CAPíTULO 15
CARACTERíST
I
CAS LlNGuíSTICAS DO BRAILLE
Jorge Brandão (UFC) Elisângela Magalhães (UFC) lvanice Bastos (CREAECE) Clarissa Rodrigues (UFe)
15.1lntrodução
Caríssimo leitor e prezada leitora, ler pode ser perigoso, com efeito, quando estamos lendo um livro, uma revista, entre outros meios escritos: na verdade estamos repetindo os processos mentais daquele(a) que escreveu. Assim sendo, quando é que aleitura passa a ser algo construtivo para o(a) leitor(a)?
Quando aquilo que está sendo lido não é ponto de chegada, e sim ponto de partida para o ato de pensar, haja vista lermos os pensamentos dos outros para con -seguirmos ter os nossos próprios pensamentos (COSTAj CASCINOj SAVIANI, 2000).
A leitura feita com os olhos pode apreciar e associar gravuras ao texto, o que nem sempre ocorre com aqueles que leem com o tato.
Este ensaio' é escrito a quatro mãos: uma fonoaudióloga, duas pedagogas e um pesquisador. Juntos, procuramos interagir a partir de nossas experiências com o título deste capítulo de modo a apresentar nossas vivências de maneira simples, porém respeitando o rigor de um texto que pode ser explorado tanto por acadê-micos quanto por "curiosos".
Como podemos ter leitores que não trabalham em escolas especiais, vale res-saltar que, em relação
à
postura pedagógica do(a) professor(a), não é necessário que o(a) mesmo(a) saiba Braille para ter uma comunicação ativa com discente cego (ou Libras para se comunicar com estudante surdo). "Só" é preciso que apessoa que ministrará uma aula em salas regulares, onde estão incluídos alunos com algumas necessidades especiais, tenha domínio de seu conteúdo.Com efeito, de que modo é possível adaptar material concreto para com -preender soma de frações, tirando o m.m.c., se, enquanto docente, não sei o que sig -nifica m.m.c. (e você, caríssimo(a) leitor(a), lembra o significado do m.m.c.?). Outro
'Um estudo de caso está atrelado àsobservações.
exemplo: de que forma um(a) professor(a) pode querer fazer uma experiência naá
=~
de Ciências da Natureza, contemplando cegos e sem deficiência visual (videntes),
:=
não conhece os princípios envolvidos no dito experimento (BRANDÃO, 20~0)? Ainda em relação
à
postura pedagógica, não obstante odomínio do conte
ú
c:
espera-se que o(a) docente seja uma pessoa que consiga transmitir os conhe
-mentos de forma compreensível. Independentemente de estratégias utilizadas, ~
maneira como o(a)
professor(a)fala
cria, no estudante, uma sensação de confiançanaquilo que é comunicado pelo(a) docente.
Assim sendo, falar com linguagem isenta de erros e vícios, utilizar linquaqer
-clara, objetiva e de fácil compreensão e variar a intensidade de voz durante as exp
-cações são algumas atitudes positivas. Atitudes que facilitam a aprendizagem, inde
-pendentemente do tipo de aprendiz (com ou sem deficiência visual).
Por fim, e não menos importante, a comunicação do(a) professor(a) com :
alunos deve respeitar os limites dos discentes, valorizando e estimulando suas poter
-cialidades. Verificar se, em ocorrendo uma conversa entre dois ou mais estudantes
o motivo da conversa é ou não o conteúdo visto. Pois, muitas vezes os alunos corr
-preendem (melhor) determinado assunto transmitido pelo(a) professor(a) através cz
linguagem de seus pares (colegas), conforme Vygotsky (200~).
Mas, afinal, quem é a pessoa com deficiência visual? Quem usa o Braille? próximo tópico abordaremos a resposta para os referidos questionamentos.
15.2 Deficiência visual e formação de conceitos por cegos
Conforme Pifiero, Quero e Díaz (2003) e informações de especialistas do 1'"".:_
tituto Benjamin Constant (IBC)2, que serve de base para a educação de pessoas c ~
deficiência visual no Brasil,
pessoa cega
é aquela que possui perda total oures
ic
.
,
;
mínimo de
visão,
necessitando do método Braille como meio de leitura e escri a=
ou outros métodos, recursos didáticos e equipamentos especiais para o proces::
ensino-aprendizagem.
Pessoa
combaixa visão
é aquela que possui resíduos vis ::.:em grau que permitam ler textos impressos
à
tinta, desde que se empreqce+recursos didáticos e equipamentos especiais, excluindo as deficiências facilrnerrs
corrigidas pelo uso adequado de lentes.
Nas escolas especializadas, como o IBC que atende alunos do maternal aon -:
ano do Ensino Fundamental, os discentes aprendem a escrita e leitura em Braille-, : 'O IBC foicriado pelo Imperador D. Pedro 11 através do Decreto Imperial n.O 1.428, de 12 de setembro de 1854, tendo sidoina
solenemente, no dia 17 de setembro do mesmo ano, na presença do Imperador, da Imperatriz e de todo o Ministério, com o
-Imperial Instituto dos Meninos Cegos. Este foi o primeiro passo concreto no Brasilpara garantir ao cego direito àcidadania.
-mais ávido por informações pode consequi-Ias nositewww.ibc.gov.br.
'As informações apresentadas foram obtidas diretamente do Instituto Benjamin Constant. Leitor que desejar maiores inf http://www.ibc.gov.br/?catid;6g&blogid;1&itemid;348.
240 ANA CRISTlNA DE ALBUQUERQUE MONTENEGRO, ISABELA BARBOSA DOREGe ~
Sistema Braille é um sistema d
e
leitura e
e
scrita tátil que consta de s
e
is pontos em
relevo, dispostos
em duas col
u
nas d
e
trê
s
ponto
s.
