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PATRILOCALIDADE E PATRILATERALIDADE PRECARIZADAS: PRÁTICAS PARENTAIS E GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA ENTRE POPULAÇÕES ATINGIDAS PELA CONSTRUÇÃO DO PORTO DE SUAPE E PELO COMPLEXO TURÍSTICO DE PORTO DE GALINHAS

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Academic year: 2021

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PATRILOCALIDADE E PATRILATERALIDADE PRECARIZADAS:

PRÁTICAS PARENTAIS E GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA ENTRE

POPULAÇÕES ATINGIDAS PELA CONSTRUÇÃO DO PORTO DE SUAPE E

PELO COMPLEXO TURÍSTICO DE PORTO DE GALINHAS

Parry Scott, Dayse Amâncio dos Santos, Rosangela Silva de Souza, Rafael de Freitas Acioly**

Resumo

Introdução: Como parte da pesquisa de Tres Pólos de Desenvolvimento e a vida sexual das

mulheres jovens em Pernambuco, apoiada pela FACEPE, em realização desde 2010 pelo FAGES

da UFPE, este estudo foca o impacto da chegada de populações atraídas nas estratégias de comprometimento parental, patrilaterais e patrilocais, de populações atingidas.

Objetivos: 1. Descrever o processo de desenvolvimento associado dos pólos do complexo turístico de Porto de Galinhas e do complexo portuário-industrial de Suape no litoral sul na Região Metropolitana do Recife; 2. Examinar a gravidez na adolescência dentro do contexto das práticas de populações atingidas pelo influxo de trabalhadores respondendo à demanda das vocações almejadas para os pólos. 3. Interpretar as estratégias residências e de apoio às jovens mães em relação à formação de redes de parentesco e de afinidade diante das condições criadas nos pólos.

Métodos: Os dados incluem 40 entrevistas com mães e avôs sobre a vivência da gravidez na adolescência, 416 questionários com mulheres jovens entre 16 e 24 anos moradoras da região e ampla pesquisa de observação.

Resultados: Com atenção às conseqüências residenciais da primeira gravidez, 68,2% das jovens viviam com os pais antes dela, durante a gravidez o percentual é 49,1% e após o parto 42,5%. 33,2% vão residir com os seus parceiros, seus filhos e com as famílias dos parceiros. A neolocalidade é mais forte evidente que a patrilocalidade, mas dados qualitativos revelam que a estratégia de residência patrilocal, antes mais importante, se precariza em parte diante do grande número de trabalhadores de fora, provocando estratégias diversas de montagem de redes de parentesco e de apoio pós-casamento.

Conclusão: Ao se envolverem afetivamente com homens trabalhadores de origens diversas, as mais jovens entre a população atingida intensificam a sua vulnerabilidade, podendo engravidar dificultando as suas condições de acionarem estratégias de responsabilização parental masculina, especialmente quando o parceiro é de longe. As estratégias históricas locais de patrilocalidade e patrilateralidade firmam alianças entre jovens que engravidam e homens parceiros e seus parentes, inserindo as jovens numa ampliada rede de apoio no exercício da parentalidade juvenil. Com a presença de homens com redes de parentes desconhecidas e pouco compromisso com a residência local, elaboram-se estratégias novas de comprometimento e descomprometimento com pessoas e grupos diferentes de parentes e amigos.

Palavras-Chave: Pólos de Desenvolvimento; Jovens Mães;Gravidez;Patrilocalidade

Trabalho apresentado no XVIII Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Águas de Lindóia/SP – Brasil, de 19 a 23 de novembro de 2012 Tema 34: Sexualidade e Reprodução: Discursos e Práticas; expandido e modificado do trabalho prévio no XV Encontro Norte e Nordeste de Ciências Sociais - Pré-Alas, Brasil, de 04 a 07 de setembro, em Teresina, e de uma versão preliminar em forma de Poster na 28ª Reunião Brasileira de Antropologia (Fórum especial 3), São Paulo, julho, 2012.

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PATRILOCALIDADE E PATRILATERALIDADE PRECARIZADAS: PRÁTICAS PARENTAIS E GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA ENTRE POPULAÇÕES ATINGIDAS PELA CONSTRUÇÃO DO PORTO DE SUAPE E

PELO COMPLEXO TURÍSTICO DE PORTO DE GALINHAS1

Parry Scott, Dayse Amâncio dos Santos, Rosangela Silva de Souza, Rafael de Freitas Acioly Programa de Pós-Graduação em Antropologia, FAGES, UFPE

1. Introdução

Como parte da pesquisa de Três Polos de Desenvolvimento e a vida sexual e reprodutiva

das mulheres jovens em Pernambuco2

A base de dados criada por uma equipe de quatro pesquisadores

, em realização desde novembro de 2010, pelo Núcleo FAGES da UFPE, este estudo foca o impacto da chegada de populações atraídas ao Complexo Portuário-Industrial de Suape e no Complexo Turístico de Porto de Galinhas sobre as estratégias de residência e de sociabilidade de jovens que namoram e engravidam, realçando o envolvimento de redes associadas aos parceiros, pais e parentes deles e delas. Discute-se como o aprendizado da sexualidade (HEILBORN, 2004), o namoro e, especialmente, a gravidez desencadeiam um padrão de busca de apoios, autonomia e, sobretudo, comprometimento parental patrilateral de acordo com o investimento na criação de vocações de polos diferentes de desenvolvimento. Numa descrição que centra na vida reprodutiva e sexual de mulheres jovens e nas suas decisões residenciais, tecem-se considerações sobre as diferenças nas estratégias das jovens entre quatro locais de moradia. As características dos locais diferem com relação ao impacto da presença de homens migrantes e as redes de parentesco deles, à historia do povoamento de local em si e a sua associação com as vocações estimuladas pelos complexos turísticos e portuário-industriais.

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1 Trabalho apresentado na XVIII ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, Aguas de Lindoia,

São Paulo, 19 a 23 de novembro de 2012; expandido e modificado do trabalho prévio elaborado para o XV Encontro Norte e Nordeste de Ciências Sociais - Pré-Alas, Brasil, de 04 a 07 de setembro, em Teresina, e duma versão preliminar em Poster na 28ª Reunião Brasileira de Antropologia (Fórum especial 3), São Paulo, julho, 2012.

, se constitui de 1) documentos oficiais e recortes de jornais e de sites; 2) centenas de páginas de diários de campo ao longo de mais que um ano de pesquisa de observação e convivência intermitente; 3) 68 entrevistas abertas com roteiros sobre a experiência de gravidez com mães jovens (44, entre 16 e 24 anos de idade) e avós (24, entre 32 e 65 anos de idade) que foram gravadas, transcritas e analisadas tematicamente; e 4) 418 questionários sobre namoros, gravidez, mobilidade e avaliações de oportunidades de trabalho e efeitos dos projetos de desenvolvimento nos locais, totalizando 418 questionários com mulheres jovens entre 16 e 24 anos, independentemente de terem passado pela experiência da gravidez. A opção na escrita deste trabalho é de aproveitar uma leitura detalhada dos dados quantitativas, sem recorrer diretamente às entrevistas gravadas, que contribuíram para a compreensão. Neste sentido, os dados quantitativos ora confirmam impressões formadas nas observações e entrevistas, ora oferecem desafios para as interpretações do que está ocorrendo nos dois polos de desenvolvimento.

