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COMPORTAMENTO POLÍTICO EM CRUZ DAS ALMAS

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Academic year: 2021

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C O M P O R T A M E N T O P O L Í T I C O EM

C R U Z D A S A L M A S

D

o n a l d

P

i e r s o n

N

A pesquisa que fizemos recentemente, de uma comunidade rural no Estado de São Paulo, (1) observamos que parte não pequena do pensamento das pessoas mais velhas, especialmente dos homens,

é dedicada à antecipação, aprovação ou crítica de acontecimentos

políticos. Onde quer que se reunam algumas pessoas, a política é tópico infalível de conversa. A intensidade dêste interesse nunca, chega a baixo nível e, periodicamente, em especial antes, durante e logo Trepois de uma eleição, atinge, o ponto de “clím ax”, em que aí

tensões podem tornar-se de um tal gráu que, de incidentes compara­ tivamente sem importância, resultam, às vêzes, episódios de violên­ cia. “Eles estano falano em política”, disse um môço, “tá com a bar­ riga cheia num precisa armoçá e nem jantá. A política mata a fome dêles”.

A atividade política na comunidade em apreço consiste em man­ ter relações com funcionários e candidatos a cargos eletivos na sede do município; em discutir personalidades e questões, especialmente enquanto estas últimas se identificam com as primeiras; em orien­ tar os eleitores; e em mobilizar o voto no dia da eleição. Estas ativi­ dades tendem a produzir resultados, porém, apenas na medida em que se efetuam em têrmos pessoais. Embora se empreguem na con­ versa os nomes, ou mais comumente as iniciais, dos partidos políti­ cos, êstes são quase inteiramente considerados como sendo de Fula­ no ou de Sicrano, ou de certos grupos de homens, e não como repre­ sentando questões específicas ou programas de ação. Em tempo de eleição, os contatos íntimos e as relações pessoais desempenham pa­ péis decisivos para obter apoio político, fato claramente refletido nas seguintes observações de um líder desta comunidade: “Eu tô conversano com o meu pessoar, tenho cinqüenta e treis compadre e fio, genro, nora, sobrinho. Aqui Bueno e Cardoso [os nomes da sua família e da de sua mulher] é mato. Aqui inleição ninguém ganlia

(1) — Ver o oieu artigo, wO Estudo de Cruz das Almas”, publicado em So­

ciologia, Vol. XII, N.9 1 (março de 1950), págs. 33-43. Na coleta dos dados

cm que se baseia o presente artigo, fui competentemente auxiliado por Carlos Borges Teixeira, aluno post-graduado e assistente de pesquisa meu, na Escola

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COMPORTAMENTO POLÍTICO EM CRUZ DAS ALMAS

de mim. .Tudas inleição tem sido ansim, eu pendo prum lado, pode jurá o que quizé”.

Os contatos íntimos são igualmente essenciais quando os funcio­ nários da vila querem tratar com os funcionários da sede do municí­ pio. Numa base impessoal ou formal, pouco se pode conseguir. “O governo em Boa Vista é Zico Morais”, observou um sitiante, referindo- se a um funcionário cujo cargo se localiza na sede do município, “mais quem resorve aqui na vila é o Fernando [ura funciohário local]; a gente se entende com êle e êle se entende cora o Zico”.

Os favores prestados por um líder político a pessoas da comuni­ dade e que se foram acumulando durante o intervalo entre as elei­ ções, são usualmente retribuídos no dia de votar. Sc, nessa ocasião, uma pessoa não vota de acôrdo com as sugestões de seu líder políti­ co, não pode esperar favores no futuro. Especialmente para os anal­ fabetos, ou quase analfabetos, estas conexões com alguém que tenha fôrça política podem ser muito importantes no caso em que tenham que tratar com funcionários do govêrno. “Se a gente tem uma pran- ta perto da divisa com o visinlio”, disse um sitiante, “e as formiga do terreno dêle vêm comê a pranta da gente, a gente pede prele matá as formiga de sua terra. Se êle num quizé matá, a gente vai falá com o sub-prefeito; agora, êle seno contra a gente [isto é, se for de outro partido], num fais nada e a gente perde a lavôra”.

