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Sobre sublimação e(m) análise*

Estela Ribeiro Versiani Pulsional Revista de Psicanálise, ano XV, n. 155, 36-45

36

A

idéia deste trabalho é pensar o que ocorre em análise à luz da noção de sublimação. Sendo esse o norte que guiará minhas elaborações, é importante deixar claro, de antemão, que a sublima-ção vai ser aqui trabalhada nas suas pos-síveis relações com determinados

aspec-tos do trabalho analítico e que, portanto, não há a pretensão de dar conta da su-blimação enquanto conceito psicanalíti-co. Colocando em outros termos, gosta-ria de lançar algumas questões sobre a noção de sublimação a partir de sua re-lação com a prática psicanalítica. Ao

fa-O

presente trabalho tem como objetivo lançar algumas questões sobre a noção de sublimação a partir de sua relação com a prática analítica. Nesse sentido, buscam-se possíveis formas de articulação entre o trabalho de análise e a sublimação. Partindo de alguns textos de Freud, são apontados dois eixos principais segundo os quais essa articulação pode ser concebida.

Palavras-chave: Análise, sublimação, transferência, pulsão

T

h is essay raises certain questions about the notion of sublimation and its relationship with analytical practice. Possible modes of articulating sublimation and the work of analysis are also considered. Taking several of Freud’s texts as starting points, two main approaches towards this articulation are indicated.

Key words: Analysis, sublimation, transference, instinct/drive

* Trabalho apresentado no Encontro Latino-Americano dos Estados Gerais da Psicanálise, realizado de 12 a 14 de outubro de 2001, em São Paulo.

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zer isso, é possível que algum tipo de de-finição de sublimação se delineie, mas será uma definição que dirá respeito es-pecificamente à relação a ser enfocada a seguir, e não uma definição que dê conta do conceito como um todo.

A dificuldade de chegar a uma “definição psicanalítica” de sublimação não signifi-ca que não tenha pensado sobre a ques-tão. A sensação que ficou, entretanto, é que, por mais que me debruçasse sobre a sublimação enquanto objeto de estudo, ela escapava, fugidia, resistindo a ser li-mitada por uma definição. Apesar disso, o termo tem me indicado um caminho, embora não claramente demarcado, para pensá-lo.

O sentido aproximado desse caminho diz respeito, basicamente, a compreender a noção de sublimação como direção pos-sível da pulsão (uma das direções possí-veis ou a direção possível?). A idéia, as-sim, é que a noção de sublimação seja ampliada – para além do que se conven-cionou chamar de “sublimação artística”, por exemplo.1Abordar a sublimação des-sa forma implica aproximá-la de outros conceitos psicanalíticos, o que, longe de simplificar a questão, parece a princípio impossibilitar qualquer delimitação mais precisa da noção, pois podemos pensar, por exemplo, que o sintoma também é um destino da pulsão, e como diferenciar, então, o sublimatório do sintomático? Existiria sempre uma diferenciação

cla-ra entre o sintoma como retorno do re-calcado e o sublimado?

Não tenho a pretensão de necessariamen-te responder a questões como essas, mas de deixá-las indicadas, antes de ini-ciar minha articulação, a fim de mostrar por que caminho(s) a questão da subli-mação tem me feito transitar.

Pensar o trabalho analítico à luz da su-blimação só faz sentido se isso trouxer um ganho para nossa compreensão tanto acerca do que ocorre em análise como acerca da própria noção de sublimação, o que equivale a perguntar pelos ganhos de uma articulação do tipo que estou propondo aqui. Sugiro, entretanto, que tal ganho não pode ser garantido a

prio-ri, e que, sendo assim, tal pergunta

de-verá ser deixada em suspenso para, só

depois (depois de minhas articulações,

portanto) ser retomada.

PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES

Com o objetivo de começar a pensar a respeito de uma possível articulação en-tre o trabalho analítico e a sublimação, foram escolhidos dois textos de Freud, justamente os que incitaram meus pri-meiros questionamentos a respeito da possibilidade de tal articulação: “A disso-lução do complexo de Édipo”, de 1924, e “Análise terminável e interminável”, de 1937.

Freud inicia o primeiro texto se pergun-tando pelo que levaria à dissolução, ao

1. Nesse sentido, concordo com André Green quando ele afirma que o campo da sublimação “vai muito além daquilo a que normalmente a restringimos” (Green, 1997, p. 228).

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declínio do complexo de Édipo. Para essa questão, propõe duas respostas, re-presentantes de duas dimensões, a prin-cípio aparentemente excludentes, mas que Freud sugere como compatíveis, a saber: uma visão ontogenética e outra fi-logenética. Pensando “ontogeneticamen-te”, o declínio do Édipo se daria por con-ta de sua própria “impossibilidade inter-na” (Freud, 1924, p.173), ou seja, pelo fato de a satisfação esperada não ser al-cançada. Partindo do princípio, entretan-to, como Freud sugere, de que o com-plexo de Édipo é determinado heredita-riamente, faz-se necessário levar em conta também o fato de que ele será dis-solvido simplesmente porque “chegou a hora de sua desintegração” (Ibid.). Em seguida, Freud procura delinear as diferenças no desenvolvimento da se-xualidade no menino e na menina, a par-tir do complexo de castração. Em “Aná-lise terminável e interminável”, ele irá voltar a essas diferenças, indicando como comparecem em análise.

No menino, a dissolução do complexo de Édipo é promovida pela ameaça de castração, cuja efetividade é estabeleci-da, retroativamente, a partir da constata-ção da ausência do pênis feminino, que torna sua própria castração representá-vel. O medo de perder o pênis o leva a renunciar ao objeto incestuoso, e os in-vestimentos objetais são substituídos por identificações. Além disso, como efeito do declínio do complexo de Édipo, a au-toridade dos pais é introjetada, forman-do o núcleo forman-do superego.

Ainda como efeito desse processo – um efeito que nos interessa particularmente no contexto deste trabalho –, Freud afir-ma que

... as tendências libidinais pertencentes ao complexo de Édipo são em parte dessexua-lizadas e sublimadas (algo que provavel-mente acontece com toda transposição em uma identificação) e em parte inibidas em sua meta e transformadas em impulsos ter-nos. (Freud, 1924, p. 177)

Ele está chamando atenção, portanto, para o fato de a sublimação ser uma con-seqüência da dissolução do complexo de Édipo, pois uma meta sexual é substituí-da por uma outra, a princípio não-se-xual, mas sustentada pela força da pul-são sexual. O que podemos entender aqui, levando em conta a referência fei-ta à identificação, é que a substituição do investimento objetal por uma identifica-ção traz consigo, e é apoiada por, uma mudança na meta, que não é mais ex-pressamente sexual, mas que diz respeito a uma relação de outra ordem.

Logo em seguida, Freud continua: “O processo como um todo, por um lado, preservou o órgão genital (...) e, por ou-tro, o paralisou – removeu sua função” (Freud, 1924, p. 177). Penso que com essa frase ele está justamente descreven-do, de forma sucinta, o que ocorre na sublimação, com a transformação, pro-pulsionada pela força da pulsão sexual, de uma atividade sexual em uma outra atividade. O sexual é, portanto, preser-vado, mas demovido de sua função di-reta.

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O complexo de castração do menino, que determina o declínio de seu comple-xo de Édipo, comparece em análise sob a forma de um “repúdio à passividade”, que Freud aborda em seu texto de 1937, deixando claro que o que o homem re-jeita não é a passividade em geral, mas especificamente a passividade em rela-ção a outro homem. Diz Freud (1937) logo após fazer essa distinção: “... em outras palavras, o ‘protesto masculino’ [Freud se refere aqui à expressão intro-duzida por Adler] nada mais é do que a angústia de castração” (p. 252, nota 1). O que, em última instância, levaria o ho-mem à análise, portanto, seria sua luta contra a passividade, seu “repúdio à fe-minilidade” (Ibid., p. 250).

