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(1)21. C APÍTULO I – DO LIVRO E DE SEU REVESTIMENTO Palavras, o vento leva; o que se escreve permanece: nem os textos, nem as leituras, contudo, escapam às investidas do tempo. Roger Laufer Faz-se aqui uma breve viagem, no tempo e no espaço, para que se conheçam os aspectos mais significativos relativos à construção do livro como objeto, apresentando os diferentes suportes da escrita e os seus variados formatos – até o momento em surgiu a imprensa. Após rápida pausa, retorna-se no tempo para que sejam conhecidas as diversas maneiras empregadas para proteger e revestir o texto principal. A última parada será no Brasil, dando-se ênfase aos profissionais e editoras que tiveram um cuidado maior com a aparência do livro, em especial, com a sua capa.. 1. DAS LAJOTAS AO CÓDICE O registro mais antigo que se tem de algo que se aproxima do livro como se conhece atualmente encontra-se na Mesopotâmia do IV milênio antes de Cristo. Segundo Arnaldo Campos (1994, p. 23), As lajotas de barro das bibliotecas mesopotâmic as, com sua escrita cuneiforme, são consideradas os mais remotos ancestrais do livro. Para fabricá-las, recorriam à mesma técnica de fazer tijolos. O barro mole era acomodado em moldes e posto a secar. [...] Para redigir, os escribas (dubshars) valiam-se de um estilete de metal ou osso, com o qual gravavam os caracteres cuneiformes sobre as lajotas antes de serem postas a secar.. Campos (1994, p. 27) afirma que essas lajotas, que não traziam título nem nome de autor, eram colocadas em “nichos feitos nas paredes do recinto palaciano destinado às bibliotecas”, e catalogadas pelas “duas ou três palavras do texto”. Elas são descritas por Alberto Manguel (1997, p.149) como “blocos de argila quadrados, às vezes oblongos, de cerca de 7,5 centímetros; cabiam confortavelmente na mão. Um livro consistia de várias dessas tabuletas, mantidas talvez numa bolsa ou caixa de couro, de forma que o leitor pudesse pegar tabuleta após tabuleta numa ordem predeterminada”. Já no Egito antigo, o papiro foi utilizado como suporte para a escrita. Tipo de vegetação abundante às margens do rio Nilo, o papiro era descascado e, de seu miolo, faziam-.

(2) 22. se tiras que, entrecruzadas e sobrepostas, eram “umedecidas e batidas com um macete de madeira”, posteriormente, recebiam “um tratamento com óleo de cedro”, formando-se uma folha que, “depois de seca ao sol, era polida com pedra-pome”, tornava-se adequada à escrita (CAMPOS, 1994, p. 43). Depois, era preparado o rolo: vinte folhas retangulares colocadas em seqüência formavam um volume que, enrolado, trazia um suporte de madeira em cada extremidade. Ainda, segundo Campos (1994, p.43), “os egípcios escreviam em colunas [...] que os latinos chamariam de paginae,” dispostas “em posição perpendicular ao eixo do rolo”. Como as folhas eram muito finas e quebradiças, o texto era escrito apenas no reto (a parte da frente da folha). O papiro, que prevaleceu como suporte da escrita por vários séculos, foi sendo substituído pelo pergaminho – nome dado à pele do animal, geralmente caprino ou ovino, que, submetida a diferentes procedimentos, transformava-se em uma superfície própria para a escrita. A palavra pergaminho deriva do nome da cidade de Pérgamo. Segundo Katzenstein (1986, p. 179), “admite-se que no século II a.C. ele tenha sido inventado nesta cidade ou, que aí tenha sido introduzido um novo método de limpá- lo, esticá- lo e raspá- lo, o que tornou possível a utilização dos dois lados de uma folha para escrever”. Essa possibilidade e o fato de ser um material mais resistente foram fundamentais para fazer do pergaminho o suporte predominante do século IV ao século XII. O uso do pergaminho propiciou o desenvolvimento de um novo formato para o livro: o códice. A bem dizer, o formato códice já era empregado no Egito: as folhas de papiro “também podiam ser dobradas de modo a constituir um códice [...] as folhas unidas em cadernos. Entretanto, devido à fragilidade das fibras, suportavam apenas uma dobra, e assim o códice se produzia pela junção de folhas com quatro páginas cada uma”. Por seu lado, a possibilidade de se utilizar as “duas faces do pergaminho (reto e verso) daria nascimento aos modernos códices, cujas folhas se reuniam pelo dorso e eram em seguida encadernadas, vale dizer, cobertas com uma capa.” (ARAÚJO, 1986, p. 370-371). Para Chartier (1994, p.101), “a substituição do volumen pelo códex – do livro em forma de rolo pelo livro composto por cadernos reunidos –, nos primeiros séculos da era cristã” representou “uma revolução dos suportes e formas de transmissão do escrito”. Isso porque, além de reduzir o custo de produção do livro (por causa da utilização dos dois lados do papel) e de poder reunir vários textos em um mesmo volume, o códex permite. uma localização mais fácil e uma manipulação mais agradável do texto; ele torna possível a paginação, o estabelecimento do índex e de correspondências, a comparação de uma passagem.

(3) 23. com outra, ou ainda o exame do livro em sua integridade pelo leitor que o folheia . [...] É com o códex que o leitor conquista a liberdade: pousado sobre uma mesa ou escrivaninha, o livro em cadernos não exige mais a total mobilização do corpo. Em relação a ele, o leitor pode distanciar-se, ler e escrever ao mesmo tempo, indo, ao seu be l-prazer, de uma página à outra. É igualmente com o códex que se inventa a tipologia formal que associa os formatos e os gêneros, os tipos de livros e as categorias de discurso, portanto, que se organiza um sistema de identificação e de localização de textos dos quais a imprensa será a herdeira e que é ainda o nosso (CHARTIER, 1994, p. 102-103).. Os aspectos apontados fizeram com que, em tempo relativamente curto, o códice fosse adotado como formato predominante. Conforme Araújo (1986, p. 39), a “adoção do códice [...] no século II, por exemplo, acha-se representada na literatura pagã do Egito com apenas 2,31%, no século III com 16,8%, mas já no século IV tal proporção ascende a nada menos de 73, 95%”.. 2. DO CÓDICE AO LIVRO IM PRESSO Mais que lavrar a terra, faz bem copiar livros: ali trabalhamos para a barriga, aqui para a alma. Alcuíno. A produção de livros manuscritos ganhou significativo impulso durante a Idade Média. Conforme Araújo (1986, p.41), “aceita-se pacificamente que, no Ocidente, o maior impulso de estudos e de recuperação de textos se deveu, até o século XV, à iniciativa dos monges que estenderam sua atividade por toda a Europa”. Foi um período em que se buscou “não só a conservação dos textos clássicos através de cópias, como, ainda, pretendeu-se reagrupar em grandes enciclopédias e compêndios todo o conhecimento adquirido” (ARAÚJO, 1986, p.41). Umberto Eco, em seu romance O nome da rosa ambientado em uma Abadia em fins de novembro de 1327, apresenta alguns trechos que descrevem o lugar (o scriptorium) e o trabalho dos monges copistas. Os lugares mais iluminados eram reservados aos antiquários, miniaturistas mais habilidosos, aos rubricadores e aos copistas. Cada mesa tinha tudo o era necessário para miniaturar e copiar: chifres de tinta, penas finas que alguns monges estavam afinando com uma faca afiada, pedra-pomes para deixar liso o pergaminho, réguas para traçar as linhas sobre as quais se estenderia a escritura. Junto a cada escriba, ou no topo do plano inclinado de cada mesa, ficava um atril, sobre o qual se apoiava o códice a ser copiado, a página coberta por moldes que enquadravam a linha que era transcrita no momento. E alguns tinham tintas de ouro e de outras cores. (ECO, 1988, p. 81).

