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É exclusiva a atribuição da Polícia Judiciária Militar Estadual, para investigar o crime doloso contra a vida de civil, quando praticado por Militar Estadual, nas hipóteses do art. 9º do Código Penal Militar?

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE DIREITO DA UFBA

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

GABRIEL LORDELLO O. E SOUZA

É EXCLUSIVA A ATRIBUIÇÃO DA POLÍCIA JUDICIÁRIA MILITAR ESTADUAL, PARA INVESTIGAR O CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA DE CIVIL, QUANDO

PRATICADO POR MILITAR ESTADUAL, NAS HIPÓTESES DO ART. 9º DO

CÓDIGO PENAL MILITAR

?

Salvador

2018

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É EXCLUSIVA A ATRIBUIÇÃO DA POLÍCIA JUDICIÁRIA MILITAR ESTADUAL, PARA INVESTIGAR O CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA DE CIVIL, QUANDO

PRATICADO POR MILITAR ESTADUAL, NAS HIPÓTESES DO ART. 9º DO

CÓDIGO PENAL MILITAR

?

Trabalho de conclusão de curso de graduação em Direito, Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia, como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientadora: Prof.ª Doutora Selma Pereira de Santana

Salvador

2018

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É EXCLUSIVA A ATRIBUIÇÃO DA POLÍCIA JUDICIÁRIA MILITAR ESTADUAL, PARA INVESTIGAR O CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA DE CIVIL, QUANDO

PRATICADO POR MILITAR ESTADUAL, NAS HIPÓTESES DO ART. 9º DO

CÓDIGO PENAL MILITAR

?

Monografia apresentada como requisito final para obtenção do grau de Bacharel

em Direito, Faculdade de Direito, da Universidade Federal da Bahia.

Avaliada em 24 de janeiro de 2018.

Selma Pereira de Santana – Orientadora ___________________________________________

Doutora em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Coimbra, Portugal.

Universidade Federal da Bahia.

Fernanda Ravazzano Lopes Baqueiro – Examinadora _______________________________

Doutora em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia. Advogada Criminal. Professora de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia.

Gabrielle Santana Garcia – Examinadora __________________________________________

Especialista em Direito do Estado pela Fundação Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, Salvador, Bahia, Brasil. Centro Universitário Jorge Amado. UNIJORGE.

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Agradeço a Deus, por iluminar meu caminho durante esta jornada.

Agradeço à egrégia Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, berço de juristas memoráveis, por proporcionar um ambiente criativo e amigável para o aprimoramento intelectual.

Sou grato a cada um dos meus professores, por viverem e transmitirem o legado dos fundadores desta casa.

A todos aqueles que, de alguma forma, contribuíram para o sucesso dessa longa trajetória acadêmica, obrigado.

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"It often requires more courage to dare to do right than to fear to do wrong."

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Faculdade de Direito, da Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2018.

RESUMO

O militar estadual, não raro, é duplamente investigado quando, em tese, pratica crime doloso contra a vida de civil, isto por serem instaurados dois procedimentos investigatórios para apurar o mesmo fato, um inquérito no âmbito da Polícia Civil e outro no âmbito da Polícia Militar. O presente trabalho tem como escopo, resolver um aparente conflito de atribuições entre a Polícia Civil e a Polícia Militar, afinal o militar estadual, de fato, é o maior prejudicado enquanto não há consenso no entendimento jurídico-doutrinário da matéria, qual seja, se se trata ou não de crime militar. Nesta senda, os números da violência no Brasil têm experimentado índices elevados, assim como o número de civis mortos em decorrência de intervenções policias. Definir qual instituição tem atribuição para investigar tais fatos, além de garantir a eficácia dos Direitos Fundamentais dos militares estaduais, representa também, um grande avanço para melhorar a segurança pública em nosso país.

Palavras-chave: Auto de Resistência. Militar Estadual. Crime doloso contra a vida de civil. Polícia Judiciária Militar Estadual. Solução de Conflito.

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University of Bahia. Salvador, 2018.

ABSTRACT

The state military agent is often doubly investigated when, in theory, he practices a felony crime against civilian life, since two investigative procedures are instituted to ascertain the same fact, an investigation in the scope of the Civil Police and another in the scope of Military Police. The present work aims to solve an apparent conflict of attributions between the Civil Police and the Military Police, after all, the state agent is, in fact, the most impaired, while there is no consensus in the juridical-doctrinal understanding of the matter, whether is or is not military crime. In this way, the violence numbers in Brazil have experienced high rates, as well as the number of civilians killed as a result of police interventions. Defining which institution has the authority to investigate such facts, besides guaranteeing the effectiveness of the Fundamental Rights of state military agents, is also a great step forward in improving public safety in our country.

Keywords: Resistance to Arrest. Military State. Felony against civilian life. State Military Judiciary Police. Conflict Resolution.

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2 A JUSTIÇA MILITAR NO BRASIL ... 11

2.1 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA HIERARQUIA E DA DISCIPLINA ... 13

2.2 A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL ... 14

2.3 DO CONCEITO DE CRIME MILITAR... 15

3 A NATUREZA JURÍDICA DO CRIME MILITAR ... 20

3.1 O BEM JURÍDICO DO CRIME MILITAR ... 21

3.2 O CARÁTER COMPLEXO DO BEM JURÍDICO MILITAR ... 23

4 O PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE ... 25

5 DO AUTO DE RESISTÊNCIA ... 30

6 DO PROCEDIMENTO DO TRIBUNAL DO JÚRI ... 34

7 DA ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL ... 38

8 ANÁLISE DA ADI 1.494-DF: O ENTENDIMENTO DO STF SOBRE A CONSTITUCIONALIDADE DO § 2º DO ART. 82 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL MILITAR ... 43

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 59

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1 INTRODUÇÃO

Por mandamento constitucional, o policiamento ostensivo e a manutenção da ordem pública cabem às Polícias Militares, e as atividades de defesa civil, aos corpos de Bombeiros Militares, daí a importância dos militares estaduais em nosso país.

A segurança pública brasileira está longe de ser a ideal. Os índices de criminalidade aumentam anualmente, e o Estado brasileiro promove uma verdadeira guerra contra o crime organizado. Os órgãos de segurança estão em permanente confronto com o crime, mas as estatísticas alertam: estamos sempre aquém do que se imagina aceitável pelos órgãos internacionais. Esta é a atual da realidade da segurança pública brasileira.

O Direito Militar existe para garantir a existência e a tutela dos princípios e valores das instituições militares, e não por acaso, todas as Constituições Federais previram a existência da Justiça Militar, como órgão distinto da Justiça comum.

A mesma distinção ocorre no âmbito do Direito do Trabalho e no Direito Eleitoral. Tal divisão é necessária para que as peculiaridades dessas justiças especiais sejam ponderadas de forma mais criteriosa. A separação das Justiças, por especialidade, proporciona uma atuação jurisdicional mais célere e qualificada, o que é fundamental em qualquer sociedade.