Os seis pontos for
m
am o que se
convencionou
chamar de
"cela
Braille".Para facil
i
tar a sua ident
if
icação,
o
s pontos são
numerados
da segu
i
nte forma: do a
l
to para ba
i
xo, coluna da es
q
uer
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a:
p
ontos
~-2-3ido alto pa
r
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x
o, co
l
una da direita: pont
o
s 4-5-6.
80
00
00
Figura1-Representação decela BrailleFONTE:www.lerparaver.com
A d
i
ferente
dispos
i
ção
des
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seis pontos
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de 6
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Braille. As dez primeiras
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ações
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i
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o
ponto 3, e formam a
2.al
i
nha de sina
i
s. A terceira
l
inha é fo
r
mada
pe
l
o
ac
r
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i
m
o
dos pontos 3 e 6 às combinações
da
~.alinha
.
Os s
í
mbolos da
~.alinha são as dez primeiras let
r
as do alfabeto
r
o
m
a
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(
a-
j).
Esses mesmos sinais, na mesma ordem, as
s
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caracter
í
sticas
de
v
a
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s
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-ricos a
-
o, quando preced
i
das do sinal do número, formado pe
l
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4
-5
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n
l
.
V
i
nte e se
i
s sinais são utilizados
para o alfabeto
,
dez para o
s
sinai
s
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n
-tuação de uso internac
i
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correspondendo
aos
a
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i
s
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,
l
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ados
n
a parte
inferior da cela Bra
i
lle
:
pontos
2
-
3-5-6. Os
v
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s s
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s restantes
são destinados
às necessidad
e
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ais
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tuadas,
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uras.
Doze anos após
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nvenção desse s
i
s
t
e
m
a,
L
ou
i
s
B
ra
i
l
l
e acrescento
u
a letra "W"
ao ao.? sinal da 4.
alinha para atender às necess
i
dades
da língua ing
l
esa.
ALFAB
E
TO BRAILLE
~o 00 00[
rn
0 eo 00 ~e 00 00[
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e oe 00 ~o oe 00 ~e eo 00 []]e ee 00 ~o ee 00 ~e eo 00 ~e ee 00 ~o 00 eo [;]0 eo eo[üJ
e 00 eo A Bc
D E F G H K L M~
oeoe~
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eeoo eeeo~
eeeo[;] [;]
eoeo eeeo~
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oeee~
0ee0~
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eeN O P Q R 5 T U V W X Y Z
Figura2- Representação das letrasem Braille
FONTE:portaldoprofessor.mec.gov.br
o
sistema
B
r
a
ill
e é e
m
p
r
egado
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x
tenso,
i
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,
adotando-se
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,
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para representa
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,
pronomes,
p
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pos de letras q
u
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o
m
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nt
e encontradas
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l
avras de uso cor
r
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A princ
i
pal razão do emp
r
ego
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r
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"2"é reduzir o volume dos livros
e
~
Bra
ill
e e permitir o maior
r
end
i
mento
na leitura e na escrita
.
Uma sér
i
e de ab
r
e
via
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s
mais comple
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as
forma o g
r
au "3"
,
q
u
e necessita
de um conhec
i
mento
p
r
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o
da língua, uma boa memó
r
ia
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a se
n
sibi
li
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tátil muito dese
n
v
ol
v
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cs
por
p
arte do leitor cego.
E
m relação
à escr
i
ta
B
r
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se
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p
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,
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ncia
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l
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para a direita
.
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-
se
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-
.
Escre
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p
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n
tos assi
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os
:
0C
D
0
0
00
Figura3 - Representação decelaBraille para escrita FONTE:www.lerparaver.com
Os trabalhos de Ochaita e Espinosa
(2004)destacam
que as ativ
i
dades
peda
ç
;
gicas
q
ue e
x
istem em escolas especia
i
s
,
ta
n
to no Brasil quanto na Espanha, e
x
p
lk
a
+
as
i
nt
e
rvenções
educativas:
o
planejamento das intervenções educativas que devem ser feitas com as - --ças cegas e deficientes visuais baseia-se em suas necessidades específicas'Réguademadeira,plástico ou metalapropriada para uso do Braille.Com efeito, ascelas já estãotodas no tamanho padrão
242 ANA CRISTlNA DE AlBUQUERQUE MONTENEGRO, ISABELA BARBOSA DORÊGC
'-"",,-decorrem, fundamentalmente, da falta ou deterioração do canal visual de coleta de informações. [...] dessa forma poderão (os educadores) adaptar suas ações às peculiaridades de (cada) criança. (OCHAITAiESPINOZA,2004, p.1.62)
Conforme citação anterior, as ações educativas são feitas e
m
con
f
ormidade
com as necessidades
de cada educando, de acordo com o tipo de d
e
ficiênc
i
a visual
e das necessidades
do educando.
Exemplificando: um aluno cego q
u
e necessite de
uma locomoção independente
terá ma
i
s aulas de Orientação e Mob
i
li
dade
(
OM) do
que outro que tenha interesse maior em aprender a ler e escrever
e
m B
r
a
i
l
l
e
.
Não
obstante,
reforçam a participação
ativa dos pais ou responsáveis,
ha
j
a
vi
s
t
a que
"desde seus primeiros dias de vida, as crianças cegas [...] interagem
c
om os ad
ult
os,
desde que estes saibam interpretar as vias alternativas de que a cria
n
ça d
i
s
p
õe para
conhecê-Ios e comunicar-se com eles" (OCHAITAjESPINOZA,
2004,p
.
~63
)
.
Na ausência da visão, o uso do tato e da aud
i
ção, em maior esca
l
a que o uso do
olfato e do paladar, caracteriza o desenvolvimento e a aprendizagem da
s
c
ri
a
n
ças cegas
(OCHAITAjESPINOSA,
2004).As autoras apresentam
o sistema háptico ou tato at
i
v
o
como o sistema sensorial mais importante para o conhecimento do mu
n
do pe
l
a
p
essoa
cega
.