Sabemos que o complexo de castração se inscreve de forma distinta na menina, uma vez que é justamente ele, no seu caso, que introduz e torna possível o complexo de Édipo. A diferença essen-cial, nas palavras de Freud (1924), é que “a menina aceita a castração como fato consumado, enquanto o menino teme a possibilidade de sua ocorrência” (p. 178). A partir da constatação de sua castração, abrem-se os três destinos possíveis da sexualidade feminina, como Freud (1931) aponta no seu trabalho de-dicado a esse tema.

O primeiro destino possível é uma inibi-ção sexual na qual a menina renuncia tan-to a sua atividade fálica como a sua se-xualidade em geral. O segundo caminho leva a um “complexo masculino”, em que o desejo de obter um pênis não é abandonado, e que pode resultar em uma

escolha objetal homossexual manifesta. O terceiro destino, que Freud considera como a feminilidade normal, implica uma transformação do desejo de ter um pênis em um desejo pelo pai, que passa a ser tomado como objeto. E Freud (1933[1932]) completa: “A situação fe-minina só é estabelecida, entretanto, se o desejo por um pênis é substituído pelo desejo por um bebê” (p. 128), de acor-do com “uma antiga equivalência simbó-lica” (Ibid.).

Apesar dessa distinção aparentemente bem delimitada entre os três destinos, Freud deixa ver que a questão não é tão simples assim, ao chamar atenção para o fato de que, mesmo na mulher que aparentemente desenvolveu sua feminili-dade, persiste o desejo (ainda que in-consciente) por um pênis:

É estranho (...) o quão freqüentemente des-cobrimos que o desejo pela masculinidade foi retido no inconsciente e que, a partir de seu estado de recalque, exerce uma influên-cia perturbadora. (Freud, 1937, p. 251)

E é justamente esse persistente desejo pela masculinidade que Freud considera como força motivadora da entrada da mulher em análise. Como ele diz, “seu motivo mais forte ao buscar o tratamen-to era a esperança de que, afinal, ela ain-da poderia obter um órgão masculino” (Freud, 1937, p. 252). Enquanto o ho-mem chega em análise procurando uma solução para o conflito contra sua feminilidade, então, a mulher chega com a esperança de conseguir o tão al-mejado pênis, que é uma forma do seu

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conflito com a feminilidade se mostrar. Como Freud deixa claro, entretanto, ne-nhum dos dois encontra o que está bus-cando. Isso porque, segundo ele, “o re-púdio da feminilidade pode ser nada mais do que um fato biológico” (Freud, 1937, p. 252) e, portanto, deparar-se com esse repúdio em análise é atingir o “campo biológico” (Ibid.) no qual o trabalho ana-lítico não tem mais efeito. Freud conclui esse texto de 1937 dizendo ser difícil afirmar se foi possível dominar esse re-púdio em um determinado tratamento analítico e que a alternativa é “nos con-solarmos com a certeza de que fornece-mos à pessoa analisada todo encoraja-mento possível no sentido de ela reexa-minar e alterar sua atitude em relação a ele [ao repúdio]” (Ibid., p. 253).

SUBLIMAÇÃOCOMOEFEITODAANÁLISE

A partir dos dois textos de Freud abor-dados acima, uma primeira, e talvez mais óbvia, articulação possível seria a de pen-sar que, assim como a partir do comple-xo de Édipo, abrem-se diferentes possi-bilidades de desenvolvimento para a se-xualidade (inclusive a possibilidade da sublimação, como Freud nos mostrou), a análise também possibilitaria um cami-nho de sublimação para a pulsão. Pelo efeito de seu trabalho, portanto, a análi-se abriria um destino sublimatório para a pulsão, desviando para outras metas a meta sexual originária. Freud inclusive, na última de suas cinco “lições de psica-nálise”, publicadas em 1910, cita a subli-mação como um dos possíveis cami-nhos para as moções pulsionais