A vigência do Código Penal Militar (Decreto-Lei nº 1.001/69) e do Código de Processo Penal Militar (Decreto-Lei nº 1.002/69), ao tempo que ajudaram a estruturar o Direito Penal Militar, trouxeram uma segurança jurídica até então não experimentada na esfera militar, um grande avanço para o mundo castrense. Os crimes militares foram taxativamente definidos e, por conseguinte, a atribuição da Polícia Judiciária Militar Estadual estava intocada. Tal estabilidade durou até a década de 90, quando os códigos castrenses foram alterados.

O advento da Lei nº 9.299 de 08 de agosto de 1996, que alterou principalmente o art. 9º do CPM, modificando para o Tribunal do Júri a competência de julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil, quando cometidos por militares, causou muita controvérsia no meio jurídico, principalmente sobre a constitucionalidade da alteração.

No ano de 2004, foi aprovada a Emenda Constitucional nº 45, que tratou principalmente da "reforma" do Poder Judiciário. Neste momento, a mudança da competência de julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil foi constitucionalizada, corroborando com as modificações realizadas pela Lei nº 9.299/96.

Fato é que, desde então, o crime doloso contra a vida de civil, quando praticado por militar, nas hipóteses do art. 9º do CPM, são investigados tanto pela Polícia Militar quanto pela Polícia Civil, submetendo o militar estadual a uma dupla persecução penal, não entendemos que isto seja razoável.

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Com vistas a restabelecer a pacificidade doutrinária da disciplina, é que este trabalho se propõe a solucionar o aparente conflito de atribuição entre a Polícia Militar e a Polícia Civil, quando da investigação dos crimes dolosos contra a vida de civil, cometidos por militares estaduais, nas hipóteses do art. 9º do CPM.

Assim sendo, uma vez pacificada a matéria, almejamos que o militar estadual seja investigado por apenas uma das instituições, o mesmo tratamento que é dado a qualquer outro cidadão do nosso país.

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2 A JUSTIÇA MILITAR NO BRASIL

O ano de 1808 é um marco de grandes transformações na história do Brasil, este é o entendimento do historiador Hélio Viana:

[...] a vinda da Família Real portuguesa para o Brasil, em 1808, alterou, profundamente, a situação de nosso país, que de simples colônia, embora intitulada Estado e geralmente considerada Vice-Reino, repentinamente passava à condição de sede da monarquia lusitana, deixando, portanto, de merecer aquela "classificação", em tudo resultando "a necessidade de ampla reorganização administrativa, tendo em vista não só a transferência, para o Rio de Janeiro, das Secretarias de Estado, tribunais e repartições antes estabelecidas em Lisboa, mas também a adaptação à nova ordem de coisas, das que aqui já existiam. (VIANNA, 1967, p. 13)

A Família Real não poderia atravessar o oceano Atlântico, sem a devida proteção dos militares da coroa portuguesa, um corpo uniformizado fundado nos princípios da hierarquia e disciplina. Por isso, o Príncipe Regente decidiu não apenas estabelecer uma nova capital, como também nomeou os titulares dos Ministérios do Reino, da Marinha e Ultramar, da Guerra e Estrangeiros, do Real Erário, o Conselho de Estado, as Mesas do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens, o Conselho da Fazenda (BASTOS, 1981, p. 20).

Por meio do Alvará de 1º de abril de 1808 foi criado, também na cidade do Rio de Janeiro, o Conselho Supremo Militar e de Justiça, com força de lei, assinado pelo Príncipe Regente, o primeiro Tribunal Superior do Brasil, sendo escolhido para Presidente, D. José Xavier de Noronha Camões de Albuquerque Souza Muniz, Marquês de Angeja, Conde e Senhor de Vila Verde. (BARBOSA, 1952, p. 60)

O Conselho Supremo Militar e de Justiça, acumulava duas funções, uma de caráter administrativo e outra de caráter puramente judiciário. Na de caráter administrativo, assessorava o Governo "em questões referentes a requerimentos, cartas-patentes, promoções, soldos, reformas, nomeações, lavratura de patentes e uso de insígnias, sobre as quais manifestava seu parecer, quando consultado", e na referente aos aspectos judiciários, "como Tribunal Superior da Justiça Militar, o Conselho Supremo julgava em última instância os processos criminais dos réus sujeitos ao foro militar". (BARBOSA, 1952, p. 60)

A Justiça Militar é, por certo, a mais antiga do Brasil, pois o Conselho Supremo Militar já estava previsto em nossa primeira Constituição de 1824, que durou até o fim do período monárquico.

Com o advento da Constituição de 1891, o Conselho Supremo Militar, originado em 1808, foi regulado no artigo 77, como Supremo Tribunal Militar (órgão administrativo com funções jurisdicionais, para garantia dos militares), cujos membros seriam vitalícios, e dos conselhos necessários para a formação da culpa e julgamento dos crimes. Destaca-se que o

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Tribunal foi regulado fora do Capítulo do Judiciário e teve como objeto central, o foro especial para os militares de terra e mar.

Com a Carta Constitucional de 1934, uma novidade, desta vez, por força do artigo 63, os juízes e Tribunais Militares passaram a fazer parte do Poder Judiciário. Nos artigos 84 a 87, a Justiça Militar foi organizada com um Supremo Tribunal Militar, Tribunais e Juízos, com foro especial para julgar os militares e até civis, nos casos de crime contra a segurança nacional ou contra as instituições militares (SOUZA; SILVA, 2016, p. 373). Merece destaque a inserção das Polícias Militares como forças auxiliares do Exército, reservando-lhes também as mesmas vantagens quando mobilizadas ou a serviço da União.

A Constituição de 1937, manteve o status constitucional da Justiça Militar, e assim como na Constituição anterior, por força da alínea "c" do art. 90, era reconhecida como órgão do Poder Judiciário.

Com o fim da II Guerra Mundial veio a Constituição de 1946, considerada a Carta mais democrática da história brasileira, como bem prefaciou Aliomar Baleeiro: “[...] os constituintes de 1946 partiam do princípio filosófico kantiano de que o Estado não é fim em si mesmo, mas meio para o fim. Esse fim seria o homem” (BALEEIRO; SOBRINHO, 2001, p. 19).

Mantendo a previsão Constitucional da Justiça Militar, no inciso III, do art. 94, a Carta Magna de 1946, destacou-se pela possibilidade de criação das Justiças Militares Estaduais, com a previsão no inciso XII do art. 124, além da manutenção da possibilidade para julgar civis, nas condições expressas em Lei.

A constituição de 1967 trouxe em seu corpo os art. 127 a 129, onde foram delineadas as competências de cada órgão da Justiça castrense. Com destaque para o art. 144, §1º, alínea "d", com a previsão da Justiça Militar Estadual, formada por Conselhos de Justiça na primeira instância, sendo que o próprio Tribunal de Justiça do Estado, seria o competente para julgar os recursos dos crimes cometidos pelos militares estaduais.

