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TODA FORMA DE AMOR:UM ESTUDO SOBRE REPRESENTAÇÃO EM MARIO BENEDETTI

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Academic year: 2021

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(1)1. UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÂO MESTRADO EM LINGUAGEM, IDENTIDADE E SUBJETIVIDADE. LUCAN FERNANDES MORENO. TODA FORMA DE AMOR: UM ESTUDO SOBRE REPRESENTAÇÃO EM MARIO BENEDETTI. PONTA GROSSA 2013.

(2) 2. LUCAN FERNANDES MORENO. TODA FORMA DE AMOR: UM ESTUDO SOBRE REPRESENTAÇÃO EM MARIO BENEDETTI. Dissertação apresentada para o Programa de Pós-Graduação em Linguagem, Identidade e Subjetividade como um dos requisitos para obtenção do título de mestre na Universidade Estadual de Ponta Grossa, Área de Estudos da Linguagem. Orientadora: Profa. Dra. Marly Catarina Soares. PONTA GROSSA 2013.

(3) Ficha Catalográfica Elaborada pelo Setor de Tratamento da Informação BICEN/UEPG. M843. Moreno, Lucan Fernandes Toda forma de amor: um estudo sobre representação em Mario Benedetti/ Lucan Fernandes Moreno. Ponta Grossa, 2013. 100f. Dissertação (Mestrado em Linguagem, Identidade e Subjetividade - Área de Concentração: Linguagem, Identidade e Subjetividade), Universidade Estadual de Ponta Grossa. Orientadora: Profª Drª Marly Catarina Soare. 1.Amor. 2.Representação. 3.Literatura e Sociedade. 4.Mario Benedetti. I.Soare, Marly Catarina. II. Universidade Estadual de Ponta Grossa. Mestrado em Linguagem, Identidade e Subjetividade. III. T. CDD: 801.

(4) 3. LUCAN FERNANDES MORENO. TODA FORMA DE AMOR: UM ESTUDO SOBRE REPRESENTAÇÃO EM MARIO BENEDETTI. Dissertação apresentada como um dos requisitos para obtenção do título de mestre em Linguagem, Identidade e Subjetividade na Universidade Estadual de Ponta Grossa, Área de Estudos da Linguagem.. Ponta Grossa, 23 de setembro de 2013. Marly Catarina Soares Doutora em Teoria e História Literária Universidade Estadual de Ponta Grossa. Miguel Sanches Neto Doutor em Letras Universidade Estadual de Ponta Grossa. Pablo Rocca Doutor em Letras Universidad de la República.

(5) 4. Mãe, venha ver... está pronto! – ou quase. (À Vera Lúcia Moreno).

(6) 5. AGRADECIMENTOS A Deus e ÀDeusa, por meu corpo e minha mente sãos para que eu pudesse pensar e escrever. À professora Marly Catarina Soares, minha orientadora, pelo carinho, confiança, paciência, bom humor e respeito dedicados a mim e à minha pesquisa. Muito obrigado, professora, sem a senhora esse momento não aconteceria! Ao professor Miguel Sanches Neto, por ler e apontar falhas e possibilidades nos meus escritos e por contribuir para que meu trabalho fosse melhor. Obrigado, professor! Al profesor Pablo Rocca, por aceptar de tan lejos contribuir con mi trabajo, por apuntar fallas y presentar caminos para que el trabajo resultase mejor. ¡MuchasGracias! À minha mãe, Vera, por escutar o conteúdo dessa pesquisa diversas vezes, por trazer as folhas que falavam de amor e de mulher no mundo atual, por levar o trabalho à casa da professora, por estar do meu lado todos os dias da minha vida e por perguntar todos os dias: ―a quantas anda a dissertação?‖ Com amor, obrigado! Aos meus sobrinhos Isaac e Lawínia, por tantas vezes me salvarem do mundo solicitando minha presença e minha companhia,ao me chamarem para brincar, vocês me chamavam para o amor! À minha cunhada e amiga Marina, pelas longas conversas que tivemos sobre tudo, menos sobre o mestrado! Ao companheiro fielThiago, por sua incansável tentativa de me deixar sempre bem e não desanimar quando isso não era possível, pela compreensão sobre as ausências e o valor dado às presenças, obrigado! Às minhas amigas de alma e coração: Fernanda (que de longe torce por mim, como tem torcido desde o começo disso tudo), Valeska (que não me deixou desistir, certa vez), Ioná (por me lembrar de que é preciso olhar para dentro de si de vez em quando) eAna Carla (por compartilhar angústias, vitórias e promessas de que tudo daria certo) obrigado, por essa forma de amor tão gratuita e verdadeira que é a amizade! À minha companheira de mestrado, parceira e amiga Larissa, pela ajuda, pelo incentivo, pelos textos, pelas caronas, pela amizade e acima de tudo, por não me deixar sozinho em nenhum momento, desde antes disso tudo começar..

(7) 6. “…beben discuten callan argumentan valoran pero cuando al final del día se recogen saben que la poesía llegará / si es que llega siempre que estén a solas con su cuerpo y su alma.” Mario Benedetti ―...bebem discutem calam argumentam valoram mas quando ao final do dia se recolhem sabem que a poesia chegará/ se é que chega sempre que estejam a sós com seu corpo e sua alma.” Mario Benedetti.

(8) 7. RESUMO O tema amor perpassa de uma maneira ou outra a vida de todos os sujeitos inseridos nas sociedades complexas, desde os tempos mais remotos da história da humanidade; isso nos é possível conhecer, em grande parte, pela literatura, uma vez que esta forma de arte é capaz de representar a cultura de uma sociedade (CÂNDIDO; FACINA, 2004). Segundo Octávio Paz (1993), não há sociedade que não possua representações artísticas literárias de relações amorosas interpessoais. Neste sentido, encontramos na literatura um viés bastante rico e dinâmico para o estudo dos conceitos de amor; ao mesmo tempo em que buscamos respostas para nossas indagações acerca do sentimento, podemos ampliar as possibilidades de interpretação e entendimento de um texto literário. Neste processo, deparamo-nos com a literatura do uruguaio contemporâneo Mario Benedetti, em cuja obra discutiremosos conceitos de amor, sexo (pelo recorte do erotismo) e (in)fidelidade, partindo do pressuposto de que em sua literatura, o uruguaio não reproduz, simplesmente, modelos prontos e engessados dos conceitos, mas que esboça uma concepção própria do que sejam. Este autor e não outro, porque sua obra é diversificada, composta de variados gêneros literários, porque é escritor contemporâneo e, acima de tudo, porque é um escritor cuja escrita permite um diálogo amplo e sincero, uma vez que Benedetti deixa inúmeras lacunas em seus textos, privilegiando a subjetividade de seus personagens na medida que os faz pensar e refletir sobre si mesmos, sobre o outro e o mundo e permite o acesso do leitor a essa subjetividade de maneira direta, pois a primeira pessoa é predominante em sua obra.Para este estudo, selecionamos os romancesQuién de nosotros e La tregua além de contos dos livrosDespistes y Franquezas, El Césped y Otros Relatos, Montevideanos, La muerte y otrassorpresas e Esta mañana, e de poemas deAntología Poética que serão analisados à luz da teoria de filósofos, sociólogos e estudiosos da literatura que discutem, de alguma forma, a matéria amor e seus pressupostos, dentre os quais podemos destacar Octávio Paz e a distinção entre amor e erotismo, Platão e seus estudos sobre a natureza de Eros além de Giddens e Bauman sobre o passado e o presente do sentimento. PALAVRAS-CHAVE: Amor; Representação; Literatura e Sociedade; Mario Benedetti.

