• Nenhum resultado encontrado

as empresas de energia e o consumo doméstico de gás em são paulo no início do século xx*

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "as empresas de energia e o consumo doméstico de gás em são paulo no início do século xx*"

Copied!
19
0
0

Texto

(1)

as empresas de energia e o consumo

doméstico de gás em são paulo no

início do século

xx*

João Luiz M a x i m o da Silva

Doutorando em História Social e Mestre em História Social. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, FFLCH, Universidade de São Paulo, USE

RESUMO

Este artigo p r o c u r a identificar alguns impactos p r o d u z i d o s no início do século XX pela i n t r o d u ç ã o de tecnologias do gás no espaço doméstico. A trajetória das empresas de energia é delineada j u n t a m e n t e c o m o processo de crescimento e urbanização da cidade de São Paulo.

P a l a v r a s - c h a v e : São Paulo, Energia a gás, C o z i n h a , E q u i p a m e n t o s domésticos,

C o n s u m o .

O objetivo deste artigo é discutir o papel das empresas de energia no fomento do c o n s u m o doméstico de gás canalizado na cidade de São Paulo no início do século XX. C o m o d e s d o b r a m e n t o de suas atividades nos serviços urbanos, as empresas de energia procuraram desenvolver o c o n s u m o doméstico de gás e eletricidade. D u a s empresas de capital estrangeiro foram i m p o r t a n t e s neste processo, a The San Paulo Gas Company, constituída em Londres em 1869, e a The São Paulo Tramway

Light and Power Company, constituída no Canadá em 18991. Estas duas

empresas, unidas mais tarde, foram as grandes responsáveis pela i n t r o -dução do gás e da eletricidade em grande escala na cidade de São Paulo, a partir do final do século XIX.

* S u b m e t i d o : m a r ç o , 2005; aceito: m a i o , 2005

1 A c o m p a n h i a de e l e t r i c i d a d e teve c o m o p r i m e i r o n o m e The São Paulo Railway

Light and Power Company, m u d a n d o em seguida para The São Paulo Tramway Light and Power Company para evitar confusão c o m a São Paulo Railway, q u e explorava as estradas de ferro. U s a r e m o s o n o m e p e l o q u a l a e m p r e s a passou a ser c h a m a d a pela p o p u l a ç ã o , Light. A esse respeito, v e r S O U Z A , 1989.

(2)

U m a das questões que devemos considerar é o resultado do impacto provocado pelas novas empresas e seu papel em um processo mais a m -plo, que envolvia aspectos da urbanização levada a cabo pelo Estado. Entretanto, já existia u m a transformação na mentalidade das elites, tor-n a tor-n d o possível e desejável u m a série de mudator-nças de hábitos que fosse identificada c o m o progresso e o ideal urbano vigente na Europa. As-sim, o "embelezamento u r b a n o " , a sanitarização e o c o n s u m o de objetos identificados c o m estes ideais faziam parte deste desejo de m o d e r n i z a -ção. Este período trouxe u m a ruptura c o m o passado, e a casa paulistana foi fortemente modificada neste processo de atualização, entrando em c h o q u e c o m antigas práticas. No espaço destas novas residências, os equipamentos domésticos a gás tiveram um papel central, pois propicia-ram u m a nova configuração espacial e novas relações de trabalho e convivência doméstica. A l é m disto, foram o p o n t o de ligação da casa c o m o espaço u r b a n o por via das redes de distribuição de energia, um fenômeno novo na cidade de São Paulo.

A transformação de São Paulo em um centro u r b a n o importante no comércio do café propiciou um grande v o l u m e de investimentos capi-talistas que alterou radicalmente o antigo povoado. M e s m o c o m sua condição periférica, os centros urbanos brasileiros se desenvolveram c o m o processo de importação de capitais e exploração de serviços urba-nos. A chegada de grupos estrangeiros c o m o a The San Paulo Gas Co. e a

Light2 fazia parte de um processo global de procura por novos mercados,

atuando na exploração de serviços urbanos em grande escala.

O rápido crescimento da cidade no período estava fortemente asso-ciado à expansão cafeeira no oeste paulista, que transformou a capital no centro político e econômico deste movimento.Juntamente c o m o grande aumento da população, surgiam o crescimento e a diversificação das

ati-2 Em 1897, Francisco G u a l c o o b t e v e a concessão do serviço de b o n d e s elétricos p o r

q u a r e n t a anos e c o n s e g u i u a ampliação da concessão o r i g i n a l p a r a a p r o d u ç ã o e a distribuição d e e n e r g i a elétrica. E m 1899, u m g r u p o articulado p o r F r e d e r i c k Pearson f u n d o u a The São Paulo Railway, Light and Power Company Limited, c o m sede em T o r o n t o , m a s c o m capital inglês. N o m e s m o a n o , G u a l c o transferiu a concessão para o g r u p o Light. Em 1905, o g r u p o se instalou no R i o de J a n e i r o e, em 1912, c o n t r o -lava os serviços de eletricidade, b o n d e s , gás e telefone em São P a u l o , R i o de Janeiro e várias cidades do i n t e r i o r de São Paulo. A esse respeito, ver M E N D E S , 1997.

(3)

vidades econômicas. Se n u m primeiro m o m e n t o o café foi o principal responsável por todo este crescimento, c o m o t e m p o a cidade tornou-se um centro urbano c o m u m a dinâmica própria. A industrialização, por exemplo, atraiu atividades urbanas correlatas, c o m o transportes, energia, comércio, bancos, etc. Este quadro de desenvolvimento urbano foi o responsável pela atração de grandes empresas estrangeiras de exploração de energia. Os serviços de infra-estrutura urbana (transportes, comunica-ções e serviços urbanos) eram indispensáveis neste contexto e ofereciam oportunidades atraentes de investimento para o capital estrangeiro3.

A exploração do gás a partir do carvão exigia u m a grande infra-estru-tura e capital, o que era possível para u m a empresa c o m o a The San Paulo Gas Co. Devido à insuficiência da iluminação nas ruas de São Paulo, em 1863 foram contratados os empresários José D u t t o n e Francisco Taques Alvin, que se p r o p u n h a m a fornecer iluminação a gás de hidrogênio carburado. Logo em seguida, estes empresários, de c o m u m acordo c o m as autoridades, transferiram seus direitos e obrigações para a The San Paulo Gas Co., empresa inglesa constituída em Londres em 1869. A con-cessão era para manufatura e distribuição de gás, obtido por quaisquer meios para iluminação pública e particular por 25 anos.