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Pesquisa APQ0149-7.03/10 financiada através do EDITAL FACEPE 03/2010, Estudos e Pesquisas para Políticas Públicas Estaduais, Gravidez na Adolescência, FACEPE/SecMulher.

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Pesquisa do Núcleo de Pesquisa FAGES-UFPE, com equipe coordenada por Russell Parry Scott, supervisionada por Dayse Amancio dos Santos, e com os pesquisadores Rosangela Silva de Souza e Rosangela Souza de Silva, com o apoio de assistentes de pesquisa Viviane Matias da Silva e Zênia Scott. Os questionários foram aplicados por agentes comunitários de saúde, treinados e supervisionados pela equipe de pesquisa. As mesmas agentes foram mediadoras dos contatos para a realização de entrevistas gravadas.

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2. Pólos de Desenvolvimento e a Criação de Vocações

O estado de Pernambuco atravessa um período de enaltecimento do crescimento econômico em múltiplos polos de desenvolvimento. A pesquisa do FAGES focou os polos de Suape, de Porto de Galinhas e de Petrolina, que investem, respectivamente, num complexo portuário-industrial, na indústria turística e na agricultura irrigada. Como Suape é vizinho a Porto de Galinhas, tratar a articulação entre os dois polos se faz, simultaneamente, inevitável e difícil (Ver Mapa 1).

Mapa 1: Suape e Porto de Galinhas no Litoral Sul de Pernambuco

Ao estudar polos de desenvolvimento em grandes obras (RIBEIRO, 1993), o olhar do observador está direcionado para a cadeia produtiva associada à “vocação” anunciada, seja qual for a profundidade histórica ou a intensidade dos investimentos recentes. As histórias dos locais impactados não são valorizadas em si, especialmente quando divergem das novas finalidades dos investimentos. Os responsáveis pelo desenvolvimento a implantar pinçam atividades que julgam que serão positivamente transformadas pelas mudanças propostas, e relegam as outras questões a um plano secundário. Para entender a influência do dinamismo econômico sobre a vida cotidiana no local, é importante identificar quais os pontos na cadeia de produção e distribuição que incidem sobre a criação de espaços de sociabilidade para quem reside nestes polos, diretamente em relação aos ambientes de trabalho, e indiretamente em relação aos espaços residenciais e de lazer e uso de serviços locais. Enquanto os investimentos andam, vão-se criando pontos de fricção em referência ao encontro de populações atraídas para trabalhar nos complexos, e as populações residentes, que se tornam impactadas, independentemente da intencionalidade maior dos objetivos declarados e visualizados pelos responsáveis pelos empreendimentos. Invariavelmente, um dos impactos mostra que o que inicialmente está pautado como um impulsor ao desenvolvimento da região também se revela um tensor de relações de gênero nestes locais. A imigração de população em busca de trabalho cria o desafio para populações locais e para políticas públicas que foi sintetizado em outro local como “Queríamos mão-de-obra,

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recebemos pessoas” (ARANGO, 2007)4

Isto ocorre em relação à vida sexual e reprodutiva das jovens

. As pessoas que chegam interagem com as pessoas que residem nos locais de destino. E as questões inicialmente relegadas ao plano secundário ganham um novo relevo.

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Em Porto de Galinhas os representantes da Associação de Hoteleiros, formalmente fundada no início dos anos 1990, respondem pelos interesses dos empreendimentos hoteleiros, capitaneando a criação de imagens e de estratégias de promoção da continuidade do influxo de turistas que buscam conforto e distinção (no sentido de BOURDIEU, 2002). O alto sucesso destes empreendimentos alimentou uma economia embasada em muitos prestadores de serviços de transporte, de passeios, de alimentação e de comércios desde lembranças até itens de luxo, bem como de lojas de construção para casas de veraneio de uma população de camadas médias prósperas, proveniente da cidade do Recife. Os dirigentes da Associação e outros empreendedores de sucesso frisam que o poder público, mesmo que fale bem do local, não teve nenhuma responsabilidade nem participação nas iniciativas que primeiro definiram o local como um destino turístico. Há uma vigilância destes empreendedores em preservar a noção que o turismo de Porto de Galinhas é para famílias, e que empresários que querem aproveitar a imagem de oportunidades para turismo sexual não estão bem-vindas. Um hotel que escolheu um caminho de proibir a hospedagem de crianças para aproveitar o mercado de casais em lua de mel que estariam buscando um sossego para as suas núpcias sofreu pressão de outros hoteleiros que perceberam que tal caminho poderia levar a uma suspeita de também estarem promovendo encontros para experiências sexuais, o que desvirtuaria a imagem “familiar” da praia. Em pouco tempo o hotel reverteu a sua estratégia, alegando que os casais, muito satisfeitos com o atendimento durante a lua de mel, haviam pressionado para que os seus familiares (e eles mesmos, no futuro, com filhos) pudessem se hospedar num lugar tão bom! Os mesmos empresários comemoraram o fim de voos fretados de países europeus, conhecidos como bate-e-volta, que traziam turistas propensos a encarar as praias do Nordeste como destino privilegiado para encontros sexuais. Um dos voos fretados, promovidos por um ex-piloto de Fórmula Um, que trazia italianos, sucumbiu diante das pressões contra a prostituição infantil, segundo o relato de um oficial de segurança. A Associação de Pousadeiros congrega empreendedores de características mais diversas e sofre mais pressões para ceder às oportunidades de hospedar grupos de origens diversas, dividindo-a entre as pousadas que preservam a imagem de turismo familiar e individual alternativo, e as pousadas que visam lucros sem se preocuparem com a preservação da imagem de destino turístico. Ainda no espírito de promoção de turismo familiar e alternativo individual, houve fechamento de mais que uma dezena de pousadas que passaram a hospedar trabalhadores de Suape sem tomar as devidas precauções de definição de estadia curta, que rege como princípio da Associação. Já as pessoas que vêm passar períodos variados de tempo nas suas casas na praia, e que eventualmente as alugam, particularmente ou através de residentes dos locais impactados pelo Complexo Portuário do Suape e no Complexo Turístico de Porto de Galinhas. Como os dois complexos no litoral sul da região Metropolitana do Recife são vizinhos, constituem duas forças de criação de vocações, ora convergentes, ora divergentes, que se somam de uma maneira interligada, proporcionando um ambiente de possibilidades de vida entre as quais as jovens nas populações locais navegam.

4 A fala é creditada a Max Fritsch, e refere-se ao enorme número de migrantes que chegaram à Espanha no início dos anos 2000 (Arango 2007).

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corretores, também fazem muito mais parte da corrente dos que almejam manter a qualidade familiar e de distinção do local.

