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O negócio fiduciário perante terceiros: com aplicação especial na gestão de valores mobiliários

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Academic year: 2021

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(1)

André Figueiredo 

 

 

 

 

 

 

 

 

O

 

N

EGÓCIO 

F

IDUCIÁRIO 

P

ERANTE 

T

ERCEIROS

 

Com aplicação especial na gestão de valores mobiliários 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Dissertação  para  Doutoramento  em 

Direito  Privado  pela  Faculdade  de 

Direito da Universidade Nova de Lisboa,  

sob  a  orientação  do  Professor  Doutor 

Rui Pinto Duarte 

 

 

(2)
(3)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O

 

N

EGÓCIO 

F

IDUCIÁRIO 

P

ERANTE 

T

ERCEIROS

 

Com aplicação especial na gestão de valores mobiliários 

(4)

 

 

 

 

(5)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 “Just as the trustee’s ownership is an odd sort of ownership, but 

ownership nonetheless, so the beneficiary’s personal right is an 

odd sort of personal right, but personal nonetheless”. 

(G

EORGE 

G

RETTON

, “Trusts”, p. 482) 

 

 

As the significant legal objects change, so too must legal language. 

A car is not really a horseless carriage, and a securities position 

recorded electronically is nor really an electronic certificate. 

(J

AMES 

S.

 

R

OGERS

, “An Essay on Horseless Carriages and Paperless 

Negotiable Instruments”, p. 698) 

 

(6)

 

 

 

 

 

(7)

M

ODO DE CITAR

 

 

I.

 

Todas  as  disposições  legais  citadas  sem  referência  expressa  ao  diploma  legal  em 

que se integrem pertencem ao Código Civil português, tal como vigente na presente data. 

 

II. Ao longo do texto, as citações são em regra (apenas excecionada nos casos em que 

a  indicação  de  outro  elemento  seja  relevante)  feitas  com  indicação  do  nome  abreviado  do 

autor, do título abreviado da obra ou artigo e do(s) número(s) da(s) página(s) para as quais 

se  remete.  Na  bibliografia  final,  encontram‐se  os  demais  elementos  que  permitem  a 

identificação das obras citadas ao longo do texto. Só se indica o ano de publicação da obra ou 

a edição citada quando esse elemento for relevante para a exposição. Não se distingue entre 

a primeira e as restantes citações de cada obra, por se entender desnecessária a repetição de 

elementos constantes da bibliografia final. 

 

III.

 

Quando  numa  só  nota  se  citam  diversos  autores,  segue‐se  a  regra  da  sua 

ordenação  alfabética,  exceto  quando  a  exposição  imponha  um  critério  distinto  — 

designadamente, para dar relevância a um determinado texto ou por se tornar conveniente 

a separação em grupos distintos com maior ou menor relevância para o tema. 

 

IV. Na bibliografia final, todas as obras estão identificadas, no mínimo, pelo nome do 

autor,  pelo  título  completo  e  pelo  ano  e  local  de  publicação.  As  obras  são  indicadas  por 

ordem  alfabética  do  último  apelido  do  primeiro  autor,  ou  do  primeiro,  tratando‐se  de 

autores  de  países  de  língua  espanhola.  Para  cada  autor,  as  obras  ordenam‐se 

cronologicamente e, dentro do mesmo ano, por ordem alfabética da primeira letra do título; 

as obras em co‐autoria aparecem depois das obras em autoria singular. 

 

V.  No  texto,  as  citações  de  jurisprudência  são  feitas  pela  indicação  abreviada  do 

tribunal  e  da  data  do  acórdão,  ou  pela  indicação  do  nome  das  partes,  consoante  os  usos 

prevalecentes na ordem jurídica em causa. Exceto quando seja dada indicação em contrário, 

os materiais jurisprudenciais portugueses foram obtidos em http://biblioteca.mj.pt. 

(8)
(9)

L

ISTA DE 

A

BREVIATURAS

 

 

AAFDL  Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa  Ac.  acórdão  AcP  Archiv für die civilistische Praxis  act.  actualizado(a)  AG  Die Aktiengesellschaft  AJCompL.  American Journal of Comparative Law  AJP  Aktuelle juristische Praxis   al./als.  alínea/alíneas  art./arts.  artigo/artigos  BaFin  Bundesanstalt für Finanzdienstleistungsaufsicht  BB  Der Betriebs‐Beraten  BBTC  Banca, Borsa e Titoli di Credito  BFDUC  Boletim da Faculdade de Direito   BFLR  Banking & Financial Law Review   BGB  Bürgerliches Gesetzbuch  BGH  Bundesgerichtshof  BKR  Zeitschrift für Bank‐ und Kapitalmarktrecht   BMJ  Boletim do Ministério da Justiça  BolCE  Boletim de Ciências Económicas  Bull. Jolly  Bulletin Jolly  Bus.Law.  The Business Lawyer  CadMVM  Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários  CambLJ  Cambridge Law Journal  CanBR  Canadian Bar Review   cap.  capítulo  CapMLR  Capital Markets Law Journal   CardLR  Cardozo Law Review   CCom  Código Comercial  CdMVM  Código do Mercado dos Valores Mobiliários  CdVM  Código dos Valores Mobiliários  CdRP  Código do Registo Predial  CdSC  Código das Sociedades Comerciais  cf.  conferir  CIRE  Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas  cit.  citado(a) 

(10)

CJ  Colectânea de Jurisprudência  CJSTJ  Colectânea de Jurisprudência — Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça  CMLR  Common Market Law Review   CMVM  Comissão do Mercado de Valores Mobiliários  codice  Codice civile italiano  ColumbBusLR  Columbia Business Law Review   ColumLRev  Columbia Law Review   CPC  Código de Processo Civil  CRP  Constituição da República Portuguesa  CSD  Central Securities Depository  DB  Der Betrieb  DdVM   Direito dos Valores Mobiliários  Dig. disc. priv.  Digesto delle discipline privatistique  Dir. e giur.  Diritto e giurisprudenza  DirCommInt.  Diritto del commercio internazionale  DirSocRev  Direito das Sociedades em Revista   DizDP  Dizionario del Diritto Privato   DL  Decreto‐Lei   DMIF  Directiva n.º 2004/39/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de  Abril de 2004  DStR   Deutsches Steuerrecht  DukeLJ  Duke Law Journal   DVM  Direito dos Valores Mobiliários   EBLRev.  European Business Law Review  EBOLR  European Business Organization Law Review   ECL  European Company Law   ed.  edição  Enc. Dalloz  Encyclopédie Dalloz  Enc. Dir.   Enciclopedia del Diritto  Enc. Giur.  Enciclopedia Giuridica   ERCL  European Review of Contracts Law   ERPL  European Review of Private Law  EUA  Estados Unidos da América  FCG  Fundação Calouste Gulbenkian   FDL  Faculdade de Direito de Lisboa   GeorLR  Georgetown Law Journal   Giur. Comm.  Giurisprudenza Commerciale   GPR   Zeitschrift für Gemeinschaftsprivatrecht 

(11)