Para essas autoras, é necessário diferenciar o tato passivo do tato
a
ti
v
o
.
E
nqu
a
nt
o
no primeiro a informação tátil é recebida de forma não intencional ou
p
ass
iv
a,
n
o
t
ato
ativo a informação é buscada de forma intencional pelo indivíduo que to
c
a.
Ainda, segundo as autoras, no tato ativo encontram-se envolvidos
n
ão so
m
e
n
t
e os
recepto
r
es da pele e os tecidos subjacentes (como ocorre no tato passivo
)
, mas
t
a
mb
ém
a e
x
citação co
r
respondente
aos receptores dos músculos e dos tendões,
d
e
m
a
n
e
ir
a
q
ue
o sistema perceptivo háptico capta a informação articulatória, moto
r
a e
d
e e
quilíbr
i
o.
O tato somente e
x
plora as superfícies situadas no
l
imite q
u
e os b
raç
os a
l
ca
n
çam,
em caráter sequencial,
diferentemente
da visão, que é o se
n
t
i
do
ú
til p
o
r
e
x
ce
-lência para perceber
objetos e sua posição espacial a g
r
a
nd
es d
i
st
â
n
c
i
as.
E
n
tre-tanto, o tato constitui um sistema sensorial que tem dete
rm
i
nadas
características
e que permite captar diferentes
propriedades
dos ob
j
etos, ta
i
s como
t
emperatura,
textura, forma e re
l
ações espaciais
.
Aplicando essas considerações
ao e
x
emp
l
o de um gato, uma criança cega não
vai ter a noção de gato por ver um gato, mas por integrar dados sensoriais e expl
i
-cações verbais que lhe permitam
i
dent
i
ficar e descrever um gato, es
t
a
belecer
dis
-tinções entre gato, cachorro e
r
ato e
, n
o processo de educação formal, adquirir noções
cada vez mais profundas e comp
l
e
x
as sobre seres vivos e suas propried
a
des.
No tocante ao valor das
i
nformações sequenciais, é oportuno lembrar que, na
vida, de acordo com Bat
i
sta
(2005),estão presentes
muitas modalidades
de
infor-mação sequencial
:
a música, o texto longo (romances, dissertações,
en
t
re outros), a
exibição de um filme ou de uma peça de teatro. Nesses casos, não se considera que
haja perdas
ou dificuldades
para a pessoa
cega,
pela impossibilidade
da capta
çã
glob
a
l e s
i
multânea
de todos os elementos
que vão sendo apresentados
em sequê
nc
i
a
Batista
(2005)enfatiza
que sejam ev
i
tados
estudos
compa
r
ativos
entre
po
p
-lações com ind
i
víduos
videntes
e cegos
.
Com efeito, se obtém
melhor compree
ns
ã
aco
m
panhando
o processo
de desenvolv
i
mento
de uma cr
i
ança cega, espec
i
almente
de ca
s
os em que a aqu
i
sição
de uma habil
i
dade
é bem
-
sucedida,
do que buscando
te
n-dências médias, pois um ún
i
co caso bem-sucedido
já indica que as d
i
fic
u
ldades,
freq
ue
n-teme
n
te
encontradas
na aquisição daquela
habi
li
dade,
não são
i
nerentes
à cegue
i
ra
.
Já Lewis
(2003)em sua dissertação
de mest
r
ado
fez estudo
com jovens
ce
ga
s
ut
i
lizando
a percepção
audit
i
va,
isto é, a forma
como determinado
objeto
era
de
s
-crito
v
erbalmente,
apresentando
revisão
de literatura
sob
r
e
o desenvolvimento
de
crian
ç
as
cegas e concluindo
que a cegueira
não impede
o desenvolvimento,
mas
q
ue
este
d
ifere, de diversos
modos,
do apresentado
pelas crianças videntes
.
Feita essa breve explanação
sobre a formação
de conceitos
por pessoas
c
o
r-defici
ê
ncia
visual, em particular
a cegueira
congênita,
vale ressaltar
que gera
l
men
e
a cria
n
ça
cega ingressa
na escola com fai
x
a etá
r
ia
igual a de seus colegas,
po
r s
êvez c
o
m defasagem
de aprendi
z
agem
geralmente
em torno de do
i
s a três anos.
V
a
e
ressaltar
que essas crianças
cegas
no prime
i
ro
ano na escola conseguem
supe
ra
r
e
recuperar
esse tempo
de atraso
muitas vezes passando
dos colegas videntes.
O aluno cego ou com ba
i
xa v
i
são possu
i
habilidades
verba
i
s-
li
ngu
í
sticas
e
ca
pa-cidad
e
para ler, escreve
r
e produzir textos tanto quanto
seus colegas v
i
dentes
de sa a
O referido
a
l
uno apenas
usa uma fonte
gráfica
específica
pa
r
a sua necessida
de
.
aluno
c
ego, quando
faz uso errado
de grafemas
n
a esc
rit
a,
n
ão quer dizer
,
de
fatc
que el
e
er
r
ou na grafia. Pode te
r
ocorrido
uma coloc
a
ção
de um ponto
a mais
o
:=
menos no momento
de pe
r
fu
r
ar
com o
punção,
isso se dá pe
l
a
r
apidez do aluno
a
o
~
-lizar esse recurso e perfu
r
ar
outro ponto indevidamente,
podendo
esse fato tam
e-ocorrer
porque após um longo tempo
nessa atividade
a qualidade
gráfica dimi
n
u
i
e.c
cansaço.
O que acontece
também
com os alunos sem deficiência.
Ex
emplificando:
O aluno ia escrever: A lata de biscoitos está cheia. Mas es
c
re.
=_
A
bata de biscoitos está cheia.