Com crescimento notável e a abertura de oportunidades de trabalho em todos estes setores, trabalhadores das camadas populares vieram morar e trabalhar em Porto de Galinhas e Maracaípe, sobretudo de outros locais no município e em municípios vizinhos, mas também de longe. Construíram as suas residências junto à população originária de pescadores, coletores de coco, pequenos agricultores, trabalhadores rurais, operários de uma usina açucareira, pequenos comerciantes, frequentemente em espaços que reclamaram de mangues e áreas alagadas, segregadas física e socialmente das varias quadras de terrenos que passaram a servir para a construção de pousadas, hotéis, casas de veraneio e estabelecimentos comerciais voltados principalmente para a população de turistas. Por mais que se esforcem a articular políticas públicas que possam beneficiar a continuidade da prosperidade proveniente da vocação turística que eles mesmos incrustaram na região, os que comandam a economia local continuam aderindo a discursos de empreendedorismo autônomo, insistindo que o lugar cresceu, e continua crescendo, graças aos seus próprios esforços, e não por causa de qualquer incentivo público. A internacionalização em hotéis de mais alto luxo reservou um espaço para crescimento na Praia de Muro Alto (no mais extremo norte de Porto de Galinhas), mesmo muito presente, é, segundo os dirigentes da Associação, responsável por apenas 20% dos seus negócios. Mesmo nestes hotéis, frisam, a maior parte destes turistas internacionais são argentinos dissociando-as, com isso, da ideia de europeus em busca de aventuras! Entre os 80% de turistas nacionais, prevalecem turistas do sul do país, muitas vezes com as suas famílias. A imagem de uma praia paradisíaca que atende às vontades de lazer de bem sucedidas famílias abastadas se torna o cartão postal de uma praia cujos empreendedores se orgulham em relembrar que já foi eleito dez vezes a melhor praia do Brasil segundo o website http://www.destinoportodegalinhas.com.br/porto-de-galinhas/porto-de-galinhas-praias.php, e sete vezes pela conceituada Revista Viagem e Turismo.

Já no Complexo Industrial e Portuário de Suape, muito diferente de Porto de Galinhas, projeto com mais de três décadas de planejamento no estado de Pernambuco, iniciou uma fase de implantação intensiva em 2007. No site do Complexo (http://www.suape.pe.gov.pe), em maio de 2012, são veiculadas informações que circulam publicamente sobre a vocação e a dinamicidade do projeto. Informa que Suape abarca, além do porto em si, o “maior estaleiro do hemisfério

sul”, uma refinaria de petróleo, três plantas petroquímicas, mais de 100 empresas já instaladas, e

ainda tem previsão de pelo menos 50 novas indústrias a se instalarem. Os promotores do Complexo6

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Apenas para citar um dos encontros mais sensíveis às preocupações aqui sinalizadas, chama atenção simpósio sobre “Sustentabilidade Social Integrada no Desenvolvimento de Pernambuco: impactos dos Pólos Suape e Zona da Mata Norte” realizada em 17 de novembro de 2011 pelo Núcleo de Diversidade e Identidades Sociais – NDIS da Universidade de Pernambuco.

ressaltam que Suape se insere numa vocação histórica de comércio estabelecida desde a descoberta do Brasil, remontando à criação de um mito de origem nacional de comércio internacional. As divisas tradicionalmente ganhas pela exportação de açúcar são evocadas para realçar a vocação comercial mundial do estado, para, logo em seguida, enaltecer a capacidade do Complexo de contribuir para superar uma estrutura agroindustrial arcaica que não oferecia possibilidades iguais para desenvolvimento. Os emblemas da vocação que o Complexo está construindo ficam evidentes nos pareceres públicos que estampam, dentre muitas outras vantagens anunciadas: contabiliza o número de containers que já estão chegando e saindo do porto, e as consequências positivas deste comércio para a saúde das empresas que se dedicam a estas atividades; a logística de fazer com que os produtos cheguem aos seus locais de destino, às

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vezes acrescidos por um valor agregado que as indústrias instaladas n do Complexo conseguem contribuir. Neste mesmo sentido, a indústria naval, indústria petroquímica e logística são as novas bandeiras para alcançar o desenvolvimento. Mesmo que o ritmo da economia como um todo esquente diante deste movimento, as vocações em construção têm muito pouco a ver com pescadores, agricultores, trabalhadores rurais, comerciantes locais, surfistas, turistas, caseiros. São novas vocações.

Somados à contabilização de 25.000 empregos diretos já existentes, estão previstos mais 15.000. Para tanto, nesta fase de implantação, há mais de 40.000 trabalhadores atraídos à indústria de construção civil. Quase todos estes empregos são ocupados por homens, muitos recém-atraídos à região, apenas alguns provenientes dos locais em torno do Complexo. A população local interage de muitas formas com estes migrantes, outsiders cuja chegada afeta a vida dos estabelecidos, sobre os quais se costuma elaborar imagens que refletem tanto desconfiança quanto expectativas positivas.

Ao longo do ano de 2011, a chegada da população de trabalhadores foi refletida publicamente em uma reportagem jornalística que denunciava o abandono de “Os Filhos de Suape”, resultado de relações “sem maiores compromissos” entre os trabalhadores migrantes e as jovens locais. Além dessas e outras reportagens não citadas aqui, uma Audiência Pública estadual foi realizada na cidade de Cabo, e a elaboração de atividades “mitigadoras” dirigidas às adolescentes e jovens mulheres, como demandou a legislação que permitiu a assinatura de contratos de instalação das empresas empreendedoras. São indícios de resultados latentes do desenvolvimento e as suas grandes obras, porém, como têm manifestado parte da sociedade em suas denuncias, ainda são consequências ofuscadas.

3. Quatro contextos, tensões e atração entre moradores locais, trabalhadores migrantes e as jovens nos locais

O enfoque nos polos de desenvolvimento ofusca a referência às populações locais como desenvolvendo ações próprias associadas às suas experiências históricas para lidar com a chegada de migrantes para aproveitar as oportunidades de trabalho e de vida configuradas em cada local. Sem deixar de entender que sejam populações “impactadas”, este trabalho reflete sobre as práticas costumeiras e as suas transformações diante desta realidade, esperando retratar as especificidades de cada local, bem como as condições compartilhadas por todos.

A parte do Complexo realçada pela pesquisa inclui os locais habitados mais diretamente impactados. Abrange as sedes dos municípios do Cabo e de Ipojuca. Nestes municípios, circulamos para fazer entrevistas e observação com os administradores municipais e obervar o impacto da presença de novas populações nestas sedes em ocasiões diversas registrando entrevistas e observações em diários de campo.

A maior parte da pesquisa de campo se realizou em quatro locais urbanos nos distritos destes municípios (Mapa 2 - Porto de Galinhas/Maracaípe e Nossa Senhora do Ó, em Ipojuca; Ponte dos Carvalhos e Gaibu, no Cabo). Cada local tem uma historia própria, mas todos reportam a um período anterior de migração de turistas, de surfistas, de comerciantes e trabalhadores urbanos, de pescadores, de agricultores rurais e de trabalhadores de cana.

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Mapa 2 : Quatro Locais de Pesquisa em torno do Complexo Industrial-Portuário de Suape

Porto de Galinhas/Maracaípe está com mais de três décadas dedicadas a um intenso investimento na indústria turística. A população de pescadores e marisqueiros que aí residiam (e continuam) vem se transformando em parte em jangadeiros e caseiros, assalariados e prestadores de serviço a turistas que ocupam os hotéis e residências para passarem temporadas de férias, e a surfistas cuja estadia e intensidade de integração varia mais, e que se concentra principalmente no verão. Agricultores, trabalhadores rurais e outros trabalhadores migrantes vieram a Porto de Galinhas e se juntaram aos outros residentes para procurar emprego no comércio, que cresce, mas oferece trabalho bastante mal remunerado e sazonal. Essa parte da população vive em casas módicas e precárias, segregadas fisicamente a várias quadras do mar, atrás das casas, hotéis, pousadas e centro comercial, voltados para os turistas. Uma única unidade da Estratégia de Saúde da Família (ESF) opera entre as áreas de Maracaípe e Porto de Galinhas que é insuficiente para a densidade populacional dos dois lugares.

