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O ENTENDIMENTO DE ADOLESCENTES ACERCA DO ABUSO SEXUAL NA FAMÍLIA 1

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Academic year: 2021

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O ENTENDIMENTO DE ADOLESCENTES ACERCA DO ABUSO SEXUAL NA

FAMÍLIA

1

BERNI, Vanessa.

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; SIQUEIRA, Aline.

3

; SAVEGNAGO, Sabrina.

4

; ARPINI, Dorian.

5 1 Trabalho de Iniciação Científica _UFSM / Apoio: CNPQ e FIPE

2 Acadêmica do Curso de Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil

3 Docente do Curso de Psicologia do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Santa Maria, RS, Brasil

4 Acadêmica do Curso de Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil

5 Docente do Curso de Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil

E-mail: vanessa.berni@yahoo.com.br; alinecsiq@gmail.com;

RESUMO

O presente trabalho se propõe a falar sobre questões que perpassam dentro das unidades familiares em casos de abuso sexual. Tal estudo parte de uma pesquisa realizada com adolescentes do sexo feminino, em que pretendía-se conhecer as suas percepções diante das violências sexuais. A coleta de dados se deu a partir de grupos focais, realizados em uma instituição de Santa Maria que atende crianças e adolescentes em contexto de vulnerabilidade social. Os resultados revelam ser o abuso sexual cometido, na maioria das vezes, por pessoas próximas à vítima; também, as adolescentes relatam a vergonha e o medo como dificultadores na revelação, além da dependência emocional e financeira, se o abusador for o provedor; e, ainda, o distanciamento nas relações mães/filhos.

Palavras-chave: Abuso sexual; Família; Adolescentes. 1. INTRODUÇÃO

A família é a primeira unidade social na qual o indivíduo se insere, sendo responsável tanto pelo processo de socialização quanto pela proteção de seus descendentes (STEINBERG, 2000). Espera-se que a família eduque seus filhos balizando seus comportamentos, ao indicar o certo e o errado, e protegendo-os de situações em que sozinhos não teriam condições de enfrentar. Nas famílias abusivas, esta lógica encontra-se alternada, tendo em vista que muitas vezes os membros “protetores” são exatamente os que infringem esta concepção social e transformam-se em agressores. Assim, neste trabalho destacamos a percepção de adolescentes em situação de vulnerabilidade social sobre o papel da família das vítimas de abuso sexual diante dessa situação.

Segundo Gabel (1997), as situações de violência sexual contra crianças e adolescentes muitas vezes permanecem ocultas. Geralmente, há um silêncio cercando esses fatos, pois as vítimas têm dificuldades de denunciar e os adultos responsáveis não são capazes de ouvir o que elas têm a dizer. A maioria das vítimas não denuncia a situação

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de abuso sexual, por constrangimento e medo de ser humilhada (ARAÚJO, 2002; COSTA et al., 2007). O receio de que não haja compreensão ou da interpretação equivocada por parte da família, dos amigos, das autoridades e conhecidos também pode levar a vítima a silenciar-se diante da violência. Assim, a verdadeira prevalência dos casos de violência sexual ainda é pouco conhecida e acredita-se que a subnotificação ainda seja muito grande (COSTA et al., 2007, p. 1138).

Muitas vezes as situações de abuso perduram por muito tempo e são praticadas por pessoas que mantém uma relação afetiva importante com a criança, aspecto que se torna mais complexo quando implica que a revelação pode levar à dissolução dessa relação e mesmo à culpabilização do responsável (GONÇALVES, 2005). Nos casos em que o agressor é alguém da família, é ainda mais difícil para a vítima quebrar o silêncio, pois ela corre o risco de ser desacreditada, humilhada ou até castigada. Há casos nos quais a vítima assume o papel de culpada pelo ocorrido, sendo acusada de destruir o estado de harmonia e de unidade da família, podendo até ser afastada de casa (ARAÚJO, 2002).