As divergências políticas entre os habitantes locais são as prin­ cipais fôrças que solapara a solidariedade d^i comunidade. (2) Em nenhuma das numerosas ocasiões era que se formavam grupos para caçadas, por exemplo, durante o período de tempo era que a comu­ nidade estêve em observação, se reuniram num mesmo grupo adeptos dos dois principais partidos políticos do lugar. As diferenças polí­ ticas eram muito mais importantes a êste respeito do que, por exem­ plo diferenças de raça ou côr, pois nessas caçadas, participavam jun­ tos, indiscriminadamente, pretos, brancos, mamclucos, mulatos e cafusos.

Ressentimentos originados em divergências políticas podem du­ rar anos. Assim se referiu um habitante da vila ao conflito entre duas pessoas da comunidade, “isto é coisa de política antiga, é inve­ ja, é tudo coisa que num presta que vem acuraulano, tudo por causa da marvada política”.

A gente da vila considera a atividade política, pelo menos a que ocorre fora da comunidade, como inseparável de negócios escusos

(2) — Ver 0 nosso artigo “Solidariedade e Contrôle Social em Cruz das Almas”, a ser publicado oportunamente.

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de dinheiro. “Êles, mexeno com tanto dinheiro”, explicou uni jovem sitiante, “com tôda certeza tiram uin pouco pra si, é isso a razão em que êles fazem tanta fôrça pra ganhá a política”. “Os horae chega lá no govêrno com fome, magro”, observou um habitante da vila, “e sái gordo. É como uma invernada. Os home vão la pro govêrno pra se inverná!”

“0 irmão de Emilia”, disse um funcionário local a respeito de um homem da vila, “foi a Boa Vista para arranjar a carta de cho­ fer. Disseram pra êle que custava 700 cruzeiro e mais 150 para taxa e selos. É uma exproração. Se a pessoa num paga, quando chega no trânsito êles reprova e a pessoa num consegue a carta. Eu então fui lá. Agora nós aqui tamo com minoria lá em Boa Vista, na Câmara e o Prefeito tamem é do outro partido. A gente precisa ter muito geito. Se êsse pessoar fica contra a gente, num se consegue nada e ai perde-se o prestígio aqui. Fui então falá com o delegado e êle disse aos outro que me dessem a licença por 300 cruzeiros. Essa po­ lítica é muito suja; é suja memo! Se comigo eles fazem isso, imagine o que não fazem com os ôtro !” .

Um vocabulário tem surgido com referência a certo comporta­ mento que ordinariamente se considera estar ligado a atividades políticas, especialmente àquelas que têm lugar fora da comunidade local. Entre tais têrmos e expressões estão os seguintes: “fazer cam­ balacho” e “fazer tramóia política”, ambos os quais significam agir deshonestamente. Tal comportamento é contrário aos mores (3) lo­ cais, que dão valòr à sinceridade e à honestidade.

Para os nossos leitores fora do Brasil, podçmos dizer que a che­ fia do poder executivo do Estado é exercida pelo governador, que nomeia, a fim de o ajudarem nessa tarefa, secretários de Finanças, Segurança Pública, Justiça, Educação, Saúde Pública, Agricultura, Indústria e Comércio, Trabalho, Viação e Obras Públicas. O poder legislativo compõe-se atualmente de sessenta e quatro deputados, cada um dos quais é eleito pelo Estado em geral, de modo a repre­ sentar 100.000 habitantes.

O Estado de São Paulo divide-se ein 309 municípios, cada um dos quais é comparável de certo modo a um county nos Estados Uni­ dos, havendo contudo diferenças significativas. Um município con- site em uma “cidade” de tamanho variável e 110 território que a

circunda. A “cidade”, seja qual for o número de seus habitantes, tem sempre essa denominação e não possui existência legal separadamen­ te do município. Êste tras invariàvelmente o nome da cidade. O po­ der executivo no município é exercido pelo prefeito. Uma “Câmara

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de Vereadores”, composta de treze membros 110 município de que

faz parte a comunidade em estudo, atua como corpo legislativo lo­ cal; sôbre os seus atos, entretanto, o prefeito tem poder de veio. O número de vereadores depende da população do município, na pro­ porção de um para cada dois mil habitantes, com um membro extra caso o total seja um número par. O município em questão abrange aproximadamente 800 quilômetros quadrados e sua sede é uma cidade de aproximadamente 5.000

habitantes-O município divide-se em distritos de paz. A sede do distrito é um núcleo de população, chamado “vila”, que é menor do que a sede do município, embora possa variar em tamanho de um pequeno po­ voado até um centro mais ou menos grande. O distrito, embora tenha sido às vezes, comparado ao toumship dos Estados Unidos, difere dêste consideràvelmente. A principal diferença é que não é necessá­

rio, para haver uma sub-divisão do countij, ou seja, o township, a exis­ tência de um núcleo de população que lhe sirva de sede, como sem­ pre acontece no caso do distrito. Difere também pelo fato de ser sempre a zona imediatamente circunvizinha da vila diretamente re­ lacionada com esta, relação esta que é simbolizada pelo fato de ter o distrito o mesmo nome da vila que é o seu centro.