HarvLR  Harvard Law Review  HGB  Handelsgesetzbuch  ICLQ  International and Comparative Law Quarterly  id.  idem  Idaho L.R.  Idaho Law Review  IFLR  International Financial Law Review  InsO  Insolvenzordung  JBL  Journal of Business Law   JCLS  Journal of Corporate Law Studies   JherJahrb  Jherings Jahrbücher für die Dogmatik des bürgerlichen Rechts   J. Fin. Econ.  The Journal of Financial Economics  J.L. & Econ.  Journal of Law & Economics  JuS  Juristiche Schulung  JW  Juristiche Wochenschrift  JZ  Juristenzeitung  L.  Lei  LFMR  Law and Financial Markets Review   LGDJ   Librairie générale de droit et de jurisprudence  LMCLQ  Lloyd’s Maritime and Commercial Law Quarterly  LQR  Law Quarterly Review  MichLJ  Michigan Law Journal   n./nn.  nota/notas  n.º  número  NJW  Neue Juristische Wochenschrift  NJW‐RR  Neue Juristische Wochenschrift — Rechtsprechungsreport  NYUnivLR  New York University Law Review  NZG   Neue Zeitschrift für Gesellschaftsrecht   ODir.  O Direito  OR  Obligationsrecht  org./orgs.  organizador/organizadores  OUP  Oxford University Press  OxJLS  Oxford Journal of Legal Studies   p./pp.  página(s)  Qdr.  Quadrimestre  PECL  Principles of European Contract Law  RB  Revista da Banca   RC  Tribunal da Relação de Coimbra  RCDPriv.  Rivista Critica del Diritto Privato 

(12)

RDBB.  Revista de Derecho Bancario y Bursátil  RDBF  Revue de droit bancaire et financier   RDCDGObb.  Rivista del Diritto Commerciale e del Diritto Generale dele Obbligazioni  RDE  Revista de Direito e Economia  RDES  Revista de Direito e Estudos Sociais  RDM  Revista de Derecho Mercantil  RegCMVM  Regulamento da CMVM  reimp.  reimpressão  rev.  revisto(a)  RDMV   Revista de Derecho del Mercado de Valores  RE  Tribunal da Relação de Évora  RevBanque  Revue de Banque   RevD. McGill   Revue de Droit de McGill  RevDSuisse  Revue de Droit Suisse   RevSoc  Revue des Societés  RFDP  Revista da Faculdade de Direito do Porto  RFDUL  Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa  RGIC  Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras,  aprovado pelo Decreto‐Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, tal como  alterado  RIDE  Revue internationale de droit économique   Riv. dir. civ.  Rivista di diritto civile  Riv. crit. dir. priv.  Rivista critica di diritto privato  Riv. dir. comm   Rivista di Diritto Commerciale  Riv. Giur. Sarda  Rivista Giuridica Sarda  Riv. Not.  Rivista Notariale  RL  Tribunal da Relação de Lisboa  RLJ  Revista de Legislação e Jurisprudência  ROA  Revista da Ordem dos Advogados  RP  Tribunal da Relação do Porto  RSJ  Revue Suisse de jurisprudence   RSoc  Rivista delle Società  RTDCiv  Revue Trimestrielle de Droit Civil  RTDComEco  Revue trimestrielle de droit commercial et de droit économique  RTDPC  Rivista Trimestrale de Diritto e Procedura Civile  sep.  separata   SLR  Securities Law Review   ss.  seguintes 

(13)

SSRN   Social Science Research Network  StanJLB&F   Stanford Journal of Law, Business & Finance   STJ  Supremo Tribunal de Justiça  supl.  suplemento  t.  tomo  TJCE  Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias  Trad.  tradutor  t.u.f.  Testo unico della finanza  UCC  Uniform Commercial Code  UCLA LR   University of California Law Review  UCP  Universidade Católica Portuguesa   ULR  Uniform Law Review  UnivCinLR  University of Cincinnati Law Review   UnivPenLR   University of Pennsylvania Law Review   Vand. J. Transnat’l L.  Vanderbilt Journal of Transnational Law  vol.  volume  WM   Wertpapier‐Mitteilungen   WpHG  Wertpapierhandelsgesetz  WpÜG  Wertpapiererwerbs‐ und Übernahmegesetz  YalLJ  Yale Law Journal  ZBB  Zeitschrift für Bankrecht und Bankwirtschaft   ZGR  Zeitschrift für Unternehmens‐ und Gesellschaftsrecht   ZHR  Zeitschrift für das gesamte Handelsrecht und Wirtschaftrecht  ZIP   Zeitschrift für Wirtschaftsrecht   ZSR  Zeitschrift für Schweizerisches Recht  ZWB  Zeitschrift für Wirtschafts‐ und Bankrecht       

(14)
(15)

 

P

LANO

 

 

I

NTRODUÇÃO

 

 

C

APÍTULO 

I:

 

O

 NEGÓCIO FIDUCIÁRIO

:

 ORIGENS

,

 EVOLUÇÃO DOGMÁTICA E NOÇÃO

 

 

§1.º 

Da fiducia romana às construções modernas do negócio fiduciário em alguns direitos 

continentais;  o  (express)  trust  do  direito  inglês  e  a  sua  suposta  singularidade;  a  fidúcia  na 

tradição jurídica portuguesa 

 

§2.º 

Apreciação  crítica:  o  núcleo  definidor  de  um  conceito‐tipo  de  negócio  fiduciário  de 

gestão 

 

C

APÍTULO 

II:

 

A

 OPONIBILIDADE A TERCEIROS DO NEGÓCIO FIDUCIÁRIO DE GESTÃO

 

 

§3.º 

Negócio fiduciário de gestão e terceiros no direito comparado 

 

§ 4.º  Titularidade  fiduciária,  destinação  funcional  e  delimitação  da  responsabilidade 

patrimonial do fiduciário 

 

§5.º 

Afetação funcional e separação patrimonial no direito positivo  

 

§6.º 

Negócio fiduciário, titularidade fiduciária e segregação patrimonial: a delimitação da 

esfera de responsabilidade patrimonial do fiduciário 

 

§7.º 

Os  atos  de  disposição  sobre  o  bem  fiduciário  em  violação  do  pactum  fiduciae:  a 

posição do fiduciante no confronto com terceiros adquirentes de pretensões incompatíveis 

com o vínculo fiduciário 

(16)

 

 

C

APÍTULO 

III:

 

E

STUDO  DE  UM  CASO  PARADIGMÁTICO  DE  TITULARIDADE  FIDUCIÁRIA  DE  VALORES MOBILIÁRIOS

 

 

§8.º 

A circulação de valores mobiliários no tráfego hodierno 

 

§9.º 

A circulação de valores mobiliários escriturais (e equiparados) no direito português; 

a  relevância  de  fenómenos  de  titularidade  indireta  de  valores  mobiliários  como  hipótese 

paradigmática de titularidade fiduciária 

 

§10.º  A proteção do património dos investidores no direito da União Europeia e no direito 

português  

 

§11.º  Titularidade fiduciária de valores mobiliários e separação patrimonial na insolvência 

do intermediário financeiro 

 

§12.º  A transmissão ou oneração de valores mobiliários em violação do vínculo fiduciário: 

a proteção do investidor e a posição dos terceiros adquirentes 

 

§13.º  Titularidade indireta de ações admitidas à negociação em mercado regulamentado, 

exercício de direitos de voto e imputação de direitos de voto 

 

C

ONCLUSÕES

 

 

(17)

 

I

NTRODUÇÃO

 

 

I.  O  negócio  fiduciário  continua  a  exercer  um  fascínio  indesmentível.  A  figura  é 

milenar, tendo origem na fiducia romana, mas foi a sua redescoberta na pandectística tardia 

que  lançou  as  bases  de  um  longo  percurso  de  aprofundamento  dogmático  que  ocupou 

sucessivas  gerações  de  juristas  continentais,  motivados  pela  disseminação  do  instituto  no 

tráfego  e  pela  prática  jurisprudencial  que  a  seu  respeito  se  desenvolveu.  Hoje,  o  negócio 

fiduciário  permanece  mais  popular  e  controverso  do  que  nunca,  o  que  é  bem  evidenciado 

pela profusão de estudos e monografias sobre o tema; fenómeno a que, de resto, o direito 

português não é alheio. Mesmo após sucessivas vagas de desenvolvimento doutrinal, de que 

os tribunais foram muitas vezes o catalisador, estão ainda em aberto os problemas jurídicos 

fundamentais que a figura suscita — mesmo aqueles que eram já debatidos na literatura do 

séc.  XIX.  Aquele  fascínio  que  atrás  se  assinalou,  e  que  o  autor  desta  dissertação  confessa 

partilhar,  revela  acima  de  tudo  que,  ao  fim  de  todo  este  tempo,  o  estudo  do  negócio 

fiduciário é ainda um trabalho em progresso. 