(9) 8. RESUMEN El tema amor recorre de una manera u otra la vida de todos los sujetos inseridos en sociedades complejas, desde los tiempos más remotos de la historia de la humanidad; eso nos es posible conocer, en gran parte, por la literatura, una vez que esta forma de arte es capaz de representar la cultura de una sociedad (CÂNDIDO; FACINA, 2004.). Según Octávio Paz (1993), no hay sociedad que no posea representaciones artísticas literarias de relaciones amorosas interpersonales. En este sentido, encontramos en la literatura una vía bastante rica y dinámica para el estudio de los conceptos de amor, al paso que buscamos respuestas para nuestras indagaciones acerca del sentimiento, podemos ampliar las posibilidades de interpretación y entendimiento de un texto literario. En este proceso, nos deparamos con la literatura del uruguayo y contemporáneo Mario Benedetti, en cuya obra discutiremos, por lo tanto, los conceptos de amor, sexo (por el recorte del erotismo) e (in)fidelidad, partiendo del presupuesto de que en su literatura, el uruguayo no reproduce, simplemente, modelos listos y engestados de tales conceptos, pero que esboza una concepción propia de que sean tales elementos. Este autor y no otro, porque su obra es diversificada, compuesta de variados géneros literarios, porque es escritor contemporáneo y, sobretodo, porque es un escritor cuya escrita permite un diálogo amplio y sincero, una vez que Benedetti deja huecos en sus textos, privilegiando la subjetividad de sus personajes, eso porque los hace pensar y reflejar sobre si mismos, sobre el otro y el mundo, y permite el acceso del lector a esa subjetividad de manera directa, pues la primera persona discursiva es predominante en su obra. Para este estudio, seleccionamos las novelasQuién de Nosotros? yLa Tregua, además de los cuentos de los libros Despistes y Franquezas, El Césped y Otros Relatos, Montevideanos, La muerte y otras sorpresas y Esta mañana, y de poemas de Antología Poética que serán analizados bajo la luz de la teoría de filósofos, sociólogos y estudiosos de literatura que discuten, de alguna manera, el tema amor y sus presupuestos, entre los cuales podemos destacar Octávio Paz y la distinción que él hace entre amor y erotismo, Platón y sus estudios sobre la naturaleza de Eros, además de Giddens y Bauman sobre el pasado y el presente del sentimiento. PALABRAS-CLAVE: Amor, Representación, Literatura y Sociedad, Mario Benedetti.

(10) 9. SUMÁRIO. INTRODUÇÃO Pra não dizer que não falei do amor ......…………………………………………………. 10 CAPÍTULO I MARIO BENEDETTI, SUA ESCRITA E A SOCIEDADE ............................................. 17 1.1 Sobre o autor uruguaio ................................................................................................... 17 1.2 Mário e a palavra ............................................................................................................ 29 1.3 A literatura como representação da sociedade ............................................................ 39. CAPÍTULO II AMOR, AMOR................................................................................................................... 48 2.1 As íntimas relações entre Amor e Literatura ............................................................... 59 2.1.1 Mário Benedetti e o Amor ........................................................................................... 60 2.2 O Amor e o erotismo ....................................................................................................... 62 2.2.1 O corpo e o desejo de maus amantes .......................................................................... 67 2.2.2 Corpo e alma e o desejo de bons amantes .................................................................. 70 CAPÍTULO III O SEXO, O AMOR E A (IN)FIDELIDADE ...................................................................... 75 3.1 TriánguloIsóceles e a fidelidade do infiel ..................................................................... 79 3.2 Los posilos – Laspossibilidades ................................................................................... 81 3.3 ¿Quién de nosotrospuede amar más de uno? ……………………………………….. 85 3.3.1 O triângulo ou Por que não Miguel? ………………………………………………..86 CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 91 REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 96.

(11) 10. INTRODUÇÃO “Todo lo que eshechoen favor del amor me parece fantástico.” Mario Benedetti.. Pra não dizer que não falei do amor Esta dissertação nasceu das inquietações de uma aula de Literatura Hispanoamericana do quarto ano de minha graduação em Letras; cujo tema era a literatura de Mário Benedetti. Até então nunca um texto literário havia me tocado tão significativamente como o conto Los Pocillos (BENEDETTI, 2000a) do uruguaio. A princípio, o que me chamou atenção no texto fora o final... tão surpreendente e ―inacabado‖. Foi a primeira vez que experimentei, depois de tanto ler e ouvir a respeito, um autor conversando comigo, dizendo ―Vamos... é sua vez de falar‖. E de fato eu falei! Lembro-me que respondi à pergunta da professora, ainda anestesiado com o conto. ―A cegueira é metafórica‖ eu disse - ―tudo isso é metafórico‖ - acrescentei. O ―tudo isso‖ ao qual me referia era o amor. Mas como era possível? Questionei-me. A resposta era simples: pela linguagem. Mario Benedetti falou de amor em Los Pocillos de uma maneira tão comum e tão complexa ao mesmo tempo, que me fez querer lê-lo em outras obras e descobrir o que mais ele poderia falar sobre o assunto. Para minha alegria, encontrei muito. Encontrei também a possibilidade de repensaresse sentimento, talvez o mais aclamado pela humanidade. ―Tengo miedo de verte necesidad de verte esperanza de verte desazones de verte tengo ganas de hallarte preocupación de hallarte certidumbre de hallarte pobres dudas de hallarte tengo urgencia de oírte alegría de oírte buena suerte de oírte y temores de oírte o sea resumiendo estoy jodido.

(12) 11. y radiante quizá más lo primero que lo segundo y también viceversa‖ (BENEDETTI, 2000b, p. 82). Este poema – Vice-versa – é uma amostra perfeita de como Benedetti trata o amor. Sem nenhuma certeza e cheio de contradições, como se observa em ―necesidad x miedo‖, ―certidumbre x pobres dudas‖ e ―jodido x radiante‖, o autor tira o sentimento do plano do sagrado e incontestável e o coloca lado a lado com as demais incertezas humanas, inclusive usa palavras extremamente humanas para referir-se a ele: ―jodido‖! Encontrar esta palavra em um poema já nos anuncia a maneira como o poeta articula a literatura e a vida; a maneira de Benedetti é simples: as duas estão indubitavelmente entrelaçadas. A partir daí, muitos outros questionamentos foram surgindo acerca do assunto: o que é amar? Quando é amar? Por que é amor? O que é ser fiel? Enfim... Esses e outros temas me foram saltando aos olhosenquanto eu folhava as páginas benedettianas e encontrava uma controvérsia à tradição, uma novidade ou outro olhar para o que parecia confortável. Talvez fosse possível encontrar resposta para todas essas interrogações nas próprias páginas de Benedetti, porém não é nosso objetivo responder a tudo isso. Pretendemos refletir, apenas, e problematizar, acima de tudo. Reencontrar nos escritos benedettianos o conceito de amor que hoje parece estar engessado e tão bem resolvido por aparecer assim representado. De antemão, podemos afirmar algo: Benedetti não engessa o conceito, nem se vale dele engessado. Diante disso, pretendemos mostrar aqui a maneira benedettiana de discutir o amor e seus derivados de forma dinâmica e ativa, retirando essas matérias de caixas arquivadas e fazendo-as funcionar na vida. O amor em Benedetti não parece nunca ser uma coisa só. Tantas formas de amar haverá tantos quantos forem os amantes, é o que sugere seus romances, seus contos e poesias. Contudo, acredito que me interesso antes pelo amor do que por Mario Benedetti. É um tema que sempre despertou minha atenção pelas contradições no uso do termo, tantas coisas podem ser chamadas de amor de modo que é até possível ―fazer amor‖. Porém, na literatura do uruguaio encontrei um campo de diálogo e ideias com as quais me identifico profundamente, pois as vezes que encontrei o amor representado na sociedade não poderiam ser todas classificadas e rotuladas por iguais, da mesma forma como acontece com os.