O fenômeno do abuso sexual intrafamiliar é muito difícil de ser enfrentado tanto para a criança, quanto para o adulto, pois sua denúncia explicita a violência que ocorre dentro da própria família. De acordo com Santos (2007), o abuso sexual intrafamiliar possui uma forma de funcionamento específica, na qual o perpetrador, a criança ou adolescente vítima e a mãe constituem um sistema familiar frágil. Nessas famílias, a situação de abuso sexual é mantida em segredo a fim de que permaneça a ilusão de unidade e de que está tudo sob controle. No momento em que o segredo é revelado, ocorrem alterações na dinâmica familiar e o desafio de rever e estabelecer novos papéis e limites surge para cada membro do grupo (SANTOS, 2007).

Dessa forma, a reorganização familiar é uma conseqüência freqüente após a denúncia de abuso sexual. Isto ocorre porque a criança ou adolescente devem ser protegidos e esta proteção é realizada através do afastamento do agressor ou da própria vítima. O afastamento da vítima ocorre quando os familiares não conseguem se organizar para protegê-la. Nestes casos, a criança é colocada em acolhimento institucional ou sua guarda legal passa a ser de algum familiar não-abusivo. Configura-se de uma situação difícil para a vítima, que tende a se sentir culpada pelo sofrimento de todos (HABIGZANG, KOLLER, AZEVEDO, & MACHADO, 2005).

Para Santos e Dell'Aglio (2009), geralmente é a mãe a pessoa para quem a vítima expõe a situação de violência, e o modo como a mãe responde a essa revelação exerce muita influência sobre a capacidade de enfrentamento dessa experiência. A relutância das mães em denunciar pode estar associada ao medo das ameaças realizadas pelo abusador,

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de perder a família constituída e, também, do que familiares e do que a própria sociedade possam pensar sobre seu desempenho enquanto mãe. A iniciativa de realizar a denúncia reflete uma postura mais segura das mães diante de seu ideal de família e de sua própria vida. Se, por um lado, algumas mães apresentam comportamentos de proteção, denunciando e oferecendo apoio após a revelação do abuso sexual, por outro, algumas se mantêm vulneráveis, apresentam resistência em dar crédito ao relato de suas filhas, e podem, ainda, se manter sob o domínio dos abusadores (SANTOS & DELL'AGLIO, 2009).

Everson, Hunter, Runyon, Edelsohn e Coulter (1989) reforçam a importância do apoio materno, no momento da revelação do abuso sexual, para o funcionamento psicológico geral da criança e que esse apoio está fortemente vinculado à condição atual de relacionamento entre o agressor e a mãe. Esse estudo mostra que aquelas crianças, que haviam recebido nenhum ou baixo nível de apoio, apresentam significativamente maiores níveis de psicopatologia e distúrbios psicológicos do que as crianças de mães apoiadoras e apoiadoras ambivalentes.

As reações dos familiares, em especial da mãe, diante da revelação da vítima influenciam muito a mesma, no que se refere ao desenvolvimento de sintomatologias psiquiátricas e à modificações de comportamento. Quando a família acredita na palavra da criança e busca formas de protegê-la, esta se sente fortalecida e dispõe de maiores recursos para lidar com a situação abusiva. (HABIGZANG, KOLLER, AZEVEDO & MACHADO, 2005).

2. METODOLOGIA

Este estudo faz parte de uma pesquisa maior intitulada: “A violência sexual na perspectiva de meninas em situação de risco e vulnerabilidade social”, e vêm nesse espaço dialogar sobre a confluência família e abuso sexual a partir do ponto de vista das adolescentes participantes da pesquisa. O projeto de pesquisa foi submetido e aprovado, em seus aspectos éticos e metodológicos de acordo com as Diretrizes estabelecidas na Resolução 196/96 e Complementares do Conselho Nacional de Saúde, pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Santa Maria (processo n° 23081.001269/2009-01 e Certificado de Apresentação para Apreciação Ética n° 0005.0.243.000-09).

A pesquisa referida é de caráter qualitativo, na medida em que seu interesse está na possibilidade de compreender de forma mais ampla e profunda o conhecimento acerca da violência, abuso sexual por parte das adolescentes. A pesquisa foi realizada em uma instituição não governamental que atende crianças e adolescentes em situação de

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vulnerabilidade, em Santa Maria. Participaram da pesquisa 30 adolescentes do sexo feminino com idade entre 12 e 16 anos, que frequentavam os projetos oferecidos pela instituição. Grupos focais foram realizados como método de coleta de dados. Através do uso dessa técnica, as adolescentes manifestaram-se espontaneamente, estabelecendo uma discussão sobre a temática, apontando criticamente suas opiniões e tendo uma participação ativa.