Nossa Senhora do Ó fica a mais ou menos três quilômetros do mar e dez do centro de Porto de Galinhas, numa pista nova, bastante movimentada e com ciclo via. Isto facilita o acesso dos trabalhadores a Porto de Galinhas e à praia mais próxima, que é Muro Alto, onde se concentram os resorts de turistas de maior poder aquisitivo. Nossa Senhora do Ó se origina como centro administrativo, com uma igreja e outros serviços, mas, recentemente, sobretudo como vila associada à expulsão de trabalhadores dos engenhos de açúcar e da sua vinda para trabalhar numa usina vizinha, recém-falida. Apresenta semelhantes condições de trabalho às de Maracaípe/Porto, com menor presença de pescadores e marisqueiros e maior presença de ex e atuais trabalhadores canavieiros e ex-empregados da usina que fechou em 2011( depois de um período longo de desaceleração).

Em Nossa Senhora do Ó reside muito mais gente que em Porto/Maracaípe, e como sede de distrito, dispõe da igreja católica principal, de diversas outras igrejas de variados tamanhos, colégios bons, médios, mercados e lojas e diversos serviços governamentais. O comércio é muito mais movimentado e voltado para o consumo de moradores permanentes. São duas unidades da Estratégia de Saúde da Família (ESF) que operam neste local.

Ponte dos Carvalhos é o local mais populoso e com maior quantidade de serviços urbanos entre os quatro locais, ficando entre a cidade do Cabo e o bairro de Pontezinha, como entreposto a pleno caminho de toda a Zona da Mata Sul para os municípios de Jaboatão e Recife. Cresceu mais intensivamente a partir dos anos 1950 e 1960, com o êxodo da zona canavieira da Zona da Mata Sul. Muitos se estabeleceram firmemente em serviços comerciais, de reparo de veículos e de recreação ao longo da estrada. Hoje o bairro expandiu muito, ocupando uma extensão grande em ambos os lados da estrada com múltiplas residências individuais de variadas qualidades e uma base econômica mais variada. É um dos distritos de referência do município do Cabo, e já

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possui um colégio com ensino muito qualificado e a principal maternidade de referência do município. Nesta área, operam quatro unidades da ESF.

Gaibu é um aglomerado urbano situado na estrada que leva à vila de Suape (ver Motta 1979), uma vila de antigos pescadores que fica colada à beira norte do Complexo de Suape, separado por um braço de mar. Em Gaibu-Suape residem antigos e atuais pescadores e marisqueiros, junto com surfistas, e, sobretudo, outros trabalhadores do comércio e de serviços que trabalhavam e trabalham no comércio local ou, cada vez menos, em residências de veranistas. É a área com acesso mais direto a Jaboatão e ao Recife via uma estrada litorânea com pedágio que passa por um empreendimento imobiliário de alto luxo implantado em função do desenvolvimento esperado devido ao Complexo. A unidade da ESF que opera em Gaibu está com a sua equipe reduzida e precisando de ampliação com muitas áreas de novas residências descobertas. Dos quatro locais observados é o menor tanto em quantidade demográfica quanto em geográfica, por isso, o comercio local vem aumentando em resposta à procura da população que cresceu muito nos últimos dois anos. No ano de 2010 a estrutura que dá assistência a população de Gaibu foi melhorada com a inauguração do primeiro posto de saúde para atendimentos de emergência. Foi inaugurada também um escola modelo nesse mesmo ano. Contudo, esse novos aparelhos públicos não suprem as necessidades da população que cresceu muito, assim como nos outros locais observados.

Assim, pudemos reconstruir uma multiplicidade de estratégias elaboradas pelas mulheres e pelas suas mães para escolher namorados e parceiros e para buscar residência, trabalho e educação, associadas à maneira em que adotaram viver a sua vida sexual e reprodutiva. A elaboração destas estratégias revela a sua inserção em redes sociais interpessoais e de parentesco nestes locais de residência de acordo com a interação dos residentes, antigos e recém-chegados. Isto permite uma melhor compreensão dos reais e potenciais impactos da chegada de trabalhadores e novos residentes em configurações históricas nestes cenários diferentes.

4. Vocações, migrações e as estratégias familiares de jovens mulheres

Nesta parte se selecionam dados dos questionários aplicados nos quatro locais com jovens mulheres. Cada quadro ressalta temas diferentes sempre vistos a partir das respostas das mulheres jovens. Primeiro, apresentamos as características das mulheres e a relação delas com a mobilidade da população no local. Segundo, descrevemos as experiências de escolha de parceiros em relação ao primeiro namoro, à gravidez, e ao parceiro atual. Terceiro, aprofundamos a discussão de reprodução e sexualidade. Quarto, finalmente, discutimos como as escolhas residenciais se relacionam com estratégias das próprias jovens e suas famílias de inserirem-se em redes mais amplas de apoio diante das diferentes situações de cada local. Alias, em cada parte, a comparação dos dados quantitativos, local por local, é complementada e ampliada por informações mais detalhadas da observação e entrevistas. Isso é importante para termos uma noção sobre as maneiras diferentes pelas quais as estratégias elaboradas se relacionam com as configurações históricas e populacionais de cada local e os efeitos diferenciais dos dois polos sobre elas.

4.1: Caracterização Social e Mobilidade de jovens mulheres e suas famílias nos quatro locais

O fato que muitas das jovens e seus pais são naturais de Ponte dos Carvalhos e Nossa Senhora de Ó (Quadro 1) reforça a importância dos seus padrões históricos de aglomerados de populações emigradas principalmente de engenhos ao longo de mais que meio século. Dois

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terços das jovens moram há mais de dez anos em Ponte dos Carvalhos e em Nossa Senhora do

Ó. Ponte dos Carvalhos, mesmo estando no caminho da BR que conecta a Zona da Mata Sul

ao Recife, abriga proporcionalmente mais emigrantes expulsos dos engenhos do próprio município (Cabo) de que Ó em Ipojuca, que soma mais migrantes de origens de fora do município, provavelmente em função da atração da proximidade a Porto de Galinhas.

Em comparação, os locais situados nas praias (Porto de Galinhas/Maracaípe e Gaibu) tiveram incrementos proporcionalmente muito mais pesados nas suas populações. Há diferença com relação ao período. Enquanto em Porto de Galinhas a maior acentuação é em décadas

Quando as jovens indicaram as suas expectativas de moradia daqui a cinco anos, pesaram tanto vontades quanto possibilidades, o que resultou em uma maior expectativa de futura mobilidade para os moradores de Ponte dos Carvalhos (com uma história de mais heterogeneidade e mais residentes com pretensões de ascensão social por diversos caminhos), mesmo com uma recomendação forte do local para outros como um bom lugar para viver. A maior recomendação do local para viver é dos moradores de Ó que possui maior homogeneidade interna entre habitantes e que se visualizam menos como morando distante no futuro.

recentes, onde há poucos naturais do local na geração dos pais das jovens, em Gaibu a imigração é muito mais concentrada nos últimos dez anos.