(13) 12. personagens benedettianos: Martín Santomé, de La Tregua amou mais de uma vez e de formas diferentes, com Mariana de Los Pocillos, com Arsenio, de Triangulo Isosceles, com Ana de ¿Quién de Nosotros?passou a mesma coisa, ou seja, segundo Benedetti, por assim dizer, não se ama uma vez só, o amor nem mesmo é único e nem tantas outras máximas sobre o sentimento que escutamos e lemos por aí. Entendemosa literatura como representação de uma realidade, como reflexo estético de uma esfera ética, mediado pela visão de mundo do escritor e na qual podemos ver representados. os. conflitos. humanos. desencadeados. pelo. amor. e. suas. contradições.Acreditamos que é possívelanalisar de perto algumas relações amorosas e confrontá-las na literatura, ver o amor nascer e morrer e conhecer diferentes formas de amar, diferentes modelos de casais ou de triângulos amorosos através de um texto literário. A literatura nos possibilita experimentar o amor na prática. Concordamos com Mario Vargas Llosa, quando este, em seu ensaio Em defesa do romance, afirma que A literatura [...] diferentemente da ciência e da técnica, é, foi e continuará sendo, enquanto existir, um desses denominadores comuns da experiência humana, graças ao qual os seres vivos se reconhecem e dialogam, independentemente de quão distintas sejam suas ocupações e seus desígnios vitais, as geografias, as circunstâncias e que se encontram e as conjunturas históricas que lhe determinam o horizonte. Nós, leitores de Cervantes ou de Shakespeare, de Dante ou de Tolstoi, nos sentimos membros da mesma espécie porque, nas obras que eles criaram, aprendemos aquilo que partilhamos como seres humanos, oque permanece em todos nós, além do amplo leque de diferenças que nos separam.‖ (LLOSA, 1999, p. 1-2). Nesta perspectiva, é possível encontrar nos conflitos amorosos dos personagens literários de Benedetti amostras autênticas dessas relações. Porém, é preciso ter uma proposta de estudo, delimitar objetivos e traçar caminhos que nos levem aos resultados que esperamos encontrar: Nossa proposta, portanto, objetiva identificar em duas novelas de Benedetti: La Tregua de 1965 e ¿Quién de nosotros?de 1953, e em alguns contos e poemas do autor, representações de amor que nos permitam identificar uma maneira quase própria de conceber o amor por Mario. Assim como não criou grandes heróis nessas obras, o escritor uruguaio também não criou amores enormes, europeizados, imaculados e sublimes. Comprometido em não perder de vista a realidade em suas obras, os amores de Benedetti são marginais, rotos, finitos, traiçoeiros e incomuns. E é aí que encontramos campo na busca de tentar entender o sentimento na visão deste autor..

(14) 13. Outro aspecto que nos pareceu bastante relevante e por vezes indissociável da questão amorosa em Mario Benedetti é a linguagem que o escritor utiliza em seus escritos. A escritura do artista pressupõe certa postura diante do mundo e dos elementos que o compõem: das pessoas, das relações, da própria existência e, é claro, do amor. A palavra benedettiana denuncia a formado autor pensare se posicionar diante da própria a vida e suas desventuras e sobre isso também procuraremos refletir nesta análise. No primeiro capítulo buscamos traçar um perfil de Mario Benedetti. Objetivamos, por meio de estudiosos da obra e da vida do autor, desvendar um estilo benedettiano na medida em que direcionamos os aspectos desse estilo para os objetivos da pesquisa.Buscamos situar Mario Benedetti no contexto da Literatura Hispano-Americana, destacando a importância que o autor teve para esta literatura e seu reconhecimento mundial. Buscamos evidenciar a linguagem que Benedetti usava em suas obras, assumindo desde aí o compromisso com a parcela social que talvez jamais pudesse lê-lo, mas que estava, mesmo assim, representada em sua produção. Procuramos reunir opiniões de estudiosos e amigos do uruguaio sobre seu fazer literário, seu engajamento social e seu estilo,muitas delas encontradas na grande compilação de estudos sobre Benedetti, produzida pela Universidade de Alicante em 2000, como forma de homenageá-lo. Depois desse primeiro momento de reflexão acerca de Mario Benedetti, e ainda neste primeiro capítulo, nos preocupamos em discutir questões referentes às relações entre literatura e sociedade. Pensando de que maneira e até que ponto a arte pode ser a representação de uma determinada realidade social.Buscamos confrontar diferentes correntes de ideias sobre tais relações e procuramos seguir uma delas em nossa linha de raciocínio. Refletindo sobre o ético e o estético da arte, tentamos justificar, dessa forma, o uso de teóricos da filosofia e da sociologia para um estudo literário. No segundo capítulo, procuramos trazer à tona as discussões de pensadores e estudiosos sobre o amor,confrontando as ideias e os conceitos que o definiram e o situaram ao longo da história da sociedade ocidental, para pensarmos o livro La Tregua como representação autêntica de um imaginário amoroso. Para tanto, nos debruçamos em grandes nomes como Platão, Octávio Paz, Bauman,Giddens entre outros que fizeram do sentimento tema de estudo e reflexão.Buscamos depreender dos estudos desses pensadores, principalmente, os alicerces para a construção do imaginário que nós, ocidentais contemporâneos, temos sobre o amor. Procuramos entender as relações que a sociedade.

(15) 14. mantém com o sentimento amoroso, desconstruindo, em alguns momentos, velhas certezas e apontando para uma ressignificação do que seja amar e ser amado. Ainda neste capítulo, discutimos as estreitas relações que a literatura mantém com o amor, o serviço que esta arte prestou e ainda presta na criação e na manutenção de um mito amoroso, e que mito é este, onde se encontram suas raízes e porque se mantém quase intacto mesmo depois de tantas transformações sociais. Neste ponto do trabalho também buscamos discutir os conceitos de erótico, numa oposição entre corpo e alma na tentativa de operacionalizar as definições nas narrativas e nos poemas de Benedetti, ao passo que procuramos perceber se há ou não uma literatura erótica benedettiana. No terceiro e último capítulo trabalharemos com o imaginário da infidelidade e suas representações na literatura e na sociedade. Procuraremos evidenciar um estilo benedettiano de tratar o assunto, uma vez que em sua obra é abundante e peculiara recorrência do tema adultério.Pretendemos desvendar por fim a visão benedettiana do amor, o que nos serve como fio condutor da pesquisa, na medida em que buscamos revelar e elucidar a maneira do uruguaio articular os temas relacionados ao sentimento amoroso (a (in)fidelidade e o erotismo). Resgatando discussões apresentadas ao longo da pesquisa, procuraremos encontrar na literatura de Mario situações e representações peculiares o bastante para podermos afirmar que a maneira de trabalhar os temasdo escritor uruguaio não é a mesma maneira de tantos outros. E não estamos afirmando que a forma de representação de todos os outros seja a mesma, em absoluto acreditamos que é possível identificar concepções próprias de amor em todos os artistas, pois foram estes também, chamados poetas, que inauguraram formas de amor e de amar; Benedetti foi tão somente a nossa escolha. Neste capítulo analisaremos os textos de Benedetti, entendendo seus personagens como sujeitos dotados de subjetividade e capazes de refletir uma verdade sobre os sujeitos sociais da esfera ética. Sabemos que o sentimento o qual chamamos de amor tem inúmeras variações; mas basicamente podemos dividir tais variações em dois grandes grupos: O primeiro é do Amor Fraterno, que está presente em relações familiares, amizades e demais que não pressuponham o romantismo e o sexo; e no outro grupo, o Amor Romântico que envolve o romantismo e o sexo. É sobre este último amor, exclusivamente, e sobre alguns de seus temas derivados – o erotismo e a infidelidade – que iremos tratar nesta pesquisa,ao analisar a obra de Mario Benedetti. Esperamos verificar nossa hipótese inicial, formulada a partir das leituras e de estudos anteriores sobre a obra benedettiana, de que formao escritor uruguaio percebe e.