Éclaro que não era essa palavra "bata"
__
aluno desejava
escrever,
e a relação que existe na dificuldade
da escrita do B
se
e:=-ciona com o uso do P, e não com a letra L.
Em Braille os grafemas
B e L compõem
-
se
dos pontos
1, 2e
1, 2,3 resp
e
c::
:
=
-mente.
Logo, o aluno omitiu o ponto
\\3/1.Isso ocorre porque o aluno ao per
f
ura
_
rapidez não colocou tanta força.
Vale salientar
que o sistema
Braille não é um método
de alfabet
i
zaç
ã
o
,
-:
.
:
:
:
um rec
u
rso
para a pessoa
cega ter acesso
à le
i
tura e escrita da sua língu
a
. C:_:
-244 ANA CRISTINA DEALBUQUERQUE MONTENEGRO. ISABELA BARBOSA. ~-:~~~~~
professor definir qual o melhor método de alfabetização para aprendizagem da leitura
e escrita em Braille, fazendo com que essa aprendizagem seja o mais significativa
pos-sível dando oportunidade para formação de um sujeito com autonomia e senso crítico.
A criança cega precisa de estímulo já que a escrita não acontece de forma
natural. E quando ela começa a experimentar o ato de escrever/ em muitos casos/
essa criança quer representar o som por uma letra (ou símbolo linguístico).
Para entender melhor o parágrafo anterior/ ressalta-se que/ para videntes/
aprender aler e a escrever é um fenômeno socialmente facilitado pelocontato com os
portadores sociais de texto/ presentes nos mais diversos ambientes e que trazem os
mais variados tipos de informações. O contato com esses portadores éfundamental
para que a criança formule suas hipóteses sobre o que é a escrita e acerca dafunção
social de cada um dos diferentes gêneros textuais.
Mesmo não sabendo ler e escrever/ uma criança que enxerga tem enormes
bene-fícios ao manusear um livro: ela aprende a direção do sentido da leitura e da escrita/ se
um adulto fizer a leitura apontando com o dedo/ por exemplo. Almeida (1992) destaca
aideia de que para uma criança que necessita do Sistema Braille para se alfabetizar/ o
contato com portadores sociais de texto se torna mais difícil/ pois/ na maioria dos casos/
o Sistema Braille nãofazparte do meio socialonde a criança cega está inserida.
Convém informar que em escolas de atendimentos especializados, os alunos
são atendidos por uma equipe interdisciplinar que/ além dos professores de sala de
aula/ é composta por psicólogos/ fonoaudióloqos, fisioterapeutas/ terapeutas ocup
a-cionais, técnicos em orientação e mobilidade/ professores de Educação Física/ Hidro
-ginástica e Hidroterapia, professor de Informática Especializada/ etc.
No próximo tópico apresentamos um estudo de caso com ointuito de"nortear"
nossa argumentação.
15.3
Um
estudo de caso
A fim de preservar a identidade da criança e da professora/ utilizaremos nomes
fic-tícios para nos referirmos aos sujeitos deuma pesquisa realizada em uma escola
especia-lizada no atendimento de pessoas com deficiência visual em Fortaleza - CE. Para efeitos de
análise de dados/ o nome fictício das crianças apresenta correspondência com o número
de sílabas de seu nome/ a fim defacilitar a compreensão de sua escrita do nome próprio.
Edwiges é uma menina de seis anos de idade/ com cegueira bilateral total. Possui
diagnóstico de síndrome de Hallerrnann-Streiffs, sua saúde é frágil e adoece com
faci-lidade/ ausentando-se da escola por longos períodos.
SEmrazão da síndrome,algumas das características da criança descritas nolaudo médico são problemasdentários,microftalmia(os
dois globos ocularessão pequenos), catarata congênita,malformação do nariz e do umbigo e alopecia em algumas partes da cabeça.
Em relação ao uso do Braille, a professora, Ester,comentou que o trabalho pac
aprender letras é paralelo, mas que de início acontece fora dareglete com materiais q :
reproduzem a cela Braille em tamanho ampliado e com diferentes texturas para queas:
crianças possam aperfeiçoar o tato, a musculatura fina e facilitar a compreensão d s
alunos. Com o tempo esses materiais vão sendo reduzidos até chegar ao ponto Braille,
que Ester considera muito pequeno para que se possa nessa fase inicialdiscriminar letras.
Vale mencionar que o espaço da cela Braille é de seis milímetros de altura po
dois de larqura; ela ressalta também a importância de sempre incentivar a criança
a ler o que acaba de escrever com a reglete para que tomem consciência de que a
escrita acontece em um sentido e aleitura em outro.
Mesmo antes de aprender a ler e a escrever utilizando o Sistema Braille,
é
necessário o contato com a escrita, para que a criança possa fortalecer a musculatura,
exercitar as articulações, ajustar condutas mataras, refinar percepções e ampliar seus
conhecimentos. De início, é interessante que os exercícios de leitura e escrita sejarr
conduzidos de maneira livre para que, com otempo, possa-se elaborar aideia de que
aquele conjunto de pontos representa as letras do alfabeto (ALMEIDA, 2002).
Fazendo um paralelo com videntes, aTeoria da Psicogênese da Língua Escritarevela
as etapas que as pessoas (crianças ou adultos) atravessam ao se apropriarem da leitura e
da escrita. Do ponto de vista da elaboração da escrita, a pessoa que está se alfabetizando
segue uma linha de evolução de suas hipóteses linguísticas, que podem ser descritas em
três grandes períodos: distinção entre o modo de representação icônico e não icônico
estabelecimento de formas de diferenciação e fonetização da escrita (FERREIRO,2000).
Neste trabalho, a fim de proporcionar ao leitor a melhor compreensão do temê
abordado, relacionaremos cada nível da Teoria da Psicogênese da Língua Escrita cor
-os dados coletados no estudo de caso,
à
medida que apresentamos exemplos daes
c
r
i
ta
das crianças cegas. O primeiro período está em derredor de duas distinções que con
s-tituem a base para os períodos seguintes: a diferenciação entre desenhar e escrever.