Quadro 1: Mobilidade, Cor, Educação, Religião e Trabalho das Jovens e suas Famílias nos Quatro Locais Gaibu Ponte dos Carvalhos Nossa Senhora

de Ó Porto de Galinhas e Maracaípe Nascimento no local a jovem 26,0 42,3 44,3 15,7 Mãe 24,2 31,3 38,8 9,7 Pai 23,6 34,5 46,9 11,8 Nascimento em outro município ou estado a jovem 61,0 32,7 42,0 59,8 Mãe 58,6 43,7 48,0 64,5 Pai 60,6 45,3 40,8 58,8 Moradia no local 10 anos ou menos 47,1 28,8 33,3 39,2 Moradia esperada daqui a 5 anos Mesma casa 23,1 16,3 32,4 35,3

Outra casa no bairro 43,1 58,7 60,0 42,2

Longe 23,3 26,0 14,3 28,4

Recomenda morar no

local 40,4 65,0 68,9 59,4

Cor Parda ou preta 73,1 76,0 72,6 85,1

Educação Estuda atualmente 41,3 34,6 42,5 24,5 2º grau completo 49,0 51,0 19,8 33,3 Religião protestante 31,7 47,9 45,3 38,2 católica 30,8 27,2 32,1 24,5 nenhuma 31,7 27,9 19,8 34,3 Não trabalha 72,1 79,8 71,4 66,7

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Os mais propensos a não recomendar o local como local para viver são os residentes de

Gaibu, onde a intensidade das modificações recentes é mais intensa, e isto se associa à uma

expectativa própria de mobilidade futura, mesmo que seja por perto. Um pouco mais forte que as expectativas dos residentes dos outros locais que se viam mais como ficando no local. Para quem reside em Porto de Galinhas há uma ambiguidade grande entre a criação da imagem da vocação turística do destino como muito positiva que pode ter pesado na vontade de recomendar o local para viver. Ao mesmo tempo em que as condições precárias encontradas podem ter favorecida a criação de uma expectativa de comparativamente mais residentes pretenderem residir distante.

Trabalhar em Suape não se configura como opção significativa para mulheres em nenhum dos locais pesquisados, havendo apenas 1% das mulheres que responderam o questionário reportando trabalhar no Complexo Portuária e Industrial. Enquanto um pouco mais das jovens de Porto de Galinhas conseguem encontrar trabalho (sobretudo local) que nos outros locais, há constantes reclamações de baixa remuneração e de precariedade sazonal. A baixa qualificação da população em torno de Complexo Turístico se destaca, tanto por ter poucas jovens com segundo grau completo, mais notável na Ó que em Porto de Galinhas, quanto por revelar um menor número de jovens atualmente estudando onde a situação é a inversa, pois quem quer completar o segundo grau em Porto de Galinhas, queixa da precariedade da escola local e da distancia que precisa percorrer para chegar em Ó, onde há melhores opções. Isso resulta em poucas atualmente estudando. Racialmente as jovens dos locais se classificam homogeneamente como em torno de 75% pretas ou pardas, com a exceção de Porto de Galinhas onde há uma prevalência maior de pretas e pardas.

Em nenhum dos locais a religião católica predomina, sempre apresentando menos que a terça parte das jovens. Nos dois locais de moradia mais antiga (Ponte dos Carvalhos e Ó) a penetração do evangelismo é mais marcada, sendo declarada a religião de pouco menos que a metade das jovens. Já nas duas áreas de praia Gaibu e Porto de Galinhas, a declaração de “sem religião” das jovens, vai pari passu com a declaração de adesão ao evangelismo. A multiplicidade de opções, a presença dispersa de igrejas em todo o bairro e a proximidade social dos dirigentes todos somam ao conteúdo das crenças que está atraindo a esta população.

4.2: As Escolhas de Parceiros pelas Jovens

A vivência da sexualidade, e a escolha de parceiros visando uma futura conjugalidade ou não, caracteriza muita da experiência da vida cotidiana de jovens entre 16 e 24 anos de idade. Examinamos sucessivamente as experiências no primeiro namoro, com o parceiro atual e com a primeira gravidez.

O primeiro namoro começa antes de 14 anos para mais que a metade das meninas, mas os seus parceiros não costumam ter a mesma idade. As que aguardaram mais tempo para namorar são as jovens de Ponte dos Carvalhos, onde há mais evangélicos, enquanto entre as residentes de Porto de Galinhas o namorar começou mais cedo. Em nenhum lugar costumam procurar namorados da mesma faixa etária, sendo que em Ponte dos Carvalhos e na Ó a busca de parceiros mais velhos é mais acentuado que nos outros locais. Também os parceiros são mais residentes do próprio local. Em Gaibu e em Porto de Galinhas a busca de parceiros de fora do local é muito mais intensa que nos outros dois locais.

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Quadro 2: Escolhas de parceiros – o primeiro namoro Gaibu Ponte dos

Carvalhos Nossa Senhora de Ó Porto de Galinhas e Maracaípe 1º Namoro < 14 anos 61,0 44,3 51,0 54,3 Sobre o 1º namorado De outro município ou estado 44,1 14,4 26,2 44,8 Conheceu na escola 20,0 25,8 16,7 20,0 Na vizinhança 37,0 25,8 31,4 41,0 Na igreja 3,0 14,4 4,9 4,2 Em bar ou festa 8,0 11,3 19,6 16,8

Ele tinha < 14 anos 16,3 8,5 7,8 9,9

Durou < 1 ano 39,4 41,2 40,6 44,2

Ainda com ele 18,6 21,6 21,4 18,1

Morou(a) com ele 41,7 49,0 50,0 46,2

Com relações sexuais 47,1 49,5 55,3 66,3

Usou prevenção 1ª vez 81,3 63,3 80,4 61,9

1ª preocupação gravidez 39,5 46,9 40,0 26,9

Engravidou dele 33,3 40,8 46,4 50,8

Fonte: Questionário da Pesquisa Três Polos de Desenvolvimento, FAGES, UFPE.

A vizinhança é mais importante que a escola como local para conhecer o primeiro namorado, embora em Ponte dos Carvalhos a escola e a igreja são ainda mais importantes espaços institucionais para identificar com quem se queira namorar. Ainda no que se trata de conhecer os primeiros namorados, os ambientes de festa ou de bar, embora não predominantes, são identificados mais pelas que residem próximo ao Complexo Turístico de Porto de Galinhas.

Quase na metade das vezes o primeiro namoro resulta em moradia compartilhada, especialmente quando o parceiro é mais velho. O primeiro namoro dura mais que um ano para a maioria, mas para 41,3% das jovens esta relação não dura mais que um ano. Uma em cada cinco das jovens continuava com o primeiro namorado na época da pesquisa. Se quase a metade das jovens em Cabo (Ponte dos Carvalhos e Gaibu) tiveram relações sexuais com o primeiro namorado, em Ipojuca, no entorno de Complexo Turístico, foi mais frequente as jovens costumarem incluir relações sexuais no seu primeiro namoro.

Com relação à proteção na primeira relação sexual, foi usada mais pelas jovens de Gaibu e de Nossa Sra. de Ó, que tomaram precauções em 80% dos casos. Em Porto se usou menos proteção (61,9%) e ao usar se preocupou muito mais com doenças que com gravidez. E foram justamente estas jovens que mais frequentemente ficaram grávidas do primeiro namorado (50,3%). 7

7 Excluindo as que reportaram não ter relações sexuais com os seus primeiros namorados.

Pode ter havido mais confiança nas relações sexuais com os primeiros namorados em Ponte dos Carvalhos, pois além de boa parte não usar proteção na primeira relação, as que a usaram, estavam mais preocupadas com gravidez, e não doenças, de que as jovens em outros locais.