(16) 15. representa os tópicos em questão é bastante particular e própria, na medida em que aborda os temas criando situações não usuais, ou comuns em obras de ficção de uma maneira geral. A escolha pelas novelas ¿Quién de nosotros?de 1953 e La Tregua de 1965 se deve ao fato de que ambas pertencem ao período de escrita de Benedetti em que é possível encontrar, de acordo com Jorge Ruffinelli (2000), uma crítica social pensada sob a ética e a visão do país e de seus habitantes. Trata-se de uma produção que corresponde ao período em que novas estratégias narrativas são incorporadas: a linguagem mais coloquial, narradores personagens como pessoas comuns, temas do cotidiano das cidades e da vida da classe trabalhadora. Em ambas as novelas escolhidas o recurso narrativo de Benedetti não é tradicional, trata-se de discursos em primeira pessoa, de caráter confessional mesclado com um tom de narrativa. No nosso ponto de vista, essas duas novelas são as que melhor evidenciam o sujeito (personagem), deixando-os vulneráveis em seus próprios relatos e possibilitando assim, uma análise mais aprofundada de suas subjetividades no que diz respeito ao amor e seus derivados. Quanto aos livros de contos escolhidos, é preciso dizer que antes escolhemos os contos que nos pareceram pertinentes à análise, sem nos preocuparmos, a princípio, com a data de publicação das obras, e sim com a temática abordada nessas narrativas; o mesmo aconteceu com os poemas, de modo que não há uma lógica cronológica ou editorial que norteia a escolha dos contos e poemas aqui analisados. Certamente outros textos de Benedetti nos serviriam para esta análise, porém, não conhecemos toda a obra do autor, feito este de difícil logro, vista a vastidão de sua produção, dessa maneira, procuramos delimitar o corpus para o trabalho a partir das leituras que já tínhamos e das obras com as quais já possuíamos certa familiaridade, reforçando que os textos escolhidos nos pareceram pertinentes e facilitadores do desenvolvimento desta pesquisa. La trégua é uma novela cuja personagem Martín Santomé – um homem de 49 anos, em vias de se aposentar – escreve um diário pessoal relatando suas experiências diárias, versando principalmente sobre a repartição pública na qual trabalha e o romance com Avellaneda, uma funcionária da mesma repartição. ¿Quién de nosotros?trata-se da história de um triângulo amoroso contada pelos três envolvidos: Lucas, Miguel e Alicia. Os personagens apresentam sua versão para o fim do casamento de Miguel e Alicia e do relacionamento de Alicia e Lucas. Miguel, por um diário pessoal, Alicia, por uma carta escrita a Miguel e Lucas, por um conto que está escrevendo..

(17) 16. É preciso salientar, também, que é bastante difícil falar algo novo sobre Mario Benedetti, desvendar algum aspecto de sua literatura que ainda não tenha sido desvendado pelos inúmeros estudiosos em inúmeras obras cujo tema seja a produção benedettiana. O que nos salva de tamanha limitação, no entanto, é a subjetividade empregada em todo o processo de construção deste trabalho de mestrado, acreditamos que nela reside a mais importante contribuição que esta pesquisa pode oferecer, pois, assim como a literatura diversas vezes procura evidenciar o sujeito, neste trabalho também há sujeitos a serem evidenciados. Antes de tudo, é um compromisso com o que acreditamos, e manter-nos fiéis a isso faz toda a diferença. Escrever sobre o amor é também pisar em um terreno bastante delicado, Willian Gass, discutindo a questão, diz: Por inúmeras razões, escrever sobre o amor é uma empreitada arriscada (...) O ponto em que você começa, as asserções que faz, os elementos que omite ou ignora, enfatiza ou distorce, os passos expositórios que você toma, as conclusões que retira, cada escolha acrescenta um traço ao retrato, assim como o lirismo manifestado, o cinismo, o escárnio ou a derrisão com que você aborda o assunto como psicólogo, filósofo ou poeta [ou estudante] e, por fim, segundo a posição que você adota, sem a escrupulosidade de um scholar, a elevação de um teórico, o ardor de um artista ou a atitude de um político. (GASS, 1991, p. 541, apud COSTA, 1998, p. 131). Precisamos concordar com Junqueira Freire Costa (1998), quando o autor se pergunta se escrever sobre o amor poderia ser diferente do dito por Gass e responde que não, opinando que não é possível ―escrever sobre o que quer que seja sem propor interpretações feitas a partir de escolhas pessoais‖ e que ―tudo que podemos fazer quando decidimos estudar um assunto é descrevê-lo de uma maneira particular, que vem somar-se a outras descrições possíveis.‖ (p. 131). Eis, portanto, o que esperamos com essa pesquisa: acrescentar ao grande número de reflexões sobre o amor e sobre a literatura, mais uma, a nossa..

(18) 17. CAPITULO I MARIO BENEDETTI, SUA ESCRITURA E A SOCIEDADE. “En el principio era el verbo Y el verbo no era Dios eran las palabras frágiles, transparentes y putas.” Mario Benedetti. 1.1 SOBRE O ESCRITOR URUGUAIO. Segundo Pedro Ogambide (1989),autor do prefácio da Antologia Poética de Mario Benedetti, o autor uruguaio é um dos escritores de língua espanhola mais lido no mundo. Mario Orlando Hamlet HardyBrenno Benedetti, conhecido mundialmente como Mario Benedetti, escreveu praticamente em todos os gêneros literários sua obra reúne poesia, novela, romance e conto, além de ensaios, crítica literária e jornalismo. De acordo com Jorge Ruffinelli (2000), Mario Benedetti Nunca teve problemas para construir-se em um escritor ―nacional‖, urbano, cosmopolita. Foi a todo momento um escritor prolífico e cultivou muitos gêneros: novela, conto, teatro, jornalismo, o ensaio político e o literário. No começo desenvolveu uma perspectiva centrada no Uruguai e nos problemas da sociedade oriental, que numa etapa posterior começou a ampliar-se e a internacionalizar-se. Seu apoio à Revolução Cubana foi inalterável, e ele mesmo morou durante uma etapa importante na Ilha. Do mesmo modo, não deixou de enfiar seus dardos contra a política exterior dos Estados Unidos, e contra características internas negativas dessa civilização – como o racismo, o consumismo, o individualismo-, todos consubstanciais ao capitalismo econômico. Chamado capitalismo pela maneira antiga, ou melhor, neoliberalismo pela nova maneira. (RUFFINELI, 2000, n.p - tradução nossa)1. 1. nunca tuvo problemas para constituirse en un escritor «nacional», urbano, cosmopolita. Ha sido en todo momento un escritor prolífico y ha cultivado muchos géneros: novela, cuento, poesía, teatro, periodismo, el ensayo político y el literario, los discursos, las entrevistas, los artículos de humor y las letras de canciones. Al comienzo desenvolvió una perspectiva centrada en el Uruguay y en los problemas de la sociedad oriental, que en una etapa posterior comenzó a ampliarse y a internacionalizarse. Su apoyo a la Revolución cubana ha sido inalterable, y él mismo residió durante una etapa importante en la Isla. Del mismo modo, no ha dejado de enfilar sus dardos contra la política exterior de los Estados Unidos, y contra rasgos internos negativos de esa civilización -como el racismo, el consumismo, el individualismo-, todos ellos consustanciales al capitalismo económico llámeselo capitalismo a la vieja usanza, o bien neoliberalismo a la nueva manera. (RUFFINELI, 2000, n.p.).

(19) 18. Mario. Benedetti. pertence. a. uma. geração. de. intelectuais. conhecida. como―Generacióndel 45‖, denominação dada por Monegal, ou à ―Generación de la Crítica‖, chamada por Ángel Rama, que ―encontrou o caminho para penetrar por baixo das estruturas que escondem a realidade nacional e latino-americana, em um criticismo de análise e de esclarecimento‖ (VOLPE, 2009, p. 62). De acordo com Mirian Lidia Volpe (2009), há nos escritores dessa geração uma preocupação em mediar trocas culturais e desenhar uma identidade social e cultural aos seus países após os movimentos emancipatórios e da criação das nações. Cabe à figura do artista escrever as ordenanças determinantes de estruturas econômicas e socioculturais para que as sociedades pudessem se organizar. Segundo a estudiosa, muitos escritores foram ―cooptados a mediar e legitimar a ordem hegemônica imposta. Desde então existe no continente uma tradicional ligação de nossos escritores com o estado, agindo como intermediários entre o poder e o povo.‖ (VOLPE, 2009, p. 60). Volpe afirma que até hoje é possível perceber a diferença nos discursos dos escritores latinoamericanos e dos norte-americanos e europeus, tais diferenças advêm do violento processo colonizador que iniciou o conflito entre o bárbaro e o civilizado. (ibid.) Nesta perspectiva, podemos refletir que o artista latino-americano vê a necessidade da criação de uma identidade nacional que dê ao continente o status de civilização, porém não têm à disposição anos de história que lhe sirvam de alicerce para tal empreitada, neste sentido o rompimento com uma tradição literária parece ser-lhes o começo de uma literatura latinoamericana que de fato represente o continente. Não se trata de representar o povo como tema na produção escrita, mas incluí-lo como participante, personagem e principalmente leitor dessa literatura. A esserespeito, Mario Benedetti se posiciona: El ejercicio del criterio, obra critica. 1974. Buenos Aires, Seix Barral, 1995. El creador parte virtualmente desde cero. Nuestra tradición es muy nueva. Todo sucedió prácticamente ayer, y en consecuencia no podemos invocar los hechos de la víspera como arquetipos inamovibles, como valores definitivamente establecidos. Mientras el escritor europeo tiene un amplio y seguro legado, ya debidamente fichado, analizado y bien condicionado en elegantes vitrinas […] su colega latinoamericano, en cambio, está en plena fabricación de ese legado. No puede endosarle al lector una responsabilidad de la que ni siquiera él está seguro […] y convida tácitamente a su lector a que busque con él, a que se convierta en un semisocio, en un ente solitario.2. 2. BENEDETTI, Mario. LA COMARCA NO ES EL MUNDO. In __. El ejercicio del criterio, obra critica. 1974. Buenos Aires, Seix Barral, 1995. O criador parte virtualmente desde zero. Nossa tradição é muito nova. Tudo aconteceu praticamente ontem e, em consequência, não podemos invocar os fatos da véspera como arquétipos inamovíveis, como valores definitivamente estabelecidos. Enquanto o escritor europeu tem um amplo e firme.