Ao desenhar se está no domínio do icônico, as formas dos gráficos importar
-porque reproduzem a forma dos objetos. Ao escrever se está fora do icônico: as
formas dos grafismos não reproduzem a forma dos objetos, nem sua
orden
a
ç
ãc
espacial reproduz o contorno dos mesmos (FERREIRO, 2000).
Na perspectiva de Ferreiro e Teberosky (~999), neste nível,
a
criança reprod _traços típicos da escrita que identifica como sua forma básica, podendo ser linhas
curvas ligadas entre siquando o indivíduo toma como padrão a escrita cursiva, ouqra
-fismos curvos separados entre si, quando se toma a escrita em imprensa como base
Quando se trata da interpretação da escrita, as autoras expressam que as escritas::
assemelham muito umas com as outras, mas que isso não impede que as crianças ::.:
considerem diferentes: "a intenção subjetiva do escritor conta mais que as difere
;
:
=
:
:
246 ANA CRISTlNA DE ALBUQumQUE MONTENEGRO. ISABELA BARBOSA DO RÊGO "'
objetivas no resultado" (p.
193),
ou seja, as escritas, apesar de semelha
n
tes, podem ser
consideradas diferentes, pois ao escrever tem-se a intenção de grafar pala
v
ras d
i
ferentes.
As autoras também esclarecem que "As cria
n
ças deste nível pareceriam
t
rabalhar sobre
a hipótese de que faz falta certo número de caracteres - mas sempre o mesmo - quando
se trata de esc
r
ever a
l
go" (p.
202).Ass
i
nalam, ainda, que a leitura do
qu
e fo
i
escrito é
sempre global, ou seja, cada letra vale pelo todo, e não pelas partes da p
al
a
vr
a.
Observamos agora a escrita de Edwiges (se
i
s anos), na qua
l
p
o
de
m
os
i
de
n
t
i
-ficar características
deste nível
.
Ao ser solicitada a escrever seu nome, Edwigeslogo disse que
nã
o sab
i
a. Como
essa
r
esposta já era esperada, pois a menina ainda não sabe a mane
ira
co
nv
enc
i
onal
de grafar as palavras, solicitamos que ela o fizesse da maneira "co
m
o a
ch
a
qu
e é
".
Ela iniciou dizendo: "vou escreve
r
com uma letra aqui e outra aq
ui
"
,
a
pont
a
nd
o
n
a
prime
i
ra cela do
l
ado esquerdo da reglete os pontos
1e 6.
Ao grafar os pontos,
i
nterrogamos
se já está escrito seu nome
e
a
m
e
nin
a
r
es-pondeu "eu acho que tem"
.
Ela
l
ogo v
i
rou a folha para ler o que escrev
e
u e d
i
sse
"
tem
duas letras a, uma aqu
i
e ou
t
ra aqui
"
. Em seguida, retornou a escr
ev
e
r
se
u n
o
m
e
.
Inte
r
rogamos
:
"v
ocê já term
i
nou de escrever seu nome, sim ou não?
"
A c
ri
a
nça r
es
-pondeu: "eu vo
u
escrever de novo porque num deu certo não, num fico
u l
e
trinh
a
n
ão
".
N
esse mo
m
e
n
to, e
l
a d
i
z que tem que escrever até a outra po
n
ta
d
a
re
g
l
e
t
e
p
a
ra
que o nome fique d
i
rei
t
o
.
Ao terminar, e
l
a passou os dedos sobre a es
c
r
it
a e
l
e
u,
g
l
o-balmente, isto é, ao longo da escrita, seu prime
i
ro e segundo nomes "
M
a
r
ta E
dwi
ges".
Quando sol
i
ci
t
amos q
u
e Edwiges escrevesse a palavra "perna", ela d
is
se
que va
i
u
sar
a
l
et
r
a b e que a palavra possui duas letras, ela inicia a esc
ri
ta pe
l
o
l
a
d
o es
qu
e
rd
o da
régua e logo ultrapassa a quant
i
dade
que estabeleceu
a
nt
e
ri
o
rmente
.
Ao ser
i
nt
e
r
-r
ogada se já colocou duas
l
etras, com um ar de surpresa, e
l
a
im
e
d
i
a
t
a
mente
re
s
p
o
nd
e:
"eu já estou botando"; e co
n
t
i
nua a grafar do
i
s pontos po
r
ce
l
a
.
.
.
.
.
..
..
.
...
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
..
..
..
..
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
..
.
.
.
.
.
.
..
aâak a ãââk âak âa âââââââ ââââââ
Figura 4-Edwiges utiliza as27celasdeuma das linhas da reglete e escreve seu primeiro e segundo nome: "Marta Edwiges".
FONTE: Acervo dos autores, escrita emBraille desenvolvida pelos sujeitos da pesquisa
Na escr
i
ta da palav
r
a
"
perna
"
e na das demais, a menina nomeou os pontos
de letras. Essa caracter
í
stica
também
foi observada
na produção de outro sujeito
da pesquisa, como comentaremos
mais à frente.
I
nterrogamos
sobre até que cela
.
.
.
.
.
'.
~
.
"
.
'
'.
-
'.
'
.
~
.
~
.
~
-.'.'
..
.
.
.
.
•.
.
.
•
'
.
'
.
'
.
0
.
~
'
.
_
.
'
e* ••••••••• ' .'.~ ••ela escr
e
veria a pa
l
avra "perna", a fim de identificar quantas letras e
l
a uti
l
izar
i
a para
escrever a palavra. Ela aponta, então, a margem di
r
eita da reglete, explicando que, se
não escr
e
ver duas
l
etras, "vai ficar faltando um pedaço da perna"
.