A empresa foi constituída em 1869 e, em 1870, foram iniciados os trabalhos de instalação dos e n c a n a m e n t o s de gás que iriam abastecer a cidade. A autorização para f u n c i o n a m e n t o foi concedida em 28 de agosto de 1872, q u a n d o a p r i m e i r a usina ficou pronta. Apoiada em um sistema de iluminação pública eficiente (em comparação c o m os antigos lampiões) e no c o n t r a t o de m o n o p ó l i o na área central da cidade, a empresa p ô d e crescer, estendendo suas atividades para o f o r n e -c i m e n t o de iluminação parti-cular e -combustível para fins domésti-cos (Antecedentes 1987: 6-10).

A despeito de a The San Paulo Gas Co. estar em atividade em São Paulo desde 1872, foi apenas no início do século XX que se iniciou o fornecimento de combustível para fins domésticos (cozinha e aqueci-m e n t o ) . Nesse período, o uso do gás estava restrito apenas à iluaqueci-minação

Sobre as relações e n t r e café, i n d ú s t r i a e u r b a n i z a ç ã o em São Paulo, v e r as obras de SAES, Flávio A z e v e d o M a r q u e s d e , A grande empresa de serviços públicos na economia cafeeira; SINGER, P a u l I., Desenvolvimento econômico e evolução urbana; SILVA, Sérgio, Expansão cafeeira e expansão da indústria no Brasil; D E A N , W a r r e n , A industrialização de São Paulo (1880-1945); C A N O , W i l s o n , Raízes da concentração industrial em São Paulo.

(4)

(pública e particular). Já havia experimentos c o m seu uso em fogões na Europa e nos Estados U n i d o s desde 1837, mas as primeiras aplicações foram em restaurantes e hotéis. Foi somente a partir de 1880 que cresceu lentamente o uso do gás na cozinha, c o m o desenvolvimento dos fogões (Giedion, 1948:538). O contrato original, assinado em 1863, dava o m o n o -pólio do fornecimento de iluminação pública e particular na cidade de São Paulo durante 25 anos. Após algumas discussões c o m o poder p ú -blico, a companhia conseguiu, c o m algumas prorrogações, estabelecer o término do contrato para 1897. M e s m o c o m o monopólio, a empresa enfrentava u m a série de dificuldades e u m a das soluções encontradas foi sua extensão para o uso doméstico, que já era significativo na Europa e nos Estados Unidos. Assim, a The San Paulo Gas Co. conseguiu, c o m seus contatos, que o governo do Estado de São Paulo aprovasse, em 1896, a lei n. 440, que permitia a fabricação de gás para uso doméstico e industrial. Devido aos vários problemas em relação à qualidade e à extensão da iluminação pública, havia u m a grande pressão por parte da imprensa pela não renovação do contrato. Mas, por suas relações c o m o poder público e a ausência de um grande concorrente, a The San Paulo Gas Co. celebrou um novo contrato de concessão para iluminação pública c o m o governo, em 1897. A cláusula XXVII deste contrato, p o r é m , p r e via a possibilidade de fornecimento de gás para outros fins. Assim, d e -pois de preparar o terreno, em 1901 foi celebrado um t e r m o de adita-m e n t o que regulava o forneciadita-mento e a cobrança do gás para usos "estranhos à iluminação". No m e s m o ano, a empresa inglesa passou a fornecer gás para uso doméstico e foi instalado o primeiro fogão a gás no Palácio do G o v e r n o (Souza, 1994: 73).

A emenda no contrato de 1897 regulou o s u p r i m e n t o e a separação de gás para outros usos (aquecimento e cozinha) a um preço m e n o r que o praticado para iluminação. A diferença no preço, estabelecida em 20% (no m í n i m o ) , visava estimular o uso do gás dentro da casa, n u m a tentativa de suplantar u m a atividade tradicional, o preparo dos alimentos em fogões c o m uso de lenha e carvão. Segundo relatório da c o m panhia, de 1911, nos dois primeiros anos do fornecimento do c o m b u s -tível para cozinha, o preço chegou a ser reduzido em 3 3 %4.

4 R e p o r t o f p r o c e e d i n g s a t t h e e x t r a o r d i n a r y g e n e r a l m e e t i n g h e l d o n friday, j u l y 7 ,

(5)

A despeito de a composição do gás ser basicamente a mesma, o consu-mo era dividido entre iluminação pública, iluminação particular e outros fins (fogão e aquecedores). Para isto, a empresa dispunha de tubulações e medidores distintos. No início, a iluminação pública e particular consumia a maior parte do gás manufaturado pela empresa, vindo em seguida o uso c o m o combustível para cozinha e aquecimento, que correspondia a ape-nas 10% do uso na iluminação particular. Esta situação se inverteu ao longo das duas primeiras décadas do século XX, fruto da estratégia ado-tada pela companhia e da concorrência c o m a eletricidade. Em 1910, o uso c o m o combustível doméstico chegava à metade do gás usado na iluminação particular e, em 1928, atingia 89% do c o n s u m o total de gás na cidade de São Paulo.

O grande problema era a concorrência c o m a Light, que melhorava cada vez mais seu sistema de iluminação e avançava sobre várias e m p r e sas das áreas de transportes, telefonia e iluminação, visando o m o n o p ó -lio destas atividades. Os grandes trunfos da companhia de gás eram a possibilidade de uso do gás na cozinha e, principalmente, o m o n o p ó l i o da iluminação pública na área central da cidade. Um encontro extraor-dinário da diretoria da The San Paulo Gas Co., em 1911, avaliava os problemas da companhia face à competição c o m a eletricidade:

Em 1899, o Conselho de Diretores e n t e n d e u que a C o m p a n h i a teria que enfrentar a inevitável e severa competição de um poderoso e arrojado e m p r e e n d i m e n t o elétrico, c o m corrente produzida em u m a instalação hidrelétrica a cerca de trinta m i l h a s . Assim c o m o em outros lugares, t a m b é m em São Paulo estava previsto que o gás esta-va c o m seus dias contados [...]5.