Este  contínuo  enfoque  no  negócio  fiduciário  tem  provavelmente  duas  causas 

imediatas, que serão bem evidenciadas ao longo das páginas que se seguem. A primeira é a 

complexidade do tema, que é consequência da peculiar configuração estrutural e funcional 

que  subjaz  à  relação  fiduciária  e  que  coloca  desafios  sérios  de  revisão  de  postulados  bem 

consolidados. O problema da oponibilidade a terceiros da posição jurídica do fiduciante — o 

beneficiário do arranjo contratual a quem é reconhecido apenas um direito de crédito sobre 

o  fiduciário,  este  sim  proprietário  do  bem  fiduciado  —  transporta  a  discussão  para  as 

fronteiras,  por  vezes  fluidas,  que  separam  os  direitos  reais  e  o  direito  dos  contratos.  Ele 

impõe,  por  isso,  a  harmonização  de  coordenadas  estruturantes  do  sistema  de  direito 

privado,  relacionadas  com  a  tensão  entre  tutela  do  crédito  e  a  promoção  da  autonomia 

privada,  com  a  elasticidade  do  princípio  da  tipicidade  das  situações  jurídicas  reais,  com  a 

natureza absoluta e sempre uniforme do direito de propriedade ou com os efeitos reflexos 

de  certas  pretensões  obrigacionais.  No  plano  interno,  também  o  conteúdo  da  relação 

contratual  entre  fiduciante  e  fiduciário  é  intensamente  moldado  pelo  fenómeno  de 

dissociação entre propriedade e interesse que caracteriza o negócio fiduciário, o que acaba 

por impor a adaptação de certas regras estruturais do negócio jurídico, e em particular dos 

(18)

contratos,  ao  contexto  particular  das  relações  de  natureza  fiduciária.  Assim  sucede,  em 

especial, com a necessária concretização da malha de deveres acessórios a que o fiduciário 

se encontra vinculado.  

Noutro plano, a assinalada popularidade do negócio fiduciário decorre da profunda 

disseminação do instituto no comércio jurídico, um facto incontornável do nosso tempo que 

obrigou a ciência jurídica a um esforço de contínua atualização das construções em torno do 

instituto.  Em  diferentes  quadrantes,  para  a  prossecução  de  diferentes  fins  e  seguindo 

estruturas jurídicas mais ou menos complexas, o negócio fiduciário surge como o substrato 

jurídico  típico  de  modelos  de  atuação  em  nome  próprio  mas  para  a  prossecução 

(predominante) de interesses alheios. Na literatura de law & economics é assinalado como a 

estrutura  peculiar  do  negócio  fiduciário  oferece  uma  alternativa  flexível  e  informal  aos 

institutos  assentes  na  personificação  jurídica,  permitindo  a  prossecução  de  finalidades 

produtivas  e  de  investimento,  e  mitigando  satisfatoriamente  os  chamados  problemas  de 

agência.  Não  sendo  único,  exemplo  paradigmático  de  um  setor  marcado  pela  profusão  do 

fenómeno  fiduciário  é  o  mercado  mobiliário,  onde,  ao  lado  de  modelos  especificamente 

desenhados pela lei seguindo um figurino fiduciário, se multiplicam casos em que a gestão 

de  posições  patrimoniais  alheias  e  a  criação  de  mecanismos  de  garantia  assentam  em 

relações  contratuais  que,  desenvolvidas  no  quadro  da  autonomia  privada,  rompem  a 

imputação jusformal de um acervo mobiliário e alocação do respetivo resultado económico. 

Aliás,  a  ideia  original  deste  estudo  nasceu  do  contacto  com  situações  da  praxis  em  que  a 

titularidade  e  circulação  de  valores  mobiliários  tem  por  base  modelos  contratuais  na  sua 

essência reconduzíveis ao negócio fiduciário. 

 

II.  Em  traços  simples  e  ainda  sem  grande  comprometimento  dogmático,  o  negócio 

fiduciário pode ser descrito como o contrato mediante o qual uma parte — o fiduciário — é 

investido, direta ou indiretamente, na propriedade de um bem, comprometendo‐se a geri‐lo 

(lato  sensu)  no  interesse  de  outrem  —  o  fiduciante  —,  a  quem,  uma  vez  finda  a  relação 

fiduciária, deverá ser devolvido o acervo patrimonial resultante daquela atividade gestória. 

Emerge  como  traço  estrutural  distintivo  a  configuração  do  fiduciante  como  titular  de  um 

direito de crédito sobre o fiduciário, só a este cabendo a titularidade de uma posição jurídica 

enquadrável no numerus clausus dos direitos reais — que é todavia desprovida de conteúdo 

(19)

económico,  porque  se  encontra,  por  contrato,  funcionalmente  afeta  à  prossecução  dos 

interesses patrimoniais do fiduciante. 

A  partir  desta  descrição,  é  comum  na  literatura  jurídica  —  em  particular,  na 

continental  —  enquadrar  os  problemas  jurídicos  suscitados  pelo  negócio  fiduciário  com 

base numa distinção fundamental: a que separa a esfera interna e esfera externa da relação 

fiduciária  e  que,  de  resto,  constitui  uma  marca  incontornável  da  generalidade  das 

construções  doutrinais  do  tema.  A  esfera  interna  compreende  o  conteúdo  da  relação 

contratual estipulada entre fiduciante e fiduciário e, nesse âmbito, a determinação das suas 

posições recíprocas (v.g., catálogo de deveres, intensidade desses deveres, meios de tutela 

face a situações de incumprimento); a esfera externa, por sua vez, refere‐se à interseção do 

arranjo que emerge do negócio fiduciário com certas categorias de terceiros, aí relevando, 

em  primeira  linha,  o  tema  da  oponibilidade  externa  da  posição  jurídica  meramente 

obrigacional em que fica investido o fiduciante. Não que seja exclusiva do negócio fiduciário 

esta divisão entre efeitos internos e efeitos externos; ela é, na verdade, discernível a respeito 

da  generalidade  das  relações  contratuais,  que  suscitam,  quase  sempre,  o  problema  da  sua 

oponibilidade  (reflexa)  a  sujeitos  que  delas  não  são  parte.  Porém,  a  peculiar  conformação 

estrutural  e  funcional  da  relação  jurídica  que  emerge  do  negócio  fiduciário  —  que  será 

explicitada  no  primeiro  capítulo  da  dissertação  —  torna  aquela  distinção  entre  a  esfera 

interna  e  a  esfera  externa  particularmente  adequada  para  apreender  as  constelações 

problemáticas suscitadas pela figura. 