No ano de 1969, com a edição do Decreto-Lei nº 1001/1969 que instituiu o Código Penal Militar e o Decreto-Lei nº 1002/1969, que instituiu o Código de Processo Penal Militar, verdadeiros marcos da legislação Penal Militar, houve um significativo avanço para tipificação do crime militar, bem como os procedimentos para a aplicação das penas na esfera militar, tais códigos trouxeram uma segurança jurídica, até então não experimentada.

A Constituição cidadã de 1988, estabelece por meio do inciso VI do art. 92, que a Justiça Militar é parte do Poder Judiciário da nossa nação, deixando a cargo dos art. 122 a 124 estabelecer a competência da Justiça Castrense. A Emenda Constitucional nº 45/2004,

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conhecida como a emenda da reforma do Poder Judiciário, modificou o art. 125 da CF, ampliando a competência da Justiça Militar Estadual, principalmente no que concerne às demandas judiciais contra atos administrativos disciplinares, além de estabelecer a competência dos juízes de Direito do juízo militar, para processar e julgar singularmente, os crimes militares cometidos contra civis, e ao Conselho de Justiça, presidido por um juiz de Direito, processar e julgar os demais crimes militares. Os Tribunais de Justiças Militares Estaduais tiveram sua a criação autorizada por meio do § 3º da art. 125 da CF, que estabeleceu o efetivo mínimo de vinte mil militares estaduais, para sua implantação.

2.1 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA HIERARQUIA E DA DISCIPLINA

O vínculo do Direito Militar com as Constituições brasileiras se confunde com a própria história do Brasil. Os princípios militares estão enraizados na Constituição, e estão expressos na Carta Magna.

Paulo Bonavides entende, que “os princípios são a alma e o fundamento de outras normas”, sendo que “uma vez constitucionalizados, se fazem a chave de todo o sistema normativo” (BONAVIDES, 2001, p. 231).

A palavra “princípio” vem do latim “principium”, que significa, de maneira simples, a origem, o início. Picazo citado por Bonavides explica: “onde designa as verdades primeiras”, bem como têm os princípios, de um lado, “servido de critério de inspiração às leis ou normas concretas desse Direito positivo” e, de outro, de normas obtidas “mediante um processo de generalização e decantação dessas leis”. (BONAVIDES, 2002, p. 228)

Os princípios são fundamentos do ordenamento jurídico e representam valores culturais de determinada sociedade.

Apesar de os princípios da hierarquia e da disciplina, estarem intimamente ligados às instituições militares, não se pode dizer que lhes são exclusivos. De fato, são necessários em qualquer instituição, ainda que com diferentes graus de incidência.

Os art. 42 e 142 da Constituição Federal, são taxativos em demonstrar a importância de tais princípios para as instituições militares:

Art. 42 Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e,

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por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. (BRASIL, Constituição Federal, 1988) (grifo nosso)

A definição legal da hierarquia e da disciplina, na esfera militar, está expressa nos §§ 1º e 2º do art. 14, da Lei 6.880/80 (Estatuto dos Militares):

Art. 14. A hierarquia e a disciplina são a base institucional das Forças Armadas. A autoridade e a responsabilidade crescem com o grau hierárquico.

§ 1º A hierarquia militar é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes, dentro da estrutura das Forças Armadas. A ordenação se faz por postos ou graduações; dentro de um mesmo posto ou graduação se faz pela antigüidade no posto ou na graduação. O respeito à hierarquia é consubstanciado no espírito de acatamento à seqüência de autoridade.

§ 2º Disciplina é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições que fundamentam o organismo militar e coordenam seu funcionamento regular e harmônico, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes desse organismo. (BRASIL, Lei nº 6.880, 1980)

Para o militar, a interiorização destes princípios ocorre no início da carreira, ainda

durante o período de formação. São princípios vivenciados cotidianamente, de modo que, o sentimento de pertencimento institucional é comum a todos os militares. A hierarquia diz exatamente qual o "lugar" do militar na instituição, afinal, todos estão em uma cadeia de comando, e ainda que nos mesmos postos ou graduações, na escala hierárquica, nenhum é "igual" ao outro. A hierarquia está diretamente ligada ao grau de responsabilidade que é atribuído ao militar, e quais funções lhe são inerentes. A disciplina estabiliza toda a hierarquia, e por isso lhe dá sentido, é uma estrutura de comando e obediência, que recai sobre todos, não diz respeito ao indivíduo, mas à regularidade das instituições militares.

2.2 A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL

A Constituição de 1988 define, claramente, a competência da Justiça Militar Estadual, e o faz na forma do § 4º do art. 125 da CF:

Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.

§ 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.

§ 5º Compete aos juízes de direito do juízo militar processar e julgar, singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, cabendo ao Conselho de Justiça, sob a presidência de juiz de direito, processar e julgar os demais crimes militares. (BRASIL, Constituição Federal, 1988) (grifo nosso)

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Não resta dúvida de que julgamento dos crimes militares é da competência exclusiva da Justiça Militar Estadual, mas a Constituição não se limita a isso, reconhece também a exclusividade de atribuição da Polícia Judiciária Militar para investigar tais crimes, negando taxativamente que os crimes militares sejam investigados pela Polícia Civil:

Constituição Federal

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. (BRASIL, Constituição Federal, 1988) (grifo nosso)

Não por acaso, o constituinte fez questão de manter a Justiça Militar como uma Justiça desvinculada da justiça comum. A especialidade do Direito Penal Militar e do Direito Administrativo Militar exigem um preparo diferenciado do operador do Direito, que deve também conhecer dos valores militares e das peculiaridades de cada instituição, seja na esfera federal ou estadual. Quem são os militares? Qual o conceito de crime militar? São questões de suma importância para o Direito Militar, que trataremos a seguir.

2.3 DO CONCEITO DE CRIME MILITAR

A redação do § 4º do art. 125 da CF é bem clara: "Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei [...]", daí a necessidade de se delimitar quem são os militares estaduais e, principalmente, quais são os crimes militares.

