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A REVITALIZAÇÃO DO CAIS MAUÁ E A PRIVATIZAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO EM PORTO ALEGRE

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Academic year: 2021

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A “REVITALIZAÇÃO” DO CAIS MAUÁ E A PRIVATIZAÇÃO DO

ESPAÇO PÚBLICO EM PORTO ALEGRE

Meriene Santos de Moraes

merienemoraes@yahoo.com.br Mestranda em Geografia, bolsista PET SESu/MEC, UFRGS

Pedro Toscan Contassot

pedrotoscan@hotmail.com Graduando em Geografia, bolsista PET SESu/MEC, UFRGS

A administração pública, nas mais diversas cidades do globo, tem adotado o empreendedorismo urbano com o objetivo de inserir as cidades em um mercado internacional competitivo, voltado à atração de investimentos estrangeiros, megaeventos e turistas. Essa tendência toma corpo em projetos de refuncionalização urbana, como o do Cais Mauá, em Porto Alegre – RS. Esse espaço público, patrimônio histórico da capital, foi arrendado por meio de uma parceria público-privada, e está sendo “revitalizado” para abrigar um shopping, um hotel e outros estabelecimentos destinados ao consumo e ao lazer. Com essa pesquisa, portanto, buscamos acompanhar as transformações que estão em curso na área do Cais, para compreender as relações socioeconômicas que estão por trás dessa nova lógica de gestão do território, e suas possíveis consequências no espaço urbano.

Palavras-chave: empresariamento urbano; privatização do espaço público; refuncionalização. Eixo: Geografia Urbana

Introdução

Nessa pesquisa buscamos compreender as transformações socioespaciais que estão em curso no entorno do cais do porto, lugar tão marcante na história quanto na paisagem de Porto Alegre. Pretendemos enxergar as relações socioeconômicas por trás das mudanças desse espaço, e que darão novos conteúdos às formas preexistentes, por meio do projeto de “revitalização”.

A construção do porto fluvial de Porto Alegre teve início por volta de 1911. O trecho mais antigo, o do Cais Mauá, foi finalizado em 1927, e hoje tem seus armazéns protegidos pelo Patrimônio Histórico Nacional e Municipal. Segundo a Prefeitura, desde 2005, apenas o Cais Navegantes vem sendo utilizado para transporte de

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cargas. Propostas de renovação do Cais Mauá, no entanto, vêm sendo feitas desde

1991. Em 2010, após décadas de especulações sobre o futuro do cais, o Consórcio Porto Cais Mauá do Brasil foi habilitado para arrendar, por 25 anos, a área de 3.240 metros de comprimento, por meio de uma parceria público-privada (PPP). O Consórcio é formado pela espanhola GSS Holdings (com 51% de participação), pela NSG Capital, do Rio de Janeiro (39%) e pela Contern, do Grupo Bertin (10%). Desde novembro de 2013, a empresa Procon Construções já está realizando obras no local. O projeto de “revitalização” assinado pelo escritório espanhol b720, do renomado arquiteto Fermín Vázquez, prevê a instalação de bares, restaurantes, casas noturnas, shopping center, hotel butique, estacionamento e um museu da Coca-Cola na área.

Posto isso, centramos nosso problema de pesquisa na seguinte questão: quais transformações globais que condicionam hoje a gestão do território, no que diz respeito às políticas públicas de refuncionalização urbana?

Objetivos

Procuramos analisar as particularidades destas transformações socioespaciais globais, no caso de Porto Alegre, com o projeto de refuncionalização do Cais Mauá. Para isso, temos como objetivos específicos: I) levantar informações acerca da parceria público-privada e do projeto urbanístico que já estão sendo executados na área do cais; II) buscar relacionar prováveis fatores que, em conjunto, levam à adoção deste modelo de refuncionalização; III) apontar as possíveis consequências dessas transformações globais na gestão do território, com base em conceitos como “cidade-mercadoria”, privatização do espaço público, gentrificação, entre outros relacionados à produção capitalista do espaço.