Cruz das Almas é sede de um distrito, sendo quatro o número dêstes no município local. O principal funcionário executivo é o sub­ prefeito, nomeado pelo prefeito do município e a êste diretamente subordinado. Durante o período de tempo em que a vila estêve em observação, entretanto, êste cargo estêve vago, sendo as suas funções desempenhadas pelo fiscal do lugar, cuja obrigação costumeira é co­ letar as taxas que devem ser pagas ao govêrno municipal.

O governador, o vice-governador, os deputados, os prefeitos e os vereadores são eleitos por um período de quatro anos.

O Estado divide-se em 139 comarcas, ou distritos judiciais, que raramente coincidem com somente um município. Em cada distrito há um juiz de paz cujas obrigações são resolver pequenas pendências tais como as de limites de propriedades, e presidir as cerimônias do

casamento civil. 1

O lançamento c a coleta dos impostos locais são feitos pelo go­ vêrno estadual. Embora resida na vila um funcionário para êste fim,

é êle diretamente subordinado aos funcionários do Estado. O Estado também destaca para o distrito de que a vila em estudo é sede, um soldado que mora ai. As escolas do lugar são criadas e mantidas pelo Estado. O treino dos jovens para o serviço militar é função federal.

Em geral, pouca atenção se dá localmente à política exterior ao município. Num sentido real, êste é ainda a unidade fundamental do

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governo brasileiro, a despeito da crescente tendência à centralização durante as duas últimas décadas. Para os habitantes da vila e para os sitiantes da comunidade, o govêrno estadual parece remoto e o governo federal tem pouco sentido. “A eleição pra governadô num interessa nois aqui”, disse um funcionário da vila e líder político do

lugar. “Agora, a de prefeito e vereador é aqui em casa. Governado e deputado, isso vive lá num ôtro mundo. Se o eleitorado aqui tivé unido nois temo força, porque lá em Boa Vista êles vive numa luta danada e a balança vai pendê pro lado que nois pesá. Ai nois aqui na vila vamo mandá um pôco tamem”.

À vila chegaram notícias de atividades comunistas rias grandes cidades como São Paulo, por exemplo, não havendo, entretanto, até agora, tal atividade nesta vila e redondezas, nem tendo atualmente a ideologia comunista adeptos locais. Sendo quase todos os membros da ébmunidade conhecidos de quase todos os outros, é extremamente difícil qualquer atividade subterrânea.

Numa eleição recente, o maior dos dois partidos contendores na comunidade era chefiado pelo sub-delegado, e seu grupo incluia quase todos os moradores da vila e considerável porção daqueles da zona circunvizinha.

0 grupo em minoria era chefiado por um antigo sub-delegado, que não é benquisto, em virtude de certas atitudes de superioridade tomadas para com moradores do lugar. (4) A campanha local come­ çou aproximadamente quaíro meses antes da eleição e prosseguiu com intesidade, sem contar cora o auxílio de jornal, rádio, folhetos ou cartazes, até pouco antes do dia marcado para a eleição, quando foram trazidos da sede do município alguns cartazes e folhetos, dis­ tribuídos alguns exemplares do jornal lá publicado. A campanha se processou em grande parte por meio de conversas tidas sempre que, por acaso ou intencionalmente, um líder local encontrava um paren­ te, compadre, ou outro conhecido. 0 gráu de intimidade e)itrc as pessoas em questão, seu parentêsco ou compadrio, a freqüência e a intensidade de seus contatos, ao lado da sua comunhão de interesses, foram as mais importantes considerações no terminar o sucesso desta campanha. Cada líder procurava convencer as pessoas cujo voto pen­

sava poder influenciar, de sua própria idéia relativa a ení quein vo­ tar e porque. 0 líder do grupo em maioria, por exemplo, dizia, “Vo­ cê vai votar no Januário pra prefeito, e no Flávio pra vereador: êsses são os nossos candidato. Nois vamo votá nessa chapa e tamém Iná­

cio, Matias, Botinha, (5) Domingos, Zé Maria, Simão, Rino e Chiqui- nho. Tudos vamo votá ansim. Todo mundo que é daqui da vila está com nois. Mece tá com nois tamem, agora trate de falá com seu

pes-4. V«r o nosso artigo sòbrc “Solidariedade e Oont. Social cm Cruz das Almas”. õ. Apelidos.