O contrato de m o n o p ó l i o e a influência política da companhia de gás sofreriam seu primeiro teste na competição c o m outro g r u p o es-trangeiro, de grande p o d e r político, técnico e e c o n ô m i c o , o g r u p o Light. Mas a empresa procurava resistir, baseada em seus privilégios e no crescimento do c o n s u m o de gás para fins domésticos. Entre 1910 e 1928, a quantidade de gás para iluminação pública manteve-se prati-camente inalterada em cerca de 3.000.000 de m e t r o s cúbicos anuais.

(6)

Neste período, em que a empresa enfrentava a competição c o m a eletri-cidade, manteve apenas sua área de contrato sem n e n h u m a expansão até a total desativação dos lampiões a gás, em 1936. Esta expansão era i m -pensável, já que a eletricidade se desenvolveu rapidamente, de forma a tornar as lâmpadas mais eficientes e práticas que a iluminação a gás. A eficiência da lâmpada elétrica c o m filamento e o a u m e n t o do preço do gás, além das inúmeras reclamações de má qualidade e restrição dos serviços, convenceu a companhia de que a iluminação a gás estava condenada. Este problema era agravado em São Paulo, já que o gás estava sujeito a a u m e n t o s atrelados ao câmbio, e n q u a n t o a eletricidade era fornecida a preço fixo na m o e d a do país6. Em 1911, quando os problemas da The

San Paulo Gas Co. se avolumavam, um encontro especial da diretoria avaliava o consumo doméstico c o m o a grande esperança para a empresa: O consumo de gás para cozinha e outros fins t e m um aspecto diferenciado. Um dos contratos suplementares já mencionados, feito em meados de 1901, trata exclusivamente dessa modalidade de serviço. Em 1902 o consumo de gás para cozinha e aquecimento era de 249.300 metros cúbicos, e em 1910 alcançou 2.478.000 metros cúbicos ou um aumento de 1.000% em nove anos. Isto mostra, acionistas, o que estamos fazendo em relação ao gás para cozinha. É importante ressaltar que hoje temos mais gás fornecido para cozinha que o total para ilumina-ção pública ou lâmpadas da cidade (...) Creio que temos um vasto campo para operações e asseguro, senhores, que isso não é fruto de minha imaginação, mas simplesmente u m a avaliação baseada em fatos, quando prevejo para a Companhia no futuro um maior desenvolvi-m e n t o deste radesenvolvi-mo de negócios do que experidesenvolvi-mentadesenvolvi-mos no passado7.

Os n ú m e r o s expressivos referentes ao c o n s u m o doméstico t a m b é m indicavam um grande decréscimo da iluminação a gás. Em sua exposição aos acionistas, o presidente da reunião usa de sua eloqüência para asse-gurar as possibilidades de sucesso, que não seriam fruto de sua imaginação, mas baseadas nos n ú m e r o s que revelavam o a u m e n t o do c o n s u m o de

6 History of plant and growth of the services, T h e San P a u l o Gas C o m p a n y , 1949. 7 Report of proceedings at the extraordinary general meeting held on friday july 7, 1911, T h e

(7)

gás para fins domésticos. O t o m otimista do relatório escondia as difi-culdades enfrentadas na concorrência c o m o g r u p o Light. Mas o au-m e n t o do c o n s u au-m o de gás coau-mbustível era inquestionável, e a concessão do m o n o p ó l i o parecia ser mais interessante. Toda esta confiança não impediu que a empresa de gás perdesse a competição c o m a Light. M e s m o c o m a renovação de seus privilégios, a The San Paulo Gas Co. foi impedida de transferir total ou parcialmente sua concessão, e t a m b é m de adquirir qualquer outra empresa para explorar a iluminação pública sem a aprovação do governo. A despeito do crescimento do gás para cozinha, a empresa estava c o m os dias contados, pois não poderia fazer frente à concorrência c o m a eletricidade. R e l a t ó r i o i n t e r n o da empresa, em 1949, analisava os problemas que resultaram na venda do controle acionário da companhia de gás, em 1912: " C e r t a m e n t e a C o m p a n h i a de Gás, c o m seus próprios recursos, não poderia cumprir suas obrigações durante o período que se estendeu de 1917 a 1922, q u a n d o u m a perda acumulada de £ 506.966 foi registrada"8.

M e s m o c o m o privilégio do m o n o p ó l i o , a empresa necessitava cada vez mais de recursos para a modernização de seus equipamentos e para a expansão de sua rede. Em 1912, a Light adquiriu o controle acionário da The San Paulo Gas Co., c o m a emissão de b ô n u s da The São Paulo Electric Company, u m a de suas subsidiárias. A situação da companhia de gás não parecia um empecilho. Sua c o m p r a pela Light era considerada essencial, m e s m o a um alto preço, c o m o ressalta o m e s m o relatório:

O custo registrado da aquisição do controle foi alto, £ 650.115-1-5 (nunca incluído nos livros da T h e San Paulo Gas Company). Eviden-temente o perigo da compra da C o m p a n h i a de Gás por outra compa-nhia elétrica, interessada em operar em São Paulo, justificava o preço. O contrato da Companhia de Gás possibilitaria ao concorrente usufruir do direito de preferência para iluminação pública por eletricidade9.

O interesse maior era o contrato da companhia de gás. A compra por outra empresa do setor elétrico poderia ser desastrosa para os planos do grupo. A aquisição da companhia de gás pela Light seguia o princípio

8 T h e ' C o m u n i t y o f interests clause' a n d t h e p u r c h a s e o f c o n t r o l b y Brazilian T r a c t i o n

C o . , may, 7, 1949.

(8)

adotado pela empresa desde o início de sua operação em São Paulo. O objetivo era o controle total de várias empresas de serviços urbanos. C o m a compra do controle acionário em 1912, começou u m a reestru-turação da empresa, que iria modificar sensivelmente a comercialização de gás para uso doméstico, considerado o principal alvo,já que a ilumina-ção cederia espaço para a eletricidade. M e s m o integrando o g r u p o Light, as atividades eram separadas e a companhia de gás continuava a fazer valer seu contrato de concessão da iluminação nas áreas centrais, m e s m o que investisse cada vez mais no c o n s u m o doméstico.

O g r u p o Light já. tinha adquirido o controle acionário da companhia de gás do R i o de Janeiro, a Société Anonyme du Gaz, em 1905, passando a investir mais no consumo para fins domésticos. A l é m da modernização dos equipamentos e das tubulações, iniciou-se, em 1912, u m a reestru-turação do departamento comercial das companhias de gás do R i o de Janeiro e de São Paulo, c o m as decisões referentes à comercialização

sendo feitas em conjunto.