(4) 24. Esta descrição dá conta, ainda que parcialmente, da divisão dos trabalhos realizados no scriptorium e dos instrumentos utilizados. Há que se acrescentar que o trabalho era dirigido por um armarius ou bibliothecarius – monge que exercia as funções de um supervisor editorial. A preparação das páginas do pergaminho era executada por noviços ou por monges menos hábeis. Os trabalhos realizavam-se somente sob luz natural, uma vez que a utilização de luz artificial, em um ambiente altamente inflamável, colocava em risco as vidas humanas e as obras. Era muito cansativo e demorado – especialmente, no inverno (ARAÚJO, 1986, p. 42; CAMPOS, 1994, p. 145). Eu passara até então uma pequena parte de minha vida num scriptorium, mas em seguida passei uma boa parte, e sei quanto sofrimento custa ao escriba, ao rubricador e ao estudioso passar em sua mesa as longas horas do inverno, com os dedos que se contraem sobre o estilo (ao passo que, já com temperatura normal, após seis horas de escritura, a terrível cãibra apodera-se dos dedos do monge e o polegar dói como se estivesse esmagado). E isso explica por que, freqüentemente, encontramos à margem dos manuscritos frases deixadas pelo escriba como testemunhos do sofrimento (e de impaciência), tais como “Graças a Deus logo vai ficar escuro”, ou “Oh, tivesse eu um bom copo de vinho!”, ou ainda “Hoje faz frio, a luz está fraca, este velo é peloso, alguma coisa está errada”. Como diz um antigo provérbio, três dedos seguram a pena, mas o corpo inteiro trabalha. E dói. (ECO, 1988, p. 136). O ano em que transcorre a narração do romance – 1327 – corresponde, ainda, a uma época em que mosteiros, conventos e abadias sofriam com a concorrência de outros lugares em que se produziam manuscritos. Febvre (1972, p. 26-27) afirma que, entre o final do século XII e o início do XIII, “as universidades fizeram surgir um novo público leitor – clérigos, é claro, em sua maioria, mas que não estão estreitamente ligados a outros estabelecimentos eclesiásticos”. Os professores e os estudantes necessitavam de textos que nem sempre estavam disponíveis. Isso fez surgir, nas proximidades dos centros universitários, “uma verdadeira corporação de profissiona is do livro, clérigos ou bem freqüentemente, leigos (os livreiros eram leigos, os copistas ou ‘escritores’ muitas vezes clérigos) que foram logo considerados como parte da Universidade”. No romance de Eco (1988, p. 131-132), há uma passagem que revela essa situação e o desconforto que ela causava em um dos personagens. Quando Guilherme de Baskerville afirma que a Abadia parecia ser “um lugar de homens admiráveis pela santidade e doutrina”, Aymaro de Alexandria lhe responde: “Era. Quando os abades eram abades e os bibliotecários, bibliotecários. [...] Nós estamos aqui, e lá embaixo, nas cidades estão agindo... Outrora, de nossas abadias, governava-se o mundo”. Mais adiante, Aymaro acrescenta: “Nós guardamos o nosso tesouro, mas lá embaixo acumulam-se tesouros. E mesmo livros. E mais bonitos que os.

(5) 25. nossos”. E, contrário às decisões do Abade, que “pôs a biblioteca nas mãos de estrangeiros e conduz a abadia como uma cidadela erigida em defesa da biblioteca”, Aymaro propõe que os livros cheguem às universidades (“se sabemos fazer belos livros, fabriquemo- los para as universidades”) e que a biblioteca se transforme em local mais aberto e acessível (“Abramos a biblioteca aos textos em vulgar, e subirão para cá também os que não escrevem mais em latim.”). A segunda proposta de Aymaro revela que, além dos professores e estudantes, surgira um novo público leitor – a nova classe burguesa que também queria ter acesso à cultura. Conforme Febvre (1972, p. 32), no final do século XIII, “Jurisconsultos, conselheiros leigos dos reis, ‘altos funcionários’ de toda espécie, um pouco mais tarde, ricos negociantes ou burgueses, numerosos indivíduos precisavam de livros”, e procuravam tanto por obras necessárias à profissão, quanto por obras literárias que eram redigidas, em sua maior parte, em língua vulgar. Textos originais, inicialmente, poemas e, depois, também em prosa; “remanejamento de obras antigas, traduções ou adaptações de obras latinas clássicas ou medievais iam em breve pulular”. Para atender à demanda desse novo e maior público, foi necessário que se estabelecesse “uma nova organização da produção de livros”. Se a produção dos manuscritos nos mosteiros já apresentava uma divisão de tarefas e, em cada parte de elaboração dos livros, o emprego de monges especialistas – que trabalhavam no mesmo local –, a expansão do público provocou o surgimento de oficinas leigas separadas de acordo com cada especialidade: “umas de copistas, outras talvez de rubricadores, outras enfim, certamente de iluminadores”; nascendo, lentamente, “verdadeiras correntes de produção nas quais um grande número de artesãos tem suas tarefas bem definidas” (FEBVRE, 1972, p. 37). Assim, quando em 1456, Gutenberg imprimiu os primeiros exemplares da Bíblia com 42 linhas por página (a B42), a imprensa encontrava um cenário propício às mudanças que ela trazia: um público maior que poderia absorver a quantidade de livros que seriam produzidos a partir daquele momento. Assistiu-se, então, a uma grande mudança no processo de produção do livro que foi possível graças à chegada na Europa – desde o final do século XIII até o início do século XV – de duas inovações orientais: o papel e a xilogravura. O primeiro já era conhecido pelos chineses desde o século II; a segunda, conhecida na Coréia desde meados do século VIII e, na China, desde o final do século IX. Conforme Manguel (1997, p. 158), o processo de impressão de livros produziu efeitos imediatos e de grande alcance: “quase imediatamente muitos leitores perceberam suas grandes vantagens: rapidez, uniformidade de textos e preço relativamente barato”. Essas vantagens,.

(6) 26. entretanto, não são suficientes para que Chartier considere a imprensa como uma revolução. Para Chartier (1994, p. 96), o surgimento da imprensa no século XV, quando foram modificados “os modos de reprodução dos textos e de produção dos livros”, não pode ser apontado como uma verdadeira revolução, pois, em sua materialidade, “o livro impresso mantém-se fortemente dependente do manuscrito até por volta de 1530, imitando-lhe a paginação, as escrituras, as aparências e, sobretudo,” o seu acabamento feito à mão. Chartier (1994, p. 96) conclui afirmando que a “revolução da imprensa não consiste absolutamente numa ‘aparição do livro’. Doze ou treze séculos antes do surgimento da nova técnica, o livro ocidental teria encontrado a forma que lhe permaneceu própria na cultura do impresso”. Para reforçar a idéia de que a invenção de Gutenberg, embora fundamental, não foi o único fator que garantiu uma grande circulação do livro impresso, Chartier (1994, p. 97) lança seu olhar para o Oriente e explica que, embora tenham inventado e utilizado os caracteres móveis em terracota no século XI, na China, e em caracteres metálicos, na Coréia, no século XIII, ou seja, bem antes de Gutenberg, esse conhecimento ficou restrito aos poderes dos imperadores ou dos mosteiros. Foi a xilografia que, no Oriente, teve a função de disseminar os textos impressos. E isso ocorreu porque ela se adaptava bem às características da escrita daqueles países, mantendo um “laço estreito entre a escrita manuscrita e a impressão”, além de, “graças à resistência de madeiras duráveis”, possibilitar “o ajuste entre a tiragem e a demanda.”. Um aspecto que corrobora a posição de Chartier pode ser observado no objeto livro produzido. por. Gutenberg,. que. se. mantém. muito. semelhante. àquele. produzido. manuscritamente. Aluísio Magalhães (1975, p. 99) afirma que Gutenberg queria fazer um livro que para Gutenberg era o manuscrito. Assim ele não tinha condições de se aperceber naquele momento da extensão do que estava inaugurando. Não tinha condições de perceber que, naquele gesto, transfor mava o conceito de civilização ocidental. Era impossível, na cabeça dele, ter essa visão em conjunto. Por isso Gutenberg se desesperava para fazer um livro que fosse parecido com um manuscrito, a ponto de complicar enormemente o seu processo.. Esse esforço está presente na escolha dos tipos para impressão, segundo Magalhães (1975, p. 98), “ele foi fiel à manutenção de uma tradição anterior a ele e procurou fazer com que seus caracteres já de chumbo ou liga metálica fossem parecidos com o manuscrito. Tentava desesperadamente que eles tivessem algo parecido com a letra manuscrita”. Evidencia-se, portanto, segundo Chartier (1999, p. 9), “uma continuidade muito forte entre a cultura do manuscrito e a cultura do impresso”, ou seja, não ocorre uma “ruptura total entre.