Coube ao art. 42 da CF definir que os membros das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares são os militares estaduais, diferente do tratamento dado ao termo "militar" na esfera federal, vejamos o que diz o art. 22 do Código Penal Militar:

Art. 22. É considerada militar, para efeito da aplicação deste Código, qualquer pessoa que, em tempo de paz ou de guerra, seja incorporada às forças armadas, para nelas servir em posto, graduação, ou sujeição à disciplina militar. (BRASIL, Decreto-Lei nº 1.001, 1969)

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Fato é que, o § 4º do art. 125 da CF restringiu a competência da Justiça Militar Estadual, para julgar apenas os militares estaduais, ou seja, não há a possibilidade de se julgar civis, este é o entendimento doutrinário e legal. Ocorre que tal restrição não existe na esfera da Justiça Militar Federal, onde pode o civil, ser processado e julgado em casos específicos, conforme definição do inciso III, do art. 9º do Código Penal Militar:

Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:

III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:

a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar;

b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo;

c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras; d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquêle fim, ou em obediência a determinação legal superior. (BRASIL, Decreto-Lei nº 1.001, 1969) (grifo nosso)

Uma fez definido quem pode ser julgado pela Justiça Militar Estadual, faz-se necessário definir o conceito de crime militar, para tanto, existem critérios que podem ser utilizados. A doutrina de Jorge César de Assis (ASSIS, 2010, p.44), estabelece os seguintes critérios: o ratione materiae exige que no delito se verifique a dupla qualidade de militar, no ato e no agente, em outras palavras, crime militar praticado por militar; o ratione personae para aqueles delitos cujo sujeito ativo é militar atendendo exclusivamente à qualidade de militar do agente; o critério ratione loci leva em conta o lugar do crime, bastando, portanto, que o delito ocorra em lugar sob administração militar; e por fim, o ratione temporis , os praticados em determinada época, ou seja, em tempos de paz (art. 9º, CPM) ou em tempos de guerra (art. 10, CPM).

O critério ratione personae já foi utilizado na época do Brasil Imperial, vejamos o § 7º do art. 1º da Lei nº631 de 18 de setembro de 1851, publicada no Diário Oficial da União de 31 de dezembro do mesmo ano, vejamos:

Art. 1º No caso de guerra externa serão punidos com a pena de morte na Provincia, em que tiverem lugar as operações do Exercito Imperial, e bem assim em territorio alliado, ou inimigo, occupado pelo mesmo Exercito: 1º os espiões: 2º os que nas Guardas, Quarteis, Arsenaes, Fortalezas, Acampamentos, Postos Militares, e Hospitaes, tentarem seduzir as praças de 1ª Linha, Policia, Guarda Nacional, ou quaesquer outras, que fação parte das Forças do Governo, tanto de mar, como de terra, a fim de que desertem para o inimigo: 3º os que nos mesmos lugares acima

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mencionados tentarem seduzir as mesmas praças, a fim de que se levantem contra o Governo, ou os seus Superiores: 4º os que atacarem sentinellas: 5º os que entrarem nas Fortalezas sem ser pelas portas e lugares ordinarios.

§ 7º Serão tambem considerados militares todos os crimes commettidos por militares nas Provincias, em que o Governo mandar observar as Leis para o Estado de Guerra, e bem assim os commettidos por militares em territorio inimigo, ou de alliados, occupado pelo Exercito Imperial, sendo porêm applicadas as penas do Codigo Criminal nos crimes meramente civis. (BRASIL, Lei nº 631, 1851) (grifo nosso)

O critério adotado pela Constituição de 1988 é certamente o ratione legis, em razão da lei, e é o entendimento final de Jorge César de Assis (ASSIS, 2010, p.45). Cremos que tal critério é o mais claro e assertivo, principalmente por prestigiar a segurança jurídica e o princípio da legalidade: "Nullum crimen, nulla poena sine lege scripta".

Além do mais, o critério ratione legis é o adotado pela Constituição Federal de 1988:

Art. 124. à Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei.

Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.

§ 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. (BRASIL, Constituição Federal, 1988) (grifo nosso)

Tal princípio é de fundamental importância segurança do ordenamento jurídico, além de ser um dos pilares da corrente ideológica denominada de garantismo penal. Não por acaso, foi positivado no artigo primeiro do Código Penal Militar: "Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal". Vejamos o descrito nos art. 9º a 15 do CPM:

Crimes militares em tempo de paz

Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:

I - os crimes de que trata êste Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial;

II – os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, quando praticados:

a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado;

b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;

c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil

d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;

e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar;

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III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:

a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar;

b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo;

c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras; d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquêle fim, ou em obediência a determinação legal superior. § 1o Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por

militares contra civil, serão da competência do Tribunal do Júri.

§ 2o Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por

militares das Forças Armadas contra civil, serão da competência da Justiça Militar da União, se praticados no contexto:

I – do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa

II – de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar, mesmo que não beligerante; ou

III – de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária, realizadas em conformidade com o disposto no art. 142 da Constituição Federal e na forma dos seguintes diplomas legais

a) Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de Aeronáutica;

b) Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999

c) Decreto-Lei no 1.002, de 21 de outubro de 1969 - Código de Processo Penal

Militar;

d) Lei no 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral.

Crimes militares em tempo de guerra

Art. 10. Consideram-se crimes militares, em tempo de guerra: I - os especialmente previstos neste Código para o tempo de guerra; II - os crimes militares previstos para o tempo de paz;

III - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum ou especial, quando praticados, qualquer que seja o agente: a) em território nacional, ou estrangeiro, militarmente ocupado;

b) em qualquer lugar, se comprometem ou podem comprometer a preparação, a eficiência ou as operações militares ou, de qualquer outra forma, atentam contra a segurança externa do País ou podem expô-la a perigo;

IV - os crimes definidos na lei penal comum ou especial, embora não previstos neste Código, quando praticados em zona de efetivas operações militares ou em território estrangeiro, militarmente ocupado.

Militares estrangeiros

Art. 11. Os militares estrangeiros, quando em comissão ou estágio nas fôrças armadas, ficam sujeitos à lei penal militar brasileira, ressalvado o disposto em tratados ou convenções internacionais.

Equiparação a militar da ativa

Art. 12. O militar da reserva ou reformado, empregado na administração militar, equipara-se ao militar em situação de atividade, para o efeito da aplicação da lei penal militar.

Militar da reserva ou reformado

Art. 13. O militar da reserva, ou reformado, conserva as responsabilidades e prerrogativas do pôsto ou graduação, para o efeito da aplicação da lei penal militar, quando pratica ou contra êle é praticado crime militar.

Defeito de incorporação

Art. 14. O defeito do ato de incorporação não exclui a aplicação da lei penal militar, salvo se alegado ou conhecido antes da prática do crime.

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Tempo de guerra

Art. 15. O tempo de guerra, para os efeitos da aplicação da lei penal militar, começa com a declaração ou o reconhecimento do estado de guerra, ou com o decreto de mobilização se nêle estiver compreendido aquêle reconhecimento; e termina quando ordenada a cessação das hostilidades. (BRASIL, Decreto-Lei nº 1.001, 1969)

Assim sendo, por mandamento constitucional, percebe-se que coube ao Código Penal Militar (Decreto-Lei nº 1.001/69), definir os fatos em que há especial interesse das instituições militares, e para não haver dúvida entre o que é crime comum e crime militar, as hipóteses foram taxativamente descritas.