(20) 19. Os anos 50 foram bastante produtivos para a história literária da América Latina, nomes como Juan Carlos Onetti, Juan Rulfo, Alejo Carpentier, Julio Cortázar, Guimarães Rosa, Mario Vargas Llosa e Gabriel García Márquez se destacam no âmbito da narrativa eBenedetti aparece como uma figura importante do processo de emancipação literária do continente, do Uruguai, principalmente, pois a literatura do país mantinha uma relação ―umbilical‖ com a literatura europeia, principalmente da França e Espanha. (VOLPE, 2009), quando lança ―Poemas de la Oficina‖ e se insere num movimento de âmbito continental de poesia, a chamada poesia coloquial – poesia conversacional (termo cunhado por Roberto Fernández Retamar em seu ensaio ―Antipoesía y poesia conversacional enHispanoamérica‖, 1974). A principal característica do movimento é o trato da poesia como representativa (através dos temas e da própria linguagem) do que é comum e cotidiano, há nesse momento uma tentativa de desmistificar a figura do poeta. Para Benedetti: No princípio era o verbo, embora fosse o do conquistador, mas a palavra é signo suscitador. Correspondendo a essa vocação provocadora, a palavra ramificou-se em várias realidades e, em contrapartida, estas acabaram regressando à palavra desde todos os pontos cardeais. A realidade é, de certa forma, fundação da palavra, mas (tal como afirma Carlos Fuentes ao falar de Carpentier) também é fundação do artifício. A realidade condiciona o ânimo e este, ao gerar a palavra expurga a realidade modificando-a, ou seja, imaginando-a e convertendo-a, ao imaginá-la, em outra realidade. (1990, p. 119 – tradução de Mirian Lídia Volpe, 2009)3. Jorge Ruffineli (1995) escreve sobre o período de produção de Mario Benedetti na América Latina, atentando principalmente para a linguagem que passou a ser empregada pelos autores no período. Por uma parte a literatura perdeu o caráter ―escrito‖, que mantinha como uma das suas características ao longo das diversas épocas e movimentos; se fez mais flexível e coloquial, como se a linguagem do autor e a fala de suas personagens se fundissem no fim, com ecos da fala popular. Este é um traço central da ficção nos anos sessenta, setenta e oitenta. Nestas três décadas a linguagem da ficção se libertou do conceito acadêmico de escritura literária, se inspirou no intercâmbio das falas populares do continente e ganhou assim legado, já devidamente fichado, analisado e bem condicionado em elegantes vitrines [...] seu colega latinoamericano, no entanto,está no momento de fabricação desse legado. Não pode endossar o leitor uma responsabilidade sobre a qual nem mesmo ele tem certeza [...] e convida, tacitamente, seu leitor a buscar com ele, a converter-se em um semi-sócio, em um ente solidário. (1995, p. 43 – traduçãonossa). 3 En el principio era el verbo, así fuera el del conquistador, pero la palabra es signo suscitador. En correspondencia con semejante provocación provocadora, la palabra se ramificó en varias realidades, y como contrapartida, éstas acaban regresando a la palabra desde todos los puntos cardinales. La realidad es, en cierto modo, fundación de la palabra, pero a su vez esta (tal como sostiene Carlos Fuentes al hablar de Carpentier) es fundación del artificio. La realidad condiciona el ánimo y este, al generar la palabra, expurga la realidad modificándola, o sea imaginándola, y convirtiéndola, al imaginarla, en otra realidad. (BENEDETTI, 1990, p. 119).

(21) 20. em imagem de espontaneidade e frescura. Que não se tratava de uma simples mimeses representacional, de um novo realismo linguístico ou fonético, se confirma o fato de que esta inspiração popular não ficou a nível da linguagem, foi total. (RUFFINELLI, 1995, p. 384 – tradução nossa)4. Tanto é verdade o que afirmou Ruffinelli que a repercussão de ―Poemas de la Oficina‖ foi enorme no Uruguai. Coisa inédita, até então, a poesia estava circulando no país. Rompe-se a ideologia (herdada do colonizador) que dava à poesia o status de ―coisa dos Deuses‖. Era possível que o cidadão comum pudesse ler-se nessas produções e dialogar com ela, conforme comentao estudioso Pablo Rocca: O coloquialismo lírico de Benedetti começou a difundir-se no campo poético uruguaio, impondo-se, pouco a pouco, à angustiada dicção de um Neruda, à poesia cifrada na metáfora e o símbolo que, apesar dos ataques de que havia sido objeto por grande parta da crítica uruguaia de meio século, continuava exercitando-se. A verdade é que não é raro que Poemas de la oficina se esgotasse tão rápido. Muitas vozes e muitos ouvidos montevideanos estavam alertas, ou melhor, estavam buscando uma voz com a qual identificar-se. (2009, p. 45 – tradução nossa)5. Vejamos agora uma amostra dessa linguagem coloquial e cotidiana comentada por Rocca (2009), trata-se do poema ―El nuevo‖, o terceiro do livro ―Poemas de la oficina‖ em que Benedetti insere a personagem do trabalhador do escritório, figura bastante recorrente em sua literatura. 6. Viene contento el nuevo la sonrisa juntándole los labios el lápizfaber virgen y agresivo el duro traje azul de los domingos. Decente un muchatito. 4. Por una parte, la literatura perdió el carácter ―escrito‖, que mantenía como una de sus características, a lo largo de las diversas épocas y movimientos; se hizo más flexible y coloquial, como si el lenguaje del autor y el habla de sus personajes se hubiesen fusionado al fin, con el rasero del habla popular. Este es un rasgo central de la ficción en los años sesenta, setenta y ochenta. En estas tres décadas el lenguaje de la ficción se liberó del concepto académico de escritura literaria, se inspiró en cambio en las hablas populares del continente y ganó así en imagen de espontaneidad y frescura. Que no se trataba de una simple mimesis representacional, de un nuevo realismo lingüístico o fonético, se confirma en el hecho de que esta ―inspiración‖ popular no se quedó a nivel de lenguaje, fue total (RUFFINELLI, 1995, p. 384)4 5 el coloquialismo lírico deBenedetti empezó a cundir en el campo poético uruguayo, imponiéndose, de a poco, a la angustiada dicción de un Neruda, a la poesía cifrada en la metáfora y el símbolo que, pese a los ataques de que había sido objeto por gran parte de la crítica del medio siglo uruguaya, continuaba ejercitándose. En verdad, no es raro que Poemas de la oficina se agotara tan pronto. Muchas voces y muchos oídos montevideanos estaban alertas o, mejor, estaban a la búsqueda de una voz con la que identificarse.(ROCCA. 2009, p. 45) 6 Optamos por manter a forma do poema, pois acreditamos que esta também expressa o posicionamento do autor, revelando sua postura diante do fazer poético..