(7) 27. uma e outra”. Acrescente-se, ainda, que o manuscrito sobreviveu por muito tempo, simultaneamente, com o livro impresso. Entretanto, é preciso destacar a importância desse primeiro passo dado por Gutenberg. Conforme afirma Magalhães (1975, p. 100), com o livro impresso, ocorria “pela primeira vez: a possibilidade de repetição e alcance maior. Até então, por mais que se fale no livro manuscrito como objeto já codificado e já repetido, a diferença era profunda entre a possibilidade mecânica que se repetia no livro”. Inaugurava-se, assim, “a possibilidade de fixação do pensamento humano em termos mais permanentes e de maior difusão”. Tanto que as novas técnicas de impressão rapidamente se espalharam pela Europa, como aponta Thompson (2002, p. 55): “Em 1480 já havia tipografias instaladas em mais de cem cidades pela Europa toda e um florescente comércio de livros tinha surgido”. Fecha-se, aqui, a prometida e breve viagem pela história do livro, entendendo-se que, com o nascimento da imprensa, deu-se o primeiro impulso no sentido de garantir a reprodução, a sistematização e a difusão do livro. Impulso este que ganharia maior amplitude ao longo dos séculos seguintes, quando, por meio das muitas inovações tecnológicas foi possível aprimorar-se o processo de impressão, fazendo com que aquela prática artesanal de produção de livros se transformasse em atividade industrial.. 3. ENCADERNAÇÃO: A ARTE DE EMBALAR PRODUTO TÃO NOBRE No período em que o suporte era o barro, não se tem informação de que as lajotas recebessem algum tipo de proteção. Alberto Manguel (1997, p. 149), com base em representações (“objetos semelhantes a códices”) encontradas em monumentos funerários de pedra, levanta a hipótese de que tais livros fossem encadernados à semelhança dos livros atuais: “talvez uma série de tabuletas presas umas às outras dentro de uma capa”. No entanto, informa o autor que nenhum desses “objetos” foi encontrado até hoje. O rolo, de papiro ou de pergaminho, conforme Chartier (1999, p. 14), “para ser lido, [...] deve ser segurado com as duas mãos. Enrolado nas extremidades sobre dois suportes de madeira, o texto é desdobrado diante dos olhos de seu leitor”. Pode-se dizer, metaforicamente, que tais suportes de madeira constituíam-se em uma espécie de capa, uma vez que asseguravam a integridade física do texto e davam sustentabilidade à leitura. Porém esses suportes não traziam qualquer identificação da obra. Para isso, havia outra solução [Fig. 3], os “rolos eram armazenados em caixas de madeira (semelhantes a caixas de chapéu), com.

(8) 28. rótulos de argila no Egito e de pergaminho em Roma, em estantes com etiquetas (o index ou titulus) à mostra, para que o livro pudesse ser facilmente identificado” (MANGUEL, 1997, p.153). Ainda, sobre esse formato, Dorothée de Bruchard (2004) afirma que, no Egito, os rolos de papiro tinham as bordas protegidas por tiras coladas. Na Grécia e em Roma, costumava-se “envolvê-los em capas de pele ou pano ou, em se tratando de obras mais valiosas, em bibliotecas, (biblio + theka, cofre para livros), ou seja, cilindros de madeira, pedra ou metal onde se acomodavam vários rolos” [Fig.4].. Figura 3: Gravura copiada de um baixorelevo mostrando um método de guardar rolos na Roma antiga. Observem-se as etiquetas penduradas na ponta dos rolos. Fonte: Manguel (1997, p. 152).. Figura 4: cofre usado para guardar os rolos Fonte: http://escritoriodolivro.org.br. Acesso em 15/04/2004.. Quando da passagem do rolo para o códice, surge a encadernação. Afirma Dorothée (2004) que, como uma das características do pergaminho era que suas folhas tendiam a ondular,.

(9) 29. para manter as folhas planas, criou-se o hábito de prendê-las entre duas tabuletas de madeira. O passo seguinte foi prender a essas tabuletas as pontas das tiras que já prendiam os cadernos, a seguir cobrindo com couro as tabuletas ao mesmo tempo que o dorso, criando-se assim a lombada. Estavam dados os princípios da encadernação tal qual a conhecemos.. Nas encadernações, eram colocadas “tachas destinadas a proteger a própria encadernação, pois os livros são guardados deitados ou conservados sobre cavaletes” (FEBVRE, 1972, p. 165). Segundo Dorothée (2004), essa forma de guardar os livros persistiu até o Renascimento e as tachas eram úteis também para manter os livros acima da superfície, evitando a umidade. Guardados dessa forma, a lombada ficava do lado de dentro do armário, assim, para a localização de uma obra, o título era “escrito em etiquetas, não raro protegidas por chifre transparente, atadas à capa” (BRUCHARD, 2004). Já Emanuel Araújo (2000, p. 471), confirma que, “até pelo menos o século XVI usava-se colocar o livro na estante com o lombo virado para o fundo”, porém, quanto à forma de identificar a obra, diz que “o título vinha escrito a tinta sobre o corte das folhas”. Por fim, Rubem Borba (1998, p. 71), sem mencionar a que época está se referindo, afirma que. Durante muito tempo usou-se colocar nas estantes o livro de pé, com o lombo virado para o fundo, exatamente ao contrário do que usamos. No lombo não vinha indicação alguma do nome do autor e do título. Para distinguir os volumes, escrevia -se o título a tinta no corte arredondado das folhas externas que os franceses chamam muito apropriadamente de gouttiere [calha].. Independentemente das pequenas diferenças que podem ser encontradas entre os autores, evidencia-se grande preocupação com a identificação do livro – de nada adiantaria possuir tal objeto se não houvesse meio de localizá-lo. Assim, para objeto tão frágil e de difícil confecção, era necessário empregar materiais que pudessem protegê- lo com eficiência. Objeto frágil, sim, mas também muito valioso! O manuscrito (como será depois, e por muito tempo, o livro impresso) era um produto raro e caro, merecedor, portanto, de todo cuidado, conforme afirmação de Febvre (1972, p. 163): “Que essa preocupação com a solidez, que a qualidade das matérias utilizadas outrora para confeccionar encadernações que ainda hoje, muitas vezes, causam admiração aos profissionais, não nos espantem”. E não apenas protegido, como também ricamente ornamentado [Fig. 5]. De início, prevaleceu a encadernação funcional, como afirma Dorothée (2004): “A princípio um formato ‘pobre’, o livro plano foi contudo se transformando, com a expansão e crescente poder da Igreja, num suporte privilegiado para verdadeiras obras de arte.”, citando são Jerônimo que, no século IV, reclamava: “Tinge-se o pergaminho de cor de púrpura, traçam-se letras com.

(10) 30. ouro líquido, revestem-se de gemas os livros, mas totalmente nu diante de suas portas, Cristo está morrendo”. Apesar da reclamação de são Jerônimo, os códices continuaram a ser encadernados de forma luxuosa, utilizando-se marfim, cobre, prata, ouro maciço e pedras preciosas (BRUCHARD, 2004).. Figura 5: Encadernação do Código de St. Emeran (870), em ouro e pedras preciosas. Fonte: http://escritoriodolivro.org.br. Acesso em 15/04/2004.. Nos primeiros anos após o advento da imprensa, o processo de encadernação não se altera e os incunábulos – como são denominados os livros produzidos entre 1456 e 1500 – apresentam-se, ainda, em sólidas e pesadas encadernações. Esse quadro, aos poucos, começa a se modificar a partir do momento em que aumenta o público interessado em livros. Conforme Febvre (1972, p. 165), “os particulares, em número cada vez maior, organizam as suas bibliotecas, o livro cessa de ser mais ou menos exclusivamente monástico”. Mas deve-se registrar que, embora alcance maior público, afirma Febvre (1972, p. 165) que, “até o século XVIII, o livro permaneceu destinado sobretudo a uma elite relativamente restrita e rica”. Nesse primeiro momento do livro impresso, destaca-se a figura de Aldo Manuzio que, entre 1494 (quando montou sua tipografia, em Veneza) e 1515 (quando morreu), produziu inovações significativas nos aspectos materiais do livro. Entendendo que o livro deveria ser.