Metodologia

Esse trabalho é realizado por meio de uma pesquisa exploratória, apoiada na análise empírica e teórica do nosso objeto de estudo. Iniciamos com o trabalho de campo e levantamento fotográfico, assim como o acompanhamento de artigos veiculados nos principais jornais locais, a respeito das obras de refuncionalização que já estão ocorrendo no cais. Pretendemos entrevistar os responsáveis pela Supervisão do Planejamento Urbano de Porto Alegre, os investidores e os realizadores do projeto, além de buscar outras informações junto ao Arquivo Público Municipal. Com relação ao referencial teórico, nossa pesquisa se apoia em trabalhos da Geografia Urbana e Política e, mais especificamente, sobre as transformações globais que influenciam hoje a gestão do território, com base em autores como David Harvey, Fernanda Sánchez e Neil Smith.

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Fundamentação Teórica

Segundo HARVEY (2005), o processo de feitura da cidade, no capitalismo tardio, é tanto produto quanto condição dos processos de transformação da governança urbana. Os governos municipais, nessa fase, são inclinados a adotar uma postura empreendedora em relação ao desenvolvimento econômico, visando maximizar a atratividade local como chamariz para investimentos estrangeiros, megaeventos e grandes projetos urbanísticos. É nesse sentido que o autor fala de “empresariamento urbano”, um modo de planejar e gerir a cidade que visa atender a diversos mercados como o financeiro, o cultural, o turístico, o das corporações multinacionais, o do consumo de alto padrão, entre outros. Dessa forma, no regime capitalista de acumulação flexível, a cidade é reinventada para permitir a expansão do capital. Emerge, assim, a “cidade-mercadoria”, ou seja, a cidade vendida como produto no mercado mundial, no qual “o espaço abstrato – o espaço do valor de troca – se impõe sobre o espaço concreto da vida cotidiana – o espaço do valor de uso” (SÁNCHEZ, 2010, p. 44).

Considerando que “os modos de produção escrevem a História no tempo e as formações sociais escrevem-na no espaço” (SANTOS, 1977, p.88), podemos afirmar que o modo de produção capitalista deixa seus traços característicos nos territórios. É no espaço que ficam as formas herdadas de outros períodos históricos e é nele também que estão as formas do momento atual e as projetadas para o futuro. Assim, o movimento de evolução da sociedade se dá junto à evolução do espaço. É nesse contexto que o termo “revitalização” vem sendo amplamente utilizado nos discursos políticos e pela grande mídia, ocultando uma conotação elitista que esse tipo de intervenção urbana pode ter. De acordo com NIGRO (2010, p. 76), as revitalizações têm por objetivo valorizar e refuncionalizar o patrimônio histórico e arquitetônico das cidades, sendo executadas, na maioria dos casos, sobre áreas pontuais do espaço urbano, com vistas à readequação funcional, à valorização imobiliária e ao incremento do consumo, por intermédio de financiamentos e parcerias com a iniciativa privada. Sánchez também vai ao encontro desta visão, dizendo que

o atual padrão de investimento, gestão e produção do espaço urbano se encontra determinado pelo padrão contemporâneo de produção da riqueza, cuja lógica expansiva atinge seletivamente alguns fragmentos das cidades, onde são promovidos os projetos de renovação. Desse modo, a reestruturação econômica se faz, necessariamente, por meio da reestruturação do espaço e da reestruturação da gestão da cidade (SÁNCHEZ, 2010, p. 347).

Assim como a mercantilização urbana, a privatização do espaço público é um reflexo do empreendedorismo urbano. É por isso que, para SERPA (2011), os novos

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padrões de lazer e consumo das classes médias, associados a shopping centers,

clubes privados e equipamentos em condomínios fechados, são os motores das transformações urbanas em áreas industriais, residenciais ou comerciais degradadas, que as “reintegram” para servir à lógica capitalista de produção do espaço.

Essas transformações globais na gestão do território acabam, indiretamente, levando a um processo de valorização do solo urbano na área renovada e entorno. Por isso,

no que diz respeito à base espacial, a expansão econômica ocorre hoje não por meio da expansão geográfica absoluta, mas pela diferenciação

interna do espaço geográfico. A produção atual do espaço, ou do

desenvolvimento geográfico é, portanto, um processo acentuadamente desigual. A gentrificação, a renovação urbana e o mais amplo e complexo processo de reestruturação urbana são todos parte da diferenciação do espaço geográfico na escala urbana [...] (SMITH, 2007, p. 18, grifo nosso).

Gentrificação, portanto, expressa uma “definição de fronteiras de classe por meio da intervenção espacial” (SÁNCHEZ, 2010, p. 489), eliminando, pelo menos de vista, a segmentação socioespacial, os conflitos e as desarmonias, através da criação de cenários de prosperidade e limpeza.