De 1910 até 1914, o consumo de gás cresceu, devido aos melhores pre-ços, ao grande crescimento da cidade e, principalmente, c o m u m a propa-ganda intensiva iniciada em 1913 e reforçada no ano seguinte. O ritmo de crescimento só não foi maior devido ao início da Primeira Guerra M u n d i -al, que dificultou a importação de carvão. Se em 1910 o gás combustível (cozinha e aquecimento) respondia por cerca de 25% do consumo total, em 1914 (auge da campanha publicitária) era responsável por cerca de 50%. A l é m do a u m e n t o dos custos do serviço, a diminuição do poder calorífico e as mudanças na composição do combustível, permitidas pelo governo, provocaram a necessidade de ajustes nos fogões e geraram recla-mações dos consumidores e ataques da imprensa. C o m a queda do câm-bio, o preço do gás subiu, reduzindo o aumento do n ú m e r o de consumi-dores entre 1921 e 1923, a despeito da propaganda. A Revolução de 1924 paralisou por um t e m p o curto o aumento do consumo. Mas, em 1928, o gás para cozinha e aquecimento respondia por cerca de 89% do consumo, confirmando as previsões e as estratégias da companhia.

Mesmo mantendo autonomia jurídica, a The San Paulo Gas Co. e a Light, c o m o integrantes do mesmo grupo, não entraram em concorrência, se-guindo caminhos diferentes no tocante aos investimentos. Ao contrário da companhia de gás, a Light investia mais pesadamente no uso da eletri-cidade para fins de iluminação (doméstica e pública).

(9)

O g r u p o Light tinha o objetivo de estabelecer várias redes inter-relacionadas. Se o gás estava quase que t o d o restrito ao uso doméstico, a eletricidade teria u m a maior diversificação. Os vários usos para a eletricidade já estavam em desenvolvimento na Europa e nos Estados Unidos, e a Light tinha c o m o meta a exploração plena de suas possibi-lidades c o m o estabelecimento do m o n o p ó l i o . C o m a construção da Usina de Parnaíba em 1901, viabilizou-se o fornecimento de energia elétrica para outros fins, em especial para uso doméstico em iluminação e para aparelhos em geral. Consolidava-se t a m b é m o aproveitamento hidráulico para a produção de eletricidade.

Existem poucas referências ao uso do fogão elétrico na casa p a u -listana nesse p e r í o d o e m e s m o p o s t e r i o r m e n t e . Em países centrais, o processo de passagem do gás para a eletricidade o c o r r e u devido à c o n corrência entre as empresas distribuidoras, que c o m p e t i a m nos m e s mos segmentos (doméstico, público e industrial). N o s Estados U n i -dos, este processo foi responsável por u m a série de inovações tecnológicas e acréscimo de p e q u e n o s acessórios nos fogões. S e g u n d o Jane Busch (1983: 224), os fogões elétricos c o m e ç a r a m a ser produzidos nos Esta-dos U n i d o s no início do século X X , mas a c o m p e t i ç ã o c o m o gás se acirrou na década de 30.

A c o n c o r r ê n c i a era fomentada p o r associações dos fabricantes e empresas de energia, c o m o a A G A (American Gas Association) e a NELA (National Electric Light Association).Além da inovação tecnológica, a p r o -paganda era a grande arma desta competição. Em São Paulo e no R i o de Janeiro, isto n u n c a aconteceu, em grande parte devido ao processo de formação do g r u p o Light, que acabou por concentrar o m o n o p ó l i o da produção e da distribuição de gás e eletricidade (além de outros servi-ços). Assim, o fogão a gás tornou-se o principal produto da companhia de gás, sem grande ameaça do fogão elétrico.

Relações com outras fontes de energia

Por um longo período, o principal combustível na cozinha paulista foi a lenha, e c o n t i n u o u sendo, m e s m o c o m a introdução do gás e de outros combustíveis. Os fogões (de pedra, barro, ferro ou alvenaria) eram todos movidos a lenha, cortada e trazida dos arredores da cidade de São Paulo. O crescimento da cidade c o m e ç o u a tornar escassa a

(10)

lenha nas imediações, c o m o apontava H e n r i q u e Raffard em suas o b -servações sobre a cidade de São Paulo em fins do século XIX:

Cabe aqui dizer que a lenha, que outrora vinha de Santo A m a r o e outros lugares circunvizinhos da Paulicéia, o n d e se vendia pelo preço de 4$ cada carrada, hoje é trazida em grande parte pelas vias férreas, regulando o seu preço 2$500 ou 5$ q u a n d o rachada e c o r tada em p e q u e n o s pedaços uniformes, existindo empresas m o n t a -das para esse fim, as quais trabalham c o m serras movi-das a vapor (Raffard, 1977: 105).

A fácil obtenção da lenha, principalmente para as classes mais baixas, era característica de um p e q u e n o povoado c o m o a São Paulo de até meados do século XIX. Mas o crescimento vertiginoso da cidade dimi-nuía a oferta de lenha, seja pela procura, seja pela diminuição das áreas de floresta. O historiador Warren D e a n chama a atenção para a i m p o r -tância do c o n s u m o da lenha e do carvão vegetal na e c o n o m i a paulista no século XIX. Apesar de algumas indústrias c o n t i n u a r e m utilizando a madeira c o m o fonte de energia, o consumo doméstico era mais impor-tante. A lenha era considerada a mercadoria de maior porte no abaste-cimento da cidade antes da industrialização, tanto que o governo de São Paulo proibiu, em 1901, o imposto sobre lenha, aplicado em alguns m u -nicípios, alegando que qualquer imposição teria o efeito de aumentar o custo de vida nas cidades (Dean, 1993:45). Assim, este produto tornou-se um negócio c o m o outro qualquer, e passou a enfrentar a concorrência c o m outros tipos de combustível. A The San Paulo Gas Co. no início de suas atividades já percebia os limites do uso da lenha c o m o combustível, ressaltado em relatório da diretoria de 1911:

Acredito que temos aqui um vasto campo para operações (...) Para isto, é suficiente entender as condições de vida em São Paulo, onde se c o z i n h a c o m l e n h a , q u e está s e t o r n a n d o escassa d e v i d o a o desmatamento nos arredores da cidade, para prever o inevitável e cons-tante crescimento na substituição da lenha pelo gás nas cozinhas da cidade de São Paulo1 0.