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3 A NATUREZA JURÍDICA DO CRIME MILITAR

O convívio em sociedade requer o mínimo de disciplina e cuidado, cabendo, sobretudo ao Estado, preservar a harmonia entre as pessoas, sempre buscando o bem comum. Cada sociedade vive de acordo com a sua cultura e seus valores, que são transmitidos entre as gerações ao longo dos séculos e, por isso, o conceito de estado muitas vezes se confunde com o da própria sociedade, pois se não fossem as diferenças culturais e seus reflexos, a humanidade seria apenas uma sociedade convivendo neste planeta, mas não o é, somos povos e nações frutos da própria cultura. O Direito, por ser uma construção social, não está afastado da cultura local de determinada sociedade, pelo contrário, a cultura é fonte do Direito e encontrará neste, uma forma de se externalizar, muitas vezes buscando na lei uma forma de preservação dos valores de determinada sociedade.

Cada nação moderna tem sua própria cultura, sua legislação, e o Direito que lhe é próprio, tal capacidade de autodeterminação diz respeito à soberania do Estado sob o seu território e sua jurisdição. Via de regra, um estado soberano cuida de regular o comportamento dos que estão sob sua jurisdição, e o faz principalmente por meio de sua legislação criminal, mas existem outras formas de encontrarmos o caminho para o desenvolvimento. Cabe à legislação penal brasileira, tanto ao Código Penal, como as demais leis extravagantes, anunciar à sociedade quais os comportamentos são reprovados, qual o tipo de punição, e de que forma será percorrido o caminho entre o delito e a decisão final do Estado.

A tarefa de disciplinar os seres humanos e lhes impor limites não é fácil, quiçá a tarefa mais difícil do Estado. Por isso, a legislação penal é também de difícil construção e principalmente concordância, tanto na esfera legislativa, quanto na esfera jurídico-doutrinária, afinal, resta-nos a seguinte pergunta: que tipo de comportamento deve ser reprovado pelo Estado? A resposta para esse quesito não é estática, o desenvolvimento social e a própria dinâmica das relações interpessoais, criam e extinguem comportamentos considerados reprováveis e, principalmente, bens jurídicos que precisam ou não da tutela estatal.

Na dogmática penal brasileira, as infrações penais são divididas em contravenções e delitos, é a teoria bipartida. A contravenção penal é considerada uma espécie de infração com menor potencial ofensivo, uma infração de baixa lesividade. Poder-se-ia dizer até, que é uma mera perturbação social. Vejamos o que diz o Decreto-Lei nº 3.914, de 9 de dezembro de 1941(Lei de Introdução ao Código Penal):

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Art 1º Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente. (BRASIL, Lei nº 3.914, 1941)

Como se pode observar, a diferença entre crime e contravenção está na mensuração da reprovabilidade da infração, um conceito subjetivo, e por certo o é. No entanto, o tratamento legal dado a disciplina é suficiente par exaurir qualquer dúvida quanto à diferenciação, como se observa na Lei nº 9.099 de 25 de setembro de 1995 (lei dos juizados especiais):

Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa. (BRASIL, Lei nº 9.099, 1995) (grifo nosso)

A decisão de se tipificar um fato como crime ou contravenção é, em verdade, um critério político que, via de regra, repercute a sua gravidade. Para o aprofundamento do nosso trabalho, focaremos no conceito de crime que é o interesse de nosso estudo, principalmente, o crime militar e a tutela de seu bem jurídico.

3.1 O BEM JURÍDICO DO CRIME MILITAR

Saindo do viés político-criminal para um aprofundamento doutrinário, não se pode deixar de mencionar, que a criação de um tipo legal requer uma justificativa maior, que a mera eleição de uma conduta por exclusiva vontade do legislador, como dito anteriormente, o tipo penal requer a defesa de um bem jurídico, a tutela de um valor em determinada sociedade.

Para Zaffaroni e Pierangeli (2011, p. 399), todo Direito se refere a algo, e o bem jurídico é esse algo ao qual se refere determinado direito, como se pode observar, tal instituto não é exclusivo do Direito Penal mas, por certo, esta é a disciplina que lhe dá maior visibilidade, principalmente por conta da importância que representa para legitimidade que a lei penal requer.

Apesar de a ideia de tutelar um bem jurídico existir a muito tempo, com certeza tal instituto multiplicou sua importância, a partir de meados do século XX, pois, ao fim da 2ª Guerra Mundial, é que se percebeu a necessidade de se controlar o poder estatal, era preciso evitar que a barbárie fosse institucionalizada, e principalmente, que as normas estatais servissem de escudo para a violação dos Direitos Fundamentais. A lei precisava representar mais que a vontade do tirano.

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Naquele momento a humanidade percebeu que o Direito penal não pode se tornar instrumento de repressão ideológica. Sendo assim, a definição de bem jurídico foi inserida com o fito de conter a crescente onda de criminalização de comportamentos considerados imorais ou politicamente diversos, limitando o âmbito de atuação do legislador, e impondo a missão de efetivar a defesa de valores humanos, para que a criminalização fosse legítima.

Assim, bem jurídico é compreendido como o fim reconhecido pelo legislador nas prescrições penais, “não se confundindo com os substratos da realidade em que os valores poderão assentar, a sua origem é normativa” (CUNHA, 1995, p. 65). Para Régis Prado (1996, p. 56) “a noção de bem jurídico implica a realização de um juízo positivo de valor acerca de determinado objeto ou situação social e de sua relevância para o desenvolvimento do ser humano”. Esses bens são indicados especificamente pela própria Constituição e aqueles que se encontram em harmonia com a noção de Estado de Direito democrático (PRADO, 1996, p. 69).

Chegamos a um importante ponto de convergência, o bem jurídico maior que se tem conhecimento é a vida, e a ele é dispensada proteção na lei penal comum, isto é sabido por todos, mas entendemos que quando o Código Penal Militar que também prescreve o mesmo fato típico, não o faz com fundamento no mesmo bem jurídico, pois na esfera militar se tutela a vida, mas não apenas isto, neste caso, são também protegidos os valores militares, principalmente a hierarquia e a disciplina, intrínsecos ao conceito de bem jurídico na esfera militar. Vejamos o que diz a Constituição Federal:

Art. 42 Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. (BRASIL, Constituição Federal, 1988) (grifo nosso)

Por isto, entendemos que a despeito da existência de tipos penais militares com igual previsão na lei penal comum, os bens jurídicos tutelados na esfera penal militar são mais amplos, afinal a o Direito Penal Militar existe para a defesa dos valores militares de forma imediata. Sendo assim, o tipo penal militar tutela ao mesmo tempo, os bens sociais e institucionais. Se o art. 121 do Código Penal (matar alguém), tem como fulcro a proteção da vida, o art. 205 do Código Penal Militar (matar alguém) exerce uma tutela ampliada, pois além de proteger a vida, protege também os valores institucionais do militarismo, a hierarquia

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e a disciplina, caso contrário, não seria necessária uma legislação específica, isto é, como vimos, respeitar o mandamento dos art. 42 e 142 da nossa Carta Magna.

É o caráter complexo do bem jurídico na esfera penal militar.