revela-das pela análise. Como ele diz, uma vez que o recalque é suspenso pela análise, “o caminho para a sublimação [da pul-são até então recalcada] se torna livre novamente” (Freud, 1910[1909], p. 54). Em relação a essa idéia, cabem alguns comentários. Em primeiro lugar, sabe-mos que a sublimação tem um limite. Como lembra Lacan, ao discutir essa questão, “no indivíduo (...) encontramo-nos diante de limites. Alguma coisa não pode ser sublimada, há uma exigência li-bidinal, a exigência de uma certa dose, de uma certa taxa de satisfação direta” (La-can, 1997, p. 116-7). Com isso, Lacan está reafirmando algo já dito por Freud, que, na “lição” a que nos referimos aci-ma, por exemplo, diz: “Uma determina-da porção determina-das moções libidinais recalca-das tem direito a satisfação direta e deve encontrá-la na vida” (Freud, 1910[1909], p. 54). A sublimação, portanto, não pode ser o único destino oferecido pela análise à pulsão sexual.

Freud, inclusive, irá nos advertir para o fato de que não é necessariamente à su-blimação que uma análise deve se dire-cionar. Em um de seus artigos sobre téc-nica, “Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise”, Freud fala da tentação que o analista pode ter de que-rer indicar a seu paciente “novas metas para as tendências que foram liberadas [por meio da análise]” (Freud, 1912b, p. 118), ou seja, de encorajá-lo a seguir a via da sublimação. Chama atenção em seguida para o fato de que “nem todo neurótico possui grande talento para a sublimação” (Ibid., p. 119) e que, se

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in-sistirmos com o paciente nessa via como alternativa às satisfações pulsionais “mais acessíveis e convenientes” (Ibid.), pode-remos tornar sua vida mais difícil. Conclui essa argumentação afirmando que “esforços de, invariavelmente, se fazer uso do tratamento analítico para ocasionar a sublimação da pulsão, embo-ra sem dúvida sempre louváveis, estão longe de ser aconselháveis em todos os casos” (Ibid.). Penso que Freud, com essa passagem, que não deixa de apre-sentar pontos enigmáticos (é sempre

lou-vável, mas em alguns casos desaconse-lhável promover a sublimação?), está

apontando para o erro de pensar a subli-mação como constituindo necessaria-mente a “saída” para a neurose.

Além disso, a princípio, Freud parece estar se referindo à sublimação como efeito consciente da análise, uma vez que sua ênfase é no fato de o analista poder apontar caminhos (sublimatórios) a seu paciente. Mas ele também fala que naqueles que “têm uma capacidade para a sublimação” (Freud, 1912b, p. 119), ‘o processo geralmente acontece por si mesmo assim que suas inibições tiverem sido superadas pela análise’” (Ibid.). Ou seja, a sublimação pode aparecer como efeito “natural” da análise, sem uma in-tervenção direta do analista nesse sentido. Pensar a sublimação como efeito da aná-lise pode levar a elaborações acerca do final de análise, no sentido de pensar que, ao final de sua análise, o analisa(n)do terá a via da sublimação como direção pulsional privilegiada, embora não exclu-siva. Apesar de considerar ser este um

caminho legítimo para procurar delimitar uma articulação entre sublimação e o tra-balho de análise, gostaria de propor outro.

SUBLIMAÇÃONAANÁLISE

A idéia que gostaria de introduzir aqui é que, além de a sublimação poder ser um efeito do trabalho de análise, esse próprio trabalho pode ser concebido como ten-do uma dimensão sublimatória. Pois, numa psicanálise, o sexual se transfor-ma em trabalho, possibilitando-o (é a pulsão sexual que propulsiona o trabalho psicanálise), e, portanto, penso fazer sen-tido conceber esse trabalho como “subli-matório”. Voltando a uma afirmação de Freud em “A dissolução do complexo de Édipo” para a qual chamei atenção ante-riormente por me parecer sintetizar o processo de sublimação – a saber: “O processo [da dissolução do Édipo] como um todo, por um lado, preservou o ór-gão genital (...) e, por outro, o paralisou – removeu sua função” (Freud, 1924, p. 177), penso que, também em análise, o sexual é preservado (na transferência), mas destituído de sua função (e transfor-mado em trabalho).