10 Report of proceedings at the Extraordinary General Meeting, h e l d on friday, j u l y 7, 1911,

(11)

Esta avaliação continha u m a grande dose de esperança da c o m p a -nhia no crescimento do uso do gás. Mas devemos lembrar que a reu-nião que deu o r i g e m a este relatório foi realizada às vésperas da compra da The San Paulo Gas Co. pelo g r u p o Light e se tratava de u m a prestação de contas aos acionistas. A avaliação era realista, mas a diminuição do uso da lenha em prol do gás foi lenta, e estes combustíveis conviveram por um longo t e m p o . A diferença é que a lenha já não podia mais ser obtida tão facilmente e enfrentava vários concorrentes.

A comercialização de vários combustíveis disponíveis foi aproveitada t a m b é m pela companhia de gás. A produção do gás a partir da queima do carvão mineral proporcionava alguns subprodutos no decorrer do processo. O carvão era introduzido em fornalhas, onde a temperatura chegava a cerca de 900 graus centígrados. A parte volátil deste processo se c o m p u -nha do gás e do alcatrão, que eram separados para garantir a qualidade do combustível enviado para o gasômetro. O coque era o restante sólido do processo de queima do carvão, e tinha três tipos de utilização: alimentar as fornalhas, produzir gás de água carburado (um gás de qualidade infe-rior, utilizado para misturar ao restante e regular o estoque) e venda para consumidores c o m o combustível para os fogões, concorrendo c o m o carvão vegetal (Artigas, 1980: 17).

M e s m o c o m toda a variedade de combustíveis usados na cozinha, os grandes concorrentes do gás eram a lenha e o carvão vegetal. Segundo Carlos Lemos (1999: 212), a partir de meados do século XIX a casa paulistana (dos segmentos mais abastados), c o m e ç o u a conhecer os n o -vos fogões de ferro (importados dos Estados U n i d o s e Inglaterra), chama-dos de " e c o n ô m i c o s " , porque aqueciam c o m m e n o s lenha ou carvão.

Divulgação

Havia vários problemas na entrada das novas formas de energia e dos aparelhos no espaço doméstico. A l é m da questão econômica, já que se tratava de u m a tecnologia nova e certamente cara, havia t a m b é m a resistência das donas de casa e das cozinheiras. Apresentava-se u m a clara tensão entre tradição e novidade, e um dos instrumentos usados para quebrar as resistências foi a publicidade. As empresas de gás e eletricidade nos Estados U n i d o s , estruturadas em fortes associações e n u m p r o -cesso de concorrência, usaram exaustivamente a publicidade e outras

(12)

formas de promoção de seus produtos. Segundo Jane Busch (1983: 222), os fogões tinham de ser vendidos para um público desinformado e desinte-ressado e eram necessárias técnicas promocionais e campanha publicitá-ria para enfatizar os valores desejados.

A propaganda tinha a tarefa não apenas de divulgar u m a novidade, mas t a m b é m de associar valores às novas formas de energia e seus equi-pamentos em contraposição a seus concorrentes. Para R u t h C o w a n (1979: 223) as propagandas, nas primeiras décadas do século XX, agiam c o m o "ideólogos", encorajando mudanças sociais. N u m m e r c a d o e m rápida expansão e altamente competitivo c o m o o dos Estados Unidos, havia a necessidade não apenas da propaganda, mas de outras formas de promoção. A l é m da divulgação e da associação do p r o d u t o c o m deter-minados valores, surgiu a necessidade de educar as donas de casa no uso dos novos e q u i p a m e n t o s . Em 1917, o Public Service Electric and Gas Company, de N e w Jersey, contratou u m a home economist para desenvol-ver um programa de educação das donas de casa sobre os benefícios do gás e da eletricidade (Goldstein, 1997: 123).

Devido à lenta difusão dos aparelhos elétricos, havia a necessidade de divulgação por m e i o de propagandas, exposições e show-rooms c o m cozinhas montadas para demonstrar o funcionamento. A existência de um departamento e u m a função específica, a da home economist, c o m -provam a articulação de várias estratégias, no sentido de promover o uso do gás e da eletricidade. Os esforços deste departamento ajudaram a introduzir novas formas de organização do trabalho doméstico e, p r i n -cipalmente, de novos m é t o d o s de cozinhar e mudanças nos padrões de nutrição. A home economist aparecia c o m o a mediadora entre a nova tecnologia e seu público-alvo, as donas de casa. Todo este esforço estava voltado para a mulher, reforçando o trabalho doméstico c o m o ativida-de feminina e construindo a consumidora (Goldstein, 1997: 142). Na organização das empresas de gás no Brasil, não havia esta função, mas, ao longo da década de 1920, foi criado um departamento de economia doméstica que se p r o p u n h a a divulgar supostas vantagens econômicas do uso do gás. Mas a divulgação do uso do gás estava a cargo dos departamentos comerciais das empresas carioca e paulista.

O desenvolvimento da publicidade, desde os primeiros anúncios, m e r a m e n t e descritivos, até as campanhas elaboradas por empresas p u -blicitárias, estava fortemente associado ao desenvolvimento u r b a n o e

(13)

econômico. As empresas fornecedoras de gás e eletricidade usaram a propaganda c o m o forma de quebrar as resistências da população e ao m e s m o t e m p o esclarecer o funcionamento, t o r n a n d o a nova tecnologia m e n o s estranha.

Há u m a grande diferença entre o padrão americano e as experiên-cias brasileiras em relação à publicidade. No caso americano, a despeito da necessidade de divulgar e tornar conhecidas novidades c o m o o gás e a eletricidade, era a forte competição que dava o t o m das campanhas publicitárias. A publicidade era parte de um e m p r e e n d i m e n t o maior, que envolvia u m a série de atividades voltadas para a difusão de novas tecnologias domésticas. As vendas por catálogos tiveram t a m b é m u m a grande importância no crescimento do c o n s u m o em um país de gran-des dimensões c o m o os Estados Unidos.