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Quadro 3: Escolha de parceiros - parceiro atual Gaibu Ponte dos

Carvalhos Nossa Senhora de Ó Porto de Galinhas e Maracaípe situação conjugal Declara-se solteira 61,5 54,8 52,8 51,0

Está com parceiro 41,7 49,5 52,4 51,0

Sobre o parceiro atual

Parceiro < 25 anos 61,1 56,3 53,2 54,3 É do local 44,2 77,5 75,3 58,3 de outro munic./est. 45,5 17,6 18,5 25,0 Conheceu na escola 11,8 8,8 11,1 8,5 Na vizinhança 28,9 22,5 27,2 49,3 Na Igreja 7,9 17,5 4,9 5,6 Em Bar ou festa 15,8 26,3 23,5 14,1

Ele não trabalha 21,1 22,5 24,4 9,9

Trabalha no local 10,5 28,8 17,9 21,1

Trabalha em Suape 40,8 22,5 26,9 12,7

Trabalha em Porto 3,9 1,3 21,8 47,9

Fonte: Questionário da Pesquisa Três Polos de Desenvolvimento, FAGES, UFPE.

Declarar-se solteira não implica em atestar um estado civil diante da lei, e sim sugerir uma percepção sobre a potencial duração do relacionamento atual. Isto ocorre em todos os locais, o declarar-se solteira é mais frequente nos dois locais no município do Cabo de que para as jovens de Nossa Senhora de Ó e de Porto de Galinhas. Atualmente, é em Gaibu que há a maior proporção dos parceiros atuais mais velhos que as jovens. Em função da migração massiva recente de trabalhadores em Suape, a origem destes parceiros é bem mais acentuadamente de fora do local de que nos outros três lugares pesquisados. Em Ó e em Ponte dos Carvalhos os parceiros são muito predominantemente locais e, sem desprezar a importância da escola e da vizinhança, as jovens mudaram os espaços de sociabilidade para encontrar estes parceiros, recorrendo mais frequentemente a bares e festas em ambos os locais, e a igrejas em Ponte dos Carvalhos.

Para estes parceiros, mais uma vez, encontrar trabalho é mais fácil em Porto, mas, igual ao que é com as jovens, é um trabalho mal remunerado, precário e sazonal. Como a pesquisa foi feita no mês de janeiro havia muita influência da alta estação de turismo na declaração de estar trabalhando. Suape revela ser em crescente polo empregador, não somente em Gaibu, mas também em Ponte dos Carvalhos e em Nossa Senhora de Ó. Entre todos os locais, Gaibu oferece menores oportunidades locais para trabalhar. As cifras são uma combinação dos resultados do influxo de populações de trabalhadores de longe (genericamente chamados de Baianos) e do aproveitamento de oportunidades pelos homens das populações locais. Uma entrevistada de Ponte dos Carvalhos, com base na experiência da sua família, generalizou para dizer que muita gente do local que sabia soldar por estar trabalhando em oficinas locais foi absorvida para trabalhar no estaleiro e nas construções. Ela frisou que isto deixou as antigas vagas no local abertas para outras pessoas menos experientes encontrar trabalho no mesmo bairro. Vale relembrar que nem todo homem é migrante, e que os homens do local são mais conhecidos que os homens de fora.

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4.3. A Experiência da Gravidez

Mais que a metade das jovens entre 16 e 24 anos já engravidou, porém há uma diferença entre os dois polos de desenvolvimento. As que residem mais próximo ao Complexo Turístico e cujas origens reportam mais ao trabalho rural são mais propensas a engravidarem cedo (15 anos ou menos) que as que moram nos locais no município de Cabo. Também continuam com proporções mais altas de jovens que tenham engravidado até 18 anos de idade. Comparativamente, realçando o caso de Ponte dos Carvalhos, a idade do pai do primeiro filho difere do que ocorria com os primeiros namoros, pois as mesmas jovens, cujos primeiros namorados eram mais velhos que elas, declaram que o pai do primeiro filho era bem mais próximo à idade delas.

Uma das observações frequentes de pesquisadores sobre a vida reprodutiva e sexual das jovens é de que elas estão seguindo um padrão estabelecido pela própria mãe (ver revisão de literatura em Heilborn 2006). De fato, em Ponte dos Carvalhos e em Gaibu, tanto pelas gravidezes com idade inferior a 16 anos, quanto pelas gravidezes com idade inferior a 19 anos, as avós (nome que adotamos para referir as mães das jovens) tendiam a ter filhos em idade mais nova que as suas filhas, enquanto em Nossa Senhora de Ó a idade é equivalente, apenas havendo na situação de Porto de Galinhas uma idade menor para a geração mais nova de mães. Mais de que as outras jovens mães, as jovens mães de Porto se expuseram mais cedo à probabilidade de engravidar e à probabilidade de adoecer em função da sua vida sexual.

Mais de que qualquer outra parenta, amiga ou parceiro, as jovens mães de todos os locais contaram com as suas próprias mães (as avós dos seus filhos) na hora do acompanhamento nas suas consultas pré-natais. Quando não era a mãe, normalmente não era ninguém. Isto ocorreu notadamente em Porto de Galinhas, o local mais distante dos serviços de maternidade, onde mais jovens mães se consultaram desacompanhadas de que acompanhadas pela mãe!

Depois do acompanhamento pela mãe ou por ninguém, alguns outros acompanhantes, mesmo com menor participação, chamam atenção. Mais de que em outros lugares, em Gaibu as jovens mães foram acompanhadas pelos seus parceiros nas suas consultas, mais não reportam terem sido acompanhadas pelas sogras. Gaibu é o lugar com muito menos afastamento dos parceiros na hora da gravidez, fato que exigirá mais discussão adiante.

O parto, que exige uma agilidade na relação entre o atendimento técnico da maternidade e o relacional parental da família, mobilizou mais mães para acompanharem as suas filhas. Raramente as jovens mães foram desacompanhadas para parir. Chama atenção mais uma vez a maior importância dos parceiros para as jovens mães de Gaibu, mas também na ocasião do parto as sogras entraram em cena. Porto de Galinhas e Nossa Senhora de Ó, que se localizam mais distante das maternidades, revelam menor envolvimento das suas redes de apoio tanto para consultas quanto para o parto.

A gravidez e o parto são horas que confirmam a precariedade das condições do atendimento à, saúde das jovens mães no entorno dos dois complexos de desenvolvimento. Entre a terça parte e a metade das jovens entre 16 e 24 anos que foram mães já tiveram mais que duas gravidezes. Mas que a terça parte dos partos foram cesarianos, e 15% das jovens mães passaram por abortos em alguma ocasião. E a quarta parte referiu a complicações de saúde durante a gravidez, prevalecendo hipertensão e anemia. Menos tiveram problemas na hora do parto, com eclampsia ou risco dela sendo o problema mais citado.