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soar, sua famia e seus compadre c conte como, é as coisa. No dia da inleição, tudo tem que tá firme aqui. Nois ficamo forte com nossa união e podemo fazê arguma coisa por êste lugar”.

Mais tarde, no decurso da campanha, êste líder observou, “Tá tudo controlado- As chaves (homens de prestígio local) estão tudo se declarano. Meus dois irmãos controlaram o pessoar ai em Rio Abaixo pra diante até o sítio de Botinha; dali pra frente o Inácio e João Boi são a chave absoluta; do outro lado da vila, tem Zé Ver- meio, (5) o Nego, e o Biruta (5) que controlam desde a casa de Zé até o rio; aqui pro lado de São José dos Patos, há as famia Monteiro e Barreto. Na zona de Cruz Preta as chaves tamem já v>e decrararo do nosso lado. E aqui na viia, eu e o Bigodinho (5) controlamo quase

tudo”, ^

Um domingo, mais ou menos duas semanas antes do dia da elei­ ção, os candidatos a prefeito e a vereador por um dos partidos, che­ garam à vila com diversos amigos, vindos da sede do município. Dok dos homens dirigiram-se ao botequim principal para oferecer bebi­

das a todos os moradores locais presentes. Outro homem comçeou a distribuir folhetos e cartazes. Duas grandes faixas de pano foram penduradas na praça. Em uma estava escrito, “Vote em Bento Aruo- rim para vereador. Êle é nosso conterrâneo e conhece as nossas ne­ cessidades;” e, na outra, “Para prefeito, Lourenço Barros, o homem

que não tem interêsáts egoísticos”.

Entretanto, como os candidatos dêsse partido tinham tanto pou­ cos adeptos como poucos opositores na vila, a visita despertou pouco interesse e poucos comentários. Do seu candidato a prefeito, disse­ ram vários habitantes da vila, “Êle num é ruim. Antes êle do que o Chato (referindo-se ao candidato da oposição principal)”. Do candi­ dato a vereador, entretanto, disso um habitante, “Sste sujeito quano encontra com a gente em Boa Visia, num conhece, aflora vem dizê que é conterrâneo quereno agradá. -le era m» caipirinha ic;iiar a nois, estudô, ficô importante c agora nein conhece a gente”. “Tem razão”, disse outro habitante da vila, “êle passô uns doze ano sem vim aqui, agora nas vespra da inleição êle se lembrô que é conterrâneo nosso. J5, mais isso num pega”.

Alguns dias depois, apareceram na vila dois automóveis e uni caminhão trazendo os candidatos a prefeito e vereador do partido apoiado pela maioria dos habitantes locais, juntamente com alguns amigos. A sua chegada já tinha sido prèviamente anunciada por re­ cados verbais. Flávio, o candidato a vereador, crescera na vila e, dêsde que se mudou para a sede do município, manteve contato cor­ dial cron^ os moradores locais- Os membros da banda de música da vila se reuniram e tocaram u’a marcha. Os dois candidatos e oulro

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líder do partido subiram para o caminhão e cada uin falou por sua vez para o grupo de aproximadamente cem pessoas que se tinha for­

mado em redor do caminhão. Disse o candidato a prefeito, “Eu nun­ ca pensei ser candidato a prefeito, nunca tive essa pretensão; mas um dia, Flávio entrou em minha casa e me falou, “Nós indicamos o seu nome para prefeito de Boa Vista. O povo da Vila está conosco, pode confiar em nós”. Eu aceitei essa indicação e hoje estou vendo que de fato o Flávio tinha razão quando disse, “O povo da Vila está conosco”. Falou então ligeiramente o terceiro líder do partido. Por diversas vezes, durante seus comentários, repetiu a afirmação de que “êstes homens que vão ocupar os cargos de prefeito e vereador, são homens do povo, homens simples como nós”. Com modéstia e simplicidade que foram muito apreciadas, o candidato a vereador agradeceu então aos moradores locais sua atenção e apoio. Quando terminou, deram- lhe um viva espontâneo e a banda tocou outra marcha. Todos os membros da banda estavam presentes, exceto um que havia passado para o partido da oposição. Foi severamente censurado por não es­ tar presente.