O Brasil, m e s m o em seus centros urbanos, não tinha esta dimensão de consumo, e os padrões de propagandas importados dos Estados Unidos muitas vezes destoavam da realidade. Empresas monopolistas c o m o o g r u p o Light não usavam a publicidade c o m o forma de vencer a c o n -corrência, mas sim para divulgar e vencer as resistências às novidades, c o m o a eletricidade e o gás. U m a das estratégias utilizadas era estigma-tizar os concorrentes (a lenha e o carvão) e fixar valores novos ao uso da tecnologia. Em São Paulo e no R i o de Janeiro, já havia vários a n ú n -cios de fogões desde o final do século XIX, principalmente os fogões de ferro a lenha, importados dos Estados U n i d o s . Mas foi c o m a oferta de gás e eletricidade p o r u m a empresa altamente organizada e formada por capital estrangeiro, c o m o o g r u p o Light, que a propaganda foi usada de forma sistemática.

Os jornais sempre tiveram um papel de destaque na divulgação de produtos em p e q u e n o s anúncios, mas foram as revistas periódicas que se t o r n a r a m o principal suporte da atividade publicitária na virada do século XIX para o XX. Em São Paulo, nas primeiras décadas do século XX, h o u v e o surgimento de um grande n ú m e r o de revistas, muitas delas de vida efêmera, mas que tiveram grande destaque. C o m a grande diversificação industrial e comercial da cidade, muitos comerciantes e fabricantes c o m e ç a m a editar folhas de reclame ou publicações para uso próprio, c o m o o Jornal do Annuncio (1901), O Intervallo (1905), O Binóculo (1905) e A Propaganda (1906). O estabelecimento de um m e r -cado publicitário propiciou o desenvolvimento de revistas voltadas

(14)

pa-ra u m a parcela maior da população, sustentadas em gpa-rande parte pelos anunciantes. Entre as revistas, destacam-se a Vida Moderna (1907), A Cigarra (1914) e a Revista feminina (1915), além dos almanaques e dos j o r -nais. As revistas (e seus anúncios) eram parte integrante e legitimavam o intenso processo de transformações urbanas, vividas por cidades c o m o São Paulo e R i o de Janeiro. C o n f o r m e Márcia Lotito, em seu estudo sobre o papel da publicidade na cidade de São Paulo, "A exaltação do progresso c o m a exacerbação do crescimento da cidade e omissão do conflito tal c o m o era representado nos anúncios, constitui u m a das carac-terísticas importantes do discurso publicitário, preocupado c o m a for-mação de um mercado c o n s u m i d o r " (Lotito, 1997: 81).

Essa preocupação c o m a formação de um mercado consumidor era ainda mais importante no caso do gás e da eletricidade, fomentando o consumo de um tipo de energia e aparelhos em substituição à antiga tradição enraizada na cozinha brasileira. E fica clara já no início do forne-cimento de gás para uso doméstico, c o m o vemos em relatórios da The San Paulo Gas Co. em 1903: "O gerente, em recente carta, afirma que as pessoas das classes mais baixas estão c o m e ç a n d o a usar gás. A c o m p a -nhia está t o m a n d o medidas para ensinar as pessoas a usar o gás para cozinha e aquecimento, e até agora os resultados são satisfatórios"1 1.

U m a das preocupações era c o m o m a n u s e i o dos e q u i p a m e n t o s . As propagandas muitas vezes se constituíam em verdadeiras bulas, escla-r e c e n d o váescla-rios aspectos em escla-relação ao f u n c i o n a m e n t o , p escla-r i n c i p a l m e n t e no caso do fogão a gás, mas isto não parecia suficiente, e seria necessá-ria a adoção de outras ações, voltadas para a educação e não apenas de apresentação do p r o d u t o . Vários problemas t o r n a r a m lenta a adoção do gás doméstico em São Paulo. A resistência à novidade e o alto preço aumentavam as dificuldades, c o m o constatava a companhia:

A novidade do p r o d u t o c o m o combustível, o custo comparativam e n t e alto do gás, devido a baixa taxa do c â comparativam b i o durante os p r i -meiros anos da guerra, o baixo preço de outros combustíveis, a faci-lidade em se conseguir empregados acostumados aos fogões a lenha, e a timidez da c o m p a n h i a em estimular o p r o d u t o foram responsá-veis pelo l e n t o progresso feito no início. De 1910 até o início da

(15)

guerra m u n d i a l , c o m melhores preços do gás e o evidente cresci-m e n t o de São Paulo, o gás cocresci-mbustível teve ucresci-m rápido progresso. A propaganda que c o m e ç o u em 1913 e foi intensificada em j u n h o de 1914 p r o d u z i u excelentes resultados1 2.

Entre os problemas que t e r i a m dificultado a expansão do uso do fogão a gás, o relatório destaca os custos e o fato de ser algo novo. Resolver o p r o b l e m a do preço era u m a questão administrativa, mas divulgar u m a novidade exigia publicidade. U m a das soluções seria esta intensa c a m p a n h a publicitária, que se iniciou em 1913, apesar de propagandas esparsas anteriormente publicadas em revistas e jornais. O principal objetivo da companhia de gás era convencer o consumidor a se conectar à rede. Isto implicava obter o fogão (ou aquecedor) e todo o aparato de abastecimento (tubulações e medidores). U m a vez conectado, o fornecimento era ininterrupto e a empresa se encarregava de incen-tivar o consumo de gás, oferecendo descontos a partir de um patamar mínimo. Estabelecia-se, assim, u m a nova relação no consumo, completa-mente dissociada de necessidades específicas. A relação de consumo, as-sim c o m o outras formas de relacionamento c o m a empresa (contrato, manutenção, inspeção, e t c ) , apresentava-se de forma indireta e abstrata. Tudo isto implicava novas formas de m e d i a ç ã o de antigas práticas domésticas, a partir de então submetidas a novas regras. Isto acabaria trazendo dificuldades no relacionamento c o m u m a empresa internacio-nal, mas ficava obscurecido pelo discurso da propaganda, sempre ressal-tando os possíveis ganhos obtidos na adesão a um novo sistema.

A experiência da Société Anonyme du Gaz ajudou a The San Paulo Gas Co., q u a n d o ambas as empresas passaram a fazer parte do g r u p o Light. Em São Paulo, a campanha publicitária c o m e ç o u em 1912 e foi intensificada em 1914, principalmente nos jornais. A l é m das propagan-das em jornais e revistas, a empresa passou a distribuir folhetos nas ruas e manter show-room c o m exibição de fogões e outros equipamentos. A companhia de gás t a m b é m abriu lojas o n d e mantinha um c o r p o de vendedores e propagandistas, que ganhavam comissão pela venda de fogões. U m a série de correspondências entre George Seylaz

(16)

tendente do departamento comercial em São Paulo) e H. B. H a r r o p (gerente do R i o de J a n e i r o )1 3 mostra a importância da reorganização

do d e p a r t a m e n t o comercial e c o m o ela privilegiou atividades ligadas à divulgação dos fogões a gás. Foi criado t o d o um c o r p o especializado para a venda e a divulgação do gás e de equipamentos domésticos, sem-pre em consonância c o m o R i o de Janeiro. Havia u m a série de novos procedimentos referentes a informes de vendas e relatórios c o m orça-mentos de instalações, que caracterizavam a existência de u m a grande estrutura voltada para a venda e a m a n u t e n ç ã o dos aparelhos.