A
o
finalizar a escrita da palavra, ela leu
:
"aq
ui
está a coxa (deslizando o dedo
da
1.aa
8
.
al
etra b), esse pedacinho aqu
i
é o joelho (9.
al
etra b
)
, depois tem o resto
da perna (da
11.aa
24.aletra b) e no final o pé
(25.ae
26.ale
t
ras b)"
.
Segundo Fe
r
re
iro
(2000),t
r
ata
-
se, neste momento do pe
r
curso, de uma "tendênc
i
a da c
r
iança de ref
l
et
i
r
na escrit
a
a
l
gumas das características do ob
j
eto
"
(p.
194)
,
ou, como já defendia Rego
(1998),
sobre rea
l
ismo nom
i
nal
.
Piaget
(1967)
demonstrou
que num determinad
o
estágio
d
o seu desenvolvimento
cogn
i
t
i
vo a cr
i
a
n
ça
n
ão co
n
segue concebe
r
a p
al
avra
e o ob
j
e
t
o a que esta se refere como duas
r
eal
i
da
d
es dist
i
n
t
as
.
Ele
d
e
n
ominou es
t
e
fenôme
n
o de real
i
smo
n
omina
l.
bb bbb bbbbb bbbb bbbbbb bbbbb b
Figura 5 - Edwiges escreve apalavra "perna" utilizando os pontos ~ e2em26celasnuma daslinhasdareglete.
FONTE:Acervo dos autores, escrita em Braille desenvolvida pelos sujeitos da pesquisa
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
a
a
a
a
a
a
aaaa
aa
aaa
aaaaa
aaaaa
aa
Figura6-Edwiges escreve a palavra"barriga" utilizando o ponto ~ nas27 celas em uma das linhasdareglete.
FONTE:Acervo dos autores, escrita em Braille desenvolvida pelos sujeitos da pesquisa
Ob
s
ervemos
que, com exceção da palavra "sobrance
l
ha
"
,
na qual a me
n
i
a
emprega uma sequência de
27
l
etras c, ela escreve as pa
l
avras "barriga" e
"
mã
o
",
êfrase e o
t
exto, utilizando uma sequência de letras "a". Estes exemplos nos ind
ic
a-que, par
a
produz
i
r a escrita, a menina a
i
nda não
j
ulga necessár
i
o
emprega
r
c
-té
r
ios de diferenc
i
ação
dos ca
r
acte
r
es
dentro de uma palav
r
a e també
m
de
u
:
:
palavra p
a
ra outra. Durante a
l
eitura das palavras, Edw
i
ges sempre
i
ndica os
COT""""-ponentes
de tal parte do corpo, como, por e
x
emplo, os dedos da mão e o
u
m
_
na barrig
a
, refletindo novamente
na escr
i
ta características
do objeto.
248 ANA CRISTlNA DE ALBUQUERQUE MONTENEGRO. ISABELA BARBOSA DOK.:E,,,r-:.,~~~
Dentre as palavras do campo semântico corpo, acreditamos que a sobran-celha foi considerada pela menina como não contendo partes, pois foi a única palavra lida de maneira global. É notório que o importante para a menina é repre-sentar na escrita as características do corpo, e não o tamanho das palavras.
Durante a análise da produção, surgiu a dúvida se o que estava expresso ali era desenho ou escrita. Já que durante a leitura a garota indicou tantos detalhes das partes do corpo, decidimos então refazer o teste com ela, desta vez utilizando o campo semântico animais. Além de solicitarmos que escrevesse seu nome, as palavras escolhidas foram: gato, galinha, elefante e boi.
A frase foi: O gato mia. Ao final do novo teste, solicitamos a Edwiges que fizesse um desenho e perguntamos: "Você vai precisar da reglete para fazer o desenho?" e ela responde com ar de admiração "Ahl Não. Não que reglete eu num vou usar pra desenhar, porque reglete não serve pra desenhar, serve prafurar!"
Obtivemos a certeza de que a menina não se encontra no domínio do icônico, ou seja, já sabe que a escrita é diferente do desenho, pois aceitou papel e giz de cera para fazer um desenho. Na nova produção, encontramos outras características do primeiro nível que, de acordo com Ferreiro eTeberosky (~999), é abusca de um maior número de grafias, grafias maiores ou mais compridas se o objeto émaior, mais comprido outem mais idade .
•• •• •• a- ••••••••••••• ~••••••••• 0 ••••••••••• 0 ••••••••••
c
c
cac
cc
cc
c
a
ccc
ca
ccc
cc
a
c
cc
cc
Figura 7-Edwiges escreve a palavra "sobrancelha", utilizando basicamente os pontos1e 4das27celas emuma das linhas da reglete.
FONTE:Acervo dos autores, escrita em 8raille desenvolvida pelossujeitos da pesquisa
A criança percebe que escrita é diferente do desenho. No entanto, ainda mantém uma relação entre o que escreve e as características do que pretende repre-sentar (Realismo Nominal). Ela relaciona a quantidade de letras ou pseudoletras ao tamanho do objeto cujo nome pretende escrever. Se o professor pede para a criança escrever as palavras
"bo
i
"
e "formiga", por exemplo, ela escreve"boi"
com muitas letras e "formiga" com poucas letras (FIGUEIREDO et aI., 2009).Solicitamos a Edwiges que escrevesse gato: "começa com
c".
Para responderà
pergunta de quantas letras seriam necessárias, ela apontou na reglete os pontos ~ e 4, e os grafou novamente, identificando como letras. Ouando perguntamos sobre a
250 ANACRISTlNA DE ALBUQUERQUE MONTENEGRO, ISABELA BARBOSA DO""~<~~-,,~~ E NADIA PEREIRA DA SILVA GONÇALVES DE AZEVEDO (ORr.,
quantida
d
e
de celas, e
l
a responde
"sóuma!". Interrogada
sobre o porquê ela sente-s
e
incomod
a
da,
acreditamos
que por já ter a certeza
de te
r
terminado
de escrever
qa
to
,
e respon
d
e
:
"a tia mandou
(pesquisadora)".