A sublimação, apesar de constituir um desvio para uma meta não mais expres-samente sexual, é sustentada pela pulsão sexual. De forma análoga, o trabalho de análise não é em si sexual, mas só é pos-sível por conta do sexual da transferên-cia. E assim como, a partir do comple-xo de Édipo, diferentes caminhos se abrem, a transferência permite que o se-xual leve a outros caminhos que não ex-plicitamente sexuais.

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Com essa idéia, não considero estar abandonando o tema do final de análise ao qual fiz alusão acima, uma vez que fa-lar do trabalho de análise é fafa-lar de sua fi-nalidade e, portanto, de seu fim. Pensar, com Freud, a análise como interminável implica que o que está sendo feito desde o início do trabalho caracteriza o seu fim. Para desenvolver aqui essa sugestão de que o próprio trabalho de análise tem uma dimensão “sublimatória”, diferentes aspectos desse trabalho poderiam ser privilegiados como norte. Minha escolha foi abordar essa articulação pela via da transferência, “motor da análise”, e o objetivo a seguir, portanto, é usar a transferência como porta de entrada para pensar possíveis entrelaçamentos do tra-balho de análise com a sublimação.

SUBLIMAÇÃOETRANSFERÊNCIA

Uma primeira dimensão da transferência que vai ao encontro de uma possível ar-ticulação com a sublimação é a idéia de que a transferência não consiste mera-mente numa repetição, mas diz respeito a algo de criativo. A transferência, por-tanto, não apenas repete “imagos infan-tis do sujeito” (Freud, 1912a, p. 102), mas, ao atualizar tais imagos, permite que algo de novo apareça, modificando aqui-lo que reproduz. Como diz Lacan – que, no seminário dedicado à transferência, acentua sua dimensão criadora – “se a re-produção é uma rere-produção em ato, en-tão existe na manifestação da transferên-cia algo de criador” (Lacan, 1992, p. 176). Partir do princípio de que a transferên-cia cria algo parece-me contribuir para a

idéia de que o trabalho que se dá em aná-lise tem um caráter de sublimação. Pois o ato de criação, pensado a partir da psi-canálise, nos leva à noção de sublimação, na medida em que se considera que uma criação artística, por exemplo, se dá a partir de um desvio da pulsão sexual para uma meta aparentemente não-sexual. Ainda em relação à transferência, Lacan se refere a ela como uma “fonte de fic-ção”, dizendo que, na transferência, “o sujeito fabrica, constrói alguma coisa” (Lacan, 1992, p. 176). Podemos pensar, então, que parte do trabalho de análise se refere à construção de algo e não simples-mente a um resgate de alguma coisa que se encontrava escondida (recalcada). E a sugestão é que esse trabalho de cons-truir possui uma dimensão de sublimação. Entretanto, simplesmente afirmar que a transferência não se limita a uma repeti-ção não encerra a questão. Afinal, fazen-do minha a pergunta de Tania Rivera (2000): “O que permitirá que da repeti-ção do mesmo algo se dê diferente?” (p. 40). Remetendo-se ao jogo do fort-da em busca de uma resposta para essa questão, a autora irá sugerir que a trans-ferência, assim como o jogo do carretel, possibilita um “pôr em cena” da repeti-ção, e que tal encenar “é repetir, mas, repetindo, tornar-se outro” (Ibid., p. 41). É justamente esse movimento de pôr em cena, conforme entendo, que permite que, em análise, a partir do mes-mo, emerja o novo ou, nas palavras da autora, “permite ver-se outro, no mes-mo” (Ibid., p. 46).