Ao contrário das propagandas de aparelhos domésticos que se limi-tavam a informar os objetos à venda e o n o m e da loja, a campanha das empresas de gás visava apresentar um novo p r o d u t o , associando-o a determinados valores em contraposição ao uso da lenha e do carvão e, mais importante, fixar o p r o d u t o : "fogão a gás", sempre presente c o m destaque. As atividades do departamento comercial envolviam t a m b é m a distribuição de folhetos nas ruas, visando divulgar e popularizar seu principal produto. Em carta de 19 de agosto de 1914, o superintendente do departamento comercial da The San Paulo Gas Co. informava ao escritório do R i o de Janeiro sobre a distribuição:

R e c e b e m o s o n t e m a noite seu telegrama dando instruções para a distribuição de folhetos. As provas ficaram prontas nesta manhã e 200 folhetos foram distribuídos a tarde. Enviei especialmente para este traba-l h o funcionários q u e t r a b a traba-l h a m na m a n u t e n ç ã o da i traba-l u m i n a ç ã o particular. Você encontrará em anexo um exemplar do folheto que distribuímos1 4.

Funcionários de outras áreas eram deslocados para este trabalho. Tra-tava-se de u m a campanha agressiva que muitas vezes se chocava c o m as autoridades públicas, ferindo a lei de posturas municipais. A novidade não era apenas do produto, mas t a m b é m das formas de divulgação, o que causava problemas em São Paulo. Em carta de 27 de agosto de 1914, George Seylaz informava o R i o de Janeiro sobre a situação: " E x p e r i -m e n t a -m o s algu-mas dificuldades c o -m a distribuição de folhetos. Existe

1 3 C o r r e s p o n d ê n c i a s . F u n d o G e o r g e Seylaz, FPHESP. 1 4 I d e m .

(17)

u m a postura municipal proibindo a distribuição de folhetos soltos e alguns de nossos h o m e n s t ê m sido perseguidos p o r conta disso." Os funcionários não t i n h a m n e n h u m respaldo na atividade de distribuição dos folhetos, fugindo das autoridades por absoluta falta de informações sobre a legalidade dos procedimentos. Na resposta do R i o de Janeiro, em 28 de agosto de 1914, a solução:

Considerando a postura municipal que proíbe a distribuição de folhetos soltos, acho que o contrato de gás em São Paulo exige que a C o m p a n h i a i m p r i m a e distribua determinadas informações c o m o fazemos no R i o . Se assim for, devemos imprimi-las no verso futuros folhetos e a polícia não poderá interferir1 5.

Fica claro que, no R i o de Janeiro, este tipo de atividade ligado à divulgação era algo mais corriqueiro, ao contrário de São Paulo. Mas a adoção do gás envolvia não apenas a divulgação de suas qualidades, mas o aprendizado do uso de u m a nova forma de energia p o u c o conhecida e o uso de um aparelho altamente especializado e totalmente m e c a n i -zado. Apesar de t o d o este aparato, a divulgação feita pelo g r u p o Light não tinha o m e s m o grau de desenvolvimento da indústria americana. A l é m das óbvias diferenças entre as indústrias e os mercados c o n s u -midores brasileiro e americano, fica claro que um dos diferenciais é o fato de n ã o haver c o n c o r r ê n c i a . N o s Estados U n i d o s , a forte c o n c o r -rência entre a indústria do gás e da eletricidade p r o v o c o u não só o d e s e n v o l v i m e n t o da p u b l i c i d a d e e da e d u c a ç ã o d o m é s t i c a , mas a inovação t e c n o l ó g i c a (Goldstein, 1983, B u s c h , 1997). S e g u n d o Jane B u s c h (1983: 223), c o m o d e s e n v o l v i m e n t o t é c n i c o do fogão e l é t r i co a partir de 1930, as indústrias enfrentaram o p r o b l e m a de a u m e n -tar a d e m a n d a de c o n s u m o para estes aparelhos. A l é m das estratégias de marketing, a c o m p e t i ç ã o levou ao m a i o r desenvolvimento do d e senho industrial em série e, em última instância, à obsolescência p r o -gramada (Goldstein, 1997: 147). No nosso caso, c o m o m o n o p ó l i o do gás e da eletricidade pela Light, no R i o de Janeiro e em São Paulo, esta competição não aconteceu. O maior competidor do fogão a gás nunca foi o fogão elétrico, mas a lenha e o carvão. Para vencer a

(18)

cia da dona de casa, era necessário combater a antiga tradição da cozinha

brasileira, impondo a mecanização da área de serviço. Para isto

identifi-cavam-se o gás e a eletricidade com as transformações em curso nas

principais cidades brasileiras, desprestigiando a antiga cozinha e também

a experiência das antigas cozinheiras.

O fato é que a lentidão na adoção do gás na cozinha estava ligada

não somente a fatores econômicos, mas sobretudo às resistências em

relação à operação dos novos equipamentos domésticos. As noções de

progresso que as elites endossavam (e que envolviam desde requisitos

sanitários até a racionalização das tarefas, sem excluir as dimensões

estéticas) inseriam-se com dificuldade na ordem social vigente -

princi-palmente nas relações de trabalho. As empresas de energia procuravam

fomentar o consumo de gás e eletricidade (além dos equipamentos

correspondentes) apelando para um desejo difuso de modernização

das elites urbanas. Apesar do limite do consumo de gás, ele teve um

grande impacto no desenvolvimento de uma nova casa (principalmente

a cozinha), definindo um modelo ideal, além de seu papel na definição

do espaço urbano da cidade de São Paulo. Condensou-se uma

articu-lação de amplas conseqüências, entre Estado (agente determinante),

capital (capital estrangeiro e seus interesses) e infra-estrutura (novo vetor

de produção do espaço urbano e doméstico).