3.2 O CARÁTER COMPLEXO DO BEM JURÍDICO MILITAR

Dois são os momentos que requerem especial atenção, no que diz respeito à disciplina do bem jurídico: o primeiro, é o momento da eleição dos bens que merecem especial atenção jurídico-penal, escolha esta que só pode ser feita pelo legislador quando na função legiferante; e o segundo, que diz respeito à própria aplicação da lei penal militar. Neste caso, o intérprete legal deve estar em consonância com a função teleológica e específica da matéria militar. Negligenciar algum destes momentos é responder à demanda fática de forma incompleta. Este segundo momento é que será avaliado, a partir de agora.

O Direito Penal Militar não existe para “proteção” dos militares, pensar desta forma é desconhecer por completo a matéria. O Direito Penal Militar existe para a defesa dos valores militares, o quê é diametralmente diferente. Diz respeito à tutela dos valores institucionais, que se sobrepõem a qualquer indivíduo. Os valores militares são a razão, a própria existência do Código Penal Militar. Se, por um lado, o Código Penal comum trata da tutela de bens jurídicos, a exemplo do direito à vida, por outro a que se entender que os bens jurídicos tutelados no CPM são revestidos de maior complexidade, pois aqui a tutela do direito à vida não é feita de forma isolada, está acompanhada dos valores militares intrínsecos no CPM, há aqui uma dupla função de proteção, pois além de proteger o direito à vida, se tutela ao mesmo tempo os valores da instituição militar, quais sejam a hierarquia e a disciplina. Há, na verdade, um bem jurídico constante, presente em todas as figuras típicas do código, composto pelo binômio “hierarquia e disciplina”. (NUCCI, 2013, p. 17)

Tal diferença é mais evidente, quando se percebe a inexistência de ação penal privada na esfera do Direito Penal Militar, uma vez que, a ação penal militar é sempre de interesse público. No Direto Penal comum, existem bens jurídicos que interessam apenas à esfera privada do indivíduo, e por isso são tratados de forma diferenciada, nestes casos, a ação penal depende da queixa do ofendido para que haja o processamento da ação pelo Ministério Público. São exemplos de bens jurídicos privados, o direito a liberdade sexual, a honra, ao patrimônio etc.

No Direito Penal Militar é diferente, entende-se que o bem jurídico tutelado é sempre público, pois quando da incidência de um tipo penal, estão sempre em xeque valores como a

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própria administração pública militar e, principalmente, a hierarquia e a disciplina, por isso, a ação penal é exclusivamente pública. Digamos que um militar cometa um crime de injúria contra outro militar, neste caso a ação penal será pública, ou seja, o Ministério Público Militar é o titular da ação, independentemente da vontade do ofendido, completamente diferente do tratamento que é dado na esfera do Direito Penal comum, afinal o caráter institucional do bem jurídico, que é intrínseco à esfera militar, impede que se leve em consideração apenas o caráter privado do bem jurídico, que seria a honra, ou seja, tal duplicidade de proteção é o que chamamos de caráter complexo do bem jurídico militar.

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4 O PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE

O Código Penal Militar e de Processo Penal Militar são normas penais específicas, e tal característica tem especial relevância no ordenamento jurídico brasileiro, "lex specialis derogat legem generalem", isto significa que a norma mais específica terá aplicação preferencial à norma geral. Tal princípio basilar, é também regulador da norma penal, isto para que haja sempre uma ordem normativa, primeiro para se viabilizar uma interpretação sistêmica da norma, e segundo para evitar o "bis in idem".

No que concerne à antinomia entre normas, existem alguns critérios de resolução, e o primeiro a ser utilizado é o critério hierárquico, " lex superior derogat inferior ". Quando as normas estão no mesmo nível hierárquico, deve ser aplicado o princípio da especialidade, que prevalece inclusive sobre o critério cronológico " lex posterior derogat priori", portanto, a norma geral não derroga norma especial, é o que harmoniza o ordenamento jurídico. A especialidade da matéria, por concatenação lógica, terá condições de melhor atender as necessidades específicas da disciplina, e como consequência, uma maior proximidade do ideal de Justiça.

Neste sentido, faz-se necessário observar que a norma especial possui todos os elementos da norma geral, acrescida de elementos adicionais ou específicos. A lição da professora Maria Helena Diniz:

Uma norma é especial se possuir em sua definição legal todos os elementos típicos da norma geral e mais alguns de natureza objetiva ou subjetiva, denominados de especializantes. A norma especial acresce um elemento próprio à descrição legal do tipo previsto na norma geral, tendo prevalência sobre esta, afastando- se assim o bis in idem pois o comportamento só se enquadrará na norma especial, embora também esteja previsto na norma geral. O tipo geral está contido no tipo especial. A norma geral só não se aplica ante a maior relevância jurídica dos elementos contidos na norma especial, que a tornam mais suscetível de atendibilidade do que a norma genérica. (DINIZ, 1996, p. 72)

Quando nos voltamos para a realidade castrense, podemos tomar, como exemplo, a comparação entre o art. 121 do Código Penal e os art. 205, 206 e 207 de Código Penal Militar, vejamos:

Código Penal Comum Art. 121. Matar alguem:

Pena - reclusão, de seis a vinte anos. Caso de diminuição de pena

§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

Homicídio qualificado

§ 2° Se o homicídio é cometido:

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II - por motivo futil;

III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;

IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossivel a defesa do ofendido;

V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:

Pena - reclusão, de doze a trinta anos. Feminicídio

VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:

VII – contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição:

Pena - reclusão, de doze a trinta anos.

§ 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime

envolve:

I - violência doméstica e familiar;

II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Homicídio culposo

§ 3º Se o homicídio é culposo: Pena - detenção, de um a três anos. Aumento de pena

§ 4o No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta

de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as conseqüências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos.

§ 5º - Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as conseqüências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.

§ 6o A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado por

milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio

§ 7o A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime

for praticado:

I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto

II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência;

III - na presença de descendente ou de ascendente da vítima. (BRASIL, Lei nº 2.848, 1940)

Código Penal Militar Art. 205. Matar alguém:

Pena - reclusão, de seis a vinte anos. Minoração facultativa da pena

§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena, de um sexto a um têrço.

Homicídio qualificado

§ 2° Se o homicídio é cometido: I - por motivo fútil;

II - mediante paga ou promessa de recompensa, por cupidez, para excitar ou saciar desejos sexuais, ou por outro motivo torpe;

III - com emprêgo de veneno, asfixia, tortura, fogo, explosivo, ou qualquer outro meio dissimulado ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;

IV - à traição, de emboscada, com surprêsa ou mediante outro recurso insidioso, que dificultou ou tornou impossível a defesa da vítima;

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V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime;

VI - prevalecendo-se o agente da situação de serviço: Pena - reclusão, de doze a trinta anos.

Homicídio culposo

Art. 206. Se o homicídio é culposo: Pena - detenção, de um a quatro anos.

§ 1° A pena pode ser agravada se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima.