(11) 31. acessível ao maior número de leitores, Manuzio lançou “uma coleção de bolso in-octavo (...) impressos com elegância e editados meticulosamente.” (MANGUEL, 1997, p. 162). Preocupou-se, ainda, em utilizar um tipo de letra que fosse adequado a esse formato, adotando a letra cursiva, conhecida, atualmente, como itálica (CAMPOS, 1994, p. 181-182). Quanto à encadernação, que nos primeiros anos do impresso, era feita, predominantemente, em couro grosso e em pergaminho – materiais que o associavam ao manuscrito –, Aldo encontrou soluções revolucionárias e permanentes: “a invenção da lombada reta; a substituição das capas de folha de madeira pelas de papelão; a implantação da pele de cabra fina e douração a quente, e as marcas nos cadernos do livro para ordená- los com rapidez e segurança no processo de agrupamento e costura.” (SATUÉ, 2004, p. 133). As inovações de Aldo resultaram na produção de um livro sóbrio e elegante e foram bem aceitas, tanto que passaram a ser “imitadas em toda a Europa.” (MANGUEL, 1997, p. 163). Com o passar do tempo, cada vez mais livros são produzidos e o mercado comprador se expande, fazendo com que a técnica de encadernação se altere para fazer frente à maior demanda e para atendê- la com maior rapidez e, dessa forma, adquire-se o hábito de substituir as antigas pranchas de madeira por pranchas de papelão, de velhos papéis colados uns sobre os outros: antigas provas de impressão, refugo de livros velhos, correspondência ou contas de empresas ou ainda antigos arquivos. De maneira que a desmontagem das encadernações desse tempo reserva, aos que as realizam, surpresas muitas vezes interessantes (FEBVRE, 1972, p. 166).. Prática comum, após o desenvolvimento da imprensa e que perdurou por muito tempo, diz respeito à circulação dos livros, ou, como diz Rubem Moraes (1998, p. 71-72), das “folhas tipográficas” que eram remetidas ao livreiro de um país a outro em barricas. Usava-se esse método para poupar peso e economizar frete. O livreiro mandava encadernar alguns exemplares para "amostra", para oferecer ao freguês, e guardava o resto em folhas. À medida que ia vendendo uns, ia mandando encadernar outros.. Afirma Febvre (1972, p. 166) que é de se “supor que, bem freqüentemente, o comprador preferia adquirir uma obra em folhas para poder mandar encaderná- la a seu gosto”. Nesses casos, sendo ele rico ou colecionador, ma rcava sua propriedade, mandando “gravar suas armas no centro da capa” (FEBVRE, 1972, p. 169). A partir do século XIX, a prática de encadernação de livros ficará mais restrita às pessoas de alto poder aquisitivo, bibliófilos e,.

(12) 32. conforme Rubem Borba (1998, p. 72), “muita gente” que “coleciona encadernações com o mesmo entusiasmo e paixão que os bibliófilos colecionam livros”. Interrompe-se, por breve instante, a ordem cronológica, para se buscar dois exemplos do século XXI indicadores de que esse interesse e esse entusiasmo podem alcançar outros públicos, conforme se pode notar adiante. O primeiro diz respeito ao prestígio que uma capa de couro pode dar a uma obra como o manuscrito Caminhos revividos, de Paulo Coelho e Christina Oiticica, em tiragem única de duzentos exemplares, vendidos ao preço de R$9500,00 cada um e editados, por Guilherme Rodrigues, na Lithos Edições de Arte, em agosto de 2005. O que desperta a atenção é a participação da grife francesa Louis Vuitton que produziu, especialmente para o livro, duas capas de couro natural. Neste caso, as capas não serviram para encadernar o livro de Paulo Coelho e Christina Oiticica e tampouco foram colocadas à venda [para mais detalhes, ver Anexo 1]. Um outro exemplo revela que obras encadernadas podem interessar também a pessoas que possuem poder aquisitivo muito alto. Trata-se de pessoas que, em sebos, compram livros encadernados em bom estado para somente decorar as estantes, procurando, dessa forma, aparentar intelectualidade. Nesses casos, muitas vezes, os livros não são adquiridos por unidade, mas por metro. Vinte exemplares de romances franceses encadernados em couro correspondem a, aproximadamente, um metro. Os mais exigentes, escolhem obras de arte ou de filosofia – neste caso, os da Antiguidade são os preferidos, desde que os nomes de autores como Aristóteles, Platão, Sócrates, estejam bem visíveis. Há, até mesmo, profissionais da área de decoração que auxiliam seus clientes quanto ao que comprar – assim, recomendam não comprar enciclopédias, que não estão mais em moda – e como dispor as obras na estante ou no ambiente [para mais detalhes, ver Anexo 2]. Assim, retornando no tempo, deve-se observar que, paralelamente à produção de impressos encadernados, eram também produzidos livros que se destinavam a uma clientela popular. Nos séculos XVII e XVIII, ocorreu um fenômeno editorial caracterizado pela multiplicação de “livretos de ampla circulação, destinados a um público que na maior parte é popular” (CHARTIER, 2004, p. 261). Na Inglaterra, existiam os chapbooks que, conforme Manguel (1997, p. 165), eram “pequenos livretes e baladas”, de baixo preço, vendidos por mascates. Na Espanha, vendiam-se os pliegos de cordel, “pequenos livretos de uma ou duas folhas, e uma difusão maciça, garantida em parte pelos ambulantes cegos que cantam seus versos antes de vendê-los” (CHARTIER, 2004, p. 262). Na França, surge a Bibliotheque Bleue. Vendedores ambulantes ofereciam livros, cujos assuntos atendiam ao gosto popular, e que se distinguiam pelo “seu aspecto físico: geralmente é um livro em brochura, normalmente.

(13) 33. encapado de papel, e de um papel que é mais freqüentemente (mas nem sempre) azul” (CHARTIER, 2004, p. 278). A partir do século XIX, os livros apresentam-se ao “público em forma de brochura — com capas de papel, onde a possibilidade de impressão a cores motivou um desenho gráfico mais elaborado” (BRUCHARD, 2004). Nessa época, dois fatores foram fundamentais para que o livro fosse impresso com maior rapidez, em maior quantidade e tivesse seu custo reduzido: a prensa a vapor e a máquina de produção de papel. O aumento do número de tiragens de uma mesma obra fez com se deixasse de lado a “encadernação de livros, que serão vendidos e lidos em simples brochuras” (FEBVRE, 1972, p. 170-171). Certo que toda essa quantidade de livros, agora mais acessíveis a maior número de pessoas, acompanhou o ritmo de uma sociedade que se modificava: urbanização acelerada, maior número de pessoas alfabetizadas, meios de transportes mais rápidos. Tudo isso propiciou o crescimento do mercado editorial. Como exemplo, pode-se citar a expansão das ferrovias, na Inglaterra. Conforme Manguel (1997, p. 166), esse fato fez com que os editores publicassem “livros que se destinavam a ser levados para fora, livros feitos especialmente para viajar”. Daí, as estações ferroviárias passavam a ser ótimos locais para se vender livros. Em 1848, “W. H. Smith & Son [...] abriam a primeira banca de livros de ferrovia, na estação de Euston, em Londres.” (MANGUEL, 1997, p. 167). No século XIX, conforme Livio Lima de Oliveira (2005), “edições européias de livros brochados (...) tiveram êxito reconhecido”, destacadamente aquelas produzidas por Carl Jügel, Tauchnitz, Reclam e Insel-Verlag, na Alemanha; Louis Hachette, na França; e Archibald Constable, John Murray, Colburn e Bentley, H. G. Bohn, John Dick, Simms and McIntyre, George Routledge, Henry Morley, George Newne, na Inglaterra. Analisando dados dessas produções, Hans Schmoller definiu esse período como “the paperback revolution” – a revolução da brochura –, uma vez que essas experiências bem-sucedidas foram determinantes para estabelecer “o que o mercado editorial adotaria de formato e acabamento de livros a partir do século XX – a brochura.” (Oliveira, 2005). Como, anteriormente, foram mencionadas as ferrovias, conclui-se esta seção, com um salto até 1934. Conforme conta Alberto Manguel (1997, 168-171), o editor inglês Allen Lane, enquanto esperava o trem que o levaria de volta a Londres, foi a uma banca de livros da estação e não encontrou nada que o satisfizesse: os livros de capa dura eram caros e, os de ficção, não tinham qualidade. Ocorreu- lhe, então, a idéia de editar “livros de bolso baratos, mas bons”. Depois de um ano, em “30 de julho de 1935, os primeiros dez livros da Penguin foram lançados a 6 pence cada volume”. Surgiu, porém, um problema: Lane calculara “que.