Fontes

F u n d o s arquivísticos - F u n d a ç ã o d o P a t r i m ô n i o H i s t ó r i c o d a E n e r g i a d e São P a u l o M e e t i n g s of c o m p a n i e s a n d d i r e c t o r reports, San P a u l o Gas C o m p a n y , The Brazilian

Review, august, 4t h 1903.

Report of proceeâings at the extraordinary general meeting, h e l d on friday j u l y 7, 1911. F u n d o G e o r g e E. Seylaz - correspondências e relatórios; Cartas trocadas entre G e o r g e

Seylaz (São Paulo Gas C o m p a n y ) e H. B. H a r r o p (Société A n o n y m e du G a z - R J ) , 1914. T h e ' c o m u n i t y o f interests clause' a n d t h e p u r c h a s e o f c o n t r o l b y Brazilian T r a c t i o n

C o . , The San Paulo Gas Company Ltd., m a y 7t h 1949.

H i s t o r y of p l a n t a n d g r o w t h of t h e services, The San Paulo Gas Company, m a y 4t h, 1949.

Referências bibliográficas

A N T E C E D E N T E S históricos, Início d a i l u m i n a ç ã o p ú b l i c a e m São Paulo. São Paulo, C o m g á s , 1987.

(19)

ARTIGAS, R o s a C a m a r g o (org.), Casa âas Retortas, São Paulo, Secretaria M u n i c i p a l de C u l t u r a , 1980.

AS O R I G E N S do gás e sua industrialização em São Paulo, São P a u l o : C o m g á s , 1987. B U S C H , J a n e , " C o o k i n g c o m p e t i t i o n : t e c h n o l o g y o n t h e d o m e s t i c m a r k e t i n t h e 1930's",

Technology and Culture, C h i c a g o , v. 24, n. 2, abr. 1983, p p . 222-245.

C O W A N , R u t h S c h w a r t z , " T h e ' I n d u s t r i a l R e v o l u t i o n ' i n t h e h o m e . H o u s e h o l d t e c h n o l o g y a n d social c h a n g e s in 2 0 t h - c e n t u r y " , Technology and Culture, C h i c a g o , n. 1, v. 17, 1979, p p . 1 - 2 3 .

DEAN, Warren, A industrialização de São Paulo (1880-1945), São Paulo: Difel / Edusp, 1971. _ _ _ _ _ _ _ _ , " A floresta c o m o f o n t e d e e n e r g i a n a u r b a n i z a ç ã o e n a i n d u s t r i a l i z a ç ã o de São P a u l o : 1900-1950", Anais do Primeiro Seminário Nacional de História e Energia, São P a u l o , v. 2, 1987, p p . 41-47.

DIAS, R e n a t o Feliciano ( C o o r d . ) , Panorama do setor de energia elétrica no Brasil, R i o de J a n e i r o : C e n t r o d e M e m ó r i a d a Eletricidade n o Brasil, 1988.

G I E D I O N , Siegfried, Mechanization takes command: a c o n t r i b u t i o n to a n o n y m o u s history. N e w York, W . W . N o r t o n , 1948.

G O L D S T E I N , C a r o l y n M . , " F r o m service t o sales: H o m e e c o n o m i c s i n L i g h t a n d Power, 1920-1940", Technology and Culture, v. 38, n. l . j a n . 1997, p p . 121-152. G R A H A M , R i c h a r d , Grã-Bretanha e o início da modernização no Brasil. São P a u l o : Brasiliense,

1973.

LEMOS, Carlos, A República ensina a morar (melhor), São P a u l o : E d i t o r a H u c i t e c , 1999. L O L I L O , Márcia Padilha, "A cidade c o m o espetáculo: publicidade e vida u r b a n a na São

Paulo dos anos 20, São P a u l o " , Dissertação (Mestrado) em História Social — Faculda-de Faculda-de Filosofia, Letras e Ciências H u m a n a s , UniversidaFaculda-de Faculda-de São Paulo, 1997. MENDES, Dirce Paula et al."A formação do G r u p o Light", Memória Eletropaulo, São Paulo,

n. 24,1997, p. 35-61.

MENESES, U l p i a n o T. B e z e r r a de, "O fogão da Société Anonyme du Gaz. Sugestões para u m a leitura histórica de i m a g e m publicitária", Projeto História, São Paulo, n. 2 1 , nov. 2000, p p . 105-119.

R A F F A R D , H e n r i q u e , Alguns dias na paulicéia, São P a u l o : A c a d e m i a Paulista de Letras, 1977.

SAES, Flávio A z e v e d o M a r q u e s de, " C a f é , i n d ú s t r i a e eletricidade em São P a u l o " , H i s -tória & E n e r g i a . São P a u l o , n. 1, m a i o de 1986, p p . 2 1 - 3 1 .

SOUZA, E d g a r d de, História da Light: primeiros 50 anos, São P a u l o : Eletropaulo, 1989. SZMRECSÁNYI, T; SAES, Flávio, " E n e r g i a elétrica e capital estrangeiro: o caso da São

Referências

Documentos relacionados

Com relação ao CEETEPS, o tema desta dissertação é interessante por se inserir no Programa de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA), sob a tutela da Coordenação de

Finalmente, esses três domínios também interagem com o sistema (ou entorno). A família, amigos, colegas, entre outros, constituem o sistema social no qual nos movimentamos.

Os EUA têm nos pequenos estados do Golfo o seu último bastião na região, banidos que foram do Irão em 1979, empurrados para fora da Arábia após a revolução, e incapazes de deter

No 8º dia após o último comprimido de DELLAX 20 e DELLAX 30 (ou seja, após os 7 dias da semana de intervalo), inicie a fita seguinte, mesmo que a hemorragia não tenha parado.

A inscrição do imóvel rural após este prazo implica na perda do direito de manter atividades agropecuárias em áreas rurais consolidadas em APP e Reserva Legal, obrigando

“A ignorância é a força” (BIHR, Alain. La novlangue néolibérale: la rhétorique du fé! chisme capitaliste.. O modelo constitucional de seguridade social adotado

A prova do ENADE/2011, aplicada aos estudantes da Área de Tecnologia em Redes de Computadores, com duração total de 4 horas, apresentou questões discursivas e de múltipla

17 CORTE IDH. Caso Castañeda Gutman vs.. restrição ao lançamento de uma candidatura a cargo político pode demandar o enfrentamento de temas de ordem histórica, social e política