Multiplicidade de vítimas

§ 2º Se, em conseqüência de uma só ação ou omissão culposa, ocorre morte de mais de uma pessoa ou também lesões corporais em outras pessoas, a pena é aumentada de um sexto até metade.

Provocação direta ou auxílio a suicídio

Art. 207. Instigar ou induzir alguém a suicidar-se, ou prestar-lhe auxílio para que o faça, vindo o suicídio consumar-se:

Pena - reclusão, de dois a seis anos. Agravação de pena

§ 1º Se o crime é praticado por motivo egoístico, ou a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer motivo, a resistência moral, a pena é agravada.

Provocação indireta ao suicídio

§ 2º Com detenção de um a três anos, será punido quem, desumana e reiteradamente, inflige maus tratos a alguém, sob sua autoridade ou dependência, levando-o, em razão disso, à prática de suicídio.

Redução de pena

§ 3° Se o suicídio é apenas tentado, e da tentativa resulta lesão grave, a pena é reduzida de um a dois terços. (BRASIL, Decreto-Lei nº 1.001, 1969)

Quando se comparam os tipos penais em evidência, o art. 121 do CPB e o art. 205 do CPM, percebe-se que ambos são idênticos (matar alguém), além de prescreverem as mesmas penas mínima e máxima para o fato. No entanto, há de se observar que o Código Penal Militar tem aplicação especial por conta de circunstâncias específicas, muito diferentes da grande maioria dos fatos geralmente enquadrados no art. 121 do CPB, vejamos:

1- o militar estadual é obrigado a atuar quando está em serviço, sob pena de praticar o crime de omissão, obrigação que não existe para o civil;

2- o fato, na maioria esmagadora das vezes, é praticado por um militar estadual que estava exercendo sua função e atuando em nome do próprio Estado, com local e horário de atuação pré-determinados por seus superiores, quando ocorre a intervenção policial com resultado morte. Não é o militar que escolhe o local de atuação, diferente de qualquer outra pessoa;

3- o militar estadual é obrigado a apresentar-se à autoridade de polícia judiciária militar ou Delegado de Polícia (dependendo do Estado) logo após o término da ocorrência policial, a quem é apresentado o corpo da pessoa que foi vitimada, as armas utilizadas na ação pelos próprios militares estaduais, a arma utilizada pelo vitimado, e os demais materiais apreendidos na ocorrência. Nenhuma outra pessoa é obrigada a se apresentar na Delegacia

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como o militar de serviço o é, muito pelo contrário, é assegurado pela legislação o direito de fuga;

4- os militares estaduais são obrigados a descreverem os fatos minuciosamente para a autoridade de Polícia Judiciária Militar ou Delegado de Polícia, para que sua versão seja confrontada com as provas periciais que serão produzidas no decorrer da investigação, enquanto qualquer outro civil teria o direito de permanecer calado. O fato típico pode até ser o mesmo, mas as especificidades da atuação do militar estadual são latentes, por isso, é necessário um tratamento legal específico.

Na intervenção policial que tem como resultado o óbito de civil, não é necessária a busca pela autoria, afinal os militares se apresentaram como autores do fato; não será necessária a busca pelas armas utilizadas na ação e nem pelo corpo da vítima, afinal os militares estaduais apresentaram suas armas e a vítima logo após o fato; não será preciso desvendar o local do fato e nem suas circunstâncias, afinal, os próprios militares já o fizeram. Então fica a pergunta, qual a razão de se instaurar um inquérito policial militar para apurar tal fato? A resposta é simples, o inquérito é o procedimento adequado para esclarecer os fatos narrados pelos militares estaduais, saber se realmente existiu a excludente de ilicitude, oportunizar à família, amigos ou testemunhas confrontar a versão narrada pelos militares que praticam a ação, em resumo, verificar a legitimidade da intervenção policial, bem como a razoabilidade e proporcionalidade da ação, além de apurar algum possível resquício administrativo disciplinar.

Este não é o momento de detalharmos os procedimentos da lavratura de uma intervenção policial que tem como resultado o óbito de civil, comumente chamado de Auto de Resistência, muito menos esmiuçar as diferenças entre os procedimentos investigatórios a esfera civil e militar. Por enquanto, interessa-nos expor as diferenças existentes na natureza da ação de um agente que atua em nome do estado (o militar estadual), para um agente que atua em nome próprio (o civil), apesar de incidirem em tipos penais formalmente idênticos: matar alguém.

Por isso, é que para a aplicação do princípio da especialidade, o operador do direito além de encontrar os elementos gerais do tipo deve, principalmente, observar a especialidade da matéria e verificar a real natureza da conduta do agente, neste caso uma obrigação do servidor público e não uma mera escolha em nome próprio.Nesse sentido, Francisco de Assis Toledo ensina que: "Se entre duas ou mais normas legais existe uma relação de especialidade, isto é, de gênero para espécie, a regra é a de que a norma especial afasta a incidência da norma geral." (TOLEDO, 1994, p. 51). Resta-nos concluir, que o militar estadual de serviço,

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que é autor de uma ação que resultou no óbito de um civil, jamais poderia ser enquadrado no art. 121 do CPB, mas apenas no art. 205 do CPM, devendo ser apresentado à autoridade da polícia judiciária militar com atribuição para promover tal investigação. Nas palavras de Pontes de Miranda, "o conceito de lei especial não se tira da sua separação formal, e sim da sua especialidade substancial". (MIRANDA, 1999, p. 69)

Com percuciência, ensina o Célio Lobão: “O Direito Penal Militar é especial em razão do bem jurídico tutelado, isto é, as instituições militares, no aspecto particular da disciplina, da hierarquia, do serviço e do dever militar, acrescido da condição de militar dos sujeitos do delito”. (LOBÃO, 2002, p. 38-45).

Não por acaso escolhemos tratar do princípio da especialidade logo após o capítulo sobre o bem jurídico do crime militar, é proposital, reflete diretamente o pensamento de que o instituto do bem jurídico, está intimamente ligado ao princípio da especialidade, por entendermos que tais circunstâncias especiais, as quais estão submetidos os militares, também devem ser alinhadas aos valores da instituição militar, e assim, alcançar a completude do conceito de bem jurídico na esfera militar. É o que chamamos de bem jurídico complexo.

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5 DO AUTO DE RESISTÊNCIA

A expressão "auto de resistência" é utilizada no meio policial para nomear o auto circunstanciado previsto no art. 292 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal) e também no art. 234 Decreto-Lei nº 1.002, de 21 de outubro de 1969 (Código de Processo Penal Militar), e como não lhe foi atribuído nome específico na legislação, essa expressão tornou-se a mais utilizada e conhecida, vejamos:

Art. 292. Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas. (BRASIL, Decreto-Lei nº 3.689, 1941)

Art. 234. O emprego de fôrça só é permitido quando indispensável, no caso de desobediência, resistência ou tentativa de fuga. Se houver resistência da parte de terceiros, poderão ser usados os meios necessários para vencê-la ou para defesa do executor e auxiliares seus, inclusive a prisão do ofensor. De tudo se lavrará auto subscrito pelo executor e por duas testemunhas. (BRASIL, Decreto-Lei nº 1.002, 1969) (grifo nosso)

O uso da força pelo órgão policial faz-se necessário quando ocorre uma resistência ativa ou passiva por parte do suspeito. Podemos dizer aqui que este é o momento em que a determinação legal é imposta de forma mais concreta ao indivíduo, e por isso, talvez seja este um dos pontos mais controversos da atividade policial. Com o emprego da força é que o Estado impõe sua autoridade ao indivíduo e o força a agir dentro dos limites legais.