Deixando  para  segundo  plano  o  problema  da  autonomização  da  figura  face  ao 

negócio simulado — problema esse que se encontra hoje ultrapassado —, este estudo tem 

como  objeto  privilegiado  a  esfera  externa  do  negócio  fiduciário,  ocupando‐se  da 

oponibilidade  a  terceiros  daquela  posição  de  credor  reconhecida  ao  fiduciante,  nalguns 

cenários paradigmáticos. Certo que, noutros ordenamentos onde a dogmática fiduciária se 

encontra  num  patamar  de  sofisticação  mais  avançado,  a  atenção  da  literatura  (e  dos 

tribunais) já transbordou para a aludida esfera interna. Certo também que, incidentalmente, 

a  determinação  das  eventuais  externalidades  reconhecidas  à  posição  do  fiduciante  não 

dispensa um olhar sobre o conteúdo da relação interna, em especial sobre alguns deveres 

acessórios que dela emergem. Todavia, a delimitação proposta, para além de compreensível 

como forma de evitar um tratamento demasiado transversal de matérias, em prejuízo do seu 

devido  aprofundamento,  constitui  um  opção  natural  por  ser  na  esfera  externa  que  se 

(20)

colocam  os  problemas  jurídicos  verdadeiramente  distintivos  do  negócio  fiduciário.  Ficará 

evidente ao longo deste estudo como aí se multiplicam questões de relevo, que não foram 

ainda,  entre  nós,  merecedoras  da  devida  atenção,  e  que  só  na  aparência  encontram  uma 

resposta clara no sistema normativo. 

Avançando  um  patamar,  é  depois  possível  identificar  na  esfera  externa  da  relação 

fiduciária  dois  problemas  jurídicos  fundamentais.  O  primeiro  é  o  da  oponibilidade  da 

posição do fiduciante aos credores gerais do fiduciário (i.e. aqueles credores, garantidos ou 

não, cujas pretensões não emergem da relação fiduciária): do que se trata é de saber se a 

atribuição  jusreal  do  bem  da  fidúcia  ao  fiduciário  tem  como  consequência  a  recondução 

deste  bem  ao  património  colocado  à  disposição  daqueles  credores,  podendo  ser  por  eles 

penhorado  e/ou  integrando  a  massa  insolvente  do  fiduciário;  ou  se,  ao  invés,  pode  o 

fiduciante,  titular  embora  de  um  mero  direito  de  crédito  sobre  o  fiduciário,  opor  a  sua 

posição  àquela  particular  categoria  de  terceiros.  Em  síntese,  interessa  saber  se  o 

ordenamento  jurídico  adequa  a  tutela  externa  do  fiduciante  (e,  reflexamente,  a  tutela  dos 

credores  deste  —  incluindo  o  Estado)  à  realidade  económica  que  subjaz  ao  arranjo 

fiduciário. Como se percebe, este problema não pressupõe uma atuação ilícita do fiduciário, 

partindo  antes  de  terceiros  a  iniciativa  de  agredir  o  património  fiduciário,  ainda  que  na 

sequência de situações patológicas imputáveis ao fiduciário. 

Num segundo plano e, agora sim, num cenário de infidelidade do fiduciário, interessa 

determinar  as  consequências  jurídicas  externas  dos  atos  de  disposição  praticados  pelo 

fiduciário em violação do vínculo de afetação funcional emergente do negócio fiduciário; i.e. 

aqueles negócios jurídicos através dos quais o fiduciário transmite a terceiro (ou onera em 

seu  benefício)  parte  ou  a  totalidade  dos  direitos  de  que  é  fiduciariamente  titular, 

contrariando  a  função  a  que  esses  bens  estavam  destinados,  violando  a  obrigação  de  os 

(re)transferir  para  o  fiduciante.  Em  causa  está,  agora,  saber  se  o  vínculo  obrigacional  que 

grava  a  propriedade  do  fiduciário  encerra  um  qualquer  efeito  limitador  (também)  da 

legitimidade dispositiva que é a este reconhecida. Não sendo esse o caso, há que procurar 

outros  fundamentos  normativos  —  mesmo  de  alcance  limitado  ou  apenas  mediato  —  que 

permitam  opor  o  direito  de  crédito  do  fiduciante  aos  terceiros  que  hajam  adquirido  uma 

pretensão incompatível sobre o bem fiduciário, maxime quando de má fé.  

(21)

III.  O  negócio  fiduciário  e  a  constelação  de  problemas  aqui  descrita  não  são 

desconhecidos  na  literatura  jurídica  portuguesa.  Aliás,  foram  nos  últimos  anos  publicados 

importantes estudos sobre o tema, que — mesmo centrados na fidúcia com fins de garantia 

(em  particular,  na  cessão  de  créditos  em  garantia)  —  contribuíram  decisivamente  para  o 

desenvolvimento  da  dogmática  fiduciária,  incluindo  a  respeito  da  vexata  quaestio  da 

oponibilidade a terceiros da posição do fiduciante. Não obstante estes impulsos recentes, é 

ainda significativa a distância que separa o labor doutrinal entre nós e o estado da discussão 

noutros  ordenamentos  jurídicos.  Prevalece  dominante  uma  postura  resignada  face  aos 

obstáculos  suscitados  pela  esfera  externa  da  relação  fiduciária;  permanecem  por  explorar 

coordenadas  normativas  centrais,  relacionadas,  por  exemplo,  com  a  vocação  expansiva  de 

certos modelos contratuais de natureza fiduciária ou com a disseminação de fenómenos de 

segregação  patrimonial  por  diversos  quadrantes  do  sistema  de  direito  privado;  e, 

simultaneamente causa e consequência disto mesmo, permanece ainda pouco mais do que 

incipiente o tratamento jurisprudencial do tema.  

Por  essas  razões,  é  decisivo  o  contributo  do  direito  comparado.  Até  porque,  como 

estas páginas demonstram, é no mínimo precipitada a asserção — tantas vezes difundida na 

literatura — de que apenas os ordenamentos de common law asseguram, no quadro do trust, 

uma  tutela  efetiva  do  beneficiário  no  confronto  com  terceiros.  A  suposta  singularidade  do 

trust vem sendo colocada em crise, fruto do reconhecimento de inúmeras manifestações de 

institutos funcionalmente análogos nos direitos continentais, na sua essência reconduzíveis 

ao  fenómeno  da  interposição  gestória  e  a  que,  afinal,  são  também  reconhecidas  certas 

externalidades; e é desmentida em definitivo pela ampla receção do instituto nos chamados 

mixed legal systems, ordenamentos cujos sistemas de direito privado — e, em concreto, de 

direitos reais — seguem uma matriz de civil law. Em resultado de um processo cujas origens 

não  são  sequer  recentes,  mesmo  em  ordenamentos  continentais  de  referência,  com 

destaque  para  o  direito  alemão,  estão  hoje  bem  consolidadas  construções  que  permitem 

reconhecer certas externalidades ao vínculo de destinação emergente do negócio fiduciário, 

desenvolvidas num quadro normativo e conceptual que é — ao contrário do que sucede com 

o  instituto  do  trust,  assente  num  peculiar  sistema  de  fontes  —,  com  as  sempre  devidas 

precauções, transponível para o direito português.  