Esc
l
arecemos
que não mandamos,
e sim perguntamos
a quant
i
dade
de celas d
e
que ela precisa para escrever gato. Ela respo
n
deu:
"eu vou fazer só duas, então"
.
Retiro
u
a folha da reglete para ler a palavra qato, mas, como iniciou a escr
i
ta da esquerda
pa
ra
a direita,
t
eve dificuldades
de encontrar
a palavra. Ao acha
r,
ela fez uma leitu
r
a globa
l
.
Na produ
ç
ão
das palavras "qalinha",
"elefante"
e "boi" a menina manifesta
c
l
aramente
caracterís
ti
cas
do Realismo
Nominal,
pois fez alusão
não apenas
ao tamanho
do
s
animais, como também
a partes de seus corpos
.
"Edw
i
qes,
de quantas
letras você
v
a
i
p
r
ecisar p
a
ra esc
r
ever o nome galinha
?".Ela respondeu
:
"Duas, porque galinha começa
com c
.
" D
e
sta
vez,
inicia a escrita pelo lado direito da reglete. Ao ser interrogada
sob
r
e
o tamanh
o
do nome qal
i
nha, ela respondeu
que
\
\é pequeno
porque elas são pequenas
",
porém uti
l
iza 27 celas para escrever
a palavra e na leitura apontou
na escr
i
ta as parte
s
da galinh
a
: bico, penas e pés. E
l
a apontou
as let
r
as "a" como erro comet
i
do
durante
a
escrita: "e
s
tava indo tudo bem até que eu errei essas letrinhas aqu
i
".
Ao
e
screver
"elefante",
disse que é um
n
ome pequeno
.
Interrogada
acerca
d
o
porquê,
respondeu
que este animal tem um corpo grande
.
Para responde
r
à
pergun
ta
da quantidade
de celas, disse: "aqora é um bocado
mesmo"
e apontou
que escrever
i
a
até o fim
d
a linha. A leitura da palavra elefante
é global
.
Nesse mo
m
en
t
o,
ela compa
r
a
o tamanh
o
das palavras
.
\\0 nome do elefante
é do mesmo
tamanho
do meu nome
e
a galinha
t
ambém,
mas o gato tem um tamanho
diferente".
Ref
e
rindo-nos
ao nome do qato, perguntamos
o porquê
de seu nome ser d
if
e-rente
.
A
m
enina
r
espondeu:
"Porque
o gato
é bem pequen
i
n
i
nho."
Na escr
i
t
a
da
palavra "boi", tudo ind
i
ca que e
x
iste uma especificidade
no racioc
í
nio empregado
p
a
r
a
grafar o v
o
cábulo
.
Observemos
agora um recorte
do d
i
álogo ent
r
e nós e Edwiges
:
•
Pesqu
i
sadora: Escreva a palavra boi.
•
Edwiges: Boi começa com b então eu vou escrever
1e (pausa)
.
De
i
xa eu pensa
r
.
--me
i
r
o. (Dezesseis segundos depois
,
analisados na qravação
,
ela completa o ra
c
i
nio
.
)
Eu vou escrever
113 e 4.
•
Pesquisadora
:
De quantas letras você vai precisar?
•
Ed
w
iges
:
Três (Novamente não fez diferença entre pontos e letras) .
•
Pesquisadora
:
E quantas celas?
•
Edwiges: De
i
xa eu ver. (Pausa de
20segundos para pensar)
.
Eu vou colocar
ma
i
s ~:
pon
t
o aqui também (Acrescenta o ponto 6 aos pontos
1131e 4 que acabou de
g
r
a
f
2
-
-
-primeira cela, pensa novamente e grafa os pontos
113 e 6 em mais uma ce
l
a
.
E
a -
• Pesquisadora: Já está escrita a palavra boi?
• Edwiges: Já!
• Pesquisadora: O nome do boi
é
grande oué
pequeno?• Edwiges: Grande!
• Pesquisadora:Você sabe o que
é
um boi?• Edwiges:Ah! Euseique já vi uma vaca aqui na escola de brinquedo (estátua em
tama-nho natural) eu vi uma vaca bem grandona aí parecia um touro!
Edwiges sinaliza que "boi" começa com "b", o que poderia dar ideia de um início
da relação grafema-fonema (fala e escrita), porém não grafa na palavra aletra
men-cionada e que ela já conhece. Isso nos leva a crer que o fato de ter dito "b" foi apenas
um acaso, e não o início da fonetização da escrita. Ouando interrogamos Edwiges
sobre a quantidade de letras da palavra "boi", a pausa que a menina deu para pensar
e a decisão de não mais grafar com dois pontos, padrão adotado para produzir as
outras palavras, parece indicar que, para escrever "boi", o número de pontos
con-siderado suficiente
é
de três por cela. O conflito parece ser ainda maior, quandoperguntamos quantas celas são necessárias para escrever a palavra.
Após pensar, ela decide acrescentar mais um ponto aos que já tinha grafado
e grafa mais três na cela seguinte. Mesmo tendo dito que escreveu sóduas celas, no
nome do boi, para terminar logo, quando ela compara o nome do boi com odo gato,
que já havia confirmado antes ser um nome pequeno porque o gato
é
pequeno, tudoindica que ela compara apenas o número de celas, pois parece ter aconvicção deque o
nome do boi
é
maior do que o nome do gato, por ter uma quantidade maior depontos.Comparando esse dado fornecido por Edwiges com os achados da pesquisa
de Emília Ferreiro, na qual se constatou que as crianças que enxergam manifestam
o Realismo Nominal se utilizando de um grande número deletras quando o objeto
que pretendem representar é maior, tudo parece nos indicar que a criança cega
manifesta o Realismo Nominal se utilizando tanto de um grande número de celas
(letras) quanto de pontos.