(14) 34. quebraria mesmo se vendesse 17 mil exemplares de cada título, mas as primeir as vendas não passaram de 7 mil. A solução, Lane foi buscar com Clifford Prescott, comprador de grande cadeia de lojas, a Woolworth. Clifford considerou ridícula a idéia de colocar livro à venda ao lado de pares de meia e de latas de chá. Por acaso, naquele exato momento a senhora Prescott entrou no escritório do marido, Consultada sobre o que achava da idéia, manifestou-se com entusiasmo. Por que não? – perguntou ela. Por que não tratar os livros como objetos do dia -a-dia, tão necessários e tão disponíveis quanto meias e chá? Graças à senhora Prescott, fechou-se o negócio.. Assim, os livros da Penguin marcariam o mercado editorial por sua qualidade, variedade de títulos, baixo custo e ampla distribuição. E por falar em distribuição, o que a senhora Prescott, o editor Allen Lane e, talvez, nem mesmo Alberto Manguel (ao menos quando escreveu seu livro) sabiam é que, dezessete anos antes, um brasileiro tivera idéia tão ou mais ousada para distribuir seus livros. Esta, no entanto, é outra história que será contada em momento oportuno.. 4. CAPA DE LIVROS NO BRASIL: UMA TRADIÇÃO No Brasil, a atividade editorial somente terá início após 1808, ano em que a corte portuguesa transferiu-se para cá, instalando-se no Rio de Janeiro. Até aquele ano, a colônia brasileira estivera proibida de realizar atividades relacionadas à impressão. Com a família real, chegaram a Biblioteca Real – atual Biblioteca Nacional – e um prelo de fabricação inglesa, a partir do qual foi criada a Impressão Régia, por ordem de D. João VI. Foi pela Impressão Régia que se publicou, “em 1810, a primeira obra de literatura, Marília de Dirceu, de Tomás Antonio Gonzaga.” (PAIXÃO, 1996, p. 12). Esse atraso, afirma Rafael Cardoso (2005, p. 160), não impediu que o Brasil possuísse “uma longa e rica tradição na área de design de livros.” Essa afirmação é compartilhada por Chico Homem de Melo (2006) e ganha maior relevo, exatamente, por se tratar de livros. Segundo Melo (2006, p. 59), o fato de o mercado editorial constituir a mais consolidada tradição do design no país é uma faca de dois gumes. Por um lado, temos um caminho mais aplainado para o reconhecimento e o respeito pela profissão – ainda que em moldes diferentes do entendimento que temos dela hoje, Por outro, o peso das convenções é maior. Rompê-las torna-se tarefa mais difícil: livros tinham que ser do modo como sempre tinham sido, pois eram fruto de um saber decantado por séculos..

(15) 35. Esse caminho começou a ser aplainado ainda nos tempos do Brasil-Império, quando o país ingressou, quase que simultaneamente à Europa e aos Estados Unidos, “no novo regime industrial de comunicação visual”, a tal ponto que, em relação à confecção de “livros com capas ilustradas, o caso brasileiro é surpreendente tanto pelo pioneirismo quanto pela originalidade.” (CARDOSO, 2005, p. 164). Como exemplo desse pioneirismo, Rafael Cardoso (2005, p. 165) cita o livro Vergastas [fig. 6], de Lúc io de Mendonça, considerado “um dos primeiros exemplares nacionais de uma capa ilustrada de autoria reconhecida”. Impresso em 1889, na Typographia e Litographia, de Carlos Gaspar da Silva, esse livro trazia em sua capa uma ilustração de Raul Pompéia. De certa forma, esse procedimento acompanhava uma prática – não comum até o final da Primeira Guerra Mundial – que ocorria em outros países. Conforme Cardoso (2005, p. 165), “uma cultura forte de ilustração de capas” surgirá somente na década de 1920, “em especial em países de menor tradição tipográfica, como os Estados Unidos e o Brasil”.. Figura 6: Primeira capa do livro Vergastas, de Lúcio de Mendonça. Fonte: http://www.bazardaspalavras.com.br/?mudar=listar.asp% 3Flista%3D24. Acesso 30 janeiro 2007.. Porém, antes de passar à década de 1920, é necessário traçar um breve panorama – que irá da metade do século XIX ao início do XX, para se compreender como se apresentavam os livros no Brasil. Em meados do século XIX, à época em que, no Rio de Janeiro, o mercado livreiro era dominado pelas livrarias-editoras de Laemmert e Garnier, segundo Alessandra El Far (2006), se alguém passasse por uma dessas livrarias “veria filas do chão ao alto de.

(16) 36. exemplares cuidadosamente encadernados e, dependendo do horário, entusiasmadas confrarias literárias que reuniam conhecidos homens de letras”. A venda de livros “cuidadosamente encadernados” atendia a uma demanda que, conforme Hallewell (2005, p. 219-220), Garnier dizia ser muito pequena, de forma que “a maioria dos livros não teriam mais de trezentos compradores por ano”. Tratava-se de um consumidor que, pertencente a uma pequena elite, podia se dar ao luxo de se portar como europeu ou, mais precisamente, como francês. Esse comportamento foi, dentre outros, um dos motivos que levaram Baptiste Garnier a imprimir seus livros na França: atender a clientes que possuíam um apelo esnobe por tudo que era francês [...], especialmente no caso dos livros mais caros, aos quais se somava ao atrativo adicional de uma encadernação francesa. Um exemplo é sua edição, em 1865, da tradução da Vulgata, por Antonio Pereira de Figueiredo, ilustrada com trinta cópias de velhos mestres gravadas em aço e impressa em dois volumes. A expressão “nitidamente impressa e suntuosamente encadernada em Pariz” aparecia constantemente nos anúncios publicitários da época. (HALLEWELL, 2005, p. 200).. Ao final do século XIX, esse gosto ainda prevalece, conforme se pode ver nas palavras de Luiz Edmundo (2003, p. 431-432) que, em seu livro de memórias, afirma que o prestígio do livro francês, porém, continua imoderado e incondicional. Com que avidez o lemos! Nos colégios, ainda se estuda o nosso idioma pelas obras dos clássicos portugueses. Não há biblioteca sem o seu João de Barros encadernado em carneira, as obras de Gil Vicente e de outros marechais das letras lusas, velhos e novos, o infalível busto de Camões em terracota, com uma coroa da mesma massa na cabeça... Contudo persistimos franceses, pelo espírito, e, mais do que nunca, a diminuir por esnobismo tudo que seja nosso. Tudo, sem a menor exceção. O que temos, não presta: a natureza, o céu, o clima, o amor, o café. Bom, só o que vem de fora. E ótimo, só o que vem de França.. Outra estratégia, empregada por Garnier, para atrair o comprador era a publicação de obras em coleções. Nesse caso, afirma Hallewell (2005, p. 261-262) “a oferta de algum título individual atrairia o leitor, levando-o a adquirir outros volumes da série. Isto se aplicava aos autores já falecidos cujas obras pudessem ser reeditadas numa coleção completa”, a autores consagrados, como Machado de Assis, ou, em casos excepcionais, a algum autor novo, mas que escrevesse muito, com quem se poderia contar “para a produção ininterrupta de outras obras semelhantes” – como foi o caso de João do Rio. Se Garnier vivesse no início do século XXI, poderia dizer que se tratava de uma estratégia com o intuito de fidelizar o cliente – estratégia que requer, além de um mesmo autor ou de um tema comum, um projeto gráfico.