(22) 21. Cada vez que se sienta piensa en las rodilleras murmura sí señor se olvida de sí mismo. Agacha la cabeza escribe sin borrones escribe escribe hasta las siete menos cinco. Sólo entonces suspira y es un lindo suspiro de modorra feliz de cansancio tranquilo. Claro uno ya lo sabe se agacha demasiado dentro de veinte años quizá de venticinco no podrá enderezarse ni será el mismo tendrá unos pantalones mugrientos y cilíndricos y un dolor en la espalda siempre en su sitio. No dirá sí señor dirá viejo podrido rezará palabrotas despacito y dos veces al año pensará convencido sin creer en su nostalgia ni culpar al destino que todo todo ha sido demasiado sencillo.7. Benedetti denuncia um determinismo da classe trabalhadora de repartições públicas ou escritórios, conforme podemos perceber no poema, tal classe não tem direito ao final feliz proposto aos personagens de uma tradição literária, seus personagens são devorados pela vida, como acontecerá ao garoto do poema. A felicidade se converte em angústia e conformismo, o 7. Vem contente/o novo/ o sorriso juntando-lhe os lábios/ o lápis faber virgem e agressivo/ o sério terno azul/ dos domingos/ Decente/ um garoto/ Cada vez que se senta/ pensa nas joelheiras/ murmura sim senhor/ se esquece/ de si mesmo./ Abaixa a cabeça/ escreve sem borrões/ escreve escreve/ até/ as cinco para as sete/ Só então/ suspira/ um lindo suspiro/ de hipnose feliz/ de cansaço tranquilo./ Claro/ alguém já sabe/ se abaixa demais/ dentro de vinte anos/ talvez/ de vinte e cinco/ não poderá endereçar-se/ nem será/ o mesmo/ terá umas calças sebosas e cilíndricos/ e uma dor nas costas/ sempre no seu lugar./ Não dirá/ sim senhor/ dirá velho podre/ falará palavrões/ devagar/ e duas vezes por ano/ pensará/ convencido/ sem acreditar na sua nostalgia/ nem culpar o destino/ que tudo/ tudo foi simples demais. (BENEDETTI. 2009, p. 11-12).

(23) 22. final feliz não vem e a vida se torna uma repetição de dias, tudo e sempre tendo em vista uma realidade. A característica principal desse movimento seria a de se comunicar com o leitor e desmistificar a figura do poeta, com a consequente dessacralização da poesia. Para isso, a linguagem utilizada se aproximou da naturalidade própria da expressão oral; recorreu-se a frases feitas e giros coloquiais; estabeleceram-se relaçõesintertextuais com outros gêneros não literários em citações que o leitor pudesse identificar; e, como tema predominante a problemática do cotidiano, a experiência comum, foi convertida em material poético. O poeta passou a nomear a realidade. (VOLPE, 2009, p. 64). Vejamos em outro poema, ―Verano‖ também de ―Poemas de la oficina‖ a recorrência de tal diagnóstico: Voy a cerrar la tarde se acabó no trabajo tiene la culpa el cielo que urge como un río tiene la culpa el aire que está ansioso y no cambia se acabó no trabajo tengo los dedos blandos la cabeza remota tengo los ojos llenos de sueños yo que sé veo sólo paredes se acabó no trabajo paredes con reproches con órdenes con rabia pobrecitas paredes con un solo almanaque se acabó no trabajo que gira lentamente dieciséis de diciembre. Iba a cerrar la tarde pero suena el teléfono sí señor enseguida comonó cuandoquiera. (op. cit. p. 13)8 8. Verão/Vou fechar a tarde/se acabou/ não trabalho/o céu é o culpado/que urge como um rio/o ar é o culpado/que está ansioso e não muda/se acabou/ não trabalho/tenho os dedos brandos/ a cabeça remota/ tenho os olhos cheios/de sonhos/eu que sei/ vejo só paredes/ se acabou/ não trabalho/paredes com reprovações/ com ordens/ com raivas/ pobrezinhas paredes/ com um só calendário/ que gira lentamente/ dezesseis de dezembro/ Iria fechar a tarde/ mas toca o telefone/ sim senhor em seguida/ comonãoquandoqueira.(BENEDETTI, 2009, p. 13).

(24) 23. Neste poema percebemos o conflito existente entreo desejo do trabalhador, de fechar o escritório, de abandonar, de ir embora e a figura do chefe, que impõe a ordem e anula, completamente, o desejo do sujeito. Vemos na poesia de Benedetti uma configuração do cidadão uruguaio oficinista, que possui sonhos e anseios, mas se sente condicionado à rotina diária de seu trabalho burocrático, ao mesmo tempo em que reconhece a importância do trabalho para manter-se como um cidadão. A poesia benedettiana, e não só a de Benedetti, mas também do grupo de escritores latino-americanos que seguiram a mesma tendência, ao qual pertencem nomes como Juan Gélman, Salazar Bondy, Ernesto Cardenal, Roque Dalton, Jaime Sabines, Cézar Fernandez Moreno, Ideia Vilarinho, entre outros9 problematizam a teoria de Roman Jakobson(1970) baseadaem uma longa tradição literária - que defende que a linguagem poética é completamente distinta da língua comum, e seria mais poética na medida em que mais se distanciasse e subtraísse a função comunicativa. ―Interrompida a relação com a realidade extralinguística (o referente), a língua poética é definida como esvaziamento e suspensão do significado. Sua semântica é, por definição, frustrada (frustrante?)‖. (BERARDINELLI, 2007, p. 14) A poesia da ―Generación de 45‖, ao contrário, busca uma aproximação extrema com a realidade, os elementos dessas poesias encontram significado no mundo real e cotidiano das pessoas, conforme pudemos observar nos poemas de Mario Benedetti que apresentamos como exemplos, nos quais encontramos representados e evidenciados os trabalhadores e seus dilemas existenciais, seus materiais de trabalho e sua rotina. A poesia produzida nesta época,vai ao encontro da concepção de Heller (apud BERARDINELLI, 2007) sobre a matéria, o estudioso declara que Seja lá o que faça, a poesia não pode senão confirmar a existência de um mundo significativo, mesmo quando denuncie a falta de sentido deste. Poesia significa ordem, mesmo quando lance a denúncia de caos; significa esperança, ainda que com um grito de desespero. A poesia diz respeito à real estatura das coisas; portanto, toda grande poesia é realista. (p. 30). Porém, não é apenas no âmbito da poesia que Mario Benedetti se destacou neste processo de emancipação da literatura latina. De acordo com Miriam Volpe (op. cit.) Junto aos Poemas de la oficina, Benedetti também escreveu ensaios de crítica literária que incluem sua análise de gêneros narrativos – no exercício do rigor literário, a teoria exigia-lhe a práxis e vice-versa – e uma série de contos reunidos no livro Montevideanos. O propósito foi o de tentar desvelar os procedimentos de que o autor se utiliza em sua ficção, para buscar – enquanto fala do uruguaio sobre sua problemática em termos que este possa 9. Conforme cita Carmem AlemanyBay, 1997..

(25) 24. entender – a cumplicidade desse leitor na avaliação das tradições a partir de sua própria realidade. (p. 68). A nova narrativa latino-americana também rompe com a tradição e a influência europeia. Há uma descentralização de vozes e o apelo a uma polifonia, até então pouco ou nada explorada em detrimento da voz central de um narrador.Nesta nova narrativa a multiplicação dos eixos de vozes no discurso revela uma ideologia, uma postura política. As estratégias narrativas se multiplicam e encontramos monólogos, depoimentos, diários, vários narradores de uma mesma história e como consequência há uma proliferação de pontos de vista que passam a ser considerados e um rechaço ao estatuto de verdade imposto pela literatura anterior. Sosnowski (1995) comenta sobre o emprego de recursos narrativos relacionados à passagem do tempo e a fixação de espaços nas obras, de acordo com o estudioso,os escritores desse período lançavam mão de estratégias narrativas mais flexíveis em relação à situação temporal e espacial em suas narrativas (p. 399). Podemos evidenciar a recorrência de tais eventos – multi-narradores e a questão do tempo/espaço – na obra de Benedetti, pelas estratégias narrativas empregadas pelo autor em ¿Quién de nosotros? (1953), sua primeira novela. A história do livro é apresentada em três partes chamadas cada uma pelo nome de um dos três personagens protagonistas da obra – 1ª Parte: Miguel; 2ª Parte: Alicia; 3ª Parte: Lucas – em cada uma das partes a narrativa nos é apresentada pela voz de uma personagem. É importante ressaltar que tais narrativas não coincidem no tempo e no espaço físico. No que diz respeito ao tempo narrativo, na construção de seus relatos, os personagens transitam entre o presente e o passado (por suas memórias) e fazem indagações sobre o futuro, possibilitados pelo uso da primeira pessoa. No todo do livro, as narrativas também acontecem em momentos distintos, enaltecendo uma sucessão de fatos. Miguel, por meio de um diário pessoal, narra sua versão dos fatos em um momento anterior ao relato de Alicia, que por sua vez é anterior ao relato de Miguel, sem que as narrativas se cruzem em algum momento. Vejamos que já na primeira página do relato de Miguel há menção aos três tempos: 10. Solo hoy, al quinto día, puedo decir que no estoy seguro.El martes, sin embargo, cuando fui al puerto despedirme de Alicia, estaba convencido de 10. Neste momento do trabalho nos deparamos com um dilema: trataremos insistentemente da linguagem literária de Benedetti, portanto os trechos de sua obra não poderiam ser analisados em traduções, pois a linguagem já não seria autêntica, ao passo que conhecemos a necessidade da tradução dos textos em língua estrangeira em um trabalho acadêmico. A fim de resolver o impasse, decidimos manter no corpo do texto o original em língua estrangeira e em notas de rodapé sua versão em uma publicação traduzida ou tradução nossa..

