XIII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis
XIII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 27 de novembro a 01 de dezembro de 2017
A criatividade e a educação estética como elementos de mediação em
Vigotsky
Noeli Reck Maggi Doutora em Educação
Centro Universitário Ritter dos Reis nrmaggi@uniritter.edu.br
Resumo: O presente trabalho trata da criatividade e da educação estética em Vigotsky e suas
implicações na leitura, escrita e expressão da subjetividade. O estudo faz uma análise teórica destes temas como processos em construção que o sujeito desenvolve na interação ativa com indivíduos situados em contextos sociais e culturais. O texto se fundamenta no referencial teórico do sociointeracionismo, apoio conceitual utilizado para compreender as implicações da educação estética e do pensamento criativo nas produções e interpretações do sujeito em situação de aprendizagem formal e não formal representada na leitura, escrita e interpretação da realidade. A cognição, a afetividade e a criatividade são dimensões da atividade psíquica do sujeito e estão associadas à possibilidade de pensar, criar, inventar, encontrar saídas para os conflitos e desafios que as situações de aprendizagem exigem. O estudo envolveu análise teórico-prática com reflexão sobre conceitos e princípios de pesquisadores da área do sociointeracionismo. Na medida em que traços associados à criatividade, como espontaneidade, curiosidade, independência, iniciativa, forem cultivados e reforçados no meio social e cultural onde o indivíduo se encontra inserido, produções criativas terão mais chances de ocorrer. O princípio de liberdade é uma das condições imprescindíveis da aprendizagem criativa e expressão da subjetividade.
1 Educação estética e criatividade
“A arte transfigura a realidade não só nas construções da fantasia mas também na elaboração real dos objetos e situações. A casa e o vestiário, a conversa e a leitura, e a maneira de andar, tudo isso pode servir igualmente como o mais nobre material para a elaboração estética. [...] assim como a eletricidade não existe só onde existe a tempestade, a poesia também não existe só onde há grandes criações de arte, mas em toda parte onde soa a palavra do homem.” (VIGOTSKI, 2010, p.352)
Podemos pensar a estética nos processos educativos e nos objetos de conhecimento sem exagerar demais o sentido das emoções estéticas ou de ver nelas quase um recurso pedagógico radical que resolve todos os problemas difíceis e complexos de educação, (VIGOTSKY, 2010, p.323).
Enquanto as crianças pensam brincando, fantasiando e tomando a realidade como um grande campo a ser transformado segundo seus próprios desejos, o adulto brinca pensando, fazendo transitar seus desejos entre o mundo imaginário e o das representações simbólicas, agora ancoradas na realidade. Neste momento, especialmente para as crianças, pessoas e objetos assumem novo sentido e se locomovem atendendo ao que é convocado pelo imaginário de quem constrói esta nova realidade.
Uma das questões que surgem, tratando-se do desenvolvimento humano, é compreender quais fatores favorecem o pensamento espontâneo e criativo. O ambiente
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facilitador para as aquisições básicas do desenvolvimento do humano propicia uma passagem gradual do sujeito da sua dependência em relação ao ambiente, que no inicio é absoluta, para a independência gradativa, acompanhada da realização de seus próprios desejos.
Para que o ser humano possa construir uma vida de relação, necessita da interação com o outro no sentido social e cultural. Assim, esse processo que inicia na família tem continuidade na escola, no grupo de amigos, no trabalho e na vida em geral. A criatividade, a cognição e o sentido atribuídos às pessoas e ao mundo dos objetos podem ser constituídos a partir da interação, recurso fundamental para estabelecer e reconstruir laços sociais como também para poder encontrar significado na experiência. Esse é um dos princípios encontrados nos pressupostos teóricos da epistemologia genética, segundo Jean Piaget (1978), como no sociointeracionismo, segundo Vigotski (2007).