(22)

IV. De tudo o que até aqui foi dito fica apenas sugerida uma direção deste estudo que 

importa, todavia, deixar bem expressa. É bem conhecida a distinção — que aliás remonta ao 

direito romano — entre a fidúcia para gestão (fiducia cum amico) e a fidúcia para garantia 

(fiducia cum creditore), consoante o arranjo contratual se destina a assegurar a gestão em 

nome  próprio  de  uma  posição  patrimonial  alheia  ou,  ao  invés,  surge  no  quadro  de  uma 

alienação em garantia, em benefício também do fiduciário. É mais o que aproxima do que o 

que separa estas duas modalidades do negócio fiduciário. É todavia também inquestionável 

que  a  elas  subjaz  uma  distinta  conformação  de  interesses,  que  se  repercute  no  próprio 

conteúdo normativo da relação fiduciária: enquanto no negócio fiduciário com fins de gestão 

é apenas ao fiduciante que cabe o interesse no aproveitamento do bem fiduciado, assim não 

sucede  na  fidúcia  para  garantia,  em  que,  pelo  menos  até  ao  cumprimento  da  obrigação 

garantida,  também  o  interesse  do  fiduciário  se  projeta  sobre  o  acervo  patrimonial 

transmitido fiduciariamente. Esta diferente conformação de interesses tem reflexo direto no 

conteúdo normativo típico da relação contratual que emerge num e noutro caso. 

O anunciado estudo da oponibilidade a terceiros da posição do fiduciante tem como 

pressuposto  uma  delimitação  ao  negócio  fiduciário  de  gestão.  A  relação  jurídica  que 

constitui  o  objeto  paradigmático  da  análise  que  se  segue  é,  por  isso,  reconduzível  ao 

fenómeno da interposição gestória de interesses alheios, caracterizado pela dissociação clara 

entre a alocação jurídica de um bem e o interesse no aproveitamento do mesmo e, portanto, 

caracterizado  também  pela  rutura  entre  a  imputação  do  conteúdo  formal  (poderes, 

faculdades,  deveres)  de  uma  situação  jurídica  e  a  imputação  substancial  do  seu  resultado 

económico.  Esta  delimitação  não  permite  apenas  conter,  de  forma  precisa,  o  conteúdo 

normativo  da  figura  que  pretendo  estudar  e,  com  isso,  conter  também  o  âmbito  desta 

dissertação. São conhecidas as fronteiras fluidas da categoria do negócio fiduciário, as quais 

são porém tornadas mais conspícuas com esta circunscrição funcional aos casos de fiducia 

cum amico, o que, por seu turno, facilita a própria apreensão dos problemas jurídicos que 

aqui  pretendo  tratar.  Adicionalmente,  a  delimitação  proposta  sugere  uma  aproximação  do 

fenómeno  fiduciário  a  um  tipo  legal  que  ocupa  uma  posição  central  no  sistema  de  direito 

privado e que se identifica com a gestão em nome próprio de posições patrimoniais alheias: 

o  mandato  sem  representação.  Limitando  o  estudo  ao  negócio  fiduciário  de  gestão,  fica 

aberto o caminho para avançar por terrenos ainda pouco explorados entre nós, que passam, 

na sua essência, por testar o caráter modelar da disciplina do mandato sem representação, 

vendo nela o embrião do quadro normativo regulador da propriedade por conta de outrem. 

(23)

Por essa razão, não serão aqui abordados problemas particulares da fidúcia com fins 

de  garantia  e  que,  aliás,  mereceram  tratamento  eloquente  na  doutrina  portuguesa  em 

tempos recentes. O que não significa que, como será aliás assinalado, os resultados apurados 

ao longo desta dissertação a respeito da oponibilidade a terceiros da posição do fiduciante e 

formulados para a fiducia cum amico não possam ser estendidos para (pelo menos) certas 

manifestações  da  fiducia  cum  creditore  —  não  prescindindo  embora  de  precauções 

hermenêuticas, justificadas pela assinalada conformação de interesses distinta que subjaz a 

estas duas modalidades do negócio fiduciário. 

 

V.  Até  agora,  o  tema  desta  dissertação  vem  sendo  situado  no  direito  comum.  Já 

sugeri, todavia, que a ideia original deste estudo nasceu do contacto com situações jurídicas 

(atípicas) de natureza fiduciária num domínio especial: o direito mobiliário. Na verdade, um 

olhar menos focado no edifício legal em que assenta a circulação de valores mobiliários ou 

nos  modelos  contratuais  tipificados  na  lei,  e  mais  nas  práticas  dos  agentes  do  mercado 

(emitentes, investidores, intermediários financeiros) revela bem como o registo e depósito 

de  valores  mobiliários  esconde  uma  realidade  jurídica  complexa,  em  que  se  multiplicam 

situações  de  inequívocas  tonalidades  fiduciárias.  Sendo  inquestionável  a  diversidade 

estrutural e funcional que lhes subjaz, é possível atribuir a essas criações do tráfego alguns 

traços  consistentes:  elas  assentam  na  imputação  da  titularidade  dos  valores  mobiliários  a 

um intermediário financeiro, na prestação de um serviço profissional; é patente a natureza 

instrumental e por princípio temporária dessa titularidade, em resultado da vinculação do 

intermediário financeiro ao interesse patrimonial do cliente que motiva a operação; e releva 

a estipulação de um programa contratual, mais ou menos complexo, destinado a regular a 

atuação fiduciária do intermediário financeiro — por exemplo, a respeito do exercício dos 

direitos  inerentes  —  e  que,  de  forma  expressa  ou  implícita,  impõe  a  (re)transmissão 

daqueles valores mobiliários para a esfera do investidor.  

É imensa a relevância prática destas hipóteses de titularidade por conta de valores 

mobiliários,  como  é  muito  significativo  o  volume  de  valores  mobiliários  que,  no  mercado 

português,  elas  envolvem,  mesmo  em  situações  que  não  apresentam  conexão  com  outros 

ordenamentos.  Construídas  no  quadro  da  autonomia  privada,  elas  têm  como  catalisador  a 

dinâmica  própria  do  tráfego  dos  negócios,  a  que  não  é  indiferente  a  influência  dos  usos 

comerciais  prevalecentes  noutros  mercados  financeiros  dominantes.  A  sua  relevância 

(24)

encontra  no  fundo  justificação  no  cosmopolitismo  que  caracteriza  o  direito  comercial  (e 

portanto  também  o  direito  mobiliário)  hodierno,  cuja  evolução  é  decisivamente  ditada  e 

guiada pelas práticas e necessidades de um mercado cada vez mais globalizado e integrado. 

Ainda  assim,  é  possível  discernir  nestas  situações  certas  configurações  jurídicas 

padronizadas  e  uniformes,  que  sem  dúvida  permitem  e  justificam  o  seu  estudo  e 

enquadramento  dogmático.  Isso  mesmo  sucede  no  caso  paradigmático  de  que  esta 

dissertação se pretende ocupar em maior profundidade: o da chamada titularidade indireta 

ou  intermediada  de  valores  mobiliários  (na  literatura  internacional,  que  dedicou 

significativa atenção ao fenómeno nos tempos recentes, intermediated holding of securities 

ou intermediated securities). 

Conforme  a  seu  tempo  ficará  descrito,  trata‐se  de  relações  de  investimento 

caracterizadas  pela  atribuição  ao  intermediário  financeiro  de  um  papel  que  ultrapassa  a 

função  de  mero  custodiante,  sendo  antes  chamado  a  atuar,  de  forma  socialmente 

padronizada e por conta de múltiplos investidores, como o titular de valores mobiliários em 

nome  próprio,  mas  na  prossecução  de  interesses  patrimoniais  alheios.  Estes  modelos 

privilegiam  a  flexibilidade  operacional  permitida  pelo  recurso  a  práticas  de  pooling  — 

assentes na utilização das chamadas contas omnibus (contas jumbo ou contas globais) —, em 

que  o  intermediário  financeiro  inscreve,  de  forma  indistinta  e  não  segregada,  os  valores 

mobiliários  por  si  detidos  por  conta  de  múltiplos  investidores,  ficando  a  imputação  das 

posições  individuais  de  cada  um  destes  dependente  dos  registos  internos  do  ou  dos 

intermediários  financeiros  envolvidos.  Assentes  em  relações  contratuais  que  agregam 

características  do  contrato  de  depósito/registo  de  valores  mobiliários  e  do  mandato  (sem 

representação),  construídas  no  quadro  da  autonomia  privada,  estas  situações  têm  como 

consequência jurídica o afastamento entre emitente e investidor final, cuja relação passa a 

ser marcada por um ou mais níveis de intermediação. 