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Quadro 4: A Primeira Gravidez, Maternidade, Saúde e Cuidados Gaibu Ponte dos

Carvalhos Nossa Senhora de Ó Porto de Galinhas e Maracaípe Idade 1ª gravidez da mãe < 16 anos 22,2 25,3 30,3 28,6 < 19 anos 54,4 51,8 61,8 55,7 Idade da jovem na 1ª relação sexual <13 anos 2,4 2,7 5,8 9,6 <14 anos 15,3 12,0 18,6 20,5 <16 anos 45,9 37,3 48,8 61,4 Idade da jovem na 1ª gravidez Nunca engravidou 53,3 52,4 44,3 39,2 engravidou < 16 anos 16,7 20,4 30,5 33,9 engravidou < 19 anos 60,4 65,3 74,6 79,0

Idade- Pai do seu filho

<21 anos 50,0 46,2 50,0 51,9

Experiência de gravidez

Mais que 1 vez 37,0 32,6 45,6 46,8

Perdeu algum filho 19,6 10,4 17,9 15,0

Com problema de saúde 25,0 26,5 28,8 23,3 Complicação do parto 5,3 13,8 14,0 16,7 Parto cesariano 31,6 30,8 44,0 37,7 Quem acompanhou nas consultas pré-natais Ninguém 31,3 24,5 35,6 46,6 Mãe 33,3 44,9 40,7 36,2 Parceiro 16,7 8,2 3,4 6,9 Sogra - 8,2 3,4 5,2

Quem ajudou cuidar do bebê Mãe 64,9 56,4 58,3 68,5 Sogra 8,1 17,9 6,3 11,1 Quem se afastou durante a gravidez Pai 8,3 20,4 21,1 20,7 Ninguém 66,7 73,4 57,9 50,0

Fonte: Questionário da Pesquisa Três Polos de Desenvolvimento, FAGES, UFPE.

*Porcentagens da primeira gravidez referem às que engravidaram, excluem quem nunca engravidou

A gravidez foi vivida como um tempo de reclusão de afastamento de estudos, de idas à igreja, de trabalho e de lazer para muitas jovens mães. Retomar os estudos ou voltar para as igrejas ainda não tinha acontecido em grande medida para as jovens mães. Já a volta ao trabalho ,bem como a voltar a frequentar bares e festas aconteceu , contudo não atingiram os níveis prévios à gravidez..

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Diferente que na hora do parto, o cuidado pós-parto exige mais apoio doméstico que técnico compartilhando solidariedades, afinidades, carinhos e trabalho. É neste período que se percebe a intensificação do acionamento de estratégias de cooperação e de co-residência que movimentam parentes do lado materno e paterno. Focaremos mais nesta articulação na próxima parte.

4.4: Estratégias Residenciais e o Acionamento das Redes de Relacionamento

A tradição de estudos antropológicos sobre regras de residência (MURDOCK, 1965; GOODENOUGH, 1968) busca coerência estrutural nas práticas de mobilidade residencial pós-casamento dos povos pesquisados, com base num modelo cíclico (FORTES, 1958) de desenvolvimento de grupos domésticos entre povos que ordenam as suas práticas em grupos de parentesco diferenciados com bastante nitidez. Ao transpor estas ideias para a compreensão de sociedades globalizadas em constante transformação e com alta mobilidade, muitos autores (CARSTEN, 2000; FONSECA, 2006, 2007; PERALVA, 2008; PARELLA, 2003; SCOTT et. al. 2009) percebem muito maior agência de sujeitos para elaborar estratégias cuja referência reporta à formação de redes de sociabilidade e de segurança material e simbólica em redes que permitem uma flexibilização das regras. Patrilocalidade e matrilocalidade viraram mais descritoras de rearranjos do que reificações de regras e normas.

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Quadro 5: Decisões Residenciais das Jovens Mães nos Quatro Locais Gaibu Ponte dos

Carvalhos Nossa Senhora de Ó Porto de Galinhas e Maracaípe

Reside com pais 35,6 37,5 34,0 27,5

Mãe mora no bairro 75,7 82,7 78,3 63,7

Pai mora no bairro 40,2 57,4 61,0 45,8

Pai mora em outro município ou estado

34,3 19,8 21,0 32,3

Pais moram juntos 29,7 47,1 39,4 33,3

Não mora com irmãos 52,0 45,2 57,7 57,8

Residência relacionada com gravidez

Com pais antes 68,9 77,6 67,8 60,7

Com pais durante 41,7 53,1 48,3 52,5

Com pais depois 36,8 46,2 38,8 47,3

Com sogros antes 4,1 10,2 12,1 9,8

Com sogros durante 20,8 14,3 15,3 11,9

Com sogros depois 15,8 12,8 10,2 12,7

Com pai do bebê antes 60,4 44,9 61,0 55,0

Com pai do bebê durante 83,3 69,4 79,9 56,7

Com pai do bebê depois 81,6 71,8 73,5 59,3

Se recomenda o local para morar

sim 40,4 65,0 68,9 59,4

Não 28,8 16,5 23,6 20,8

Fonte: Questionário da Pesquisa Três Polos de Desenvolvimento, FAGES, UFPE.

Quando Murdock (1949) quantificou, e Goodenough (1968) ressimbolizou as exceções estatísticas para confirmar as regras cognitivas, as suas buscas foram de normatização e da formulação de uma compreensão da montagem de alianças entre grupos de parentesco do lado dos noivos e das noivas. O que acompanhamos nesta pesquisa não deixa de ser uma continuação destes questionamentos, acrescida por um reconhecimento da elaboração de estratégias que buscam favorecer os sujeitos diante de intensas modificações e imprevisibilidades que caracterizam a vida conjugal como permeada por riscos e incertezas (GIDDENS, 1993; BECK, 2004; BAUMAN, 2004). Diante disso, uma gravidez desencadeia a intensificação das relações sociais em redes de pessoas aparentadas e amigas que possam auxiliar casais e indivíduos a lidar com as novas exigências da sua vida.

O gráfico 1 refere aos 52,2% das mulheres jovens pesquisadas nos quatro locais que já engravidaram. A acolhida da própria família de origem destas jovens grávidas é muito significativa. A reação imediata mais frequente é de decepção da avó com a gravidez, com a alusão à opção de expulsão de casa, que ocorrendo ou não, sublinha a importância da família da jovem mãe na continuação de cuidados, antes estendidas a ela como filha, e agora a ela e ao neto (e às vezes ao parceiro dela). Expulsar de casa é uma ação que se assemelha à fuga tradicional

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(Woortman e Woortmann 1993; Scott 2007; Longhi 2007), no sentido que tal fato provoca uma ação do parceiro e da rede familiar dele para abrigar a esposa, nora e neto.

Gráfico 1: Acolhimento Residencial das Jovens Mães Antes, Durante e Depois da Gravidez

Fonte: Dados da Pesquisa Três Polos de Desenvolvimento, FAGES, UFPE.

No meio de uma prática predominante de acolhimento matrilocal e matrilateral, ela amplia a demanda de participação do lado masculino na responsabilidade paternal. Poderia ser vista como uma aparente autonomização da jovem mãe provocada pela família, que, como o tempo costuma levar à reaproximação da jovem mãe e sua família (o que não implica necessariamente em nova co-residência), tem o efeito de ampliar as redes de apoio de parentes às quais ela pode recorrer. Por essa razão, a diminuição na proporção de jovens mães que residem “com os pais” (de 68,2% antes, para 49,1% no decorrer da gravidez, e especialmente para 42,5% depois dela), é mais uma evidência de uma estratégia de ampliação de redes de apoio do que uma evidência de retirada do acolhimento dos pais.