(17) 37. (em que se destaca, sobretudo, a encadernação ou a capa) padronizado para todos os volumes da coleção. Paralelamente àquele mercado elitista, existia um outro constituído de assalariados alfabetizados e, para ele, havia livreiros que ofereciam livros mais baratos, apresentados em “capa brochada, papel de baixa qualidade e um projeto gráfico capaz de facilitar o exercício da leitura.” (EL FAR, 2006). Atender a essa camada urbana do Rio de Janeiro era uma forma de fazer com que se “passasse a ver o livro não mais como uma mercadoria de luxo, reservada ao cultivo do saber erudito, mas, também, como um produto acessível, destinado à informação, ao passatempo e à curiosidade passageira.” (EL FAR, 2006). Dentre aqueles livreiros, teve destaque Pedro Quaresma, fundador da Livraria do Povo, em 1879. Além de vender livros novos e usados, Quaresma passou a publicar livros cujos assuntos abordavam desde temas triviais – Arte de fazer sinais com o leque e com a bengala, Manual dos namorados, por exemplo – a assuntos mais práticos – entre outros, títulos como O padeiro moderno, Livro do industrial moderno (PAIXÃO, 1996, p. 20). Comparando Garnier e Laemmert a Pedro Quaresma, Luiz Edmundo (2003, p. 432), afirma que, no final do século XIX, “os mais importantes editores são: o Garnier, que edita o que de melhor se escreve no país, em matéria de literatura; o Laemmert, que se especializa em edições de obras científicas ou sérias, e o Quaresma, editor de baixas- letras e que, por isso mesmo, é popularíssimo”. Em seu livro de memórias, Luiz Edmundo (2003, p. 454), refere-se à clientela da Livraria do Povo como “toda uma freguesia perguntona, espalhafatosa, vozeiruda, que arranca notas de dois e cinco mil-réis do fundo de lenços de chita, muito sujos, armados em carteiras”, enquanto os livros à venda são “brochurinhas, postas em capas de espavento”. Para fechar este breve panorama, busca-se, ainda em Luiz Edmundo (2003, p. 415422) uma descrição, no mínimo curiosa, de alguns livros publicados, outros, não, no começo do século XX. Ele afirma que, naquele período, um grupo de jovens escritores era influenciado por “idéias importadas”, ou, nas palavras de Luiz Edmundo, as “hostes novas da nossa literatura vivem assanhadas pelo simbolismo” que chegava ao Brasil por meio das obras de Baudelaire, Verlaine, Mallarmé, Viele Griffin, Émile Verhaeren, Paul Fort, Madame Rachilde. O grupo passou, então a contestar os consagrados autores brasileiros. Nenhum deles ficava livre dos seus ataques: desde Gregório de Matos, passando pelos árcades e românticos e chegando aos contemporâneos, tais como, Olavo Bilac, Coelho Neto e, até mesmo, Machado de Assis. Desses jovens provocadores, Luiz Edmundo diz tratar-se de uma “legião.

(18) 38. de novos e de loucos que enche as portas da Livraria Garnier” e de quem “há muito de interessante e pitoresco a dizer e a contar”. Atendendo ao propósito deste trabalho, apresenta-se somente o “interessante e pitoresco” aspecto material de alguns daqueles livros lançados por aqueles “escribas novos”. Além dos ataques aos autores consagrados, além de uma produção literária inusitada, além de se vestirem e de se comportarem de forma um tanto extravagante, afirma Edmundo (2003, p. 422) que a provocação chega ao ponto de intervir até na feição material do livro. O que está em moda, reagindo contra a brochura vulgar, é plaquette de 60, de 30 e, até às vezes, de 8 e 4 páginas! Mário Pederneiras publica Agonia e Rodas Noturnas, num formato que ofende a vista do leitor, porque é o dos velhos Memoriais da Casa Laemmert. Júlio Afrânio (Afrânio Peixoto) dá-nos o seu livro de estréia, Rosa Mística, impresso nas sete cores do prisma. É quando Cardoso Júnior pensa em publicar o Primeiro Soneto , quatorze versos distribuídos por catorze largas páginas – uma linha de verso por página impressa em papelão de respeitável grossura, o bloco encadernado, depois, em capa de folha-de-flandres. Por essa época publica Carvalho Aranha o seu segundo livro, Eu, que traz uma capa representando um carvalho e uma enorme aranha caranguejeira! O livro Manchas, de Antônio Austregésilo, justificando o título, aparece de capa branca, manchada pelos dedos dos tipógrafos, depois de metidos em tinta negra de imprimir. Melhor, porém, dá-se com Estácio Florim, que não acha quem lhe queira publicar o Lua-Cheia, livro que ele imaginou em forma circular, a impressão feita, também, em círculo, e com um sistema de encadernação constando de um cordão que, rompendo o centro das páginas, acabe em dois grossíssimos nós.. A partir daqui, retoma-se o fio lançado no início e salta-se diretamente para logo após o final da Primeira Guerra Mundial, quando a ação de alguns editores fará com que, no Brasil da década de 1920, a capa ilustrada venha a merecer maior atenção das editoras. Dentre elas, despontou a Livraria Leite Ribeiro, fundada no Rio de Janeiro, em 1917. Conforme Rafael Cardoso (2005, p. 193-194), esta casa editorial, entre 1917 e 1920, “parece ter sido a principal editora do país durante o boom editorial que se seguiu à Primeira Guerra Mundial”, já que foi nela que se produziram significativas mudanças em relação ao projeto gráfico dos livros, em especial a elaboração de “capas em que a ilustração se insere em uma estrutura de diagramação mais complexa e consciente.”, uma vez que se tratava de “um amplo esforço para tornar atraentes as novas edições mais baratas em brochura.”. Dessa forma, apresentando ao leitor um livro que se distanciava daquele “objeto de luxo, bem encadernado, com bom papel e acabamento artesanal”, nota-se que os editores de livros populares, entre 1910 e 1920, tentavam “compensar com um projeto gráfico vistoso a má qualidade de seus materiais e o seu péssimo acabamento.” (CARDOSO, 2005, p. 177)..

(19) 39. No período entre 1920 e 1930, Rafael Cardoso (2005, p. 180-181) afirma que as capas de livros eram produzidas por “artistas e ilustradores renomados à época”. Dentre eles, havia caricaturistas (tais como Alvarus, Correia Dias, Fritz, Nemésio, Paim, Raul, Trinas Fox e Voltolino); artistas plásticos (Di Cavalcanti, Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Victor Brecheret – que produziram capas para obras de autores proeminentes do Modernismo de 1922 –, Wasth Rodrigues, dentre outros) e, ainda, artistas gráficos (Edgar Koetz, Geraldo Orthof, João Fahrion, Santa Rosa). Cardoso (2005, p. 181) afirma que, em face da quantidade de capas produzidas e pela qualidade, Paim e Correia Dias foram os que mais se destacaram. Quanto ao pioneirismo em se elaborar capas ilustradas, Rafael Cardoso (2005, p. 165) não considera Monteiro Lobato “o primeiro editor a romper com o padrão então vigente de capas puramente tipográficas”. Tampouco aceita a capa elaborada pelo artista José Wasth Rodrigues para o livro Urupês, de Monteiro Lobato, publicado em 1918, como o marco inicial “do design de capas no Brasil, bem como um ponto de partida para a reconfiguração dos projetos de livros de modo geral, incluindo uma maior atenção à qualidade tipográfica e à diagramação do miolo”. Para ele (2005, p. 177-180), teria sido o artista Fernando Correia Dias o pioneiro criador de capas cujas ilustrações “evidenciam o uso consciente de uma malha diagramática”. As primeiras edições dos livros Nós (poemas de Guilherme de Almeida, publicado em 1917 e impresso nas oficinas de O Estado de S. Paulo) e Da seara de Booz (crônicas de Humberto de Campos) [fig. 7], publicado em 1918 pela Livraria Leite Ribeiro) constituem-se nas capas mais antigas de Correia Dias.. Figura 7: Primeira capa do livro Da seara de Booz, de Humberto de Campos. Fonte: Cardoso (2005, 166). De acordo com Cardoso (2005, p. 180), “são projetos simples mas bem-resolvidos e trazem em destaque a assinatura” de Correia Dias. Colocar a assinatura do ilustrador na capa,.