Certo  é  que  este  modelo  de  circulação  de  valores  mobiliários,  que  parece  de  facto 

remeter o intermediário financeiro para uma atuação tipicamente fiduciária, materializa no 

domínio  especial  do  direito  mobiliário  a  problemática  da  oponibilidade  a  terceiros  da 

posição do beneficiário daquela atuação gestória. Neste cenário, o investidor deixa de estar 

apenas  exposto  ao  risco  de  investimento,  aquele  que  é  indissociável  da  negociação  em 

valores mobiliários e que está indexado à situação patrimonial da sociedade emitente. Além 

desse, e porque os valores mobiliários não estão na sua esfera de titularidade, o investidor 

(25)

fica exposto quer ao risco de insolvência do intermediário financeiro, caso em que interessa 

saber se e em que medida o acervo fiduciário se encontra a salvo dos demais credores do 

intermediário  financeiro,  quer  ao  risco  de  incumprimento  do  programa  contratual 

estipulado,  interessando  a  este  respeito  determinar  o  nível  de  tutela  que  o  ordenamento 

mobiliário  oferece  num  cenário  em  que  o  intermediário  financeiro  aliene  ou  onere 

ilicitamente os valores mobiliários de que é apenas titular fiduciário. Porque normalmente 

estas  cadeias  de  titularidade  apresentam  conexão  com  mais  do  que  um  ordenamento 

jurídico,  estão‐lhes  associados  ainda  intrincados  problemas  de  direito  conflitual.  Sem 

prejuízo  do  seu  manifesto  interesse,  não  é  todavia  essa  a  abordagem  do  fenómeno  que 

pretendo  privilegiar,  que,  na  realidade,  imporia  um  desvio  significativo  ao  roteiro  traçado 

para este estudo. 

Por  razões  dogmáticas  mas  também  pragmáticas,  é  assim  um  exercício  dialético 

entre direito geral e direito especial que pretendo levar a cabo nestas páginas. De um lado, 

as  coordenadas  extraídas  do  direito  comum  servirão  como  pano  de  fundo  para  o 

enquadramento  daqueles  problemas  da  esfera  externa  da  relação  fiduciária  quando 

suscitados  no  domínio  mobiliário,  ao  mesmo  tempo  que  —  em  sentido  inverso  —  a 

apreensão  das  tendências  normativas  que  caracterizam  este  subsistema  jurídico  poderão 

contribuir para consolidar as conclusões afirmadas a respeito da dogmática fiduciária geral. 

Por  outro  lado,  é  também  evidente  que  a  assinalada  relevância  sistémica  da  titularidade 

indireta não despertou ainda a devida atenção entre nós, onde a literatura especializada se 

debruça,  quase  sempre,  sobre  os  valores  mobiliários  que  permanecem  dentro  do  sistema, 

nada ou muito pouco se dizendo sobre o regime destas complexas cadeias de intermediação. 

De  um  prisma  de  enquadramento  jurídico,  elas  permanecem  envoltas  num  manto  de 

desconhecimento  e  incerteza,  incompatível  com  o  regular  funcionamento  do  mercado.  Isto 

num  tempo  —  que  foi  o  que  durou  a  escrita  desta  dissertação  —  em  que  a  falência  de 

instituições  financeiras  e  o  risco  de  contágio  daí  decorrente  passou  de  mera  hipótese 

académica para um problema da vida real, a que (também) os juristas foram chamados a dar 

respostas claras.  

 

VI.  Feitas  estas  considerações  introdutórias,  que  serviram  para  uma  apresentação 

preliminar  dos  problemas  jurídicos  a  tratar  e  para  uma  primeira  delimitação  do  âmbito 

desta dissertação, é tempo de avançar, apresentando o roteiro do trabalho.  

(26)

Como  se  impunha,  o  propósito  do  primeiro  capítulo  é  o  de  apresentar  uma  noção 

preliminar  de  negócio  fiduciário  de  gestão,  que  se  afigure  isenta  de  compromissos  e 

preconceitos  suscetíveis  de  enviesar  o  terreno  dogmático  em  que,  depois,  pretendo 

enquadrar os problemas da esfera externa da relação fiduciária. Para isso, é imperativo um 

percurso pela literatura jurídica, a fim de apurar os termos em que a figura é genericamente 

descrita:  depois  de  uma  breve  referência  histórica  à  fiducia  romana,  a  que  remontam  as 

origens  do  negócio  fiduciário  do  nosso  tempo  (§1.1),  é  feita  uma  primeira  incursão  por 

alguns direitos estrangeiros — que, entre outros propósitos, serve também para ensaiar a 

aproximação do trust ao negócio fiduciário, digamos, continental (§1.2) —, seguida de um 

excurso  sumário  pela  doutrina  portuguesa  (§1.3).  Não  pretendo,  nesta  fase  ainda 

preliminar, tocar o tema central da oponibilidade a terceiros da posição do fiduciante, mas 

tão  só  identificar  as  fórmulas  usadas  na  doutrina  para  definir  ou  descrever  o  negócio 

fiduciário,  por  essa  via  traçando,  em  termos  mais  precisos,  as  constelações  problemáticas 

que  dele  emergem.  Esse  fim  não  dispensa,  porém,  uma  verdadeira  abordagem  crítica, 

destinada a assinalar as fragilidades e inconsistências das caracterizações do instituto que 

permanecem  dominantes  na  literatura  e  que  denotam  ainda  um  excessivo  apego  às 

formulações usadas no tempo da pandectística.  

Nessa  direção,  procuro  identificar  uma  noção  mínima  de  negócio  fiduciário, 

composta  por  elementos  estruturais  e  funcionais  nucleares  e  que  com  rigor  distinguem  a 

figura  no  confronto  com  outras  categorias  negociais,  evitando  a  sua  contaminação  por 

certos traços de regime que, sob pena de uma inversão metodológica intolerável, não podem 

ser simplesmente assumidos (§2.º). É ainda nesta etapa da dissertação que será ensaiada a 

aproximação  conceptual  entre  a  categoria  do  negócio  fiduciário  e  o  mandato  sem 

representação, o que constitui o primeiro passo necessário para a comprovação da hipótese 

da natureza modelar da disciplina deste tipo contratual.  

 

VII. Traçados os contornos da figura, o estudo da esfera externa tem início com uma 

incursão por alguns direitos estrangeiros (§3.º). Já antes assinalei a postura não resignada 

que prevaleceu noutros ordenamentos (continentais) perante os obstáculos suscitados pelo 

tema. A partir desse pressuposto, a análise juscomparativa tem como propósito imediato a 

identificação dos caminhos percorridos na literatura e nos tribunais para fundamentar uma 

tutela  do  fiduciante  para  fora  da  relação  fiduciária.  Mas,  num  segundo  plano,  pretendo 

(27)

também  assinalar  o  impacto  mais  amplo  na  ciência  jurídica  dos  desenvolvimentos 

dogmáticos  promovidos  pelo  estudo  do  negócio  fiduciário,  que  funcionaram  como 

catalisador  para  a  revisitação  de  coordenadas  normativas  centrais  do  sistema  de  direito 

privado  (v.g.,  as  ponderações  subjacentes  aos  fenómenos  de  segregação  patrimonial  ou  o 

alcance normativo da dicotomia entre direitos reais e direitos obrigacionais).  