(26) 25. que era esta la mejor solución. En rigor es lo que siempre quise: que ella enfrentara sus remordimientos, su enfermiza demora en lo que pudo haber sido, su nostalgia de otro pasado y, por ende, de otro presente. No tengo rencores, no puedo tenerlos, ni para ella, ni para Lucas. Pero quiero vivir tranquilo[…]11 (BENEDETTI, 2000c, p. 11). Percebemos a referênciaao presente no trecho―Solo hoy, al quinto día, puedo decir que no estoy seguro.‖ (idem.), em que Miguel situa temporalmente o leitor. Há referência ao passado no momento em que a personagem nos conta, relembrando, o que acontecera El martes, sin embargo, cuando fui al puerto despedirme de Alicia, estaba convencido de que era esta la mejor solución. En rigor es lo que siempre quise: que ella enfrentara sus remordimientos, su enfermiza demora en lo que pudo haber sido, su nostalgia de otro pasado y, por ende, de otro presente.(ibid. p. 11). E finalmente a preocupaçãocom o futuro sem Alicia ―No tengo rencores, no puedo tenerlos, ni para ella, ni para Lucas. Pero quierovivir tranquilo.‖ (ibid. p. 11) No tocante aos espaços físicos, os personagens também participam de uma variação: Miguel escreve desde a sua casa, em Montevideo, enquanto Alicia produz uma carta na Argentina (Buenos Aires) e Lucas escreve um conto também em Buenos Aires. As muitas vozes presentes no livro também sãobastante decisivas para a construção da obra, através do relato dos três personagens temos acesso aos fatos e em cada um deles é possível identificar um ponto de vista diferente. O recurso narrativo empregado por Benedetti subverte completamente a noção de verdade e abre espaço para que o leitor dialogue com a obra tomando ou não um dos três partidos, e, assim, preencha as lacunas do texto a partir deste posicionamento. Porém, sobre este aspecto e outros da narrativa de ¿Quién de nosotros?veremos mais adiante, no capítulo três, quando formos refletir sobre a questão da infidelidade em Mario Benedetti. Ainda sobre o tempo narrativo em ¿Quién de nosotros?,podemos afirmar que o mesmo acontece com a obra La Tregua (1960) uma vez que o protagonista narrador Martín Santomé narra a história na produção de um diário pessoal, no qual fala sobre seu presente fazendo inúmeras menções ao passado e indagações sobre o futuro. Observemos a recorrênciado eventonoseguinte trecho:. 11. Só hoje, ao quinto dia, posso dizer que não tenho certeza. Na terça-feira, no entanto, quando fui ao porto me despedir de Alícia, estava certo de que era esta a melhor solução. De fato, era o que eu sempre quis: que ela enfrentasse seus remorsos, seu apego doentio àquilo que podia ter sido, sua nostalgia de outro passado e, por conseguinte, de outro presente. Não tenho rancores, não posso tê-los, nem dela nem de Lucas. Mas quero viver em paz [...] (BENEDETTI, Mario. Quem de nós. Trad. Maria Alzira Brum Lemos. Record: Rio de Janeiro, 2007, p. 11)..

(27) 26. Cuando me jubile, creo que escribiré más este diario […] Cuando me jubile, tal vez lo mejor sea abandonarme al ocio, a una especie de modorro compensatoria, a fin de que los niervos, los músculos, la energía, se relajen de a poco y se acostumbren bien a morir. Pero no. Hay momentos en que tengo y mantengo la lujosa esperanza de que el ocio sea algo pleno, rico, la última oportunidad de encontrarme a mí mismo. Y eso sí valdría la pena anotarlo. (BENEDETTI, 2000d, p. 14)12. A forma como Benedetti escreve, portanto, torna-se popular em nosso continente nos anos cinquenta e sessenta, sobre este período, Mario fala com bastante entusiasmo de uma literatura latino-americana que se desenha de forma mais original e familiar: A literatura latino-americana passa hoje por uma das etapas mais vitais e criativas de sua história. Evidentemente, já não se trata de grandes nomes isolados, que sempre existiram, mas de uma primeira linha de escritores capazes de assumir sua realidade, seu entorno, e também de inscrever-se, com estilo próprio, nas correntes que, constantemente e em escala mundial, se encarregam de renovar o fato artístico. As inovações literárias europeias e norte-americanas já não devem esperar décadas para chegar aos escritores de América Latina; por outro lado, como consequência indireta dessa proximidade, são cada vez mais infrequentes as imitações demasiadamente respeitosas e servis. (BENEDETTI, 1972, p. 364)13. Pois bem, Mário Benedetti viveu furtivos 88 anos; nasceu em 1920, numa cidade chamada Paso de Toros, Departamento de Tacurembó, no Uruguay, mas sua família mudouse para Montevideo quando tinha apenas quatro anos. Entre 1938 e 1941, viveu em Buenos Aires, onde trabalhou em uma editora; cinco anos mais tarde casou-se com Luz López Alegre, sua única esposa, com quem viveu até a morte. O escritor sempre esteve envolvido com veículos de circulação de informação. Em 1948 dirigiu a revista Marginalia e no ano seguinte passou a formar parte do conselho de redação da Revista Número. No mesmo ano, Mario publica seu primeiro livro de contos ―Esta Mañana”, a partir de então, não parou mais de publicar, reunindo uma obra com mais de oitenta títulos. Diante das grandes mudanças na história da América Latina que começaram a se acentuar a partir dos anos cinquenta, Benedetti torna-se um escritor ligado a questões políticas, refletindo essa nova postura em seu fazer poético, já que antes desse período, as produções críticas do uruguaio recaíam principalmente sobre os problemas da arte. Segundo 12. Quando me aposentar, creio que escreverei mais este diário. [...] Quando me aposentar, talvez o melhor seja me abandonar ao ócio, a uma espécie de modorra compensatória, a fim de que os nervos, os músculos, a energia, comecem a se relaxar aos poucos e se acostumem a uma morte pacífica. Mas não. Há momentos em que tenho e mantenho a luxuosa esperança de que o ócio seja algo pleno, rico, a última oportunidade de encontrar a mim mesmo. E isso sim valerá a pena ser anotado. (BENEDETTI. Mario. A Tregua. Trad. Pedro Gonzaga. L&PMPOCKET: Porto Alegre, 2011, p. 11 e 12. 13 BENEDETTI, Mario. Temas e problemas. In.__.FERNANDEZ MORENO, Cézar. America Latina em sua literatura. São Paulo: Perspectiva, 1972..