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pacien-te em análise a princípio atua – em vez de recordar – aquilo que encontra-se es-quecido ou recalcado, ou seja, ele repe-te e não recorda. Em seguida comenta que esse repetir é de fato uma forma de recordar e que, na sua “compulsão à re-petição”, o paciente está recordando, embora de uma forma diferente, pois “os impulsos inconscientes não querem ser lembrados da forma que o tratamento deseja que eles sejam” (Freud, 1912a, p. 108).

O analista, contudo, continua querendo que seu paciente recorde – no sentido de fazer uma “reprodução no campo psí-quico” (Freud, 1914, p. 153) – aquilo que ele insiste em repetir, o que contri-bui para que haja uma “luta perpétua” (Ibid.) entre paciente e analista. Luta essa que se encena, podendo chegar a uma solução, na transferência: “O prin-cipal instrumento (...) para refrear a compulsão à repetição do paciente e torná-la um motivo para a recordação encontra-se no manejo da transferência” (Ibid., p. 154). A partir das repetições que se mostram na transferência, então, é possível chegar a determinadas recor-dações até então recalcadas.

Sabemos que transformar a repetição em recordação não constitui o único traba-lho da análise, uma vez que a perlabora-ção também desempenha papel

funda-mental no tratamento analítico, especial-mente no que diz respeito à superação de resistências. No contexto deste traba-lho, entretanto, a idéia não é abordar a especificidade da perlaboração,2 mas an-tes ressaltar como, a partir da transferên-cia e na transferêntransferên-cia, é possível que o trabalho analítico se dê, provocando mudanças e deixando que, no mesmo, compareça o novo.

A transferência, ao atualizar conflitos sexuais infantis,3torna possível o traba-lho analítico e, aqui, volto a sugerir um caráter de sublimação ao que se dá em análise, com o sexual sendo transforma-do em trabalho. Penso que essa idéia se ilustra de modo exemplar no trabalho de Freud acerca da Gradiva de Jensen, no qual a maneira como o amor suscita tra-balho, belamente descrita por Jensen, é apontada por Freud.

A TRANSFERÊNCIAAPARTIRDE GRADIVA

Como o amor se faz é graças a dois.

(Guimarães Rosa)

Na quarta parte do trabalho que Freud (1907[1906]) intitulou “Delírios e so-nhos na Gradiva de Jensen”, ele mostra como Zoe – a “Gradiva” do romance de Jen-sen – consegue curar Hanold – o arqueó-logo protagonista da história – de seus delírios, de maneira análoga a uma análise.

2. O que não quer dizer que, em outro momento, não possa ser interessante pensar as ressonâncias que a articulação entre a sublimação e o trabalho analítico poderiam trazer para a noção de perlaboração.

3. Em “Além do princípio do prazer”, Freud (1920) fala de como as reproduções na transferência “sempre têm como tema alguma porção da vida sexual infantil – isto é, do complexo de Édipo e seus derivados” (p. 18).

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O que havia provocado o delírio de Ha-nold tinha sido uma combinação de de-terminados desejos sexuais seus (em re-lação à própria Zoe) com uma resistên-cia a que esses desejos se tornassem conscientes, daí a necessidade de que aparecessem apenas sob a forma de sin-tomas. A partir de suas conversas com Zoe, entretanto, essas memórias, até en-tão recalcadas, conseguem vir à tona, e seu amor por ela pode ser expresso conscientemente. Como diz Freud, o “tratamento” dado a Hanold por Zoe “consistiu em lhe devolver, pelo exte-rior, as lembranças recalcadas que ele não conseguia libertar no seu interior” (Freud, 1907[1906], p. 88).