O texto começa pelo direito alemão, cabeça de estirpe da família romano‐germânica, 

com  uma  apresentação  sintética,  mas  completa,  do  estado  atual  da  discussão  dogmática 

centrada na fiduziarische Treuhand e na tutela que vem sendo reconhecida ao Treugeber nas 

relações  com  terceiros  (§3.1).  É  significativo  o  espaço  dedicado  a  esta  análise,  o  que  se 

justifica  pela  diversidade  e  profundidade  das  abordagens  ensaiadas  para  o  tema  da 

oponibilidade  externa  da  relação  fiduciária,  que  sem  dúvida  permitem  lançar  alguma  luz 

sobre o caminho a percorrer para o esboço de uma teoria do negócio fiduciário também no 

nosso  ordenamento.  Segue‐se  uma  incursão  pelos  direitos  italiano  e  suíço,  que  tem  um 

propósito  bem  identificado:  salientar  como  a  teoria  do  negócio  fiduciário  se  desenvolveu, 

naqueles ordenamentos, em diálogo com a disciplina do mandato sem representação, onde o 

tema das externalidades da posição jurídica do fiduciante é enquadrado, no contexto de um 

debate  doutrinal  e  jurisprudencial  que  permanece  aceso  (§3.2).  Atentas  as  semelhanças 

com o quadro legal da representação indireta vigente entre nós — em particular, para o que 

aqui  interessa,  a  respeito  do  regime  da  responsabilidade  patrimonial  do  mandatário  —,  a 

utilidade deste esforço de comparação é por si só evidente. 

Já o percurso pelo direito inglês tem como premissa apriorística o reconhecimento 

da oponibilidade genérica da posição do beneficial owner de um trust fora da relação com o 

trustee (§3.3). De resto, na literatura continental, esse dado normativo constitui o ponto de 

partida  para  a  própria  apresentação  da  figura,  apontado  quase  sempre  como  um  traço 

distintivo  do  trust  na  tradição  jurídica  europeia,  desenvolvido  num  quadro  de  fontes 

particular. Tal não elimina por completo, todavia, o interesse numa análise juscomparativa, 

mesmo que delimitada a matérias relativamente às quais a apreensão da dogmática do trust 

pode  —  ainda  que  apenas  de  forma  reflexa  —  contribuir  para  enquadrar  o  negócio 

fiduciário  no  direito  português.  Pretendo,  por  isso,  centrar  a  análise  no  apuramento  dos 

fundamentos substantivos em que assenta a tutela externa do beneficial owner e, sobretudo, 

fazer referência à atual discussão acerca da natureza jurídica da posição que é reconhecida 

ao  fiduciante,  que  coloca  em  crise  uma  oposição  estrita  entre  property  claims  e  personal 

(28)

claims e revela bem como, mesmo num direito onde está consolidada uma tutela erga omnes 

do  fiduciante,  nem  por  isso  esse  resultado  pressupõe  o  inevitável  reconhecimento  da 

proprietary nature da sua posição. 

Desde já se adverte que este percurso juscomparativo é, de certa forma, assimétrico, 

não  sendo  a  grelha  comparativa  preenchida  com  a  mesma  extensão  e  profundidade  a 

respeito de todos os direitos. Essa assimetria encontra porém o seu fundamento num juízo, 

aqui  plenamente  assumido,  de  que  cada  um  dos  ordenamentos  selecionados  contribui  de 

forma distinta para a análise do direito português que é depois desenvolvida; isso mesmo 

ficará evidente a longo do texto. O percurso de direito comparado termina com uma breve 

síntese conclusiva, na qual são assinalados os aspetos convergentes e divergentes, lançando 

o terreno para a discussão subsequente (§3.4).  

 

VIII.  De  volta  ao  direito  português,  o  texto  dedica‐se  definitivamente  à  busca  de 

respostas  para  o  primeiro  problema  fundamental  da  esfera  externa  da  relação  fiduciária: 

saber se é inevitável reconhecer ao património fiduciário o mesmo tratamento a que ficam 

sujeitos os demais bens de que o fiduciário é proprietário, integrando a garantia geral deste, 

ou se, não obstante ser titular de um direito de crédito oponível ao fiduciário, o fiduciante 

dispõe de prerrogativas de separação daquele acervo patrimonial detido por sua conta, seja 

num cenário de execução singular movida contra o fiduciário, seja na insolvência deste.  

Reduzido à sua essência jurídica, este problema implica traçar de forma rigorosa a 

relação que se estabelece entre autonomia privada — a fonte do negócio fiduciário atípico 

—  e  o  reconhecimento  normativo  de  um  efeito  de  separação  patrimonial.  Daí  que  o 

problema  comece  por  ser  enquadrado  no  tema  da  responsabilidade  patrimonial  e  na 

dogmática do património do devedor. Segue‐se uma apresentação sumária do estado da arte 

da  doutrina  e  jurisprudência  portuguesas,  cujo  propósito  é  o  de  identificar  os  critérios 

normativos  comummente  aceites  para  a  delimitação  da  esfera  de  responsabilidade 

patrimonial do devedor, e para o reconhecimento da autonomia patrimonial (§4.1).  

Terminado  esse  breve  enquadramento,  segue‐se  a  análise  crítica,  na  qual  pretendo 

demonstrar que, em grande parte, a doutrina hoje dominante em tema de responsabilidade 

patrimonial parece ser o resultado mais da aceitação apriorística das clássicas construções 

subjetivistas  do  património  do  que  de  uma  adequada  avaliação  do  direito  positivo  (§4.2). 

Por  isso,  aquela  doutrina  afasta‐se  de  um  ordenamento  jurídico  profícuo,  não  apenas  em 

(29)

tempos recentes, em manifestações de segregação patrimonial relevantes nos mais variados 

quadrantes jurídicos — incluindo em institutos nucleares do sistema de direito privado —, 

cuja  projeção  no  tráfego  e  relevância  dogmática,  se  não  basta  para  desmoronar  os  seus 

alicerces,  serve  seguramente  para  questionar  o  alegado  caráter  excecional  e  extravagante 

dos  fenómenos  de  autonomia  patrimonial.  As  conceções  ainda  dominantes  parecem 

desconsiderar a evolução constante do direito positivo, que é hoje menos revelador — nas 

palavras do autor italiano A.

 

G

AMBARO

 — de uma tendência antropomórfica de projetar nos 

institutos jurídicos as características da pessoa humana. A profunda mitigação do postulado 

da unidade patrimonial dos sujeitos parece ser acompanhada pelo reconhecimento alargado 

de funções produtivas dos patrimónios autónomos, por oposição às limitadas finalidades de 

liquidação  e  conservação  que  lhes  são  normalmente  associadas,  e  acompanhada  também 

pela  progressiva  ampliação  do  espaço  reservado  à  autonomia  privada,  não  apenas  na 

modelação da forma, conteúdo e efeitos destes fenómenos de segregação patrimonial, mas 

mesmo na sua efetiva criação. 