(20) 40. tinha a intenção de não somente remeter “a uma tradição estabelecida no meio de gravura”, como também valorizar a capa, “associando-a a um artista de renome, como era o caso de Correia Dias à época.” (CARDOSO, 2005, p. 180). Se, por um lado, descarta Lobato como pioneiro; por outro lado Cardoso (2005, p. 168) não contesta a sua importância, pois considera a atuação de Lobato “decisiva sim na adoção da capa ilustrada como prática comercial corrente e, por conseguinte, na sofisticação da programação visual dos livros brasileiros”, porém afirma ser “um erro atribuir tais mudanças apenas à sua iniciativa e, pior ainda, ignorar o que foi feito à mesma época por outras editoras”. É significativo que sejam estabelecidos os marcos do pioneirismo na realização de capas ilustradas e os nomes de quem deram esses primeiros passos, no entanto, há que se ressaltar o fato de que, nas duas primeiras décadas do século XX, havia editores que revelavam ter consciência de que, independentemente do valor artístico e cultural atribuído ao livro, este era visto como mercadoria que, como qualquer outra, deveria atrair o comprador e, mais ainda, chegar até ele. É nesse empenho que a atuação do editor Lobato se destaca, pois, além de se preocupar com a apresentação do livro, lançava mão de diferentes estratégias que pudessem fazer do livro um objeto comum e acessível ao ma ior número de pessoas possível. Desde o início das atividades da editora Monteiro Lobato & Cia. (fundada em São Paulo e que teve vida ativa entre 1919 e 1925), o editor Lobato, considerando que as capas dos livros eram monótonas e “consciente do valor pub licitário de uma atraente aparência externa de sua mercadoria”, convocou “desenhistas”, mandou “pôr cores berrantes nas capas” e mandou “pôr figuras.” (HALLEWELL, 2005, p. 326). De maneira que, em pouco tempo, conforme o próprio Lobato (1969, p.174) os “balcões das livrarias encheram-se de livros com capas berrantes, vivamente coloridas”. Ia além, influindo também na escolha de títulos, aconselhando a que se pusessem nomes femininos, pois, “em cheirando mulher lá dentro, os leitores concupiscentes compram por ver. Editar é fazer psicologia comercial.” (LOBATO apud PAIXÃO, 1996, p. 49). Capas atraentes, títulos sugestivos, mas como alcançar o comprador? A resposta de Lobato a esta pergunta, não apenas mostrará que ele tomava atitudes arrojadas bem como permitirá que se revele o nome do brasileiro a quem se aludiu anteriormente [ver página 34]. Foi Monteiro Lobato o brasileiro que, dezessete anos antes de Allen Lane e da senhora Prescott, teve a idéia de ampliar a rede de distribuição de livros no Brasil. A idéia surgiu quando Lobato publicou a primeira edição de Urupês – antes mesmo de fundar sua editora – e se defrontou com a escassez de livrarias que, segundo Halleweel (2005, p. 319-320), seriam pouco mais de trinta “em todo o país, dispostas a aceitar livros em consignação”. Sua primeira.

(21) 41. iniciativa foi utilizar os canais de distribuição da Revista do Brasil – o primeiro empreendimento editorial em que Lobato se envolveu – conseguindo, desse modo, “aumentar os possíveis pontos-de-venda para perto de duzentos”. Até aí, tratava-se de uma ação sem grande ousadia. Esta se revelaria em seguida, quando enviou circular a uns1300 negociantes cujos endereços com algum esforço obtivemos: 1300 negociantes de 1300 cidades e vilas do Brasil dotadas de serviço postal – donos de pequenas papelarias, donos de bazar, de farmácias, de lojas de armarinho ou de fazendas e até de padarias... A circular propunha-lhe um negócio novo: a venda duma coisa chamada “livro”, que eles receberiam em consignação e, pois, sem empatar dinheir o nenhum. Vendida que fosse a tal misteriosa mercadoria, o negociante descontava a sua comissão de 30% e nos enviava o saldo. (LOBATO, 1969, p.173-174).. Mais saboroso, ainda, é o texto daquela “famosa circular”, conforme reproduzida em Hallewell (2005, p. 320): Vossa Senhoria tem o seu negócio montado, e quanto mais coisas vender, maior será o lucro. Quer vender também uma coisa chamada “livros”? Vossa Senhoria não precisa inteirar-se do que essa coisa é. Trata -se de um artigo comercial como qualquer outro: batata, querosene ou bacalhau. É uma mercadoria que não precisa examinar nem saber se é boa nem vir a esta escolher. O conteúdo não interessa a V. S., e sim ao seu cliente, o qual dele tomará conhecimento através das nossas explicações nos catálogos, prefácios, etc. E como V. S. receberá este artigo em consignação, não perderá coisa alguma no que propomos. Se vender os tais “livros”, terá uma comissão de 30 p. c.; se não vendê-los, no-los devolverá pelo Correio, com o porte por nossa conta. Responda se topa ou não topa.. Com isso, afirma Hallewell (2005, p. 320), Lobato ampliou sua rede para “quase dois mil distribuidores espalhados pelo Brasil” e só não vendeu livros em açougue: “os únicos lugares em que não vendi foi nos açougues, por temor de que os livros ficassem sujos de sangue.” (LOBATO, apud HALLEWELL, 2005, p.320). Ainda que não seja considerado o editor que, primeiramente, publicou livros com capas ilustradas, Monteiro Lobato teve papel destacado na produção editorial brasileira, pois ao longo dos “sete anos de sua primeira aventura editorial, ele conseguiu revolucionar todos os aspectos da indústria.”, a tal ponto que “o que realizaram editores posteriores, como a José Olympio, somente foi possível porque puderam trilhar o caminho que Lobato já havia explorado.” (HALLEWELL, 2005, p. 326). Acrescente-se, ainda, que, conforme Hallewell (2005, p. 326), ele respeitava seus autores – dentre os quais, tinha predileção pelos novos – e lhes pagava bons direitos autorais. De acordo com Paixão (1996, p. 48), Monteiro Lobato foi um divisor de águas dentro da atividade editorial brasileira e a.

(22) 42. história do livro no Brasil pode ser dividida em antes e depois de Monteiro Lobato. O escritor paulista foi o responsável pelos primeiros investimentos nacionais na área do livro, desde a Editora Revista do Brasil, passando pela Monteiro Lobato & Cia. e pela Cia. Editora Nacional, até chegar à Editora Brasiliense, que ajudou a fundar.. Até a década de 1930, consolidavam-se procedimentos que dariam maior sustentação à atividade editorial no Brasil. Apesar disso, quanto à apresentação, o “livro brasileiro perdia de longe em comparação com os estrangeiros, sobretudo os de origem européia”, afirma Paixão (1996, p. 118). Havia, entre os editores nacionais, maior preocupação com o conteúdo, deixando o aspecto visual em segundo plano. Os livros brasileiros apresentavam-se, em geral, como “brochuras com folhas mal-aparadas, tipos (letras) grosseiros e impressão descuidada”, completa Paixão (1996, p. 118). Tanto que, em 1925, Gilberto Freyre, comparando os livros (“que são uma alegria artística para os olhos”) publicados nos Estados Unidos, Inglaterra, Itália e Alemanha, aos livros brasileiros e portugueses, afirma que estes são feios. Dizia Freyre (1925) que, enquanto naqueles países ocorria um movimento de reabilitação da estética do livro, Brasil e Portugal mantinham-se desatentos a isso e completava que éramos “os países do livro feio. Do livro mal feito. Do livro incaracterístico. Principalmente o Brasil.” Nem Monteiro Lobato escapava de sua avaliação. Gilberto Freyre reconhecia que Lobato havia conseguido “animar de certa nota de graça o livro brasileiro. Mas ligeiríssima graça. Livro belo, não saiu nenhum de suas mãos ou de seus prelos” e, justifica sua apreciação, lembrando de um exemplar de luxo de Urupês que “era uma melancolia para os olhos. Uma humilhante melancolia para os olhos de brasileiro longe de sua terra. Contrastava com os livros comuns que então me rodeavam”. Além da capa, era chegado o momento de se dar atenção ao livro como um objeto bem apresentável no seu todo. Nessa tarefa, destacou-se Tomás Santa Rosa que “tem sido considerado o maior produtor gráfico de livros do Brasil, responsável, quase sozinho, pela transformação estética do livro brasileiro nos anos 1930 e 1940.” (HALLEWELL, 2005, p.462). Santa Rosa realizou, em 1933, seu primeiro projeto gráfico: a primeira edição de Caetés [fig. 8], de Graciliano Ramos, publicado pela Livraria Schmidt Editora, do poeta Augusto Frederico Schmidt. (LIMA e FERREIRA, 2005, p. 204). No mesmo ano, Santa Rosa projetou e ilustrou o romance Cacau, de Jorge Amado, publicado pela editora Ariel. A partir desse projeto, em que se destacavam os “desenhos nitidamente modernistas”, Santa Rosa “se faria cada vez mais presente no setor editorial. Cacau pode ser considerado seu melhor e mais completo trabalho dessa fase, com uma solução harmônica para a capa e o miolo ilustrados.” (LIMA e FERREIRA, 2005, p. 205)..

