplo do Banco Mundial, preocupados com a reprodução e aceitação das doutrinas liberais procuram formular recomendações de políticas para os países em desenvolvimento, objetivando intervenções de minoração da pobreza com propósito de disseminar políticas de cunho neoliberal.

A propósito o Banco Mundial admitirá que os benefícios do crescimento requeiram

tempo e devido ao agravamento da pobreza nos anos 804, sendo as políticas sociais de

caráter imediato propostas a fim de conter choques sociais e acabar por não deslegitimar os governos que alimentam o processo de acumulação de capital, que vinham adotando as reformas liberais. “Resumindo, existe o temor que se politize a exclusão social,

4 Neste momento a economia brasileira sofre com as conseqüências do segundo choque do petróleo (1979), com uma drástica crise no final dos anos 70, resultando no aumento da dívida externa em função das taxas de juros internacionais e uma redução da entrada de capitais externos – decorrente da perda de confiança na administração da economia brasileira, sobretudo após a moratória mexicana, em 1982.

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agravada pelo ajustamento e pelas reformas neoliberais” (SALAMA e VALIER, 1997, p.115)

Nos anos 1990 são elaborados pelo Banco Mundial relatórios destinados a superação das anomalias sociais, não contornadas pelo mercado e crescimento econômico, e através desses documentos foram ditados formulações e avaliações de políticas sociais, principalmente para os países que seguiram a cartilha do Consenso de Washington, este receituário abriria as portas latino-americanas para as interferências internacionais de caráter predominantemente neoliberais.

Estas políticas dotadas de peculiaridades é que serão destinadas ao combate à pobreza nos países subdesenvolvidos. Salama e Valier (1997) apresentaram três características marcantes das diretrizes propostas:

1. Políticas sociais orientadas para os “extremamente” pobres. Dicotomia entre pobres e extremamente pobres, sendo necessária uma avaliação específica para cada região. De maneira genérica aos pobres caberiam esperar os frutos do crescimento, então constata-se que a superação da pobreza é um subproduto do crescimento advindo das reformas liberalizantes. Só aos extremamente pobres serão garantidos redes de segurança, através de políticas sociais focalizadas. Estas tem por função oferecer serviços de primeira necessidade e infra-estrutura, bem como programas de auxílio ao desenvolvimento de micro projetos produtivos.

2. Políticas sociais de assistência-benfeitoria e de privatização. As políticas sociais focalizadas ou políticas de assistência social voltadas para implementação de estratégias com perspectivas pautadas na solidariedade o que, no entanto se transverte em relações de dependência as quais contrariam as premissas dos direitos sociais e da cidadania. Onde o Estado delega as organizações não governamentais (ONGs) o papel de executar as ações de auxilio e identificação dos grupos sociais mais vulneráveis. Tendo nas privatizações dos serviços essenciais seu maior aspecto de liberalização, tornando o sistema de saúde e previdência deteriorados, a educação sucateada e a habitação e infra-estrutura deficitária, ou seja, a precarização do serviço público, levando as classes médias e ricas ao setor privado.

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3. Políticas sociais descentralizadas e apoiadas na participação popular. A justificativa para a adoção de políticas focalizadas reside na eficiência e na racionalização dos gastos governamentais, contando com a

participação de organizações sociais, ou seja, dois elementos

complementares dessas políticas, através das quais o Estado financia o setor informal, sendo este também parte das políticas sociais.

Os extremamente pobres são caracterizados pelos pequenos agricultores ou sem terra, os desempregados, estratos de famílias sujeitos a doenças, carentes de alimentação e com precárias condições de moradia ou até mesmo moradores de rua. Os programas sociais focalizados – como programas especiais de primeira necessidade, nas áreas de educação, nutrição, saúde e infra-estrutura – tendem a excluírem do processo aqueles considerados pobres, e que podem esperar os avanços do crescimento, voltados apenas àqueles considerados vulneráveis – extremamente pobres.

Cabe ressaltar que tais práticas assumem predominâncias temporárias enquanto aguardam os benefícios do crescimento. Diante do exposto, o pensamento dos teóricos Salama e Valier (1997) apresenta dois aspectos relevantes das conseqüências do avanço das políticas sociais.

O primeiro é referente aos aspectos sociais e o desencadeamento dos números da pobreza, que pode ser compreendida pela organização conservadora dos projetos sociais que desembocam no retrocesso social devido à deterioração dos serviços sociais, não obstante ao controle dos salários e a redistribuição de renda além da exclusão dos pobres dos programas que atendem os extremamente pobres. Juntamente com a dificuldade de acesso a proteção social, seria um erro afirmar que melhorias não foram alcançadas, mas, contudo, de forma limitada, oferecendo poucos serviços.

O segundo aspecto leva em conta as questões políticas, as práticas assistencialistas reafirmam o controle social e legitimam as posturas governistas que dialogam com o principio liberal, por conseguinte havendo a quebra dos processos inflacionários corroborando para retomada do crescimento, o que originou um contentamento da população firmando um pacto social entre o Estado e as camadas populares o que contribuiu para o desmanche dos movimentos sociais, contexto este favorável para expansão e enraizamento do projeto neoliberal.