Esta pode ser uma interessante especificidade da aprendizagem da escrita
Braille por crianças cegas. Por fim, solicitamos que escrevesse "o gato mia" e
Edwiges logo comenta "isso eu já escrevi". Esclarecemos que primeiro ela escreveu
a palavra gato agora escreveria uma frase e perguntamos "De quantas palavras
você vai precisar para escrever essa frase?". Primeiramente ela respondeu ~ e 6.Ao
repetirmos a pergunta, amenina disse "de um monte de palavras". Tudo indica que
para Edwiges o conceito de que as letras são formadas por um conjunto de pontos
é
c c c c c a a a a a aa a a aa a c c c c c c c c c c
muito elementar,
pois os pontos podem assumir não apenas a natureza de
letras, mas
também
de palavras. Para a leitura, ela passou os dedos sobre todos os pontos, mas
não conseguiu dizer o que estava escrito .
•• •• •• e· .- •.• - •.•.• - •.•.•.•. e- •.•.••••••••••••••••••••
Figura 8 - Palavra"galinha" escrita em 27celas deuma das linhas dareglete. Durante a leitura, a menina sinaliza as letras "a"comoum erro cometido durante a escrita.
FONTE:Acervodos autores, escrita em Braille desenvolvida pelos sujeitos da pesquisa
.
.
-
.
.
.
..
.
.
..
.
-.
.
.
.
.
.
-.
.
.
.
.
..
..
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
e
e
e
e
ee
e
e
e
ec
c c
e
e
e
ee
e
e
c
c
e
c e
ee
Figura 9 - Edwiges escreve a palavra "elefante", utilizando 27 celas de uma das linhas dareglete.
FONTE:Acervo dos autores, escrita em Braille desenvolvida pelos sujeitos da pesquisa
15.4 Considerações
f
i
nais
As
pesquisas de Emília Ferreiro e Ana Teberosky apontam
que
todo indivíduo
em decurso de aquisição da língua escrita se impõe hipóteses
sobre a organ
i
zação
deste
sistema.
Essas hipóteses
também
são favorecidas
pelo contato
que estes
sujeitos têm com a escrita que está presente
por toda parte, mas, como ressalta
Almeida
(~992),uma criança cega não tem as mesmas oportunidades
de contato co
m
materiais escritos como ocorre com a criança que enxerga
.
Oua
i
s as especificidades
apresentadas
pela criança usuária do Sistema Brail
l
e
durante a
a
quisição da leitura e da escrita? Mediante a análise das produções escrita
s
dos sujeito
s
participantes da pesquisa", é possível supor que, assim como as crianças que
veem, as crianças cegas, no percurso de aquisição da língua escrita, também seguem
a
evolução das hipóteses
linguísticas descritas por Emília Ferreiro e Ana Teberosky.
Entretanto,
no decorrer
da pesquisa,
com base nos
indicadores
.
corn os q
u
e
têm problemas
visuais,
tudo parece
indicar que e
l
es apresentam
especificidades
na
forma de externar suas hipóteses.
Algumas das possíveis especificidades
da cria
nça
6Aquisó citamos umestudo decaso, dentre cinco observações.
252 ANA CRISTINA DE ALBUQUERQUE MONTENEGRO. ISABELA BARBOSA DO RÊGO BAY _
-cega começam já nas hipóteses
mais elementares,
pois Edwiges n
o
meou em muitas
ocasiões os pontos do Sistema Braille como
letras.
Desde então, su
r
giu outra pergunta
:
em que momen
t
o
do
pr
ocesso de
aqui-s
i
ção da escr
i
ta a criança cega compreende
que os pontos não sã
o l
et
r
as, mas que
cada letra é formada
po
r
uma combinação
de
pontos? Almeida
(1992)r
essal
t
a que
as crianças que veem aprendem
a manusear
lápis e cadernos de
m
a
n
e
i
ra "natural",
mas o Sistema Braille não é algo presente em nossa sociedade; logo
,
os
in
strumentos
necessários à sua escrita também
não
.
Por fim, intermediada
pela análise dos escritos de
Edwiges, enfe
i
x
amos aq
u
i
l
o q
u
e
pa
r
ece indicar se
r
em especificidades das
h
i
póteses de que as crianças
c
egas se coloca
m
e
m
cada um dos n
í
ve
i
s desc
r
itos na Teoria Ps
i
cogenética
da Aquisiç
ã
o da Leitu
r
a e da
Esc
r
ita
,
bem como sobre as funções que os seis pontos podem assu
mi
r ao
l
o
n
go desta
cam
i
nhada
.
Na
h
ipótese pré-silábica, em que, assim como a crianç
a
que e
n
x
e
r
ga, a
cr
i
ança cega
t
ambém imagina que a escrita
deve
representar caracter
í
sticas do obje
t
o.
Temos ra
z
ão para compreender
que, para
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ergam
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e
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e
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et
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r
a
n
de
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as
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i
tos
p
ontos, como foi o caso de Edwiges, ao
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p
alav
r
a
"
boi
"
.
Destacamos
t
a
m
bém
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ri
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n
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cegas a
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ta, para que f
u
t
ur
as
p
es
qu
i
sas
mais aprofundadas
e com um grupo maior de
sujeitos possam confro
n
tar os
prim
e
ir
os
achados deste ensaio, como
,
po
r
e
x
emplo, o conceito de diferenciação
e
n
t
r
e
ponto
s e
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i
ante das evidê
n
cias parece estar em e
l
aboração
ao
l
ong
o do p
r
o
c
esso de
aquisição da língua escrita.
15
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5 Refe
r
ências
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