A casa dos sogros não costuma dispor de boa reputação para o estabelecimento de relações amenas entre nora e sogra, mas oferecer a residência para abrigar a mãe do neto dela pode ser uma ação muito bem-vinda para todos. Muitas mães jovens informam da solidariedade das suas sogras no apoio à gravidez e o cuidado dos filhos. Os dados revelam que apenas 9,2% das jovens mães residiam com as suas sogras antes de engravidar e que durante a gravidez este arranjo residencial foi mais recorrente (15,1%) que depois dela (12,7%). Viver com a família do parceiro, além de intensificar a interação no tempo de maior necessidade, sendo para suprir as aparentes faltas ou responder aos apelos a cooperação do lado materno do casal, também contribui para uma autonomização do casal, que depois de passar pela gravidez geralmente sabe que pode contar tanto com os pais dela, quanto dele.

Engravidar não é a razão principal das jovens formarem casais, pois 55,6 % delas residiam com os seus parceiros antes de engravidar, sendo numa casa independente na casa dos pais dele ou dela. Mas engravidar contribui em grande parte para a aproximação dos casais, que totalizam 71,8% residindo juntos durante a gravidez, porcentagem que é apenas um pouco mais baixa depois do parto (70,6%). Então, o mais comum é receber acolhimento do parceiro e, às vezes, da família dele. Lidos por outra perspectiva, estes dados informam que quase 30% das

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mães jovens não conseguem ou não querem contar com a co-residência do pai do seu filho, o que exige mais complexos rearranjos domésticos. Com os outros 70% que não reportam este distanciamento, se organizam estratégias de envolvimento.

5. Pólos, Redes, Comprometimento Parental e Jovens Mães

A articulação das estratégias familiares com os polos de desenvolvimento passa pelas histórias de cada local e mistura práticas e características sociais relacionadas com famílias de origem e mobilidade, práticas de namoro e de sexualidade, experiências de gravidez e escolhas residenciais. São articulações imperfeitas e múltiplas que não favorecem generalizações, mas voltar a falar da relação entre os locais e os polos de desenvolvimento.Neste sentido, o comprometimento parental masculina ajuda a elucidar a agência das jovens mães e a dimensão dos desafios postos pela criação de vocações que tanto afetam a vida cotidiana dos residentes nos polos.

Concluímos este trabalho ressaltando como as estratégias de jovens mães e suas famílias rebatem no comprometimento parental dos homens nos seus arranjos familiares.

Primeiro, há que ressaltar que, para as jovens, conviver com homens como parceiros, desde o primeiro namoro, independente de ter filho ou não, foi uma ação de quase a metade das mulheres, tendo sido ligeiramente mais comum nos aglomerados urbanos mais estabelecidos (Ó e Ponte). Mas este arranjo tem serias limitações no decorrer do tempo, pois somente 20% ainda estavam com este parceiro na hora de responder, e estas eram, sobretudo, as mais jovens! Os arranjos residenciais das moradoras de Porto de Galinhas/Maracaipe, como destino para trabalhadores expulsos de canaviais junto com outros que a população se compõe com pessoas que pretendem aproveitar as oportunidades, muito precárias, de trabalho em serviços relacionados à industria de turismo. A ideologia da vocação tão “familiar” reforçada pela Associação de Hoteleiros para promover o turismo é uma ideologia para turistas, e não para as famílias trabalhadoras do local. Não parece ter muito a ver com a vida cotidiana nos locais pesquisados. A população extremamente móvel e com menos oportunidades de estudo inclui mulheres jovens de Porto/Maracaípe que, morando relativamente distanciados dos seus pais e das suas mães, iniciam as suas experiências de namoro e as práticas sexuais com uma idade mais nova. Experimentam uma desarticulação de redes de apoio na hora de escolher parceiros e de buscar apoio para as suas experiências de gravidez e de maternidade. Os homens “de fora” que povoam as suas vidas se misturam entre outros residentes locais que migraram para procurar emprego em turismo, e, em menor escala e muito mais recentemente, para trabalhar em Suape, estes demonstrando pouco impacto ainda na sua vida cotidiana.

Segundo, engravidar, que ocorreu com mais que a metade das jovens, nem sempre redunda em compartilhar uma residência com os pais dos seus filhos, pois 30% das jovens disse que não morou com os parceiros-pais dos seus filhos, boa parte deles tendo se afastado durante a própria gravidez. Muito diferente do que se alardeia diante da chegada de tantos homens para trabalhar em Suape, o não comprometimento dos homens com a gravidez das suas parceiras segue um padrão generalizado independente do polo de desenvolvimento. O local onde mais se reporta uma participação dos parceiros em atividades relacionadas ao acompanhamento da gravidez, aos cuidados do bebê, e à co-residência é justamente em Gaibu. Ainda precisa-se ver quanto deste comprometimento ocorre com parceiros migrantes, e quanto seria um comprometimento de parceiros de origens locais diante do influxo de novos migrantes, mas não deixa de ser uma observação importante que os homens nesta condição de intensa modificação decorrente da migração, efetivamente dão relativamente mais apoio às suas parceiras de que os

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homens em outras situações! Talvez o que está em jogo quando se trata da alta publicidade do problema de abandono seja, como foi noticiado numa reportagem de grande repercussão sobre “Os Filhos de Suape” no Diário de Pernambuco, é a dramaticidade da distância e do relativo desconhecimento dos vínculos familiares e de parentesco dos trabalhadores migrantes, junto com o atiçamento do uso de espaços de lazer para beber e para buscar relações sexuais descomprometidas com as jovens que frequentam estes ambientes.

Terceiro, a gravidez provoca, simultaneamente, uma intensificação do apoio da família de origem das jovens, e o acionamento de estratégias articuladas entre mães e avós, de montar arranjos residenciais que possam favorecer o comprometimento parental dos pais dos filhos, que são também os genros das avós. Quando a família da jovem provoca a saída de casa da filha que engravidou exige a tomada de decisões de parceiros, como também das suas famílias (especialmente as sogras das jovens!). A maioria dos jovens dos quatro locais vive a gravidez como uma hora de aproximação residencial numa de três formas: primeiro, forma uma residência independente com os seus parceiros (67% das que estão com os seus parceiros residem nesta condição); segundo, como uma hora de trazer o parceiro para conviver na residência dos pais da jovem (14,8%); e terceiro, para ela se deslocar para residir com a família do seu parceiro, com os sogros ou a sogra (8,1%). Mais uma vez Gaibu, com o maior influxo proporcional de trabalhadores migrantes, apresenta um dado surpreendente, oferecendo residência nas casas das suas famílias. Ainda não é possível identificar se isto se deve a uma prática de deslocamento posterior das mães de migrantes para ajudar a cuidar dos seus filhos (o que a observação in loco sugere ser menos provável), ou se faz parte de uma solução de residentes locais ao crescente problema de déficits habitacionais (mais provável). Independente disso, o que chama atenção é que as estratégias familiares das jovens mães, em situações de intensa migração transitória como ocorre no período da construção do Complexo Portuario-Industrial de Suape, conseguem articular estratégias de comprometimento parental masculino que são tão, ou mesmo mais, eficientes que as estratégias das jovens que convivem com a maior precariedade econômica e social da inserção de trabalhadores no Complexo Turístico de Porto de Galinhas.

Referências citadas

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Referências

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