Mas isso só foi possível pelo fato de Zoe se encontrar numa posição muito espe-cial em relação a Hanold: a de seu obje-to de amor. Assim, quando Freud nos diz que Zoe se encontrava numa “posi-ção ideal” (Freud, 1907[1906], p. 89) para desempenhar a tarefa analítica de trazer para a consciência o material re-calcado, podemos pensar essa posição em termos transferenciais. Afinal, numa análise, é o amor transferencial que pos-sibilita o trabalho analítico.

A tradução final do delírio de Hanold fei-ta por Zoe – “Olha, tudo isso apenas sig-nifica que você me ama” (Freud, 1907 [1906]) – pode ser pensada como aná-loga a uma interpretação da transferên-cia por parte do analista. Além disso, nos remete ao fato de a resolução da

trans-ferência ser considerada por Freud como “uma das principais tarefas do tratamen-to” (Freud, 1912b, p. 118). E, para que tal resolução seja possível, é necessário que o analista, assim como Zoe, sustente a posição de ser alguém que suscita o afeto amoroso de seu paciente.

O fato de ser possível fazer uma analo-gia entre o procedimento usado por Zoe e o procedimento analítico, entretanto, não significa que a sobreposição entre os dois métodos seja total. No primeiro caso, Zoe era objeto tanto do afeto cons-ciente de Hanold durante o “tratamento” como objeto de seu amor infantil recal-cado. Já na análise, sabemos que não há tal coincidência e que, ao mesmo tempo em que o analista sabe que é a sua pes-soa que suscita o amor de transferência, ele sabe também que esse amor “é por outro alguém”. Tomando liberdade com as palavras de Guimarães Rosa, pode-ríamos dizer que o amor de transferên-cia se faz “graças a três”.4

Além disso, Zoe foi capaz de retribuir o amor de Hanold que, no final do proces-so, já se tornara consciente. Freud, por outro lado, em vários momentos, adver-te para os riscos de o analista querer re-tribuir o amor de seus pacientes e suge-re que, se antes da análise o analista era um estranho para o paciente, ele “deve se esforçar para novamente tornar-se um estranho após a cura” (Freud, 1907 [1906], p. 90).

E a cura na análise, assim como na

Gra-4. O próprio fato de a transferência ser “a três”, inclusive, já indica que a análise pode proporcionar uma outra “solução” que não a erótica.

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diva, é uma “cura pelo amor” (Freud,

1907 [1906]), por um amor que provo-ca trabalho. O que nos traz de volta à questão que instigou estas elaborações.

PRÓXIMOSPASSOS

O que foi feito neste breve percurso constitui uma primeira aproximação ao objetivo inicial de pensar o que ocorre em análise à luz da sublimação. A partir da sugestão, deixada aqui, de que ao trabalho de análise pode ser conferido um caráter de sublimação, a brem-se diferentes possibi l i d a d e s de desen-volvê-la.

Já de imediato ocorre-me algumas ques-tões, que poderão ser abordadas em ou-tro momento, decorrentes da sugestão de que o que se dá em análise tenha uma dimensão de sublimação: O trabalho ana-lítico é um modo de satisfação da pul-são? Como pensar os efeitos de um tra-balho que é por si só sublimatório? De que forma a questão da “valorização so-cial” – presente na noção freudiana de sublimação – se articula (ou não) com o que está sendo proposto aqui? E ainda uma outra questão que já havia sido an-teriormente apontada, mas deixada em suspenso: Que ganhos a articulação su-gerida – entre trabalho analítico e subli-mação – nos traz?

Essa última questão continuará tendo sua resposta remetida a um só depois, uma vez que, no momento, o que posso dizer é apenas que tal articulação provocou

trabalho (de elaboração e de escrita). O

que não deixa de ser um ganho. „

REFERÊNCIAS

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LACAN, J. O Seminário. Livro 7 – A ética da

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1997.

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RIVERA, T. Transferência, arte, psicanálise.

Pulsional Revista de Psicanálise. São

Paulo, n. 133, p. 37-47, mai./2000.

Artigo recebido em outubro/2001 Aprovado em janeiro/2002

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