Na tarde seguinte chegou à vila outro caminhão, coberto de carta­ zes, trazendo um terceiro candidato a prefeito, e seus amigos.' En­ quanto o caminhão dava volta à praça, um homem repetia, uma vez depois da outra, por meio de um alto-falante, “Votem em Lino, o candidato do povo”. Quando o motorista parou em frente à igreja, uns doze homens e rapazes o rodearam. Dois homens começaram a se coçar com fôrça, “Como se estivesse coberto de chato”, disse um circunstante. Tal atitude foi motivada pelo fato de ser a maiôria dos habitantes locais contrária ao candidato, cujo apelido era “Chato”, o tèrino de gíria que se refere tanto a um parasita corporal como a uma pessoa maçante. Diversas pessoas então gritaram, “Pra chato, detefon, detefon; pra chato, detefon”. O volume do alto-falante foi aumentado, mas isso deu como resultado gritos ainda mais altos e mais irônicos por parte dos dois homens e de seus amigos. O cami­ nhão deu então outra volta à praça e deixou a vila- Mostras de apro­ vação pela atitude de seus conterrâneos, apareceram no rosto das

pessoas que, atraídas pelo barulho, tinham aparecido às janelas e portas das casas. “O que que Chato veiu fazê aqui?” foi a observação comum. “Ele sabe nois somo contra !” .

Entrementes, os líderes dos dois partidos contrários da comuni­ dade prosseguiam com persistência nas conversas com os habitantes locais, relativamente à maneira pela qual queriam que êles votassem. À medida que se aproximava o dia da eleição, aumentava a tensão na vila. Durante a última semana, quase não se tratava de outro assunto nas conversas. Na véspera1 da eleição, cada partido arranjou um ca­ minhão para sair bem cedo e trazer as pessoas que, de outra maneira,

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em virtude de idade ou distância, teriam dificuldade cm chegar à mesa eleitoral. Dois bois foram abatidos para os churrascos que os dois partidos iriam dar no dia seguinte.

Às cinco horas da manhã seguinte, as ruas da vila já estavam começando a enchsr-se de gente. Ein observância à lei, os botequins e as vendas permaneceram fechados, de modo a não se venderem be­ bidas. As pessoas perambulavam pelas ruas ou conversavam em pe­ quenos grupos. Os líderes locais faziam o último apêlo aos conheci­ dos para que mostrassem sua “amizade”, “bom senso”, e “amor à vi­ la”, votando como fôra sugerido. Prosseguiam os preparativos para

os churrascos. Um grupo de mulheres, com filhos pequenos no colo, já estava reunido no cartório de paz, onde ía ter lugar a votação, para votar logo e “se desocupá cêdo pá lidá com o armoço”, como disse uma delas.

Poucas pessoas compareceram ao churrasco do partido que não contava com o apoio da maioria dos habitantes locais. Entretanto, no outro churrasco, um grande grupo se reuniu pelas oito horas da ma­ nhã, continuando ai o movimento até mais ou menos uma hora da

carde. Doze arrobas de carne foram ali consumidas. As pessoas que finham vindo de sítios- distantes e que iriam assim passar fora de casa parte considerável do dia, só poderiam arranjar com que ali­

mentar-se recorrendo às vendas, tôdas fechadas nêsse dia; dessa ma­ neira, um churrasco é um meio para o partido que o fornece conse­ guir para si a boa vontade dos eleitores. As conversas giravam quase tôdas cm tôrno dos méritos dos respectivos candidatos.

Enquanto isso, um funcionário local tomou posição na estrada principal que leva à vila. A cada pessoa, ou grupo que chegava, êle avisava, “Você por acaso num está carregano arma? Eu estô aqui prá avisá voceis, proque a polícia tá revistano todo mundo na vila e quem chegá lá com arma perde, o sordado toma”. “Muitos rae agradece­ ram”, observou o funcionário, mais tarde, a um amigo, “e foram me dano a faca pra eu guardar; tenho um monte de faca que guardei pra eles e tamem uns par de garrucha. Com essa descurpa eu perguntava tamem se já tinham cédula pra votá. Alguns tinham e me mostrava; quano num era do nosso partido eu aconselhava e dava as cédula nossa pra êles”. Atividade semelhante ocorria nas outras estradas.