Ora,  a  construção  de  uma  teoria  do  património  não  pode  deixar  de  procurar 

interpretar, combinar e sistematizar os preceitos legais que, mesmo que de forma parcelar, 

regulam a delimitação da garantia geral do devedor, em busca de uma coerência interna que 

sirva  de  fonte  de  critérios  normativos  claros  e  racionais.  Nesse  pressuposto,  recorrendo  a 

um  percurso  hermenêutico  que,  em  simultâneo,  valoriza  elementos  sistemáticos  e 

teleológicos,  pretendo  testar  a  verdadeira  validade  normativa  de  muitos  dos  postulados 

estruturantes  em  tema  de  responsabilidade  patrimonial,  e  que  têm  impacto  direto  no 

problema fiduciário a resolver. Em traços simples, que serão detalhados nas páginas que se 

seguem,  interessa  demonstrar,  e  não  assumir,  que  o  património  executável  é  mesmo  por 

princípio  delimitado  pela  esfera  de  direitos  patrimoniais  de  que  o  devedor  é  titular, 

irrelevando na base considerações de índole dinâmica e funcional. Interessa também apurar 

a verdadeira relação que o direito positivo estabelece entre património geral e património 

especial, e delimitar o papel que, nesse âmbito, é afinal reconhecido à autonomia privada. E 

interessa, decisivamente, determinar se e em que medida o ordenamento permite que certas 

pretensões  de  natureza  creditícia  interfiram  na  delimitação  da  garantia  geral  do  devedor, 

em  particular  aquelas  cujo  efeito  é  a  instrumentalização  de  uma  determinada  situação 

proprietária. 

(30)

Para  esta  indagação,  proponho  um  percurso  por  diversas  manifestações  de 

segregação  patrimonial  consagradas  em  diferentes  quadrantes  jurídicos,  a  fim  de,  no 

essencial, apreender as ponderações normativas que lhes estão subjacentes. Nesse quadro, 

assume  relevância  paradigmática  a  figura  do  mandato  sem  representação  e  o  regime  de 

responsabilidade  por  dívidas  aí  consagrado  (§5.1),  mas  são  igualmente  descritos  outros 

fenómenos de autonomia patrimonial no direito das sucessões (§5.2), no direito comercial 

(§5.3)  e  no  direito  da  insolvência  (§§5.4  e  5.5).  Terminado  este  percurso,  são  traçadas 

algumas  conclusões  intercalares,  altura  em  que  ficará  traçado  o  pano  de  fundo  dogmático 

em que será procurada a solução para o problema da oponibilidade do vínculo fiduciário aos 

credores gerais do fiduciário (§5.6).  

Completada esta análise, ficará claro que a titularidade jurídica parece assumir afinal 

um  papel  indiciário  ou,  mesmo,  residual  enquanto  instrumento  de  delimitação  da  esfera 

patrimonial  do  devedor,  que  cede  perante  outras  ponderações  normativas  que  o  quadro 

legal encerra. A lei adota um conjunto de critérios de resolução do potencial conflito entre 

diferentes categorias de credores que, de forma consistente e constante, e encontrando no 

mandato  sem  representação  a  sua  matriz  conceptual,  se  afastam  de  uma  perspetiva 

puramente estática e formalista, em favor de uma abordagem dinâmica, funcional e objetiva, 

que  valoriza  certos  vínculos  funcionais  que  gravam  (e  limitam)  o  exercício  de  direitos 

patrimoniais. Isso mesmo sucede nos casos em que — como no negócio fiduciário gestório 

—  a  titularidade  de  um  direito  patrimonial  se  destina  a  prosseguir  um  interesse  alheio  e, 

dessa forma, se afigura instrumental para a prossecução de um fim específico, que pode ser 

de  gestão,  de  garantia  ou  de  conservação.  É  por  seu  turno  incontornável  a  relevância 

dogmática de casos em que é normativamente reconhecida oponibilidade externa a posições 

jurídicas obrigacionais e relativas, que abalam a associação tradicional entre a oponibilidade 

de posições subjetivas e a respetiva natureza jurídica. 

Recolhidos  estes  dados,  o  texto  segue  para  a  comprovação  definitiva  da  vocação 

expansiva  do  regime  de  responsabilidade  por  dívidas  do  mandato  sem  representação  (cf. 

art.  1184.º),  procurando  identificar  aí  um  critério  normativo  de  delimitação  da  esfera  de 

responsabilidade patrimonial genericamente aplicável às situações de titularidade fiduciária 

com  fins  de  gestão  (§6.1),  e  descrevendo  as  principais  consequências  de  regime  que  daí 

resultam  em  benefício  do  fiduciante  (§6.2).  A  hipótese  formulada  é,  como  já  sugerido, 

suscitada  de  imediato  por  uma  abordagem  juscomparativa  da  dogmática  fiduciária.  Em 

(31)

diferentes  ordenamentos  continentais,  a  consolidação  da  tutela  do  fiduciante  assenta 

decisivamente no reconhecimento da vocação expansiva de regimes predispostos para tipos 

contratuais  particulares  —  mas  nucleares  —  que  revestem  natureza  fiduciária.  No  direito 

italiano, como no suíço, reside na extensão da disciplina de responsabilidade por dívidas do 

mandatário  sem  representação  o  fundamento  da  oponibilidade  externa  do  vínculo 

fiduciário,  mesmo  que  emergente  de  negócio  atípico.  Discussão  análoga  tem  lugar  no 

ordenamento alemão, onde parte significativa da doutrina — com ressonância nos tribunais 

—  sustenta  a  generalização  das  regras  que,  na  comissão,  asseguram  a  oponibilidade  da 

posição  do  comitente  a  terceiros,  em  particular  credores  gerais  do  comissário.  Com 

variações  mais  ou  menos  sensíveis  no  edifício  argumentativo  utilizado,  une  na  base  estas 

posições  a  valorização  da  vocação  geral  que  subjaz  a  estes  regimes  especiais  de 

oponibilidade, que justificaria o alargamento do seu âmbito de aplicação à generalidade das 

situações  de  titularidade  fiduciária.  Porém,  como  pretendo  demonstrar  adiante,  não  se 

esgotam na importação de soluções prevalecentes noutros direitos as razões para testar a 

aludida  vocação  expansiva  do  regime  de  responsabilidade  por  dívidas  do  mandatário  sem 

representação  (cf.  art.  1184.º),  que,  na  realidade,  encontra  também  no  direito  português 

fundamentos dogmáticos sólidos. 

 

IX.  Avanço  depois  para  a  segunda  problemática  fundamental  situada  na  esfera 

externa  da  relação  fiduciária,  aquela  em  que  o  fiduciário  aliena  ou  onera  o  património 

fiduciário em violação do pactum fiduciae (§7.º). Antecipe‐se que o menor número de linhas 

dedicadas  a  este  tema  não  deve  induzir  no  erro  de  que  são  menores  os  desafios  que  ele 

coloca,  ou  menor  o  interesse  que  ele  suscita.  Sucede  que,  como  ficará  bem  patente,  a 

resolução  deste  conflito  entre  fiduciante  e  terceiros  adquirentes  de  uma  pretensão 

incompatível  sobre  o  bem  fiduciário  beneficia  amplamente  das  conclusões  apuradas  a 

respeito  da  oponibilidade  do  vínculo  fiduciário  aos  credores  gerais  do  fiduciário  e,  em 

particular,  das  coordenadas  relacionadas  com  o  alcance  normativo  de  certas  disposições 

previstas  para  o  mandato  sem  representação.  Ficará  claro  que  o  reconhecimento  de  um 

efeito de separação patrimonial — como aquele que a lei consagra para os bens do mandato 

— não tem o seu alcance normativo limitado à circunscrição da esfera de responsabilidade 

de um sujeito, transbordando para certas prerrogativas de disposição, que podem afinal ser 

também limitadas (mesmo que apenas parcialmente). 

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