A interação propicia o encontro com o novo, com o diferente e embora haja uma suposição de dar e encontrar sentido ao que se experimenta no decorrer de um processo interativo, não se pode afirmar que este seja um elemento sempre presente. A palavra emitida pelo outro tem um sentido que muitas vezes a criança e até mesmo o adulto não consegue traduzir. Porque não está realçado por uma lógica objetiva, o sentido é o que convoca o sujeito a sempre enfrentar novas modalidades de interpretar, compreender e articular ideias, aproximar e distanciar pessoas, lembrar e reprimir imagens e situações. O sentido é um elemento subjetivo que escapa a qualquer descrição epistemológica sobre o que está sendo experimentado; trata-se de um aspecto singular e pessoal de cada sujeito, na interação. Os processos de mediação podem facilitar a expressão de significados e de sentidos em situação de leitura e de escrita criativas. As crianças reeditam significado e sentido no que realizam por meio das experiências de aprendizagem mediadas pelo professor. As experiências cognitivas e afetivas das trajetórias de vida de cada sujeito são revisadas e redimensionadas de modo criativo a cada palavra escrita e falada. Neste sentido, os instrumentos, as ferramentas, os signos e símbolos disponibilizados pelo professor na mediação com os alunos podem favorecer a criatividade e a dimensão estética da educação, dependendo de como são apresentados e trabalhados como estímulos à aprendizagem.
A criatividade é um tema relacionado a fatores pouco visíveis e que concorre para a determinação de realizações consideradas exitosas ou não, para o desenvolvimento e aprendizagem. Em todo o processo de desenvolvimento cognitivo a ação do sujeito está presente desde o movimento sensório-motor aos movimentos operatórios concretos e abstratos. Portanto a forma como este sujeito percebe e interpreta a sua realidade depende em grande parte pelo que lhe é oportunizado nos momentos de interação, especialmente pelo que medeia a relação entre ele e o objeto de conhecimento.
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Vigotsky (2007) introduz o princípio da mediação, conceito que agrega a possibilidade de o professor utilizar instrumentos e recursos próprios da cultura do aluno para fazer avançar a aprendizagem com criatividade.
2 Educação estética, criatividade e aprendizagem
“A princípio a arte surge por uma necessidade da vida, o ritmo é uma forma primária de organização do trabalho e da luta, os adornos são componentes da corte sexual e a arte tem um caráter nitidamente utilitário e de trabalho.” (VIGOTSKI, 2010, p.335)
A criatividade propicia a oportunidade para a experiência amorfa, para os impulsos motores e sensórios que constituem a matéria-prima do brincar. A criação está sustentada na atividade combinatória do ser humano, na sua habilidade de poder resgatar situações e lembranças anteriores de sua vida reorganizando-as em novas configurações.
A teoria psicanalítica (Freud, (1908 [1907]) realça a idéia de que a repressão pessoal exacerbada, a censura projetada nos olhares externos impossibilita a criança ou o adulto de perceber-se livre e autor de suas criações. Os objetos internalizados como experiências constituidoras da subjetividade estão presentes no aparelho psíquico e podem ser reeditadas, como também nomeadas com novos significados e sentidos.
Para Vigotski (2010, p.333), o principal na música é o que não se ouve, nas artes plásticas o que não se vê nem se apalpa. O momento da percepção sensorial da forma, aquele trabalho desempenhado pelo olho e o ouvido constitui apenas o momento primeiro e inicial da vivência estética. Resta examinar os outros dois. Sabemos que uma obra de arte é um sistema especialmente organizado de impressões externas ou interferências sensoriais sobre o organismo. Entretanto, essas interferências sensoriais estão organizadas e construídas de tal modo que estimula no organismo um tipo de reação diferente do que habitualmente ocorre, e essa atividade específica, vinculada aos estímulos estéticos, é o que constitui a natureza da vivência estética e a capacidade de encontrar sentido.
É nessa tarefa que o professor, na função de mediador, pode refletir sobre os objetivos propostos e também sobre a sua ação educativa para investigar se ela oportuniza que os alunos estabeleçam relações das informações aprendidas com diversas e variadas situações da realidade com imaginação e criatividade. O ser humano aprende a ser criativo. Na infância as expressões lúdicas e espontâneas acompanhadas muitas vezes pelo brincar se manifestam de modo natural, sem censura ou temor de uma possível desaprovação. É necessário fazer laço com a potencialidade criativa do sujeito que exercita a ação espontânea para possibilitar que mais tarde ele encontre sentido em outras relações. Universos sociais e culturais muito diferentes podem ser explicados com suporte teórico do sócio-interacionismo (PERRET-CLERMONT, 2004) que, embora não justifique, explicita causas e sugere alternativas para trabalhar com crianças e jovens. Por outro lado, perceber
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a proximidade entre os sujeitos que se distanciam tanto pela sua condição de vida, mas que se assemelham como humanos (PINO, 2005), parece bastante complexo e necessário para desempenhar a função de educador.