Foram realizados seis grupos com a presença de quatro a seis adolescentes por grupo, tendo a duração aproximada de uma hora. Os grupos foram gravados e posteriormente transcritos para a análise dos dados. Os dados foram analisados através do método de análise de conteúdo, como proposto por Bardin (1977).

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

Entre os resultados analisados da pesquisa, as adolescentes apontam que o abuso sexual é perpetrado, na maioria das vezes, pelo pai ou padrasto, mas também por outros parentes, como tios e amigos da família. Isso pode ser visualizado nas seguintes falas: “A

maioria das vezes, ou é pai, ou é padrasto.” (M, 14 anos); “Pai ou padrasto. Às vezes, até o irmão né.” (L, 12 anos); “Tio também. (F, 14 anos)”; “A família. Eu acho que quem mais faz é a família.” (W, 14 anos)

Estes dados vão ao encontro do que outros pesquisadores já concluíram (HABIGZANG et al., 2005; PFEIFFER E SALVAGNI, 2005; COSTA et al., 2007), em que na maioria das vezes, os abusos sexuais contra crianças e adolescentes ocorrem dentro de suas próprias casas, sendo que os principais abusadores são o pai biológico ou o padrasto.

As adolescentes também afirmaram que, muitas vezes, as vítimas não revelam a situação de abuso por muitos motivos. Um primeiro motivo consiste na vergonha que as vítimas sentem, o que foi mencionado nos seguintes trechos:

“Assim... ela não... eu acho que a pessoa se sente sozinha, envergonhada, porque daí ela não... ela só pensa de ficá dentro de casa e não sair...” (A, 13 anos); “Eu acho que como houve uma história ela pode se sentir envergonhada, com medo de contar.” (O, 12 anos)

Outro motivo apontado pelas meninas refere-se ao medo do estigma que as vítimas carregarão, caso revelem que foram abusadas: “Tipo muito preconceito, muito preconceito,

(...) eu vou falá que uma pessoa muito mais velha fez isso comigo? Meu Deus, meus amigo, o que que eles vão pensar de mim?(...)” (K, 13 anos).

Pfeiffer e Salvagni (2005) relatam que ao sentir-se desprotegida, com receio de não ser acreditada ou de ser acusada de ser culpada, envergonhada pelo que se passa e

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ameaçada por aquele de quem depende física e emocionalmente, a criança sente-se impossibilitada de denunciar, e se cala, muitas vezes, para toda a vida.

Para além da vergonha e do medo, a dependência emocional e financeira, que muitas vezes a família tem com relação ao perpetrador, aparece como fatores de grande peso na hora da revelação, conforme é apresentado: “às vezes também a pessoa que

abusa, exemplo o pai, o pai abusa, daí a mãe não trabalha, tem um montão de filho e daí o pai sai pra trabalhá, daí ela pensa assim ‘bah, eu sei que ele abusa, mas se eu falá, ele vai saí de casa e daí, como é que vai ficá?’” (AB, 13 anos).

Para Summit (1983), citado por Lamour (1997), a criança aparece duplamente como vítima: dos abusos sexuais e da incredulidade dos adultos (p. 54). Tal aspecto pode ser observado ainda hoje quando muitas crianças são levadas pela própria família a negar o discurso já feito diante da autoridade judicial, muitas vezes pela pressão do rompimento dos vínculos e mesmo por razões econômicas que implicam no afastamento do autor da família, sendo ele o provedor.

As meninas apontaram ainda uma ausência de proximidade e de comunicação na relação entre mães/filhos. O trecho a seguir demonstra tal afirmação: “às vezes, por falta de

conversa com os filhos, porque muitas mães não conversam com os filhos, não vão perguntar o que que tá acontecendo com ele (...)” (F, 13 anos). Este bloqueio na

comunicação dificultaria ainda mais a possibilidade da revelação, visto que a menina não se sentirá segura para revelar algo tão difícil. Destaca-se a opinião das meninas quanto à ausência de proximidade e confiança nas relações familiares. Este aspecto pode ser considerado um fator de risco ao desenvolvimento das adolescentes, visto que demonstra pobre vínculo familiar.