Na vila, outras pessoas trabalhavam para os dois partidos pas­ savam pelos grupos reunidos aqui e ali, perguntando se todos tinham prontas as suas cédulas, e, quando um eleitor mostrava uma cédula do partido contrário, tentavam convencê-lo a trocá-la. As expressões nos rostos dos líderes do partido majoritário, bem como outros ges­ tos seus, refletiam a certeza plena que tinham da vitória de seus can­ didatos.

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Até mais ou menos as onze horas da manhã, a maioria dos elei­ tores era composta de mulheres; dessa hora ern diante, predomina­ ram os homens. Pouco antes das seis horas, todos já tinham votado. De um total de 316 eleitores qualificados no distrito, votaram 239, ou aproximadamente entre três quartos (75,0 por cento). Foi a seguinte a distribuição por sexo:

Eleitores qualificados Votaram na eleição

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H om en s...223 M ulheres... 93 Total 316 Número 159 ' 80 239 Porcentagem 71,3

86,0

75,6 O seguinte relato da eleição, feito por um jovem sitiante, revela as idéas, atitudes e comportamento associados a esta experiência, es­

pecialmente por parte dos homens mais moços.

“No sábado, quando cheguei na vila, só ouvia falar em política. No ônibus veio mais um soldado para ajudar o anspcçada no dia seguinte, porque a coisa ía ser de “amargar”. Ontem eu querui ver abrir a secção única mas não pude porque ía abrir muito cedo e eu queria aproveitar, dormir. Quando eu e meu irmão saímos dt; casa já eram nove horas. No caminho encontramos Fernando (o funcio­ nário da vila acima mencionado) e deixei minha faca com êle. Quando cheguei na entrada da rua, um soldado estava parado no meio da estrada. Quando cheguei perto êle me disse, não tem arma­ mento aí? Eu respondi: não. Desviei do tal fazendo uma pequena curva e não deixei o tal passar a mão na minha cintura. Êle parece que não gostou muito de eu não interromper a marcha. Todos que passavam êle fazia o mesmo, mas só quem era bôbo que deixava re­ vistar.

“Na vila estava um movimento colosso. Todos os chefes polí­ ticos estavam com uma carintya alegre agradando todo mundo e pe­ dindo para voltar nos seus candidatos. A primeira cousa que fia, foi visitar a secção. Estava repleta de gente. Fui à missa e depois que sai, me contaram que tinha churrasco em todos os cantos por ai. Havia tanta gente no churrasco oferecido pelo nosso partido, que a carne quase não chegou. Comi um pedaço de churrasco. Estava gostoso “pra xuxu”.

m

“Bebida alcoolica estava proibido vender. Para os “páus d’a- gua” foi uma penitência.

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“Até o meio dia mais ou menos não houve nada. Quando foi em meio dia mais ou menos, eu, um de meus primos e um ainigo está- vamos em frente à igreja contando “papoZ. Nesse momento vinha vindo lá em baixo Seu Miguel, e uma turímnlia gritou do canto da igreja: “Vejam o churrasco de boi bernento! 0 churrasco chatoI” Seu Miguel subiu e perguntou pra nós o que é êles tinham dito, nós respondemos que não sabíamos que não prestamos atenção por­ que cstávamos contando casos. Êle chamou o tal que gritou e deu um aperto miserável e o tal têve que ficar quieto. Não ficou con­ tente e chamou o investigador e mandou o investigador dar uma boa repreensão. Quando foi mais tarde, houve urna confusão por ter dois eleitores de um nome só. Estavam querendo negar a um dêles o direito de votar. Houve também uma acalorada discussão entre Luiz, que era dos nossos, e Seu Afonso, que vota com a oposição. Luiz acusava Afonso de esconder o título de uma de suas sobrinhas; dizendo que êles estavam acostumados a fazer assim e que êies e seus companheiros não eram palhaços e que deviam apurar a causa. Arranjaram testemunhas de ambas partes e ficou numa enrolada. Sc brigássem ia ser coisa feia porque de ambos lados tinha bastante gente e gente resolvida. Finalmente, Afonso saiu falando, Seu Luiz saiu aliaz, falando também, mas quando chegou numa certa altura um amigo dêle chamou-o de volta. Êle não queria saber de barulho. Se êsse amigo não tivesse feito isso, acho que teria havido briga. Quan­ do foi no momento que julguei o ponto X, Seu Luiz estava bem cm minha frente, eu me arretirei de um lado, se não era capaz de sobrar

alguma bala para mim.

“Quando foi cinco e quarenta terminou a secção, fecharam a urna, e seguiu para Boa Vista. Que dia e tantoí”

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