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O êxito consistiu na desmobilização social e com isso a perda do temor dos conflitos sociais, através da legitimidade das políticas assistencialistas focalizadas que permitiram uma manipulação com fins eleitorais, reforçando o clientelismo mesmo tendo sua negação por parte do Banco Mundial, por ser considerado uma oposição ao combate à pobreza. Longe de lograr apenas êxito, os resultados sociais foram insuficientes para suplantar as desigualdades.

Nos Relatórios de Desenvolvimento Mundial de 1990 e 2000-2001 apresentados pelo Banco Mundial verificaram-se modificações na concepção teórica na definição do conceito de pobreza. No primeiro momento consistiam na “incapacidade de atingir um padrão de vida mínimo”, sendo este padrão avaliado pelo consumo – nutrição, necessidades básicas e participação na sociedade – aqueles que tiverem uma renda inferior ao mínimo estabelecido para determinadas regiões, são considerados pobres.

A incapacidade referente aos indivíduos, diz respeito a não oportunidades econômicas, gerando assim a falta rendimentos. A renda assume, portanto, um fator importante para a superação daqueles considerados pobres. A prestação de serviços sociais é outro ponto decisivo por atribuir ao Estado o papel de realizador de políticas focalizadas para aumentar o capital humano sendo um meio primordial para inserção no mundo do trabalho e logo de redução da pobreza.

O Estado por sua vez será um grande reformista, procurando sempre aumentar sua eficiência, deixando para o mercado a tarefa de desenvolvimento sendo, portanto, responsável por garantir melhores condições para que este opere através de estabilidades macroeconômicas e proteção à propriedade privada. A participação do chamado Estado minoritário seria de integrar os pobres, considerados incapazes, no mercado por meio de políticas voltadas para as áreas essenciais – saúde e educação – tornando-os capazes de competirem entre si, dessa forma rompe-se então com a ideologia do crescimento como fonte suficiente para a promoção social.

Em 2000-2001, após acúmulos da experiência da década anterior, a pobreza assume nova definição e com ela novas diretrizes para combatê-la. Neste documento será encarada como um fenômeno multifacetado, devido as múltiplas privações, sendo ela

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uma junção de fatores monetários e ausência de capacidades. Amartya Sen terá uma grande influência no pensamento dos organismos internacionais com a idéia de privação das capacidades básicas, impondo a não realização dos objetivos de vida.

A estratégia, neste momento é de expansão das capacidades humanas, neste sentido faz-se necessário a imprescindível intervenção estatal para garantir o acesso a esta

capacidade que tem um formato mais abrangente que o capital humano5.

Contudo é importante observar que a problematização da pobreza pelo Banco Mundial está sob a óptica do capital. As propostas reformistas incluem a distribuição de recursos diretos à população mais pobre possibilitando uma retroalimentação do mercado através de políticas que atuem na capacidade produtiva, como por exemplo, o microcrédito. O que, no entanto não dissolve as contradições impostas pelo neoliberalismo exacerbado, onde a transferência de crédito não garante o rompimento da estratificação das camadas sociais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo a economia contemporânea seu mecanismo de funcionamento baseado na dominância financeirizada um teor predominantemente globalizado de profundo alcance político-social, e mais estritamente especulativo, a internacionalização do capital especulativo parasitário, ou seja, fictício, permite delinearmos os eixos de atuação do Estado e do Mercado, no intento de cercear o desenvolvimento das distorções sociais causadas pela adoção de políticas econômicas hegemônicas e por conseguinte excludentes.

A faceta mais ortodoxa dessa nova face de expansão da ideologia do capital é a incapacidade de lhe dar com os desajustes sociais inerentes ao sistema capitalista, e com isso, utilizar da própria via financeira como saída para contornar o caos do esfacelamento das estruturas da sociedade, através da abertura e expansão do crédito sobre as camadas médias e baixas da sociedade.

5

O investimento em educação – formação educacional e capacitação profissional – é um fator considerado para a teoria do capital humano como determinante para se auferir renda. Sendo necessário para os indivíduos adquirirem habilidades e conseqüentemente sua inserção no mundo do trabalho. Assim, as diferenças de rendas entre os indivíduos são resultado da insuficiência de investimento em capital humano.

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A complexidade da arquitetura financeira impele agora o neoliberalismo a lhe dar com outro óbice na obtenção de sucesso deu seu intento que é o aumento do mercado consumidor para produtos financeiros, rebatendo a idéia de combate a repressão financeira através da inclusão do pobre no sistema bancário, o que nada mais é do que a expansão do crédito para todas as classes.

Para tanto são necessários clientes estes, atendidos por estas políticas sociais de combate à pobreza, são obrigados através da informalidade a depender do sistema de crédito, a fim de sanar as deficiências no modelo de aplicação das estratégias liberais, perversas no âmbito social, que consistem na manutenção do pobre em sua condição de miserabilidade, e na depreciação das condições de trabalho e empregabilidade para aqueles pobres assalariados.

Portanto, faz-se necessário rescindir este ciclo vicioso da pobreza através de uma nova agenda social de políticas que vislumbrem outro projeto de nação, baseado na geração de condições de sobrevivência para daqueles indivíduos e famílias que vivem em situações precárias de carências elementares, possibilidades equânimes para oportunidades a empregabilidade e logo, o fim da exclusão social.

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Referências

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