O distanciamento afetivo das adolescentes em relação aos familiares é um dos fatores que contribui para sustentar o medo de expor uma situação de abuso. Este receio de revelar é aumentado ainda pelo fato de os familiares não acreditarem em seus relatos e pelo temor de serem punidas pelo ocorrido. (RODRIGUES et al., 2006).

4. CONCLUSÃO

A partir desse estudo, pode-se perceber a fragilidade existente dentro das famílias acometidas pelo abuso sexual, o que pode levar ao silenciamento ou ao retardo da revelação desse ato que faz-se tão grave para a constituição do sujeito vítima. Diante disso, destaca-se a necessidade de políticas públicas específicas que venham atuar junto às famílias, auxiliando-as nesse momento tão difícil para todos seus membros. A importância

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está na garantia de seus direitos de receberem cuidado e atenção a partir de equipes multidisciplinares, capazes de lidar com os diversos aspectos do problema, desde a revelação até a resolução, e desde a vítima até o perpetrador do abuso.

Ainda, pensando em nível de prevenção, aponta-se para a necessidade de programas que intervenham nas famílias, de modo a despertar nos pais os seus papéis, enquanto figuras protetoras. Espera-se, com isso, que o silêncio, acompanhado da fragilidade da família, seja substituído por relações de confiança e proximidade, vindo garantir a proteção das crianças e adolescentes, prevenindo, também, a possibilidade de continuidade do ciclo de violência.

REFERÊNCIAS:

ARAÚJO, M. F. Violência e abuso sexual na família. Psicologia em Estudo, 7, 2002. p. 3-11. BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Ed. 70, 1997.

BRASIL. Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Saúde. Resolução 196/96 sobre Pesquisa

envolvendo Seres Humanos. Brasília: CNS, 1996.

COSTA, M. C. ET AL. O perfil da violência contra crianças e adolescentes, segundo registros de Conselhos Tutelares: Vítimas, agressores e manifestações de violência. Ciência e Saúde Coletiva, 12(5), 2007. p. 1129-1141.

EVERSON, M. ET AL. Maternal support following disclosure of incest. American Journal

Orthopsychiatric, 59, 1989. p. 197-207.

GABEL, M. Algumas Observações Preliminares. In: GABEL, M. (Org.). Crianças Vítimas de Abuso

Sexual. São Paulo: Summus, 1997. p. 9-13.

GONÇALVES, H. S. Violência contra a criança e o adolescente. In: BRANDÃO, G.; GONÇALVES, H.

Psicologia jurídica no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: NAU, 2005. p. 277-307.

HABIGZANG, L. F. ET AL. Abuso sexual infantil e dinâmica familiar: aspectos observados em processos jurídicos. Psicologia: teoria e pesquisa, 21(3), 2005. p. 341-348.

LAMOUR, M. Os Abusos Sexuais em Crianças Pequenas: Sedução, Culpa, Segredo. In: GABEL, M. (Org.). Crianças Vítimas de Abuso Sexual. São Paulo: Summus, 1997. p. 43-61.

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PFEIFFER, L. & SALVAGNI, E. P. Visão atual do abuso sexual na infância e adolescência. Jornal de

Pediatria, 81(5), 2005. p. 197-204.

RODRIGUES, J. L., BRINO, R. DE F., & WILLIAMS, L. C. A. Concepções de sexualidade entre adolescentes com e sem histórico de violência sexual. Paidéia,16(34), 2006. p. 229-240.

SANTOS, S. S. & DELL'AGLIO, D. D. Revelação do Abuso Sexual Infantil: reações maternas.

Psicologia: teoria e pesquisa, 25(1), 2009. p. 85-92.

SANTOS, S. S. Mães de meninas que sofreram abuso sexual intrafamiliar: reações maternas e

multigeracionalidade. Dissertação de mestrado. UFRGS, Instituto de Psicologia, Programa de

Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento, 2007.

STEINBERG, L. The family at adolescent: Transition and transformation. Journal of Adolescent

Referências

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