(23) 43. Figura 8: Primeira capa de Cahetes, de Graciliano Ramos. Fonte: (Cardoso) 2005, 197. Santa Rosa produziu sete trabalhos para as editoras Schmidt e Ariel. Embora possuíssem qualidade, era uma proposta sua, pois faltava àquelas editoras “um projeto editorial explícito” que pudesse “dar unidade à sua produção.” Faltava, enfim, “um profissional fixo que se responsabilizasse por essa tarefa”, uma vez que o aspecto gráfico do livro variava conforme o gosto do autor ou do editor (LIMA e FERREIRA, 2005, p. 208). A realização de um “projeto gráfico explícito”, tornou-se realidade para Santa Rosa quando, em 1935, foi contratado pela Livraria José Olympio Editora para trabalhar “como produtor gráfico, ou seja, responsável pelo design dos livros, projetando as fontes, a mancha do texto e as capas. (...) submetendo sua criação plástica, antes desinibida, a um planejamento editorial, levando em conta custos e padronização.” (LIMA e FERREIRA, 2005, p. 209). O primeiro trabalho de Santa Rosa para a José Olympio foi o projeto do livro Moleque Ricardo, de José Lins do Rego, em 1935. Posteriormente, ele ficaria responsável pela identidade visual da coleção “Ciclo da cana-de-açúcar”, constituída por obras daquele mesmo autor. Além deste autor, Santa Rosa trabalhou nos projetos de muitos autores significativos naquela época – que, na história da literatura brasileira, pertenceram à segunda fase do Modernismo, mais precisamente, ao ciclo dos romances regionalistas. Segundo Lima e Ferreira (2005, p. 216), o “impacto da nova literatura trazida por sua geração era acompanhada pelo apelo visual das capas, com ilustrações que explicitavam o tema do livro”. Ainda para os novos autores, os projetos de Santa Rosa, que davam “uma roupagem séria”.

(24) 44. àquelas obras, ajudaram a “lhes garantir o respeito do público e da crítica.” (LIMA e FERREIRA, 2005, p. 216). De 1933 a 1956, ano em que faleceu, Santa Rosa contribuiu, significativamente, para a melhoria da apresentação gráfica do livro. Segundo Hallewell (2005, p. 462), seu trabalho, além daquele desenvolvido nas editoras comerciais da época, destacou-se, ainda pela “verdadeira revolução no aspecto físico das publicações do Governo Federal. A Casa Rui Barbosa, o Instituto Nacional do Livro, o Itamarati e o Serviço de Informação Agrícola, todos utilizaram seus serviços” e por sua “influência como professor: em 1946, dirigiu o efêmero curso de artes gráficas na Fundação Getúlio Vargas”. O respeito pelo texto do autor, o cuidado com que tratava a relação entre a ilustração e o texto e a consciência que tinha de seu trabalho ficam evidentes quando se lê um trecho do próprio Santa Rosa que, em 1952, publicou Roteiro de arte, em que expõe o seu processo de criação. Segundo ele (apud LIMA e FERREIRA, 2005, p. 220), o que conta para o ilustrador não é o descritivo do poema, do conto, do romance, mas a atmosfera espiritual em que se movem os ritmos, os sentimentos, os personagens, o clima que evoca suas situações íntimas. Tomamos várias atitudes, portamo-nos como cineastas quando procuramos o ângulo justo em que o assunto mais avulta, mais se define, mais se precisa. Ora, espionamos os personagens de um romance, cercamo-los, esmiuçamos suas vidas, seus hábitos mais íntimos, suas manias, seu andar: as rugas da face, só com o fim de transpor com a mais densa verdade, o seu caráter e a sua força.. A designação de um profissional fixo responsável por todo o projeto gráfico das publicações de uma editora foi uma decisão que se manteve na José Olympio e repetida em outras editoras, como a Companhia Editora Nacional e a Livraria Martins Editora. Na José Olympio, após a morte de Santa Rosa, essa atividade ficou a cargo de Luís Jardim que, desde 1942, fazia capas de livros para José Olympio. Seu trabalho também ficou marcado pelos muitos “retratos a bico-de-pena que fez para o frontispício de inúmeras publicações da José Olympio.” (HALLEWELL, 2005, p. 463). A Nacional, no final da década de 1940, contou com o ilustrador Rubens de Barros Lima como profissional responsável pela produção gráfica da editora. Ele permaneceu nesse trabalho até por volta de 1970. Afirma Hallewell (2005, p. 382) que ele “desenvolveu um estilo despojado, pregou soluções modernas (formato, diagramação, ilustrações etc.)” e ressalta a “qualidade dos desenhos de capa e ilustrações, decorrente da colaboração de artistas como Carlos Bastos, Carybé, Darcy Penteado, Walter Levy e outros”. Na Livraria Martins Editora, o cuidado com a estética dos livros foi tarefa do produtor gráfico Frederico José da Silva Ramos que deu atenção a “detalhes como.

(25) 45. diagramação, tipo de papel e de letra” e à concepção de capas e ilustrações “entregues, ao longo dos anos, a artistas como Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral, Guignard, Carybé e Iberê Camargo.” (PAIXÃO, 1996, p. 111). De acordo com Paixão (1996, p. 122), a década de 1940 pode ser considerada como “o período áureo da ilustração de livros no Brasil”. Se até a década de 1930, o esforço fora no sentido de desenvolver práticas que pudessem viabilizar a atividade editorial brasileira, a partir de 1940, o problema dos “livros feios”, como afirmara Gilberto Freyre, estava superado. Isso foi fundamental para as décadas seguintes visto que a apresentação gráfica do livro deveria atender a um novo leitor que se constituiria, paulatinamente, a partir de meados de 1950 e, de forma acentuada, no correr da década de 1960. Nesse período, o público potencial cresce tanto em quantidade como em qualidade, em virtude da formação de uma população universitária que, conforme Chico Homem de Melo (2006, p. 61), configuraria um novo perfil de leitor: “mais informado, mais aberto a novidades, mais crítico, mais ativo, mais jovem”.. Figura 9: Capa elaborada por Eugenio Hirsch. Fonte: Melo (2006, p. 65). Foi nesse contexto que Eugênio Hirsch atuaria de forma significativa, quando, em 1959, foi contratado pelo editor Ênio Silveira para ser o principal produtor gráfico da editora Civilização Brasileira. Seu trabalho foi destacado por Hallewell (2005, p. 545) como “uma revolução que [...] se estendeu à indústria editorial como um todo”. Sua produção estava “em sintonia com o panorama mundial das artes visuais e do design de seu tempo.” (MELO, 2006, p. 65). Foi o primeiro a empregar, sistematicamente, a fotografia em suas capas – mais freqüentemente, a utilizava em alto-contraste. Em algumas capas [fig. 9], o emprego dessa técnica tem um resultado “mais próximo da arte pop” e o “tratamento da imagem [...] lembra.

(26) 46. trabalhos posteriores de Andy Warhol.” (MELO, 2006, p. 65). Como uma das idéias de Hirsch era causar surpresa, o seu trabalho “hipertrofia o design na tentativa de seduzir o público. (MELO, 2006, p. 62), Desse modo, Hirsch não se deixava mobilizar por questões como “legibilidade, clareza, fidelidade ao conteúdo do livro”, uma vez que “estava empenhado na venda do livro” cuja capa “era concebida como um cartaz no ponto-de-venda”. Quanto a isso, Hirsch estava também em sintonia com o editor Ênio Silveira que não tinha qualquer receio em utilizar a publicidade para vender seus livros. Além disso, Ênio Silveira dava total liberdade às inovações gráficas empreendidas por Eugênio Hirsch. A mesma que teve Marius Lauritzen Bern, substituto de Hirsch, e que atuou na Civilização Brasileira desde meados de 1960 até o final daquela década. Embora desse continuidade às inovações de Hirsch, entre o trabalho de Bern e o de seu antecessor “há um diferencial importante”, já que procurou respeitar a “legibilidade dos textos e buscou estabelecer vínculos entre a capa e o assunto tratado pelo livro.” (MELO, 2006, p. 70). Se por um lado, perdia-se a contundência presente nas capas de Hirsch; por outro, as capas elaboradas por Bern revelavam ser ele “um mestre no equilíbrio entre os vários fatores envolvidos na questão do design.” (MELO, 2006, p. 70).. Figura 10: Capas elaboradas por Bea Feitler. Fonte: Melo (2006, p.75). No mesmo período, Manuel Bandeira, Fernando Sabino e Rubem Braga lançavam-se em uma aventura editorial, iniciada em 1960 e que não chegaria ao final da década. No entanto, as capas dos livros da Editora do Autor (depois, com a saída de Manuel Bandeira, ficou sendo a Editora Dois Amigos e, pouco tempo depois, Sabiá) impressionam não somente pela qualidade como também pelos artistas que as confeccionaram: Carlos Scliar, Glauco Rodrigues, Bea Feitler [fig. 10], Jaguar, Fortuna e Ziraldo. Todos, com exceção de Ziraldo,.

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