Por outro lado não se pode ser conivente com uma polícia arbitrária, violenta e desproporcional. A linha que divide uma ação policial legítima de uma ação violenta do Estado é muito tênue, e requer preparo físico e psicológico do agente público, afinal se sua ação não for eficaz, não conseguirá impor o que determina a lei, e se for muito truculenta, pode cometer abuso de poder. Acontece que o policial não pode ser omisso, mas não deve exacerbar o uso da força, o que o coloca em permanente risco de erro.

A ação policial adequada é aquela que está revestida de legalidade seja razoável (tenha aptidão para resolver o problema), e proporcional, entenda-se: que responda à oposição com intensidade estritamente suficiente para convencer à obediência. Assim, Guilherme de Souza Nucci, acerca da definição do AR, descreve-o da seguinte forma:

Auto circunstanciado: determina a lei que, havendo resistência, consequentemente o emprego de violência contra terceiros ou contra o próprio detido, para justificar os danos ocorridos- em pessoas ou coisas- lavra-se um termo, contendo todas as circunstâncias do evento, subscrito por duas testemunhas que tenham assistido ao ato, evitando-se, com isso, qualquer responsabilização do executor da prisão, ou

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pelo menos, documentando o que houver, para futura utilização. (NUCCI, 2013, p. 241)

O auto de resistência (AR) é um documento que tem o condão de relatar, de forma pormenorizada, sob quais circunstâncias foi efetivada a prisão, ou seja, é uma peça informativa elaborada pela autoridade policial. O seu destino final é a justiça, que apreciará os fatos ali narrados e fará o juízo de valor, tanto no que diz respeito à ação do suspeito, quanto no que se refere à ação do agente público. É uma peça de suma importância, lavrada logo após a efetivação da prisão, o que proporciona maior verossimilhança com a realidade dos fatos, fundamental para o desenrolar da ação penal.

Infelizmente, a lavratura do auto de resistência torna-se mais comum a cada dia, resultado de uma cultura de desconfiança nas instituições estatais. Poderíamos dizer que o aumento da resistência à prisão é culpa da descrença nos órgãos policiais, mas estaríamos sendo simplistas e levianos, pois sabemos que a polícia é mero órgão de execução do Estado e os problemas são mais profundos. Uma visão ampla da atual situação da segurança pública nacional requer uma análise mais detalhada da legislação em vigor; do alcance e da qualidade do ensino público; da falta de emprego, dentre outras circunstâncias variadas que contribuem para o aumento da criminalidade, mas que parecem ser lembradas apenas no momento da prisão, quando mais nada pode ser feito, senão a fria aplicação da lei.

O estudo do auto de resistência tem seu termo mais crítico quando a ação policial resulta em óbito. A 11ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (BRASIL, Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2017), divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostra um aumento no número de pessoas mortas em ações policiais, sejam ações da Polícia Militar ou Polícia Civil, que no ano de 2016 alcançou o expressivo número de 4.222 óbitos, um crescimento de 25,8% em relação ao ano anterior. Por outro lado, o mesmo anuário relata que 453 policiais militares e civis foram mortos no ano de 2016, isto faz com que a polícia brasileira não seja, apenas, a que mais mata em números absolutos, como também, seja a polícia que mais morre no mundo todo, como entender tal situação?

À primeira vista, o que se quer é simplesmente diminuir os números, nem que para isto sejam implantadas soluções paliativas, afinal o desgaste eleitoral nunca é bom e a verba pública nunca é suficiente, então a solução mais prática é tentar constranger as forças policiais a simplesmente não atirarem, sem tiros, sem morte, afinal a polícia existe para prender e não para tirar vidas, parece bem razoável, mas nem tudo é tão simples. Para resguardar a vida, todos os argumentos são válidos, inclusive trazer à tona toda a doutrina dos Direitos

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Fundamentais, só não se pode olvidar que os agentes do estado também fazem jus aos mesmos direitos, principalmente o direito à vida, por óbvio!

Quando são analisadas as estatísticas da 11ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, uma forma de interpretação dos números é a seguinte: no ano de 2016, 453 policiais foram mortos, somando-se ainda 4.222 tentativas de homicídios contra policiais em serviço, que acabaram resultando no óbito do suspeito. Pode a priori parecer incomum, pois o tratamento midiático que se dá aos números tem claramente cunho político. Não se quer aqui dizer que as polícias não comentem erros, e nem que 100% dos 4.222 óbitos foram legítimos, mas com total certeza a maioria esmagadora das ocorrências com resultado morte foi sim legítima, não se pode esquecer, que só existe resistência com resultado morte se houver arma de fogo, e o número de armas ilegais nas mãos dos criminosos é muito alto. Ao cabo, é preciso que se crie a consciência de que o óbito de uma das partes, seja a força policial, seja do indivíduo à margem da lei, é um resultado esperando quando se trata de resistência com arma de fogo.

A Resolução nº 8, de 20 de dezembro de 2012, expedida pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, vinculado à Secretaria de Direitos Humanos de Presidência da República, em suma, orienta o seguinte:

Art. 1º - As autoridades policiais devem deixar de usar em registros policiais, boletins de ocorrência, inquéritos policiais e notícias de crimes designações genéricas como "autos de resistência", "resistência seguida de morte", promovendo o registro, com o nome técnico de "lesão corporal decorrente de intervenção policial" ou "homicídio decorrente de intervenção policial", conforme o caso. (BRASIL, Resolução nº8, 2012)

Com a devida vênia, a mudança de nomenclatura não muda a natureza dos fatos, não contribui para a diminuição das ocorrências de resistências com resultado morte, não tem o mínimo de embasamento legal, afinal, o crime de resistência é simplesmente ignorado, sem mencionar que existe uma dupla atecnia jurídica. Primeiro, por simplesmente ignorar a fé pública do agente policial, quem primeiro teve contato com os fatos, e depois por presumir, antes de qualquer investigação, que a intervenção policial foi um homicídio, o que abala até os alicerces da presunção de inocência, pois tal crime só se configura se não estiver respaldado pelo instituto da legítima defesa, como o é, na esmagadora maioria das vezes.

O auto de resistência não se exaure em si mesmo, é apenas um auto circunstanciado que junto a outras providências vão inaugurar o Inquérito policial, militar, vejamos o que diz o CPPM:

Referências

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