A escola, ignorando inteiramente o fato psicológico da diversidade de possíveis interpretações e conclusões morais, sempre procurou enquadrar qualquer vivência estética em um conhecido dogma moral. A escola se contentou em assimilar esse dogma sem suspeitar de que o texto artístico frequentemente não só não ajuda a assimilá-lo como, ao contrário, infunde uma concepção moral de ordem justamente oposta. (VIGOTSKI, 2010, p. 327). A educação estética não se reduz ao sentimento do agradável, ao prazer pela obra de arte ou ao que vê nela. Não se reduz a um objetivo em si ou a um sentimento imediato do prazer e alegria que ela suscita na criança ou no adulto.
3 Metodologia
O estudo envolveu análise teórico-prática com reflexão sobre conceitos e princípios de pesquisadores da área do sociointeracionismo.
4 Conclusões
Os objetivos propostos pela escola em termos de aprendizagem e ensino podem favorecer o desenvolvimento do potencial criador dos alunos e dos seus professores em função da mediação e da circularidade da comunicação entre os pares, como também pode obstruir a criatividade em função do excesso de formalismo no encaminhamento das atividades. A ação docente centrada na prática da reflexão e da progressiva conscientização promove a formação continuada do professor. Oficinas de jogos como apoio para construir e dominar formas diferenciadas de intervenção e de mediação em sala de aula favorece a criatividade e a expressão estética.
Na medida em que traços associados à criatividade, como espontaneidade, curiosidade, independência, iniciativa, forem cultivados e reforçados no meio social e cultural onde o individuo se encontra inserido, produções criativas terão mais chances de ocorrer. O trabalho da mediação das professoras durante as atividades conduzidas proporciona o desenvolvimento de importantes habilidades da escrita. Os recursos, como ferramentas de ensino, são artefatos sociais que modificam a organização mental das crianças e repercutem no contexto em que elas vivem.
A aprendizagem e o desenvolvimento não seguem uma lógica linear, portanto as crianças não aprendem todas ao mesmo tempo, da mesma forma e com o mesmo conjunto de conteúdos. Assim, a materialidade de recursos como imagens, textos, músicas pode promover processos criativos e descoberta no sentido estético que venha a sustentar a representação de signos e símbolos. O estímulo à leitura e às produções escritas de modo
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compartilhado faz com que os aprendizes revisem a forma pessoal de expressar suas emoções e de interpretar a realidade.
A aprendizagem não tem de se sustentar sobre os ciclos de desenvolvimento já completados, mas naqueles que estão em processo inicial. A compreensão do dinamismo psíquico envolvido na aprendizagem sugere que pais, gestores escolares e educadores estejam atentos para os processos estéticos, cognitivos e criativos do sujeito. É necessário incluir nessas observações as formas de representação da realidade que são utilizadas, como também os determinantes culturais e históricos, os papéis sociais, as estereotipias e os mitos familiares.
Os espaços escolares agregam sujeitos com identidades que se aproximam e se distanciam a partir da expressão de subjetividades. Esse parece ser um movimento dinâmico em que a educação ocupa espaço privilegiado para dinamizar, contextualizar e ampliar o significado e sentido da leitura e interpretação da realidade.
Referências
FREUD, Sigmund. (1908 [1907]). Escritores criativos e devaneio. In: _____ Obras Completas de Sigmund Freud. Ed. Standard Brasileira, Rio de Janeiro: Imago, 1980, V. IX. PERRET-CLERMONT, Anne-Nelly; PONTECORVO, Clotilde; RESNIK, Lauren B.; ZITTOUN, Tania; BURGE, Barbara. Integração Social: aprendizagem e interacção social na adolescência e juventude. Tradução Alexandra Estrela. Lisboa: Instituto Piaget, 2004.
PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança. Tradução Álvaro Cabral e Christiano Monteiro Oiticica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.
PINO, Angel. As marcas do humano: às origens da constituição cultural da criança na perspectiva de Lev S. Vigotsky. São Paulo: Cortez, 2005.
VIGOTSKI, L. S. Psicologia pedagógica. Trad. Paulo Bezerra. 3ª ed.. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010
VYGOTSKI, Lev. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Tradução José Cipolla Neto, Luis Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche - 7ª ed. - São Paulo: Martins Fontes, 2007.