Resultados Iniciais

O projeto arquitetônico de “revitalização” do Cais foi apresentado em 2011. A proposta visa, de acordo com seus idealizadores, potencializar a região por meio de intervenções na área e no entorno, como a implantação de ruas para pedestres e canteiros centrais com deques e mobiliário urbano – fazendo a conexão com as áreas de praças e recreação do Cais, recuperação de fachadas, nova arborização, trilho para implantação do bonde histórico, recomposição da pavimentação, estacionamentos subterrâneos, ciclovias, entre outros. Em junho de 2013, a Prefeitura Municipal de Porto Alegre entregou as licenças para a Porto Cais Mauá do Brasil, dando ordem de início para o restauro dos nove armazéns tombados pelo patrimônio histórico municipal. As intervenções devem atingir um espaço de 20 mil m², que vai abrigar bares, restaurantes e lojas.

Em matérias veiculadas pela imprensa local, em abril de 2014, a equipe técnica do projeto Cais Mauá está buscando inspiração em outros projetos de renovação portuária no mundo. Foram visitados os portos Victoria & Alfred Waterfront, na Cidade do Cabo, e Port Vell, em Barcelona. Outras visitas deverão ser ainda realizadas no Porto Antico, em Genova, e no Inner Harbor, em Baltimore, sendo este último a maior referência para o projeto de Porto Alegre.

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Como Porto Alegre está entre as cidades-sede da Copa do Mundo FIFA, as obras

deveriam estar prontas antes do mês de junho de 2014. No entanto, a Cais Mauá do Brasil admite que estarão abertos, no máximo, dois armazéns até o início dos jogos. Desde o início das obras, a área do Cais está fechada para a circulação de pedestres.

Conclusões

Existe um modelo global e hegemônico de política e de gestão urbana sendo adotado nas mais diversas cidades do mundo, e Porto Alegre está seguindo essa tendência. A “revitalização” do cais do porto é apenas uma das várias intervenções urbanísticas de cunho elitizador que estão sendo adotadas na cidade. Essas renovações visam atender aos interesses dos investidores, fazendo parte, portanto, de uma agenda de privatizações do espaço público. Sendo assim, com a força da especulação imobiliária, a supervalorização do solo urbano continuará provocando a gentrificação, agravando e expandindo problemas socioespaciais. Além disso, os espaços públicos ficam cada vez mais submetidos aos interesses privados, na contramão do que seria a produção e apropriação democrática da cidade.

Por fim, é importante salientar que não há informações claras e precisas o suficiente a respeito das obras. Com o objetivo de acessar dados oficiais, tentamos inúmeras vezes entrar em contato com os responsáveis pelo projeto na Prefeitura Municipal, mas não tivemos sucesso. Seguiremos com nossa pesquisa, buscando encontrar todas as informações necessárias para atingir nossos objetivos. Por enquanto, podemos afirmar que a falta de transparência e de participação popular nas decisões com relação a esse tipo de obra, que entrega o espaço público à iniciativa privada, é consequência do empresariamento urbano, típico do modo de produção capitalista do espaço, que busca maximizar oportunidades de negócios na (e com a) cidade, perpetuando desigualdades e injustiças socioespaciais.

Referências bibliográficas

HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2005. NIGRO, Cíntia. As dimensões culturais e simbólicas nos estudos geográficos: bases e especificidades da relação entre patrimônio cultural e geografia. In: PAES, Maria Tereza Duarte; OLIVEIRA, Melissa Ramos da Silva (Orgs.). Geografia, turismo e patrimônio cultural. São Paulo: Annablume, 2010.

SÁNCHEZ, Fernanda. A reinvenção das cidades para um mercado mundial. 2.ed. Chapecó, SC: Argos, 2010.

SANTOS, Milton. Sociedade e Espaço: A Formação Social como Teoria e como Método. In: Boletim Paulista de Geografia. N. 54. São Paulo, SP: AGB, jun. 1977.

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SERPA, Angelo. O espaço público na cidade contemporânea. 1.ed. São Paulo:

Contexto, 2011.

SMITH, Neil. Gentrificação, a fronteira e a reestruturação do espaço urbano.

GEOUSP: espaço e tempo, jul. 2011. Disponível em: <http://citrus.uspnet.usp.br/

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