(28) 27. Ruffinelli (1998), Benedetti passou por um ―lento desprendimento da pele ética para deixar que nascesse por baixo a pele política‖ (s/a)14 A partir do triunfo da Revolução Cubana, em 1959, Benedetti aproximou-se de questões políticas e sociais, não só de seu país como da América Latina de um modo geral, quando uma parcela dos escritores de sua época se maravilhava e imitava modelos europeus, ele, ainda que consciente das influências europeias em seu fazer literário, voltou seu olhar para a América Latina, tornando-se um escritor preocupado com seu povo e o destino de seu continente, adaptando sua palavra ao contexto local, pois tinha consciência que a reprodução dos modelos europeus de literatura significava também uma perpetuação da colonização e exploração que tanto prejudicou o povo latino. O uruguaio configura-se como um ressignificadorda história da América Latina, resistindo às interpretações prontas dos fatos históricos, de sua arte e de sua cultura. Segundo Benedetti, A América Latina continua sendo hoje um tema para seus artistas e intelectuais, porém ademais, constitui-se num problema. Problema para aqueles que o iludem; para aqueles que o afirmam e para aqueles que o negam; para aqueles que o assumem em seu ser mais íntimo e para aqueles que o examinam de longe; embora o binóculo seja parisiense, londrino ou romano, o olhar continua sendo inevitavelmente latino-americano. (1972, p. 366). No estilo benedettiano, antes de tudo, percebe-se a escritura a partir de um lugar, de pertencimento a um lugar e da consciência desse pertencimento; não o discurso nacionalista ingênuo, mas um porta-voz sul-americano que pretende que seu continente e seu país façam parte do jogo mundial de cultura, política e arte de igual para igual no confronto com os grandes centros, ainda que a própria língua que Benedetti escreveu – o espanhol – fosse uma marca violenta do colonizador, Benedetti acreditava na liberdade de seu povo. De acordo com Neiva Fernandes, Os anos 60 representaram, para a América Latina, uma nova consciência continental. O florescimento das letras hispano-americanas na segunda metade do século XX deveu-se, em parte, a um posicionamento sóciopolítico por parte de autores como Mario Benedetti, por exemplo, um dos representantes da generación de 48 que, entre tantos, compreendeu o que realmente queria dizer o termo latino-americano e suas relações com liberdade de expressão e comprometimento. Frente a uma literatura anterior que caracterizava-se pela dominação européia, não havia como dissociar literatura e transformações sociais. À problemática do individualismo, somou-se a do coletivismo. Conseqüentemente, as obras revelam um pacto entre a nação e o escritor, entre diversidade e identidades e, por extensão, entre a obra, o leitor e o contexto social de seu país. (2005, p. 03) 14. Lento desprendimiento de la piel ética para dejar asomar por debajo la piel política. (RUFFINELLI, 1998, s/p.).

(29) 28. Ana InésLarre Borges (2000) comenta que desde as independências é tradição na América Latina a figura do escritor que reúna arte e militância política, devido às necessidades do continente. Benedetti seguiu tal tradição, assim como tantos outros escritores, intelectuais imersos nos problemas de seu tempo, como Vargas Llosa, por exemplo. Porém o uruguaio fez da palavra a sua principal arma nessa empreitada, tendo apenas um breve momento de militância partidária pelo qual comprovou que a escritura era mesmo a sua luta. Nas palavras de Larre Borges (2000), (...) houve, na verdade, um breve interlúdio em que provou a militância partidária, mas somente para voltar, decepcionado e convencido, ao duro ofício de escrever que foi sua verdadeira trincheira e sua autênticabiografia. A razão de suas alegrias e a causa das perseguições, de incompreensões e diálogos, de merecidas homenagens como a que hoje nos reúne, e de exílios obrigados. (n.p. - tradução nossa)15.. A mesma autora (ibid.) comenta que a obra de Benedetti parece ter desenvolvido na versatilidade de gêneros uma mesma visão sobre as atividades humanas, uma resposta comprometida às perguntas da história e afirma que no mais delicado poema até o mais ferrenho artigo político, Mario mantém harmoniosa e evidente a personalidade de artista e pensador político. Segundo Jorge Ruffinelli (2000), a obra de Benedetti pode ser percebida em duas grandes fases: (...) uma que começava em 1945, com a poesia: La vísperaindeleble; e se expandia até a narrativa Quiénde nosotros, 1953, os contos de Montevideanos, os Poemas de la oficina, o ensaio El país de la cola de paja (1960), as novelas La tregua y Gracias por elfuego (1965). O traço fundamental desta etapa foi a crítica social desde a ética, a visão do país e seus habitantes segundo a «razão moral». Tratava-se, também, posto de um modo esquemático, de uma perspectiva pessimista. Asegunda fase se caracterizou pela politização de seu pensamento e de sua literatura, e pela busca de horizontes mais amplos que os do «paisito». (n.p – tradução nossa – itálicos no original)16. 15. Hubo, es verdad, un brevísimo interludio en que probó la militancia partidaria, pero sólo para regresar, decepcionado y convencido, al duro oficio de escribir que ha sido su verdadera trinchera y su auténtica biografía. La razón de sus alegrías y la causa de las persecuciones, de incomprensiones y diálogos, de merecidos homenajes como el que hoy nos reúne y de obligados exilios. (LARRE BORGES, 2000, n.p.) 16 una que comenzaba hacia 1945 con la poesía: La víspera indeleble; y se expandía hacia la narrativa con Quién de nosotros, 1953, los cuentos de Montevideanos, los Poemas de la oficina, el ensayo El país de la cola de paja (1960), las novelas La tregua y Gracias por el fuego (1965). El rasgo fundamental de esta etapa fue la crítica social desde la ética, la visión del país y sus habitantes según la «razón moral». Se trataba, también, dicho esto de un modo esquemático, de una perspectiva pesimista. La segunda fase se caracterizó por la politización de su pensamiento y de su literatura, y por la búsqueda de horizontes más amplios que los del «paisito». (RUFFILINE, 2000, n.p.).

(30) 29. Neste trabalho de pesquisa, serão justamente as obras narrativas que iniciam e encerram a primeira fase da literatura de Benedetti, de acordo com Ruffiline (2000): ¿Quién de nosotros?eLa tregua, além de outros contos e poemas, constituem nosso corpus de pesquisa. 1.2 MARIO BENEDETTI E A PALAVRA Muitos estudiosos acerca de Mario Benedetti (RUFFILINE, 2000; MANSOUR, 2000, BORGES, 2000) destacaram em seus trabalhos o compromisso que o autor mantinha com a realidade. Não exatamente o mesmo compromisso dos autores do Realismo Literário, que procuravam, como prioridade, denunciar injustiças e comportamentos, tão pouco do Naturalismo, que escreviam influenciados por ideias como o darwinismo e o determinismo. A realidade de Benedetti passava por um trabalho de observação, reflexão e transformação através da palavra.Mansour (2000) afirma que A preocupação de Benedetti sempre [...] foi a alienação, a falta de consciência provocada pelo sistema em que se vive e o processo de tomada de consciência. É por isso que seus personagens são gente comum que leva uma vida rotineira em escritórios e bancos e em casa com uma televisão, que utiliza uma linguagem cotidiana urbana, típica de Montevideo ou de Buenos Aires. Seu único fim é ―chegar a pertencer‖ a um esquema convencional: ter uma casinha, um carro, uma família, um bom salário. (n.p. - tradução nossa)17. Em La treguaMario dá voz a um homem de cinquenta anos, funcionário público, viúvo, em vias de se aposentar. O que poderia ter de interessante na história de uma personagem como esta? Assim como em diversas outras obras, em que as personagens não se caracterizam como grandes heróis, Benedetti retrata a realidade desses sujeitos atribuindo-lhe uma carga de significação tamanha que conduz o leitor a pensar em outro tipo de protagonismo, o protagonismo cotidiano, de todos os sujeitos. Claudia Cosu (2000) salienta que A atenção que Benedetti dedica à realidade está sempre presente em toda sua obra e constitui uma característica essencial da sua literatura. No entanto, sua ficção não simula simplesmente realidades, não reproduz somente fatos verossímeis, e sim que partindo de anedotas aparentemente simples, Benedetti afunda no enigma das relações humanas. É praticamente o. 17. La preocupación de Benedetti siempre […] ha sido la enajenación, la falta de conciencia provocada por el sistema en que se vive y el proceso de toma de conciencia. Es por ello que sus personajes son gente común que lleva una vida rutinaria en oficinas y bancos y en la casa con una televisión, que utiliza un lenguaje cotidiano urbano, típico de Montevideo o de Buenos Aires. Su único fin es «llegar a pertenecer» a un esquema convencional: tener una casita, un coche, una familia, un buen sueldo. (MANSOUR, 2000, n.p).

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